Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1000/07.5BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA-CONTRATUAL DO ESTADO;
ÓNUS DA ALEGAÇÃO E PROVA; ILICITUDE;
EMISSÃO DE LICENÇA DE CONSTRUÇÃO EM ÁREA REN; REGULAÇÃO SUPERVENIENTE DA SITUAÇÃO;
DECLARAÇÃO DA NÃO CADUCIDADE DA LICENÇA CONSTRUÍDA AO ABRIGO DO ART.º 69.º, N.º 4, DO DECRETO-LEI N.º 555/99, DE 16-12; NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário:I - Nos termos do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-12-1967, são pressupostos da responsabilidade civil aquiliana do Estado e demais pessoas colectivas públicas: o acto, a ilicitude, a culpa, o nexo de causalidade e o dano;
II - Ao A. e lesado compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão, mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado;
III- Cometeu um acto ilícito, porque não agiu com a prudência devida, a Câmara Municipal que emitiu uma licença de construção sem antes se certificar que o a área não estava delimitada como REN;
IV - Com essa conduta a Câmara violou não só os seus deveres e as normas que protegem as áreas REN, como a própria posição substantiva dos AA., que também se acautela com a proibição de construção em tais áreas;
V – A prolação de um novo acto da Câmara que regula supervenientemente a situação, considerando a licença não caducada e consolidado o direito de edificação dos AA., não afasta o pressuposto ilicitude para efeitos da aferição da responsabilidade civil do Estado por acto ilícito, podendo, eventualmente, influir apenas na apreciação do nexo de causalidade e para efeitos da diminuição do quantum indemnizatório.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO
J… DE J… e mulher M… A… L… C…, vieram interpor recurso da decisão do TAF de Leiria, que julgou improcedente a presente acção, onde se requeria o reconhecimento de que a aprovação do projecto de arquitectura e a emissão a favor dos AA. dos alvarás de licença de obras n.ºs 5…, 5…, 6…e 8…, relativos ao processo de licenciamento da construção de uma casa de habitação, que recebeu o n.º 1…, eram actos ilegais e nulos, porque violavam os art.ºs 17.º do Decreto-Lei nº445/91, de 20-11 e 16.º do Decreto-Lei nº 93/90, de 19-03, e onde se pedia a condenação solidária dos RR. a pagar aos AA. o montante de €235.990,00, correspondente ao valor real da casa construída, mas não habitada, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, bem como, se pedia o pagamento de uma “indemnização compulsória” de €500,00, desde a citação até ao trânsito em julgado da sentença.

Em alegações de recurso foram formuladas pelos AA. e ora Recorrentes, as seguintes conclusões: “-1- Desde 1995 que os Autores pretendem legalizar as obras da casa do seu filho.
-2- Até hoje ainda não o conseguiram - pois o Réu município indefere a emissão da licença de utilização com o fundamento de que a construção não está conforme o projeto aprovado.
3- Ora, se a construção não está conforme o projeto aprovado inicialmente, como é que o réu município considera consolidado de direito a edificação levada a cabo.
- Para tal teria de aprovar também o projeto de alterações - o que não foi feito!
5- Logo a deliberação do réu de 18.03.2008 é ineficaz relativamente às construções existentes - por força das alterações em obra ao projeto inicial
-6- Por outro lado, só decorrida mais uma dezena de anos, após a aprovação do projeto inicial, o município reconheceu que falhou.
-7- E só o reconhece cerca de um ano após a entrada da ação em tribunal e remete para um projeto de licenciamento que pelos vistos não era funcional e daí o terem sido feito alterações em obra.
-8- Alterações essas que o réu não quer aprovar.
-9- Logo, se o réu não aprova as alterações solicitadas, a casa terá de ser demolida, pois a edificação levada a cabo não cumpriu o prescrito na licença inicial.
-10- A casa construída pelos Autores é confinante com a sua casa de habitação. A sua casa está no local há dezenas de anos.
Mas o réu aceitou a zona quando da delimitação do PDM e REN para a Zona de espaço natural.
Não se percebe como.
-11- Logo, há responsabilidade do município pela aprovação da construção - e indeferimento da alterações e indeferimento da emissão da licença de utilização e posterior aprovação da não caducidade da licença de construção e consolidação de direito das edificações levadas cabo, já com o processo em tribunal.
-12- Motivo pelo qual, o tribunal " a quo" ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigo 366º, 367º do Código Administrativo, artigo 9 do Dec. Lei n° 48051 de 21.11.67, artigo 571 do Código Civil e artigo 22º da Constituição da Republica.”

O Recorrido MUNICÍPIO DE ABRANTES, nas suas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “
1. O eventual vício constante do processo de licenciamento n.º 1…por não ter sido classificado o espaço em causa como zona REN foi sanado, pela deliberação de 18/03/2008 que ao abrigo da redação dada pela Lei 60/2007 de 04 de Setembro no seu artigo 69°, no sentido de não declarar a nulidade da licença de construção n.º 5…considerando consolidada de direito a edificação levada a cabo ao abrigo da licença concedida, depois de decorridos já dez anos.
