Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:121/17.5BERPT
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/19/2017
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
EFEITO DO RECURSO
DEMOLIÇÃO
NULIDADE DE LICENCIAMENTO
EFEITOS PUTATIVOS
FUMUS BONI IURIS
Sumário:I – Nos termos do artigo 143º nº 2 alínea b) do CPTA o recurso (apelação) interposto de decisões respeitantes a processos cautelares tem efeito meramente devolutivo.

II – O âmbito de aplicação do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 143º do CPTA restringe-se às situações em que é requerido ao tribunal, ao abrigo do nº 3, a modificação do efeito suspensivo do recurso enquanto efeito regra (cfr. nº 1), sendo inaplicável quando o efeito devolutivo do recurso decorre imperativamente da lei, como sucede nas situações previstas no nº 2 do artigo 143º do CPTA.

III – A norma do artigo 162º nº 3 do CPA novo, referente à possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo, tal como a que lhe correspondia no artigo 134º nº 3 do CPA/1991, apenas pode ser utilizada em casos que, face à duração temporal da situação de facto, as expectativas entretanto criadas e a adequação social dessas concretas situações justifique a atribuição de certos efeitos ao ato nulo.

IV - No âmbito do direito do urbanismo impõe-se que se tenha se um especial cuidado na aplicação desta norma; primeiro, face à circunstância de o legislador expressamente consagrar como regra a nulidade dos atos praticados em violação dos instrumentos urbanísticos, traduzindo, assim, uma expressa opção legislativa, pelo desvalor mais grave e respetivo regime decorrente de uma tal violação, evitando-se assim, a verificação de «ato consolidado» pelo decurso dos prazos de anulação de atos administrativos meramente anuláveis, e com ele da verificação de facto consumado, em detrimento dos valores e interesses que as normas (violadas) dos instrumentos de gestão urbanística visam preservar; segundo, porque o legislador limitou temporalmente (ao prazo de 10 anos), em matéria urbanística, e em certas condições, quer a possibilidade da declaração administrativa da nulidade de atos em matéria urbanística quer a instauração da ação pública destinada à declaração judicial da sua nulidade (cfr. artigo 69º nº 4 do RJUE, aprovado pelo DL. nº 555/99).

V – Se ao abrigo dos atos de licenciamento reconhecidamente nulos o requerente procedeu à demolição e remoção das habitações que até então se encontravam edificadas passando a erigir, em sua substituição, nova edificação, o que apenas se pretende preservar através da pretendida providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que ordena a demolição, são as obras de construção da nova edificação, na parte em que se foram executadas até ao momento do embargo de que foram alvo, não estando em causa as edificações que ali anteriormente tinham sido edificadas, as quais já não subsistem.

VI – Não se mostra preenchido o requisito do fumus boni iuris com vista à decretação da providência cautelar de suspensão de eficácia do ato de ordena a demolição de obras entretanto executadas ao abrigo de ato de licenciamento reconhecidamente nulo, se não se está perante situação que possa beneficiar do disposto no artigo 162º nº 3 do CPA novo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

PAUL …………… (devidamente identificado nos autos), requerente no Processo Cautelar que instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé contra a AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE (igualmente devidamente identificada nos autos) – no qual requereu que fosse decretada providência cautelar de suspensão de eficácia do identificado ato administrativo praticado pelo Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve consubstanciado na identificada ordem para demolir a construção e remover o entulho – inconformado com a sentença de 14-07-2017 do Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido cautelar, dela interpõe o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que decrete a providência cautelar requerida, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos:
A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 14 de Julho de 2017, que decidiu não decretar a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo que ordena a demolição da construção propriedade do ora Recorrente.

B) O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão com base no argumento de que não se encontram preenchidos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar requerida, a saber, periculum in mora, fumus bani juris e ponderação de interesses, conforme exigem os n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA.

C) Em especial, no que toca ao periculum in mora, considerou a decisão recorrida que, in casu, não se verificava qualquer situação de fundado receio de ocorrência de prejuízo de difícil reparação ou que ocorresse facto consumado com o não decretamento da providência.

D) Por outro lado, sem analisar a questão do ponto de vista do mecanismo do art. 162.º, n.º 3, do CPA - como abundantemente defendido no requerimento cautelar - e sem dar fundamento suficientemente inteligível para a solução adoptada na decisão relativamente ao ponto suscitado sobre a tutela da confiança, considerou o douto Tribunal que a boa-fé do Recorrente não exerce qualquer influência no mérito cautelar ora em causa, negando-se a existência defumus banijuris com base nessa mesma concepção.

E) Perante tais argumentos, vem o Recorrente interpor recurso da decisão de mérito cautelar por considerar que se encontram verificados os requisitos para o decretamento da providência requerida.

F) Desde 1983 que parte da ilha da Armona está concessionada ao Município de Olhão e, também sensivelmente desde o mesmo ano, que a Câmara Municipal tem concedido alvarás de ocupação daquela ilha para diversos fins, incluindo os de construção.

G) Apesar de concessionada em parte, a ilha da Armona não o está totalmente, permanecendo uma parte da ilha sob a alçada da Recorrida, enquanto representante dos interesses do Estado português, seu proprietário em regime de dominialidade marítima.

H) Durante 30 anos a Câmara Municipal de Olhão emitiu alvarás de utilização e construção em toda a ilha, convencendo-se que os limites da concessão eram bem mais lassos do que na verdade o Decreto-Lei n.º 92/1983 definiu.

I) A Recorrida, e respectivos antecessores nas suas atribuições, nada fizeram contra a Câmara Municipal ou contra as construções ilegais que ali se iam fazendo, provocando um sentimento de permissibilidade tal que se gerou hoje um conflito de competência sobre parte da ilha entre a dita Câmara Municipal e a Recorrida.

J) Gerou-se, em boa verdade, uma aparência de legalidade em toda aquela situação ilegal que, passados 30 anos de passividade por quem lhe devia por cobro, só se podia prever que acabasse no ponto em que está hoje: criou-se um precedente administrativo, uma norma consuetudinária de competência que, se não pode criar direito proprio sensu, cria, por certo, a confiança legítima e digna de tutela por parte do Direito.

K) O Recorrente, cidadão britânico, residente em Londres, dirigiu-se, em 2014 - bem depois do dito costume estar formado - à Câmara Municipal de Olhão para adquirir autorização para construção de uma moradia na ilha da Armona.