2. Por tal, os pedidos constantes das alíneas a) e b) da P.I. encontram-se prejudicados, tal como foi decidido na douta sentença recorrida.
3. Não existiu qualquer comportamento ilícito do réu que gere a obrigação de indemnizar nos termos pedidos nas alíneas c) e d) da P.I.,tal como foi decidido na douta sentença recorrida.
4. O licenciado é o objeto do pedido de licenciamento n.º 1….
5. Os autores não obtiveram a licença de utilização do prédio para habitação porque exorbitaram o âmbito do processo de licenciamento inicial e pretenderam legalizar alterações feitas na moradia, através de um pedido de legalização posterior às obras que deu origem ao processo 9…, o que não foi possível, por se tratar de zona RAN e REN.
6. A douta sentença recorrida não violou as disposições legais invocadas ou quaisquer outras e deve ser mantida na íntegra, assim se fazendo JUSTIÇA!”

N… R… F…, interveniente na acção, veio igualmente apresentar contra-alegações que foram mandadas desentranhar por despacho de fls. 591 a 593, por não ter sido paga a correspondente taxa de justiça.
O DMMP apresentou a pronúncia de fls. 695 a 698, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados por provados os seguintes factos, factualidade que não vem impugnada no presente recurso:
1. Em 1995, F… L… de J…, filho dos Autores, pretendeu construir a sua casa de habitação em parcela de terreno a doar pelos seus pais.
Cfr. factos alegados pelos Autores nos artigos 9º e 10º da petição inicial e não impugnados pelo Réu; e, ainda, quanto à relação de filiação, o assento de nascimento junto com a petição inicial como Doc.3 [alínea A) dos factos assentes].
2. E a destacar do logradouro do prédio urbano dos Autores identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial cujo teor, bem como o dos documentos para que aí se remete, se dá por reproduzido.
Cfr. Docs.1 e 2 junto com a petição inicial [alínea B) dos factos assentes].
3. Para tal contactou os serviços da Câmara Municipal de Abrantes.
Cfr. facto alegado pelos Autores no art.12º da petição inicial e não impugnado pelo Réu [alínea C) dos factos assentes].
4. Tendo sido informado de que o destaque não era viável.
Cfr. facto alegado pelos Autores no art.13º da petição inicial e não impugnado pelo Réu [alínea D) dos factos assentes].
5. Mas que aprovavam a construção em nome dos Autores.
Cfr. facto alegado pelos Autores no art.14º da petição inicial e não impugnado pelo Réu [alínea E) dos factos assentes].
6. Em 29.07.1996, o Autor marido deu entrada na Câmara Municipal de Abrantes a um pedido de licenciamento de obra de construção de um edifício (moradia).
Cfr. Doc.4 junto com a petição inicial e artigos 15º da petição inicial e 2º da contestação [alínea F) dos factos assentes].
7. Para o seu filho ir viver.
Cfr. facto alegado pelos Autores no art.15º da petição inicial e não impugnado, antes aceite pelo Réu no art.18º da contestação [alínea G) dos factos assentes].
8. Pedido que deu origem ao Processo nº1….
Cfr. Doc.4 junto com a petição inicial e Doc.3 junto com a contestação do Réu [alínea H) dos factos assentes].
9. Nesse processo a parcela de terreno em causa foi classificada como espaço agrícola (RAN).
Cfr. Informação junta com a contestação do Réu como Doc.2 [alínea I) dos factos assentes].
10. Existia uma autorização da DRARO para a desafectação da RAN da área de 128 m2, necessária à construção da moradia, que foi licenciada por despacho de 24 de Fevereiro de 1997.
Cfr. Ofício junto com a contestação do Réu como Doc.1 e ofícios junto com a petição inicial como Docs.5 e 6 [alínea J) dos factos assentes].
11. Tendo o deferimento do pedido sido comunicado ao Autor marido por ofícios datados de 30 de Outubro de 1996 e de 3 de Março de 1997.
Cfr. Ofícios juntos com a petição inicial como Docs.5 e 6 [alínea K) dos factos assentes].
12. E emitida, em 24.07.1997, a licença de construção nº5….
Cfr. Doc.7 junto com a petição inicial [alínea L) dos factos assentes].
13. Que foi prorrogada diversas vezes, conforme as licenças nºs 5…, de 28.07.2000, 6…, de 23.08.2002, e 8…, de 16.12.2003.
Cfr. Docs.8, 9 e 10 juntos com a petição inicial [alínea M) dos factos assentes].
14. Por despacho de 04.06.2003 foi comunicado ao Autor marido o indeferimento do pedido de destaque da parcela de terreno onde estava implantada a casa, apresentado em 15.05.2003.
Cfr. Ofício nº1…, de 30.06.2003, junto com a petição inicial como Doc.11 [alínea N) dos factos assentes].
15. No decorrer da construção foram feitas as alterações identificadas na “memória descritiva e justificativa” que constitui fls.6 do Doc.12 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido [alínea O) dos factos assentes].
16. Tendo o pedido de licenciamento do respectivo projecto sido apresentado em 18.10.2004 e dado origem ao Processo nº9….
Cfr. requerimento junto com a petição inicial como Doc.12 (pág.1) e com a contestação do Réu como Doc.2 [alínea P) dos factos assentes].
17. Em 26.10.2004 há uma informação no processo a classificar o espaço em causa como espaço agrícola (RAN) e espaço natural (REN).
Cfr. Doc. 2 junto com a contestação do Réu [alínea Q) dos factos assentes].
18. Na sequência da junção pelo Autor marido de diversos documentos que haviam sido solicitados, foi-lhe comunicada a intenção de indeferir o pedido de licenciamento.
Cfr. fls.20 e 23 a 46 do Doc.12 junto com a petição inicial e Ofício de 04.05.2005 que constitui fls.50 e 51 do Doc.12 junto com a petição inicial [alínea R) dos factos assentes].
19. Apresentado em 24 de Junho de 2005 novo projecto de alterações, foi comunicado ao Autor marido a intenção de o indeferir com fundamento em que não podia ser autorizada uma construção em espaço REN.
Cfr. fls.63 a 67, fls.73, 74 e 75 e 89, 90, 91, 92 e 92 verso do Doc.12 junto com a petição inicial [alínea S) dos factos assentes].
20. Em 25 de Outubro de 2005 é confirmada a informação prestada em 26.10.2004 e que classificava o espaço em causa como espaço agrícola (RAN) e espaço natural (REN).
Cfr. Informação junta com a contestação dos Réus como Doc.2 (fls.1) [alínea T) dos factos assentes].
21. Em 29.08.2006, o Autor marido requereu que lhe fossem certificadas, no prazo de 15 dias, “quais as alterações que são necessárias efectuar nas obras licenciadas no processo nº 1…, quer a nível de projecto, quer a nível de construções já edificadas, para que possa ser emitida a licença de utilização, tendo em vista a legalização da casa na Repartição de Finanças e Conservatória”.
Cfr. Doc.13 junto com a petição inicial [alínea U) dos factos assentes] .
22. A casa licenciada está construída.
Cfr. facto alegado pelos Autores no art.47º da petição inicial e não impugnado pelo Réu [alínea V) dos factos assentes].
23. E podia ser habitada pelo filho dos autores.
Cfr. facto alegado pelos Autores no art.48º da petição inicial e não impugnado pelo Réu [alínea X) dos factos assentes].
24. Em 18.03.2008 a Câmara Municipal de Abrantes tomou a seguinte deliberação: “Por unanimidade, perante a situação de facto involuntariamente criada, a Câmara municipal delibera não declarar a caducidade da licença oportunamente concedida com base no nº 4 do artigo 69 do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção da mencionada Lei 60/2007, de 04 de Setembro, considerando consolidada de direito a edificação levada a cabo ao abrigo da licença concedida”.
Cfr. certidão de 24.03.2008, junta com o requerimento apresentado pelo Réu no Tribunal em 28.03.2008 [alínea Y) dos factos assentes].
25. Por virtude da não autorização do destaque não foi possível obter financiamento para a construção da casa.
Decisivo para a formação deste juízo foi o depoimento, objectivo e seguro, neste ponto, de F… L… de J…, filho dos Autores, que tratou junto das entidades bancárias do pedido de financiamento [resposta ao quesito 1º].
26. O filho dos Autores, F… L… de J…, vive na casa com o respectivo agregado familiar desde o Natal de 2009.
Tal facto foi confirmado pelo próprio e pela sua esposa, M… J… R… M… de Je… nos seus depoimentos [resposta ao quesito 6º].
27. Após a entrada em vigor do Plano Director Municipal (PDM) de Abrantes, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº51/95, de 27 de Abril, a classificação dos espaços passou a ser feita com base na respectiva planta de ordenamento, que incorporou as antigas cartas da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e da Reserva Ecológica Nacional (REN), sintetizando a informação delas constante, sob as designações de “espaços agrícolas” e “espaços naturais”, respectivamente.
Foram determinantes para o sentido da resposta os depoimentos objectivos e seguros de E… O…, de J… da C… B… P…, Director do Departamento dos Serviços Administrativos da Câmara Municipal de Abrantes e de E… P… L…, Desenhador na Câmara Municipal de Abrantes [resposta aos quesitos 10º e 11º].
28. As áreas de construção encontradas são as seguintes:
Cave – 139,47 m2;
Rés-do-chão – 131,54 m2, excluindo varanda com a área de 13,16 m2;
1º Andar – 102,03 m2, excluindo varandas com a área de 25,01 m2;
Sótão – 77,70 m2;
Arranjos exteriores (escadas exteriores e um passeio) – 5,32 m2 + 7,43 m2.
Acolhe-se neste ponto a resposta dos peritos ao sub-quesito 3º, a qual se considera razoável.
29. O valor da cave, rés-do-chão, 1º andar, sótão e arranjos exteriores construídos se situa algures entre o mínimo de €130.000,00 e o máximo de €140.000,00.