L) A Câmara Municipal averbou o nome do Recorrente em Alvarás já emitidos desde finais dos anos 80 do século passado o seu nome, transferindo a titularidade dos direitos neles firmados.

M) O mesmo Recorrente seguiu os trâmites indicados e pagou o que lhe era exigido pela CMO a título de taxas, impostos e licenças para poder começar a construir, iniciando um procedimento de licenciamento urbanístico para edificação - como manda a Lei - obtendo aprovação por parte do Executivo olhanense.

N) Já iniciada a construção, foi o Recorrente surpreendido com uma ordem de embargo e com um procedimento contra-ordenacional por parte do INCF, l.P., seguidos de uma ordem de demolição por parte da Entidade ora Recorrida;

O) O investimento de confiança feito, gerador de incontestável boa-fé, foi frustrado por um comportamento claramente em venire contra factum proprium por parte da APA que durante 30 anos nada fez para repor a legalidade - quando em bom tempo o podia ter feito, impedindo a criação do costume a que se fez referência.

P) Para travar os efeitos da ordem de demolição - que criaria uma situação de facto consumado o Recorrente dirigiu ao TAF de Loulé um requerimento cautelar para suspensão da eficácia do acto administrativo que ordenava a demolição.

Q) Notificado da sentença que indeferiu o decretamento da dita providência, vem o ora Recorrente interpor recurso para o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, uma vez que considera que a sentença recorrida padece de erros vários na aplicação do Direito.

R) Em matéria de periculum in mora, o não decretamento da providência inutilizaria por completo a pretensão de não demolição do edificado por motivos de tutela da boa-fé, com base no mecanismo do art. 162.º, n.º 3, do CPA. Gerar-se-ia um facto consumado que impediria por completo a tutela jurisdicional da pretensão do Recorrente. Por isto mesmo, é incontestável que se verifica o periculum in mora.

S) Em matéria de fumus boni juris, o art. 162.º, n.º 3, do CPA, especialmente no momento presente em que a redacção do artigo não exige qualquer passagem do tempo mas apenas a concorrência dos princípios da boa-fé, justiça e proporcionalidade em caso de situações de facto criadas à sombra de actos nulos, como é aqui o caso - à luz da lei os Alvarás da Câmara Municipal de Olhão são nulos por incompetência absoluta -, a pretensão do Recorrente tem fundamento bastante à luz do art. 120.º, n.º 1, 2ª parte, do CPTA para ser decretada a providência cautelar.

T) Finalmente, no que toca à ponderação de interesses exigida pelo art. 120.º, n.º 2, do CPTA, exige-se para o decretamento da providência cautelar que os efeitos do seu não decretamento para os interesses públicos e privados em causa devidamente sopesados cause mais prejuízo do que se fosse decretada a dita providência.

U) Claramente, in casu, e atendendo à premência do periculum in mora que aqui se verifica, se não fosse decretada a providência, o Recorrente ficaria bem mais prejudicado no seu interesse em manter a edificação do que ficaria o interesse público - que não se descortina concreto e específico como exige a doutrina e jurisprudência mas tão só aquele interesse público geral de reposição da legalidade.

V) Finalmente, requer-se que seja atribuído, com base nos mesmos motivos pelos quais deve a providência cautelar ser decretada, efeito suspensivo ao presente recurso porque, muito embora o art. 143.º, n.º 2, al. b) do CPTA atribua efeito meramente devolutivo ao presente recurso, a verdade é que, atentos os contornos do presente caso, se deve fazer uma extensão teleológica dos n.ºs 3 a 5 daquele artigo para que se atribua ao presente recurso efeito suspensivo.

W) De facto, se assim não se entender, do mesmo modo em que se originará com o não decretamento da providência cautelar uma situação de facto consumado ou de difícil reparação que inutilizaria por completo a tutela dos interesses do Recorrente na acção principal - que já corre no TAF de Loulé com o n.º 121117.0BELLE-A - também teria exactamente o mesmo efeito intolerável à luz do direito fundamental plasmado nos arts. 20.º e 268.º, n.º4, da Constituição da República a não atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.

X) Por outro lado, não colhem também as teorias correntes na doutrina e jurisprudência, que negam a possibilidade de aplicação dos n.ºs 3 a 5 do art. 143.º do CPTA à atribuição de efeito suspensivo aos recursos que por lei só o têm meramente devolutivo, uma vez que assentam na ideia de que haveria uma mera repetição de ponderação de interesses quando na verdade o juiz ad quem não está sujeito aos juízos do tribunal a quo pelo que perde todo o significado uma tal argumentação.

Y) Por este motivo, e porque caso contrário estar-se-ia a restringir por completo o direito constitucionalmente consagrado ao recurso jurisdicional e votando ainda o interesse do Recorrente a uma mera summaria cognitio própria da tutela cautelar sem nunca haver um judicial due process que possa ser apelidado de tal, é forçoso que se defira o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.

Z) Face ao exposto, e porque se encontram reunidos os pressupostos para decretamento da tutela cautelar de suspensão da eficácia do acto demolitório da Requerida, deve a sentença em crise ser revogada e substituída por uma outra que decrete a providência requerida, bem como deve ser deferido o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.