Aceita-se e acolhe-se a resposta dos peritos a este quesito, a qual se reputa razoável face aos esclarecimentos que prestaram posteriormente por escrito e na audiência de julgamento [resposta ao sub-quesito 4º].
30. O pedido de licenciamento das alterações apresentado pelos Autores foi objecto de projecto (intenção) de decisão de indeferimento (cfr. pontos 18 e 19 dos factos provados), daí se inferindo que a habitação construída ainda não possui licença de utilização, mas que, apesar disso, é habitada pelo filho dos Autores, F… L… de J…, com o respectivo agregado familiar, desde o Natal de 2009.
Cfr. confirmado pelos depoimentos de F… L… de J… e da esposa M… J… R… M… de J… [resposta ao quesito 5º].
31. A renda mensal de um imóvel como a moradia dos Autores, situado no mesmo local, seria entre €200,00 e €250,00.
Pesou decisivamente no sentido e termos da resposta a objectividade e isenção dos peritos quer na resposta ao quesito quer nos esclarecimentos que prestaram posteriormente por escrito e na audiência de julgamento – tudo baseado numa prospecção do escasso número de amostras de prédios arrendados, operada no local [resposta ao sub-quesito 7º].
32. No Proc. nº1…a área de construção do imóvel é de 279,08 m2 e a área de implantação 113,96m2 e 139,21 m2 (incluindo varandas e escadas exteriores) e no Proc. nº9… a área de construção do imóvel é de 283,90 m2 (excluindo a área da garagem) e a área de implantação de 160,16 m2 e 177,73 m2 (incluindo varandas e escadas exteriores), sendo que a “área de implantação efectivamente erigida no local” é de 139,47 m2 e a “área da garagem” é de 77.22 m2 e foi considerada na área de construção e está contemplada no Proc.nº9….
Acolhe-se aqui a resposta dos peritos a este quesito bem como os esclarecimentos que prestaram por escrito e na audiência de julgamento [resposta aos sub-quesitos do quesito 8º].
33. À data em que foi dada informação no Proc. nº9…de que o espaço em causa era espaço agrícola (RAN) e espaço natural (REN), N… R… F…, aqui terceiro interveniente, era funcionário do Município de Abrantes e tinha a categoria de cartógrafo.
O sentido da resposta a este quesito foi baseada na confiança inspirada pelo depoimento objectivo e seguro da testemunha E… O… [resposta ao quesito 9º].
34. Aquando da análise do Proc. nº1…, no qual F… L… de J… solicitava o licenciamento de uma moradia “através de uma operação de destaque”, se concluiu que a “pretensão” se situava fora do perímetro urbano e em espaço agrícola.
Cfr. Doc.3 junto com a contestação do Réu Município de Abrantes, cujo teor se dá por reproduzido [resposta ao quesito 12º].

Na decisão recorrida foram dados por não provados os seguintes factos:
1. O Réu Município de Abrantes até hoje nada disse sobre o pedido de informação que lhe foi dirigido pelo Autor marido em 29.08.2006 e referido supra no ponto 21 dos factos provados.
Resulta da conjugação do Ofício da Câmara Municipal de Abrantes junto com o requerimento do Município de Abrantes e respectivos anexos (fls.283 e segs.) com os depoimentos de E… O…, funcionário da Divisão de Ordenamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Abrantes e de P… M… D… R… V…, que informou o processo três vezes, relativamente à classificação do terreno, desde 2006 [resposta ao quesito 2º].
2. A cave, rés-do-chão, 1º andar, sótão e arranjos exteriores construídos têm uma área de construção de 529,6 m2 [resposta ao quesito 3º].
3. A cave, rés-do-chão, 1º andar, sótão e arranjos exteriores construídos têm o valor total de €235.990,00 [resposta ao quesito 4º].
4. Por falta de aprovação das alterações e a indefinição gerada pelo facto de a casa estar construída em terreno REN a casa continua desabitada [resposta ao quesito 5º].
5. No local uma casa como a dos Autores tem um valor no mercado de arrendamento não inferior a € 500,00 mensais [resposta ao quesito 7º].
6. Na ampliação e alteração da moradia cujo licenciamento se pretende a área de implantação aumentou de 128 m2 para 168,36 m2 e a área de construção de 285,6 m2 para 376,8 m2 [resposta ao quesito 8º].
7. N… R… F…, aqui terceiro interveniente, foi funcionário do Município de Abrantes desde 1977 até 2003, com a categoria de cartógrafo [resposta ao quesito 9º].
8. Aquando da análise da anterior pretensão dos Autores, de licenciamento de uma obra para o mesmo local, formalizada no processo de obras nº1249/95, o interveniente N… R… F… elaborou uma informação em que dizia que o terreno estava situado fora do perímetro urbano e integrado em espaço agrícola [resposta ao quesito 12º].

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra- alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 366.º e 367.º do Código Administrativo (CA), 9.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-2967, 571.º do Código Civil (CC) e 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), porque não foi atribuída a indemnização peticionada pelos AA. quando o Município agiu ilegalmente, porquanto aprovou o projecto de arquitectura para a construção de uma moradia e por despacho de 24-02-1997, licenciou essa construção e, posteriormente, emitiu os correspondentes alvarás de construção, sendo certo que a moradia estava em área RAN e REN.
Dizem os AA., que por via daquela aprovação e licenciamento tiveram os prejuízos decorrentes da construção efectiva da moradia, da sua inabitabilidade até ao Natal de 2009 e da impossibilidade do seu arrendamento. Igualmente, dizem os AA., que não alcançaram o destaque do terreno onde estava a moradia, por via desse não destaque não lograram obter o financiamento bancário que almejaram e tal ocasionou uma demora maior da construção e custos acrescidos.
Advogam, igualmente, os AA., que a deliberação de 18-03-2008, da Câmara Municipal de Abrantes (CMA), de não declarar a caducidade da licença emitida com base no art.º 69.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12, na redacção dada pela Lei n.º 60/2007, de 04-09, foi posterior à apresentação da PI e que nada resolveu, pois não foi deferido o seu pedido de alteração ao projecto de obras. Dizem também os AA. que requereram em 17-07-2009 a licença de utilização e tal pedido foi indeferido, como resulta do documento que juntam, ao seu recurso, pelo que a decisão errou quando entendeu que esta deliberação substituiu o acto anterior, considerado inválido.

Diga-se, desde já, que não há que acompanhar a decisão recorrida quando entendeu prejudicado o pedido indemnizatório pelo ilícito face à prolação da deliberação de 18-03-2008, da CMA e também quando entendeu não verificado o pressuposto da ilicitude.
A presente acção vem interposta visando a efectivação da responsabilidade civil do Estado por acto ilícito e culposo.
Malgrado as deficiências patentes da PI e os próprios termos bastante deficientes em que é feito o petitório final, ainda assim, consegue-se compreender que os AA. visam a atribuição de uma indemnização no montante de €235.999,00, o valor actual da moradia já construída, acrescida de uma indemnização de €500,00 mensais, equivalente ao valor da renda que poderiam obter, pelos prejuízos advenientes do despacho do Presidente da CMA, que aprovou o projecto de arquitectura para a construção de uma moradia, do licenciamento da referida construção e pela consequente emissão dos alvarás de construção. Para o efeito, dizem os AA. que tais actos eram ilegais e ilícitos, pois a dita moradia estava em área RAN e REN e, por isso, não podia ser construída.
Tal como aduzem neste recurso, também na PI os AA. indicam como prejuízos decorrentes de tais actos e condutas ilícitas, os advenientes da própria construção da moradia, da sua inabitabilidade e da impossibilidade do seu arrendamento.
Na PI os AA: indicam, ainda, que não alcançaram o destaque do terreno onde está implementada a moradia, imputando a esta circunstância a impossibilidade de obterem financiamento bancário, maiores custos e uma acrescida demora em todo o correspondente processo construtivo.
Na PI os AA. alegam, também, que apresentaram um projecto de alterações à construção, que não foi deferido porque a moradia não estava licenciada.
Tal como se indicou, os AA. e ora Recorrentes terão querido fundar a presente pretensão na responsabilidade civil do Estado e seus agentes por actos ilícitos de gestão pública, não obstante a PI ser quase totalmente omissa quanto a invocações de direito.
Já neste recurso, os AA. e Recorrentes invocam a violação do art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-2967, 571.º do CC e 22.º da CRP, remetendo, assim, para a responsabilidade do Estado por facto ilícito.
Os factos a partir dos quais os AA. e Recorrentes fazem derivar tal responsabilidade, são o despacho do Presidente da CMA, que aprovou o projecto de arquitectura para a construção de uma moradia, o licenciamento da referida construção e a consequente emissão dos alvarás de construção.
Assinale-se, aqui, que os AA. são muito pouco claros na indicação concreta dos factos que apontam como os ilícitos. Isto porque, os AA. afirmam que um dos factos ilícitos foi o despacho do Presidente da CMA, que aprovou o projecto de arquitectura para a construção de uma moradia, mas, depois, confundem tal despacho com um outro, que dizem ser o de licenciamento da moradia e apontam como datas para a prolação de tal despacho ora a de 24-02-1997, ora a data de 24-07-1997.
Na PI os AA. também não alegaram, concretamente, o teor de tal despacho de aprovação do projecto de arquitectura.
Assim, estando imprecisa e erroneamente alegada a existência de tal despacho de aprovação do projecto de arquitectura, porque confundido com o despacho que aprovou o licenciamento da moradia e estando erradas ou confundidas as datas em que terá sido prolatado, acabou por não figurar na matéria dada por provada a existência de um qualquer despacho de aprovação do projecto de arquitectura. Ou seja, um dos factos que os AA. indicam como fazendo parte do ilícito, não ficou provado.
Neste recurso os AA. não impugnam a matéria de facto.
Por conseguinte, há que assinalar, primeiramente, que porque não foi ficou provada a existência de um qualquer despacho do Presidente da CMA, que aprovou o projecto de arquitectura, não pode esse alegado acto jurídico fundar a presente acção por facto ilícito.