Contra-alegou a recorrida pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Sul e neste notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu Parecer no sentido da manutenção da sentença recorrida, nos seguintes termos essenciais:
«(…)
3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes ao invocado erro, segundo a recorrente, praticado pelo Município de Olhão, relativamente à definição geográfica dos terrenos/talhões em apreço, e bem assim das questões atinentes à verificação dos pressupostos no âmbito do periculum in mora e fumus boni iuris, como bem decorre, nomeadamente das conclusões H, R e S da motivação de recurso apresentado pelo recorrente;
4. Antes do mais, deverá referir-se que a Douta decisão de que se recorre procedeu, na ótica do Ministério Público, a uma correta apreciação dos factos levados ao conhecimento do Tribunal e bem assim à sua subsunção ao Direito, evidenciando clara fundamentação, razão pela qual não é, salvo melhor opinião, merecedora de qualquer censura;
5. Razão pela qual o Ministério Público acompanha, em toda a sua extensão e com os fundamentos ali invocados, aresposta à motivação de recurso subscrita pela Agência Portuguesa do Ambiente, pelo que nos dispensamos da desnecessária repetição argumentativa, sem prejuízo das considerações que seguem:
Assim,
6. Refira-se, desde logo, que não subsistem quaisquer dúvidas de que inexiste qualquer instrumento jurídico que, de algum modo, tenha conferido ao Município de Olhão quaisquer poderes para atribuir títulos de utilização privativa do Domínio Público Marítimo (DPM) fora da área concessionada;
7. Sendo certo que tais poderes de administração estão, sem qualquer contestação, nomeadamente de cariz jurídico, exclusivamente conferidos à Agencia Portuguesa do ambiente, IP, como aliás decorre clara e expressamente do disposto na Lei nº 54/2005 (atualizado), de 15 de Novembro e do Decreto-Lei nº 56/2012 (atualizado), de 12 de Março.
8. Ora, como bem decorre dos Autos, nomeadamente dos documentos que o próprio recorrente juntou, a edificação em causa e objeto da ordem de demolição, encontra-se implantada em terrenos de DPM, fora da área concessionada;
9. Não estando o seu proprietário munido de título de qualquer título de utilização privativa do DPM (licença ou concessão) emitido pela entidade a quem a lei confere os poderes para tanto, em conformidade com o disposto nos artigo 7º e 56º ss. da Lei 59/2005;
10. Sendo certo que é esta falta de título de utilização que suporta o ato suspendendo.
11. É neste quadro que o recorrente clama pela procedência cautelar, alegadamente sustentado na boa-fé do Município de Olhão ao praticar atos que estão, notoriamente, feridos de invalidades, nomeadamente por clara usurpação de poderes no âmbito da emissão de títulos de utilização privativa do DMP fora da área concessionada, como é o caso dos Autos;
12. Trata-se, assim, de uma matéria da exclusiva responsabilidade de actuação daquele Município e ao qual a recorrida é, naturalmente alheia;
13. Tanto mais que o mencionado Município poderá, se demandado a tal, responder em juízo no âmbito da prática de atos ilícitos, em sede de responsabilidade extra-contratual e, como já referido, numa relação exclusiva operada entre aquele e o recorrente;
14. Quanto ao mais e como já referido, o Ministério Público subscreve o argumentário apresentado pela agência Portuguesa do Ambiente.»

Dele notificadas as partes, nenhuma se apresentou a responder.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º nº 1 alínea e) e nº 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.


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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/ das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se a sentença recorrida ao decidir julgar improcedente o pedido cautelar incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa, por se encontrarem verificados, diferentemente do que entendeu, os requisitos para o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia requerida pelo recorrente - (vide, especialmente, conclusões E), S), R) e T) das alegações de recurso).
*
Importa ainda, todavia, e primeiramente, decidir a questão prévia do efeito do recurso invocada pelo recorrente – (conclusões V. a Y. das alegações de recurso).
O que se passa a fazer.
~
Da questão prévia do efeito do recurso:
O recorrente pretende (nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões V. a Y.) que ao recurso seja atribuído efeito suspensivo ao recurso com base nos mesmos motivos pelos quais deve a providência cautelar ser decretada, porque, muito embora o art. 143.º, n.º 2, al. b) do CPTA atribua efeito meramente devolutivo, em face dos contornos do presente caso se deve fazer uma extensão teleológica dos n.ºs 3 a 5 daquele artigo para que se atribua ao presente recurso efeito suspensivo; que se assim não se entender, do mesmo modo em que se originará com o não decretamento da providência cautelar uma situação de facto consumado ou de difícil reparação que inutilizaria por completo a tutela dos interesses do Recorrente na ação principal, também teria exatamente o mesmo efeito intolerável à luz do direito fundamental plasmado nos arts. 20.º e 268.º, n.º4, da Constituição da República a não atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso; que não colhem também as teorias correntes na doutrina e jurisprudência que negam a possibilidade de aplicação dos n.ºs 3 a 5 do art. 143.º do CPTA à atribuição de efeito suspensivo aos recursos que por lei só o têm meramente devolutivo, uma vez que assentam na ideia de que haveria uma mera repetição de ponderação de interesses quando na verdade o juiz ad quem não está sujeito aos juízos do tribunal a quo pelo que perde todo o significado uma tal argumentação; que por tal motivo, e porque caso contrário estar-se-ia a restringir por completo o direito constitucionalmente consagrado ao recurso jurisdicional e votando ainda o interesse do Recorrente a uma mera summaria cognitio própria da tutela cautelar sem nunca haver um judicial due process que possa ser apelidado de tal, é forçoso que se defira o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.
No seu despacho de 28-08-2017, pelo foi admitido o presente recurso, a Mmª Juíza do Tribunal a quo fixou efeito meramente devolutivo ao recurso, com invocação do artigo 143º nº 2 alínea b) do CPTA.
E esse efeito deve ser mantido, pelo seguinte.
Comece por explicitar-se que, atenta a data em que o presente processo cautelar foi instaurado (03-03-2017, data em que o requerimento inicial foi apresentado em juízo via SITAF – cfr. fls. 1.), lhe são aplicáveis as normas do CPTA resultantes da nova redação dada pelo DL. n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, como resulta do seu artigo 15º nºs 1 e 2. Pelo que devem considerar-se feitas para os normativos resultantes das alterações introduzidas pelo DL. n.º 214-G/2015, todas as referenciais feitas aos normativos daquele Código, salvo menção em contrário.
O artigo 143º nº 1 do CPTA dispõe como regra que os recursos ordinários dos processos dos tribunais administrativos têm efeito suspensivo.
Todavia o nº 2 ressalva ali desde logo, que “para além de outros a que a lei reconheça tal efeito” são meramente devolutivos os recursos interpostos das “decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes” (alínea b)).
Assim, resulta claramente daquela disposição que o recurso (apelação) da sentença proferida em processo cautelar tem efeito meramente devolutivo.
Invocando, todavia, o disposto nos nºs 4 e 5 do mesmo artigo 143º do CPTA requere o recorrente que ao recurso seja atribuído efeito suspensivo.
O artigo 143º nº 4 do CPTA admite, com efeito, que “quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos”.
E o nº 5 do mesmo artigo dispõe que a “atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos”.
Ambos os dispositivos já constavam, aliás, da redação original do artigo 143º do CPTA. E tal como então sucedia, não podem, também, atualmente, ser lidos e interpretados de forma desgarrada, antes devendo atender-se à sua inserção sistemática, procurando simultaneamente, a partir dos seus elementos literais e considerando a lógica do sistema jurídico, encontrar a sua racio, de modo a fazer-se uma interpretação adequada que vá de encontro à solução que há-de ter sido querida dar pelo legislador (cfr. artigo 9º do Código Civil).
Na sua versão original era a seguinte a redação do artigo 143º do CPTA:
“Artigo 143.º
Efeitos dos recursos
1 - Salvo o disposto em lei especial, os recursos têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
2 - Os recursos interpostos de intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias e de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo.
3 - Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4 - Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5 - A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”

Na sua versão atual é a seguinte a redação do artigo 143º do CPTA:
“Artigo 143.º
Efeitos dos recursos
1 — Salvo disposto em lei especial, os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
2 — Para além de outros a que a lei reconheça tal efeito, são meramente devolutivos os recursos interpostos de:
a) Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias;
b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes;
c) Decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, nos termos do artigo 121.º
3 — Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, pode requerer que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
4 — Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5 — A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.”