Logo, a ilicitude terá que se restringir aos restantes factos invocados, a saber, o licenciamento da referida construção da moradia e a consequente emissão dos correspondentes alvarás de construção.
Conforme facto 10, a moradia foi licenciada por despacho de 24-02-1997. Logo, quando os AA. indicam a data de 24-07-2000 estão a confundir a prolação do daquele despacho com a data da emissão da licença de construção – cf. facto 12.
Pelos factos 12 e 13 resulta também que a licença de construção foi emitida em 24-07-1997 e prorrogada em 28-07-2000, em 23-08-2002 e em 16-12-2003. Será a emissão desta licença e suas prorrogações que são apontadas pelos AA. como os factos ilícitos, ou como os tais “alvarás de construção”.
Nesta conformidade, deriva que todos os factos que os AA. apontam como sendo os ilícitos – o despacho de licenciamento, de 24-02-1997 e a emissão da licença e suas prorrogações, verificadas em 24-07-1997, em 28-07-2000, em 23-08-2002 e em 16-12-2003 - foram factos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31.12.
Logo, a responsabilidade aqui reclamada remete-nos para os artigos 6º e 7º do Decreto-Lei n.º 48 051, de 21-12-1967.
No citado art.º 6.º dispõe-se no seguinte modo: “Para os efeitos deste diploma, consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.
Por força do artigo 4º daquele diploma a culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada, nos termos do artigo 487º do CC.
Deste modo, quer os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana do Estado e demais pessoas colectivas públicas, fonte da obrigação de indemnização, quer o conteúdo dessa obrigação, têm por referência o regime geral da responsabilidade civil, contida nos artigos 483º a 510º e 562º a 572º, do CC.
A jurisprudência do STA vem sustentando que a responsabilidade civil do Estado por actos de gestão pública assenta nos seguintes pressupostos:
a) o acto (acto de conteúdo positivo ou negativo) de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas;
b) a ilicitude, que advém da ofensa, por esse facto, de direitos ou de disposições legais que se destinam a proteger interesses alheios;
c) a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente;
d) o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de exercício das suas funções e por causa delas;
e) o nexo de causalidade entre o facto (acto ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada.
Ao A. e lesado compete, por regra, não só a prova da culpa do autor da lesão (artigo 487º, n.º 1, do CC), mas também o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado (artigo 342º, n.º 1, do CC).
Ou seja, ao A. e lesado compete expor na sua PI, a causa de pedir, o actos ou facto concreto (simples ou complexo) donde emerge o direito que invoca e se propõe fazer valer em juízo – teoria da substanciação (cf. artigo 498º, n.º4, do CPC).
Constitui entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que a ilicitude é tendencialmente coincidente com a ilegalidade do acto (eventualmente declarada previamente em sede de processo impugnatório), o que não significa que essa coincidência ocorra em todas as situações.
Nesse sentido, cita-se o Acórdão do STA de 26-2-2002 (Rec. n.º 47753, da 2ª. Subsecção da 1ª. Secção): “Em acção de responsabilidade civil extracontratual da Administração fundada em acto administrativo ilegal, não basta a verificação de uma qualquer ilegalidade para se dar por verificado o requisito da ilicitude, exigindo-se, para o efeito, que a ilegalidade consista em violação de norma que vise directamente tutelar direitos subjectivos ou outras posições jurídicas subjectivas do autor”.
No mesmo sentido vai o Acórdão do STA de 13-02-2001 (Rec. n.º 44445, da 2ª. Subsecção da 1ª. Secção): “Nem toda a ilegalidade implica ilicitude, para efeitos indemnizatórios. Há ilegalidades veniais, como o vício de forma, que não abrem direito a indemnização” (vd. ainda o Acórdão de 09-11-2000, Rec. n.º 46441, da 1ª. Subsecção da 1ª. Secção).
A ilicitude, para efeitos de integração dos pressupostos de responsabilidade civil, não significa a mera violação de uma disposição legal, exigindo a lei que se traduza na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, designadamente exige-se que resultem violados direitos ou interesses juridicamente protegidos dos administrados ou disposições legais destinadas a assegurar posições jurídico-subjectivas dos cidadãos (cf. artigos 2º e 6º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-12-1967).
No caso sub judice, alegaram os AA. e Recorrentes que existiram actos ilícitos que lhe causaram danos, que reclamam, decorrentes do licenciamento e da emissão da licença e suas prorrogações, com relação a uma moradia que foi implementada em área RAN e REN e, como tal, não poderia ser licenciada.
Ora, conforme matéria provada – em 9., 10, 17, 20, 24, 27 e 34 – resulta evidente que houve um erro da CMA que não classificou ab initio o local a construir como REN e nessa sequência deferiu o pedido de licenciamento, considerando estar-se apenas em área RAN.
Assim, a CMA não terá agido com a prudência devida, assegurando-se, antes de emitir a licença, que a área não estava delimitada como REN.
Não resultou provado nos autos que a CMA tivesse tomado todas as precauções devidas antes da emissão da licença, ou que face à cartografia existente na altura não pudesse verificar que a tal área era REN.
Portanto, a CMA violou não só os seus deveres e as normas que protegem as áreas REN, como a própria posição substantiva dos AA., que também se acautela com a proibição de construção em tais áreas – cf. art.º 4.º, n.º 1, 10.º, 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19-03.
Nesse sentido, o art.º 16.º do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19-03, estipula a responsabilidade civil perante os particulares, de estejam de boa-fé, por banda das entidades competentes para o licenciamento de obras de construção, quando o façam em violação das normas que protegem a REN.
Portanto, o acto de licenciamento da construção da moradia, com a subsequente emissão da licença e suas prorrogações, foi um acto ilícito, censurável, praticado pelos órgãos da CMC, que não atentaram na específica localização da construção. Da censurabilidade desta conduta decorre, depois, a culpa por parte dos órgãos da Administração, que não agiram com a diligência legalmente devida.
Dos autos não resulta que os AA. tenham agido de má-fé.
É certo que os AA. sabiam ab initio que estavam a construir em área RAN e, como tal, teriam também de saber que o seu pedido estaria sempre condicionado a essa circunstância – aos pressupostos legais e às limitações construtivas que daí derivavam por força de lei. Conforme factos provados, os AA. saberiam, aliás, que o destaque do terreno nunca seria viável – cf. factos 4 e 14 – cf. também art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14-06.
Porém, como decorre das alegações dos AA. e Recorrentes e da prova feita, no que diz respeito às limitações advindas do regime da REN, essas eram desconhecidas dos AA. e terá sido no pressuposto da inexistência de limitações REN, que formularam e seguiram com o seu pedido de construção.
A decisão recorrida entendeu que prolatado em 18-03-2008 um novo acto pela CMA, que regulou a situação supervenientemente, considerando a licença não caducada e consolidado o direito de edificação dos AA., sanou-se a anterior ilegalidade, pois o anterior acto que deferiu o licenciamento deixou de ser nulo e passou a conformar-se com a ordem jurídica.
Verificada esta circunstância superveniente, a decisão recorrida entendeu que estava prejudicado o conhecimento do pedido dos AA., para reconhecimento da invalidade do acto de licenciamento e, em simultâneo, julgou-se não verificado o pressuposto da ilicitude, exigível para a procedência do pedido indemnizatório.
Não podemos acompanhar este raciocínio decisório, pois a “sanação” superveniente não suprime a invalidade do acto anterior para efeitos da aferição da responsabilidade extracontratual do Estado. Essa invalidade persistiu na ordem jurídica pelo menos até 18.03.2008 e nesse iter temporal provocou danos, que os AA. aqui reclamam. Ou seja, a “regularização” superveniente da situação não faz desaparecer o pressuposto da ilicitude, mas apenas pode influir na apreciação do nexo de causalidade e para efeitos da diminuição do quantum indemnizatório, como veremos a seguir.
Como danos decorrentes da ilicitude, os AA. indicam o valor de construção da própria moradia, que avaliam em €235.999,00, a sua inabitabilidade, que neste recurso dizem ter sido até ao Natal de 2009 e a impossibilidade dos seu arrendamento pelo valor de €500,00 mensais.
Alegam os AA., ainda, que não alcançaram o destaque do terreno onde estava implementada a moradia, que por via desse não destaque não lograram obter o financiamento bancário que almejaram, e que tal ocasionou uma demora maior da construção e custos acrescidos.
A doutrina clássica defende que o nexo de causalidade existe quando os danos sejam consequência ou efeito do acto (ou omissão) lesivo. Contudo, porque a condição sine qua nom ou da equivalência das condições conduz a resultados injustos, a doutrina evoluiu no sentido de apenas considerar relevante a causa que não só seja adequada a provocar o resultado, mas também que o seja numa perspectiva abstracta e de probabilidade (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, p. 578, e Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, p. 392 e ss.).
A teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563º do CC, parte do pressuposto de que ninguém pode ser condenado a indemnizar danos que não causou. O artigo 563.º do CC estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização, estipulando que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Ora, no que se refere à alegação dos AA. e Recorrentes relativas aos danos que tiveram por não conseguirem o destaque do terreno, com a impossibilidade do financiamento bancário, custos e tempo acrescido, não são danos que possam ter resultado do licenciamento da construção, pelo que falece, manifestamente, o pressuposto do nexo de causalidade quanto a estes danos.
Do facto 4. decorre, ainda, que após o contacto inicial dos AA. com a CMA foi-lhes logo informado que o destaque não era viável. Do facto provado em 14, resulta, também, que o destaque foi indeferido em 04-03-2003.
Quanto ao valor da construção da moradia, que os AA. avaliam em €235.999,00, conforme facto 29., oscilará apenas entre €130.000,00 e €140.000,00.
Acresce, que conforme facto 24, a CMA, em 18.03.2008, já depois de interposta esta acção deliberou não declarar a caducidade da licença construída ao abrigo do art.º 69.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16-12, na redacção dada pela Lei n.º 60/2007, de 04-09, considerando consolidado o direito à edificação levado a cabo ao abrigo da licença concedida.