Importa aqui recuperar o que já se disse, a este propósito, no acórdão deste TCA Sul de 16-03-2017, Proc. 754/16.2BELRA, in, www.dgsi.pt/jtcas, de que fomos relatores, que se passa a citar:
«1.3.9 Ora resulta que, quer na versão original, quer na versão atual do artigo 143º do CPTA, os seus nºs 4 e 5 (que se mantiveram inalterados) estão na decorrência do que é disposto no nº 3, o qual se refere às situações em que o efeito suspensivo do recurso (efeito regra previsto no nº 1, sempre que a lei não disponha diferentemente) pode ser modificado por decisão judicial para efeito meramente devolutivo, isto é “…quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos”.
E é nessa situação, tendo por base tal circunstância, que os nºs 4 e 5 daquele artigo 143º apelam à ponderação dos danos que possam ser causados com a atribuição (judicial) de efeito meramente devolutivo ao recurso, determinando que, em tal caso, o Tribunal possa determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos (cfr. nº 4) e estatuindo que o pedido de atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso deve ser recusada se for de considerar que os danos que resultariam da atribuição de tal efeito se mostrem superiores àqueles que podem resultar “da sua não atribuição” (i. é, do efeito suspensivo regra do recurso) (cfr. nº 5).
1.3.10 Assim, tendo presente a sua inserção sistemática, e procurando simultaneamente, a partir dos seus elementos literais e considerando a lógica do sistema jurídico, encontrar a sua racio, de modo a fazer-se uma interpretação adequada que vá de encontro à solução que há-de ter sido querida dar pelo legislador (cfr. artigo 9º do Código Civil), tem que concluir-se que o âmbito de aplicação do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 143º do CPTA se restringe às situações em que é requerido ao tribunal, ao abrigo do nº 3, a modificação do efeito suspensivo do recurso enquanto efeito regra (cfr. nº 1), sendo inaplicável quando o efeito devolutivo do recurso decorre imperativamente da lei, como sucede nas situações previstas no nº 2 do artigo 143º do CPTA
Não havendo razões para dissentirmos do que assim ali entendemos.
Razão pela qual deve ser mantido o efeito meramente devolutivo que foi fixado ao recurso.
O que se decide.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
Nos termos do nº 6 do artigo 663º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, remete-se para a factualidade dada como provada na sentença recorrida, a qual não vem impugnada no presente recurso nem deve ser objeto de qualquer alteração.
*
B – De direito

1. Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgou improcedente o pedido cautelar formulado.
Decisão que, tendo por base a matéria de facto que nela foi dada como provada, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever, no que para a utilidade do presente recurso releva:
«O artº 120º do CPTA, preconiza os critérios de decisão dos quais depende a concessão das providências cautelares.
Assim, nos termos conjugados dos nºs 1 e 2 do artº 120º do CPTA, depende a adopção da providência cautelar de suspensão de eficácia dos seguintes critérios:
a) haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente – vide alínea nº 1 do artº 120º do CPTA; e,
b) quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências – vide nº 2 do artº 120º do CPTA.
Cabe, de seguida, analisar o primeiro.
– nº 1 do artº 120º do CPTA –
A concessão da providência depende da demonstração do periculum in mora.
No que concerne ao periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, p 309 que “se não falharem os demais pressupostos … (a providência) deve ser concedida desde que os factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.
Por sua vez, a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.
Nas palavras de Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 4ª edição, p 298,“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
O periculum in mora define-se, pois, como o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o Requerente.
In casu, desde já se diga, que em termos de ponderação de interesses, resulta que os prejuízos do decretamento da presente providência são manifestamente superiores para a Entidade Requerida do que para o Requerente.
Vejamos.
Os Lotes ou talhões com os nºs 203 e 204 reportados aos Alvarás de Licença nºs 133/89 e 443, foram emitidos pela Câmara Municipal de Olhão.
O Decreto-Lei nº 92/83, de 16 de Fevereiro, veio autorizar o Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes a conceder ao Município de Olhão o direito de uso privado de terrenos do domínio público marítimo situados na ilha de Armona e pela planta anexa a este diploma e a Base I, constata-se que os supra citados Lotes não estão incluídos na área concessionada.
Por sua vez, a Lei nº 58/2005 de 29 de Dezembro, veio aprovar a Lei da Água, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, estabelecendo as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas.
Dispõe o seu artº 1º o seguinte: “1 – A presente lei estabelece o enquadramento para a gestão das águas superficiais, designadamente as águas interiores, de transição e costeiras, e das águas subterrâneas, de forma a:
a) Evitar a continuação da degradação e proteger e melhorar o estado dos ecossistemas aquáticos e também dos ecossistemas terrestres e zonas húmidas directamente dependentes dos ecossistemas aquáticos, no que respeita às suas necessidades de água;
b) Promover uma utilização sustentável de água, baseada numa protecção a longo prazo dos recursos hídricos disponíveis;
c) Obter uma protecção reforçada e um melhoramento do ambiente aquático, nomeadamente através de medidas específicas para a redução gradual e a cessação ou eliminação por fases das descargas, das emissões e perdas de substâncias prioritárias;
d) Assegurar a redução gradual da poluição das águas subterrâneas e evitar o agravamento da sua poluição;
e) Mitigar os efeitos das inundações e das secas;
f) Assegurar o fornecimento em quantidade suficiente de água de origem superficial e subterrânea de boa qualidade, conforme necessário para uma utilização sustentável, equilibrada e equitativa da água;
g) Proteger as águas marinhas, incluindo as territoriais;
h) Assegurar o cumprimento dos objectivos dos acordos internacionais pertinentes, incluindo os que se destinam à prevenção e eliminação da poluição no ambiente marinho.
2 – A presente Lei da Água assegura a transposição da Directiva nº 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água”.
O nº 1 do artº 7º da citada Lei, no que ora interessa, estatui que “As instituições da Administração Pública a cujos órgãos cabe exercer as competências previstas na presente lei são:
a) A nível nacional, o Instituto da Água (INAG), que, como autoridade nacional da água, representa o Estado como garante da política nacional das águas;
b) A nível de região hidrográfica, as administrações das regiões hidrográficas (ARH), que prosseguem atribuições de gestão das águas, incluindo o respectivo planeamento, licenciamento e fiscalização”.
No que respeita aos Lotes ou talhões com os nºs 203 e 204 que nos ocupam, sitos em terrenos pertencentes ao domínio público marítimo, a competência para a atribuição de licenças é da Entidade Requerida.
Estando aqueles Lotes ou talhões fora da área concessionada, os Alvarás de Licença de uso privativo nºs 133/89 e 443 foram emitidos sem que para tal a autarquia de Olhão tivesse competência. Isto porque a competência para a sua atribuição é da Entidade Requerida, o que vale por dizer que o Requerente não tem direito de ocupação daquelas parcelas de terreno.
Assim, o licenciamento para construção levado a efeito pela Câmara Municipal de Olhão, à luz do previsto na alínea a) do artº 68º do RJUE, é nulo, por violação de planos especiais de ordenamento do território.
Traz-se à colação que as obras em apreço, licenciadas pelo Alvará de Demolição, Alteração e Ampliação nº 22 e pelo Alvará de Alteração e Ampliação Com Demolição Do Existente nº 23, estão implantadas em terrenos classificados, de acordo com a Planta de Síntese do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura-Vila Real de Santo António (de ora em diante designado por POOC Vilamoura-VRSA), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 103/2005, publicado no Diário da República, I Série-B, de 2005.06.27, como espaço natural/ dunas – vide nºs 1 e 2 e alínea d) do nº 3 do artº 21º.
Importa que nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 22º do POOC Vilamoura-VRSA, em espaço natural/ dunas é proibida a realização de obras de edificação.
A definição de obras de edificação é dada pela alínea vv) do artº 4º do POOC Vilamoura-VRSA como “a actividade ou o resultado da construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de um imóvel destinado a utilização humana, bem como de qualquer outra construção que se incorpore no solo com carácter de permanência”.
Ora, a intervenção urbanística realizada pelo Requerente consistiu na construção de uma moradia para fins habitacionais, e por isso, o ICNF, I.P., procedeu ao respectivo embargo como referido no seu ofício de 24 de Maio de 2016.
A construção em causa não só era proibida nos termos do POOC Vilamoura-VRSA, mas também ex vi da aplicação do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa (de ora em diante designado por RPOPNRF), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 78/2009, de 2 de Setembro.
Densifica o RPOPNRF que os Lotes em análise se inserem em terreno classificado como área de protecção parcial tipo i., sendo que a alínea b) do nº 1 do artº 20º daquele diploma dispõe que nessa área são interditas quaisquer obras de construção ou ampliação de edifícios.
Igualmente, mercê do determinado na alínea a) do nº 1 do artº 20º do Decreto-Lei nº 166/2008, de 22 de Agosto que regula o Regime Jurídico da REN, são interditas naquele local obras de construção e ampliação, em virtude de se integrarem na área da Reserva Ecológica Nacional.
Donde, a circunstância de o Requerente possuir licença municipal para a realização das obras nos lotes em apreço, só por si, não lhe confere o direito a construir, visto que atentos os artºs 59º, 60º e 61º da Lei nº 58/2005 de 29 de Dezembro, tinha que lhe ter sido, também, concedida uma licença/ concessão pela Entidade Requerida.
Convoca-se que o artº 2º do Regime da Utilização de Recursos Hídricos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 44/2012, de 29 de Agosto, estabelece que “1 – Se for abusivamente ocupada qualquer parcela do domínio público hídrico, ou nela se executarem indevidamente quaisquer obras, a autoridade competente intimará o infractor a desocupá-la ou a demolir as obras feitas, fixando para o efeito o prazo.