Assim sendo, ao prolatar este último acto a CMA acabou por legalizar a construção da moradia, tornando a sua construção, quando aferida nos termos do que tinha sido licenciado, totalmente aproveitável.
Em consequência, o dano que os AA. aqui reclamam, correspondente ao valor da construção da moradia que estava licenciada, é um dano que deixa de existir, ou com relação ao qual se queda o pressuposto do nexo de causalidade, pois o licenciamento (inicialmente) ilegal já não conduz ao total desaproveitamento da moradia, para o fim para o qual foi construída.
Dizem também os AA. que o referido acto de licenciamento, correspondente licença e suas prorrogações, lhes provocou danos decorrentes da inabitabilidade da casa e da impossibilidade dos seu arrendamento pelo valor de €500,00 mensais.
Conforme factos provados em 22 e 23 a casa foi construída e podia ser habitada. Ou seja, face à prova feita nos autos inexiste o dano que os AA. reclamam decorrente da inabitabilidade da moradia. Acresce, que também faleceria o nexo causalidade quanto a este dano, pois a ilegalidade do licenciamento não é razão para que uma casa que está já construída não possa ser habitada pelos filho dos AA.
Igualmente, terá de improceder o pedido para o pagamento de uma indemnização pelo não arrendamento da moradia por €500,00 mensais.
Como decorre do facto 31., a renda mensal por um imóvel como o dos AA. não seria superior a €250,00.
Depois, são os próprios AA. que afirmam que a casa foi construída para ser habitação do seu filho, assim se opondo à alegação de que a mesma casa podia ter sido arrendada.
Ademais, não podemos olvidar que a casa estava igualmente integrada em área RAN, pelo que só podia ser construída para os fins indicados no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14-06. Logo, porque o fim do arrendamento não vem contemplado naquele artigo, a construção da moradia ora em apreço não poderia ter por finalidade a sua utilização para arrendar. Ou seja, quando os AA. alegam que pretendiam arrendar a moradia, que estava construída em área RAN , estão a alegar que pretendiam fazer uma utilização da mesma contrária e proibida por lei, pois nunca a moradia em questão podia ter sido construída para ser colocada no mercado de arrendamento.
Acresce, que os AA. não alegam e como tal não ficou provado que tivessem em algum momento envidado esforços para proceder a tal arrendamento, ou que mesmo se tivesse gorado por causa de a licença inicial ser inválida.
Da mesma forma, apesar de no facto 22 se indicar que a casa está construída, não é alegada pelos AA. a data em que essa construção terminou e a partir da qual a casa poderia vir a ser arrendada.
Também não vem alegado pelos AA. que houvessem requerido a licença de habitação numa dada data e a mesma tivesse sido indeferida por a casa não estar legalmente licenciada e que por via desse não licenciamento e consequente não emissão da licença de utilização não pudessem ter colocado a casa no mercado de arrendamento.
Ou seja, das alegações dos AA. e dos factos provados nestes autos não resulta que os AA. pretendessem construir a casa para arrendamento, que a quisessem arrendar, ou que efectivamente o tivessem tentado e que esse arrendamento não se tivesse concretizado por causa da licença ilegal. Parece claro, face à factualidade apurada, que os AA. terão pedido à CMA para construir uma moradia em área RAN para aí habitar o seu filho – tal como alegam – e não com o fito de a arrendar.
Em suma, também quanto a este dano falece o pressuposto do nexo de causalidade.
Por último, aprecie-se a alegação dos AA. relativa aos danos pela impossibilidade do licenciamento das obras de alteração da moradia.
Como decorre dos factos provados em 15., 19., 21, 28, 30 e 32, foi licenciada aos AA uma construção de 279,08 m2, com uma área de implantação 113,96m2 e 139,21 m2 (incluindo varandas e escadas exteriores), mas no local os AA. construíram efectivamente uma moradia com uma área de construção e de implantação francamente superior à que lhes foi permitida.
Por conseguinte, a alegada impossibilidade do licenciamento das obras de alteração da moradia não se relaciona com os termos da licença inicialmente deferida, mas com novos pedidos de licenciamento, diferentes do primeiro, porquanto implicarão uma maior área de construção e implantação. Ou seja, os invocados danos também nada se relacionam com a ilicitude da licença inicial.
Em suma, inexiste uma relação de causa-efeito entre o acto de licenciamento e a emissão subsequente da licença e suas prorrogações e os danos que os AA. aqui reclamam.
Não sendo peticionados pelos AA. outros danos – designadamente não patrimoniais – verificado que com relação a todos os danos peticionados, ou inexistem, porque não provados, se queda o nexo de causalidade, terá necessariamente que falecer a presente acção.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, com a fundamentação ora adoptada.
- custas pelos Recorrentes, em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 4.º, n.º 1, al. a), 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 24 de Maio de 2018.

(Sofia David)

(António Vasconcelos)

(Catarina Jarmela)