2 – Sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem e da efectivação da responsabilidade civil do infractor pelos danos causados, uma vez decorrido o prazo fixado pela autoridade competente, esta assegurará a reposição da parcela na situação anterior à ocupação abusiva, podendo para o efeito recorrer à força pública e ordenar a demolição das obras por conta do infractor.
(…)”
Assim, a razão da elaboração do ofício de 2 de Fevereiro de 2017 pela Entidade Requerida, que detalhadamente transcreveu o elenco legislativo aplicável à situação de facto verificada in loco no terreno, no qual o Requerente levava a efeito as obras, notificando-o da respectiva demolição e remoção do entulho.
Neste âmbito, o supra mencionado Decreto-Lei prevê no seu artº 2º, o que segue:
“1 - Se for abusivamente ocupada qualquer parcela do domínio público hídrico, ou nela se executarem indevidamente quaisquer obras, a autoridade competente intimará o infractor a desocupá-la ou a demolir as obras feitas, fixando para o efeito um prazo.
2 - Sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem e da efectivação da responsabilidade civil do infractor pelos danos causados, uma vez decorrido o prazo fixado pela autoridade competente, esta assegurará a reposição da parcela na situação anterior à ocupação abusiva, podendo para o efeito recorrer à força pública e ordenar a demolição das obras por conta do infractor.
3 - Quando as despesas realizadas pela autoridade competente nos termos do número anterior não forem pagas voluntariamente no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito, estas são cobradas judicialmente em processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão comprovativa das despesas efectuadas emitida pela autoridade competente para ordenar a demolição.
4 - Se o interessado invocar a titularidade de um direito sobre a parcela ocupada, este deve provar a condição afirmada e requerer a respectiva delimitação, podendo a autoridade competente autorizar provisoriamente a continuidade da utilização privativa”.
É inquestionável que a construção pelo Requerente de uma moradia nos lotes em causa integrados no domínio público marítimo, configura uma utilização abusiva, dado que não possui para o efeito de um título válido, pelo que o acto suspendendo não padece dos vícios que aquele lhe assacou.
Por outro lado, converge que a construção da moradia sub juditio não é susceptível de legalização, desde logo porque os títulos de utilização dos recursos hídricos previstos no artº 1º do último Decreto-Lei supra assinalado são: “A autorização, licença ou concessão constituem títulos de utilização dos recursos hídricos, e são reguladas nos termos da Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, e do presente decreto-lei”.
Acresce que nenhum daqueles títulos poderá ser concedido para efeitos de habitação pois este uso não se encontra legalmente previsto nos artºs 59º a 68º da Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 245/2009, de 22 de Setembro e no supracitado Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio.
Ademais, o artº 106º do RJUE que o Requerente traz à colação, não impulsiona a Entidade Requerida a desencadear um procedimento nesse sentido mas tão-só lhe confere a possibilidade de evitar a demolição nos seus precisos termos.
Aqui chegados, salienta-se que a Câmara Municipal de Olhão licenciou a demolição e autorizou a construção de novo edifício, o que em viola as supra referenciadas normas do POOC Vilamoura-VRSA, do RPOPNRF e do Regime Jurídico da REN, como estipulam as alíneas b) e g) do artº 2º do RJUE.
Consequentemente, aquele licenciamento encontra-se ferido de nulidade pela concatenação da alínea a) do artº 68º do RJUE, do nº 7 do artº 51º do RPOPNRF e do artº 15º do Regime Jurídico da REN.
Em conclusão, não constatado e demonstrado o periculum in mora – sem prejuízo da ponderação a que se refere o nº 2 do artº 120º do CPTA – a providência não será concedida, visto como preconiza este normativo legal, “os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa (…)”.
O que está em causa, também, é que a providência se destine a manter o statu quo, não permitindo que ele se altere.
O Requerente mais imputa ao acto sob escrutínio, além da nulidade devido à incompetência da Câmara Municipal de Olhão para emitir os Alvarás, a violação do previsto no artº 103º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro e no artº 130º do Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de Maio, no nº 3 do artº 162º do CPA, bem como a violação dos princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança, em ordem ao estatuído no artº 2º e no nº 2 do artº 18º da CRP e a violação do disposto no artº 102º do RJUE o que contende com o conteúdo essencial do direito de propriedade.
De um modo perfunctório como é exigível na apreciação dos presentes autos, sempre se dirá que não se mostram violados os supra normativos e diplomas legais nem os princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança, dado que inexiste, nem se pode salvaguardar, a observância destes princípios quando se trata de obras ilegais insusceptíveis de ser legalizadas.
Por sua vez, não colhe, ainda, que foi violado o direito de propriedade, visto que a propriedade dos Lotes em causa é do Estado Português e não do Requerente que, como vimos a expressar, os ocupa abusivamente e sem título válido.
Ora, a Entidade Requerida ao proferir o acto suspendendo mais não fez que a “reintegração da ordem administrativa violada”, nas palavras de Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, in RJUE Comentado, Almedina, 3.ª Edição, 2011, p 649, sendo que a Administração num exercício de poder vinculado a exerce sob pena de afrontar a tutela da legalidade urbanística.
A principal finalidade das providências cautelares é a de “assegurar a utilidade da sentença a proferir” nos autos de acção de que o processo cautelar depende – vide nº 1 do artº 112º do CPTA, ou seja, é esse o seu legal pressuposto e a sua essencial razão de ser sendo que no caso presente a mesma não se evidencia.
– nº 2 do artº 120º do CPTA –
Nos termos do douto Acórdão do TCA Sul, Processo nº 321/16.0BELLE, de 2016.12.15, in www.dgsi.pt: “I – A segunda parte do nº 1 do artigo 120º do CPTA, na versão que resulta do D.L. nº 214-G/2015, de 2 de Outubro, exige, como pressuposto para o deferimento da pretensão cautelar, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.
II – Não se mostra preenchido o critério de decisão em apreço – fumus boni iuris – em sede de providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo que determinou embargo de obras quando as mesmas aparentam estar a ser executadas em violação de instrumentos de gestão territorial, o que justifica, também, a dispensa de audiência prévia do interessado”.
Entende-se que o deferimento da presente acção beliscaria o interesse público.
Em conclusão, da execução da decisão em causa resulta que o Requerente não é confrontado com uma situação de facto consumado e de prejuízos de difícil reparação, uma vez que a as obras que levava a cabo não se encontrarem tituladas por Alvará válido, por naquele local não poderem ser começadas e uma vez continuadas não poderem ser legalizadas, o que vale por dizer que tinha de ficcionar como se as mesmas nunca se tivessem iniciado, com todos os efeitos legais.
O que, para além da não confirmação do perigo de verificação de um facto consumado ou da não produção de prejuízos de difícil reparação, coloca, no outro prato da balança, o interesse público face ao interesse privado, a pender a favor da Entidade Requerida, à luz do estabelecido no nº 2 do artº 120º do CPTA.
Assim sendo, tudo visto e ponderado, a verificação que não se encontram preenchidos os requisitos dos nºs 1 e 2 do artº 120º do CPTA, leva-nos à conclusão desfavorável sobre o pedido da presente providência.»

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2. Da tese do recorrente
Propugna o recorrente pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que decrete a providência cautelar requerida, defendendo encontrarem-se verificados os requisitos para o decretamento da pretendida providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo objeto de impugnação na ação principal (Proc. nº n.º 121/17.0BELLE-A) - (vide especialmente conclusões E), S), R) e T) das alegações de recurso).
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3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 A razão de ser do processo cautelar é a de permitir, em concretização do direito a uma tutela judicial efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 268º nº 4 da Constituição da República Portuguesa, a decretação judicial de medidas cautelares adequadas a precaver os direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, enquanto não é definitivamente decidida a causa principal. A tutela cautelar visa apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida, naquela ação, a contenda que opõe as partes. Razão pela qual se exige que as medidas cautelares cumpram as características de instrumentalidade e provisoriedade. E também motivo pelo qual se faz depender a sorte do processo cautelar do provável êxito do processo principal (fumus bonnus iuris).
Assim, o artigo 120º do CPTA (na sua nova redação, dada pelo DL n.º 214-G/2015), prevê, enquanto critério geral da decisão das providências cautelares, o seguinte:
Artigo 120º
Critérios de decisão
1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 — Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.

3.2 A Mmª Juíza do Tribunal a quo sentença recorrida deu como não verificados os requisitos do fumus boni iuris, do periculum in mora e da ponderação dos interesses a favor do requerente da providência previstos no artigo 120º nº 1 e 2 do CPTA revisto, pelo que indeferiu a providência cautelar de suspensão de eficácia da identificada ordem de demolição proferida pela entidade requerida.
O recorrente não se conforma com a decisão, pondo em causa o juízo feito na sentença recorrida quanto àqueles requisitos, que defende encontrarem-se verificados (vide conclusões E), S), R) e T) das alegações de recurso).
Vejamos se lhe assiste razão.
3.3 No que tange ao fumus boni iuris, perscrutado o requerimento inicial do processo cautelar, resulta que o recorrente não pôs em causa, antes expressamente reconhece, que os atos de licenciamento referentes às obras de demolição, alteração e ampliação a que correspondem os alvarás nº 22 e nº 23 emitidos, respetivamente, em 08-04-2016 e 11-04-2016 pela Câmara Municipal de Olhão (referidos em D) e E) do probatório), a levar a cabo nos identificados talhões nº 203 e 204 sitos na Ilha da Armona, em Olhão, ao abrigo dos quais vinha efetuando os respetivos trabalhos, que foram previamente objeto de embargo em 02-06-2016 (cfr. F) do probatório) e objeto de ordem de demolição através do ato suspendendo (vertido em G) do probatório), estão feridos de nulidade quer por vício de incompetência absoluta, por os referidos talhões se inserirem em terrenos do domínio público marítimo fora da área concessionada pelo DL. nº 92/83, de 16 de fevereiro ao Município de Olhão, quer por violação de instrumentos de gestão territorial aplicáveis (vide artigos 31º a 35º do requerimento inicial da providência). O que sustentou é que a ordem de demolição plasmada no ato suspendendo é inválido por duas ordens de razão: i) por violação do artigo 162º nº 3 do CPA, por não terem sido tomados em consideração os efeitos putativos dos atos de licenciamento nulos praticados pela Câmara Municipal de Olhão; e ii) por violação do artigo 102º do RJUE, numa leitura conforme à Constituição da República Portuguesa, com violação do princípio da proporcionalidade e do conteúdo essencial do direito de propriedade do recorrente, por a ordem de demolição ter sido tomada sem que tenha havido qualquer prévia ponderação de interesses (vide artigos 36º a 66º do requerimento inicial da providência).
Em sede do presente recurso defende que em matéria de fumus boni juris a sua pretensão tem fundamento bastante para ser decretada a providência cautelar à luz do artigo 120º nº 1, 2ª parte do CPTA, por o artigo 162º nº 3 do CPA novo não exigir qualquer passagem do tempo mas apenas a concorrência dos princípios da boa-fé, justiça e proporcionalidade para as situações de facto criadas à sombra de atos nulos (vide conclusões F) a O) e S) das alegações de recurso).
Pelo que é quanto a esta concreta dimensão que haverá de aferir-se, agora, em sede do presente recurso, se o fumus boni iuris se encontra preenchido, em termos que conduzam ao erro do julgamento feito pela 1ª instância.
3.4 De harmonia com o disposto no artigo 162º do CPA novo (aprovado pelo DL. nº 42/2014, de 11 de junho) o ato nulo “…não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade” (nº 1), sendo a nulidade, salvo disposição legal em contrário, “…invocável a todo o tempo e por qualquer interessado”, podendo, também a todo o tempo, “…ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação” (nº 2), mas tal não prejudica “…a possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, de harmonia com os princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou outros princípios jurídicos constitucionais, designadamente associados ao decurso do tempo” (nº 3).
Refere-se o nº 3 do artigo 162º do CPA novo aos chamados efeitos putativos de ato nulo, consistente na legitimação jurídica de situações de facto.
Possibilidade que se encontrava já prevista no artigo 134º nº 3 do CPA/1991, onde se admitia também a “…possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”.
O que significa que agora, tal antes, os efeitos putativos a considerar, são não só os derivados do decurso do tempo, isto é, os resultantes da efetivação prática dos efeitos do ato nulo por um período prolongado de tempo, mas também os ligados a outros fatores de estabilidade das relações sociais, como os da proteção da confiança, da boa-fé ou da proporcionalidade, os quais podem, como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, in, “Código de Procedimento Administrativo – comentado”, Almedina, 2ª edição, pág. 655, “ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação estrita do princípio da legalidade e da absolutidade do ato nulo”.
Trata-se, nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa e andré Salgado de Matos, in, “Direito Administrativo Geral – Tomo III ”, Dom Quixote, 2007, pág. 174, “…da mitigação do regime da nulidade, em especial do caracter permanente da ineficácia dos atos nulos, decorrente de uma necessidade de compatibilização das exigência de reintegração plena do bloco de legalidade com outros princípios, designadamente o da tutela da confiança”, permitindo-se que “….as situações de facto criadas à sombra de uma ato nulo possam ser juridificadas se, por força do decurso do tempo, os princípios gerais de direito impuserem a sua consolidação”.
De modo que, o atual artigo 162º nº 3 do CPA novo mais não fez do que clarificar que o reconhecimento de efeitos putativos a ato nulo “…se pode fundamentar nos princípios da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade ou em outros princípios constitucionais”, como referem Fausto de quadros e , in, “Comentários à revisão do Código de Procedimento Administrativo”, Almedina, 2007, pág. 328.
3.5 Ora, por um lado, não se pode confundir o reconhecimento de eventuais efeitos putativos de ato nulo, derivados designadamente dos princípios da boa fé ou da proteção da confiança com efeitos convalidatórios ou sanatórios do ato nulo. Como se disse no Acórdão do STA de 09-07-2014, Proc. 01561/13, in, www.dgsi.pt/jsta, “a atuação correta, leal e de boa fé dos intervenientes no procedimento, ignorando a violação de qualquer disposição legal, não convalidará ou não fará desaparecer ilegalidade invalidante de que enferme o ato administrativo impugnado”, de modo que “os princípios da boa fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica não possuem efeitos convalidatórios ou sanatórios, não se destinando a preservar ou manter na ordem jurídica um ato administrativo ilegal sancionado com o desvalor da nulidade”.
E por outro, a norma do artigo 162º nº 3 do CPA novo, tal como a que lhe correspondente do artigo 134º nº 3 do CPA/1991, apenas pode ser utilizada em casos que, face à duração temporal da situação de facto, as expectativas entretanto criadas e a adequação social dessas concretas situações justifique a atribuição de certos efeitos ao ato nulo (neste sentido, vide, designadamente, acórdão do STA de 28-09-2017, Proc. 0288/17, in, www.dgsi.pt/jsta).
Tratar-se-á, aí, de situações em que o tempo que mediou entre o momento da prática do ato administrativo nulo e aquele em que se pretende retirar consequências da respetiva nulidade seja suficiente para se verificar a consolidação de todos os efeitos práticos que àquele são imputáveis, caso em que deverá ser, então, reconhecida a existência de um interesse atendível no sentido da conservação dos seus efeitos, em face dos interesses, assim presentes, de estabilidade, conservação, firmeza e segurança das relações jurídicas.
3.6 E no âmbito do direito do urbanismo impõe-se que se tenha se um especial cuidado na aplicação desta norma. Primeiro, face à circunstância de o legislador expressamente consagrar como regra a nulidade dos atos praticados em violação dos instrumentos urbanísticos, traduzindo, assim, uma expressa opção legislativa, pelo desvalor mais grave e respetivo regime decorrente de uma tal violação, evitando-se assim, a verificação de «ato consolidado» pelo decurso dos prazos de anulação de atos administrativos meramente anuláveis, e com ele da verificação de facto consumado, em detrimento dos valores e interesses que as normas (violadas) dos instrumentos de gestão urbanística visam preservar. Segundo, porque o legislador limitou temporalmente (ao prazo de 10 anos), em matéria urbanística, e em certas condições, quer a possibilidade da declaração administrativa da nulidade de atos em matéria urbanística quer a instauração da ação pública destinada à declaração judicial da sua nulidade (cfr. artigo 69º nº 4 do RJUE, aprovado pelo DL. nº 555/99); o que não deixa de traduzir o reconhecimento de que as situações de facto geradas por atos urbanísticos nulos tendem a ser especialmente importantes do ponto de vista da tutela da confiança, designadamente por os atos nulos em matéria urbanística originarem bens jurídicos que, entrando no comércio jurídico, serão alvo, ao longo do tempo, de múltiplos negócios jurídicos, e por estar simultaneamente em causa a conformação do direito de propriedade - vide a este respeito, Fernanda Paula Oliveira e Pedro Gonçalves, in, “ A nulidade dos atos administrativos de gestão urbanística, Revista CEDOUA n.º 1/99, Ano II, pág. 17 ss., e os mesmos autores in, “O Regime da Nulidade dos Atos Administrativos de Gestão Urbanística que Investem o Particular no Poder de Realizar Operações Urbanísticas”, Revista CEDOUA, nº 2/99, Ano II, págs. 15 ss.
3.7 Na situação presente surge como inquestionável a nulidade dos atos de licenciamento ao abrigo dos quais o recorrente iniciou as obras de demolição, alteração e ampliação nos identificados talhões nº 203 e 204 sitos na Ilha da Armona, em Olhão, nulidade que o recorrente reconhece e aceita.
E as obras em causa foram, em 02-06-2016, objeto de embargo administrativo (cfr. F) do probatório). Sendo que, a providência cautelar de suspensão de eficácia daquele embargo de obra que o recorrente havia requerido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (Proc. nº 321/16.0BELLE), veio a ser indeferida por sentença daquele Tribunal e confirmada por acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 15-12-2016, (disponível, in, www.dgs.pt/jtcas) a que a sentença ora recorrida aludiu, precisamente por não se encontrar verificado o fumus boni iuris, em face da circunstância de as obras em causa violarem os instrumentos de gestão territorial aplicáveis. Pelo que se mantêm os efeitos daquele embargo administrativo, não podendo o recorrente prosseguir a sua execução.
3.8 E também não é de conceder a pretendida suspensão de eficácia do identificado ato administrativo que ordenou a demolição das obras já executadas, com o que o recorrente pretende evitar a demolição das obras (já iniciadas e executadas) até à decisão em definitivo da ação principal em que o mesmo ato (que consubstancia a ordem de demolição) foi impugnado, por faltar, também aqui, o requisito do fumus boni iuris na dimensão invocada pelo recorrente.
3.9 É que, como já se viu supra, nem os princípios da boa-fé e da proteção da confiança invocados pelo recorrente, são aptos a convalidar ou a sanar os atos de licenciamento nulos, em causa, nem se está perante situação que possa vir a justificar o reconhecimento de certos efeitos jurídicos à situação de facto decorrente dos atos de licenciamento nulos ao abrigo do artigo 162º nº 3 do CPA novo.
Em particular, e no que a este último aspeto respeita, até face ao parco período de tempo que se mostra decorrido desde o licenciamento da obra em causa (datando os respetivos alvarás, nº 22 e nº 23 de 08-04-2016 e 11-04-2016 - vide D) e E) do probatório), que não pode deixar de ser atendido à luz do que dispõe o nº 3 do artigo 162º do CPA novo. Período de tempo que, ademais, não atinge o limite de 10 anos a que se refere o artigo 69º nº 4 do RJUE (aprovado pelo DL. nº 555/99).
3.10 Por outro lado, em face da circunstância de ao abrigo daqueles identificados atos de licenciamento o recorrente ter procedido à demolição e remoção das habitações do que se encontravam até então edificadas naqueles talhões nº 203 e 204, passando a erigir, em sua substituição, nova edificação (cfr. autor de notícia vertido em F) do probatório), implica que o que apenas haverá a preservar (designadamente através da pretendida providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que ordena a demolição), são as obras de construção da nova edificação, na parte em que se mostram executadas até ao respetivo auto de embargo (cfr. F) do probatório). Não estando, assim, em causa as edificações que ali anteriormente tinham sido edificadas, as quais já não subsistem. Pelo que é só relativamente às obras de execução da nova habitação (e não relativamente às que ali anteriormente existiam e que foram demolidas pelo recorrente) que deve aferir-se do eventual uso da possibilidade contida no artigo 162º nº 3 do CPA novo. E, como se viu, não se vislumbra, mesmo num juízo perfunctório, que é o próprio do processo cautelar, que o mesmo seja justificado.
3.11 Aqui chegados, não, colhe recurso quanto ao apontado erro de julgamento, na dimensão invocada, no que tange ao juízo de não verificação do requisito do fumus boni iuris.
Improcedendo, neste aspeto, o recurso.
O que se decide.
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3.12 Em face do supra decidido mostra-se, concomitantemente, prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do presente recurso (quanto aos apontados erros de julgamento no que tange ao periculum in mora e à ponderação dos interesses em presença), de que, assim, nos abstemos de conhecer.
É que em face do caráter cumulativo dos requisitos para a decretação das providências cautelares, à luz do disposto no artigo 120º do CPTA, a não verificação do requisito do fumus boni iuris conduz, inevitavelmente, ao indeferimento da providência, devendo, por conseguinte, manter-se a improcedência do pedido cautelar decidida na sentença recorrida.
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IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de improcedência da providência cautelar requerida.
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Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
D.N.
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Lisboa, 19 de dezembro de 2017

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)




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Maria Cristina Gallego dos Santos




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Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho