Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2224/17.2 BELRS-A
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I. No despacho liminar proferido no âmbito de procedimento cautelar só deve ser de indeferimento quando o Tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é infundada ou que existem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
Por apenso à acção administrativa que move contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, o BANCO ....., S.A. intentou o presente procedimento cautelar tendente à suspensão de eficácia da decisão do Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, datada de 07/11/2017, que determinou o arquivamento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo Requerente, em 1 de Fevereiro de 2016, nos termos do disposto no artigo 139º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC), com referência às transmissões dos imoveis, efectuados pela Instituição Bancária no ano de 2015.
Por despacho de 23 de Novembro de 2017, o Tribunal Tributário de Lisboa indeferiu liminarmente o procedimento cautelar, nos termos da decisão de fls. 74/79 dos autos.

Inconformado com tal decisão, veio o Requerente interpor o presente recurso jurisdicional, formulando, para tanto, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se transcrevem:

«a. Da análise da sentença recorrida, verifica-se que o Tribunal, não conheceu do mérito do pedido formulado pelo Recorrente - em concreto, se estavam reunidos os pressupostos para, a título cautelar, ser decretada a suspensão da eficácia da decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de arquivamento do pedido apresentado em 1 de fevereiro de 2016 para efeitos de demonstração do preço efetivo praticado nas transmissões de imóveis efetuadas pelo aqui Recorrente em 2015, até ao trânsito em julgado da sentença que ponha termo à Ação Administrativa que corre seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o processo número ...BELRS -, tendo, antes, conhecido de uma questão que não foi suscitada pelo ora Recorrente nos presentes autos e cuja apreciação deverá ser efetuada na ação principal (a (i)legalidade da referida decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de arquivamento do pedido apresentado em 1 de fevereiro de 2016);

b. No caso sub judice também nada referiu o Tribunal quanto às razões que presidiram à decisão de não pronúncia quanto ao peticionado pelo Recorrente, não cuidando de justificar a dispensa do conhecimento da questão que lhe foi colocada a escrutínio (como ocorre, por exemplo, quando o tribunal deteta a prejudicialidade das questões não expressamente conhecidas na decisão), sendo que, estando-se perante uma "questão" expressamente submetida pelo Recorrente à apreciação do Tribunal - e não de uma mera consideração secundária ou de argumentação em torno de uma outra questão resolvida pelo Tribunal - há que concluir que a decisão quanto à mesma deveria ter integrado a matéria sobre que recaiu a pronúncia judicial;

c. Não se tendo o Tribunal pronunciado sobre a única questão a conhecer na presente ação, nem tendo o mesmo justificado as razões do seu não conhecimento, verifica-se que a decisão aqui em escrutínio ficou condicionada por manifesta omissão de pronúncia, pelo que deverá a sentença proferida nestes autos ser declarada nulo, por padecer do vício de omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 95º, número 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos artigos 195º, 199º, 608º,número 2 e 615º, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil (todos aplicáveis ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos);

d. Da análise da sentença verifica-se que o Tribunal, ao invés de analisar se os requisitos para o decretamento da providência cautelar (previstos no artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) se encontravam preenchidos, julgou, de facto, o mérito da decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de arquivamento do pedido apresentado em 1 de fevereiro de 2016 - em discussão na ação principal -, através da análise e considerações relativas aos artigos 64.º e 139.º do Código do IRC, cuja análise não cabia na presente ação, pelo que não colhe o eventual argumento de que o Tribunal a quo se pronunciou sobre a questão que lhe foi suscitada, tendo, apenas - em manifesto erro de julgamento -, confundido o tipo de prova exigível para o decretamento da providência cautelar, nos termos e para os efeitos do artigo 114º, número 3, alínea g) do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

e. A análise efetuada pelo Tribunal a quo não se trata de uma verificação do mérito da ação apresentada pelo mesmo quanto à "probabilidade de a pretensão formulada no processo principal vir a ser julgada procedente", porquanto, em face da afirmação de que "[a] prova apresentada é manifestamente inapropriada o que conduz ao indeferimento liminar da presente procedência ",terá, forçosamente, de se concluir que o Tribunal apenas analisou os requisitos externos (i.e., formais) a que deve obedecer o requerimento mediante o qual é desencadeado o processo cautelar, não tendo procedido ao conhecimento do mérito da pretensão do Recorrente;

f. É o próprio Tribunal a quo que refere que a providência cautelar foi liminarmente indeferida, nos termos do artigo 116.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por não ter sido apresentada a prova constante da alínea g) do número 3 do artigo 114.º do mesmo Código, sendo que, se a pretensão do Recorrente foi indeferida liminarmente, conclui-se que não houve lugar ao conhecimento do mérito da questão suscitada pelo mesmo - mérito esse, aliás, que sempre teria de ser precedido da citação da Entidade Requerida;

g. O Recorrente entende, ainda, que, para além da nulidade por omissão de pronúncia acima mencionada, a sentença ora recorrida padece, igualmente, de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 95º número 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos artigos 195º e 199.º, 608.º, número 2 e 615.º, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil (todos aplicáveis ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), na medida em que o Tribunal, ao invés de conhecer da questão que lhe foi suscitada, conheceu de uma questão que se encontra a ser discutida no processo principal e que não foi suscitada no presente incidente, e, como tal, não deveria ter sido alvo de pronúncia na presente providência cautelar;

h. O Tribunal pronunciou-se sobre matérias que não cabiam na análise da presente ação (in casu, os artigos 64.º e 139.º do Código do IRC) para concluir no sentido de que a prova apresentada na mesma era inapropriada, não tendo, ao invés e como lhe competia, analisado dos elementos probatórios exigíveis à luz do artigo 114º, número 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para o conhecimento do mérito da presente providência cautelar, razão pela qual não pode colher o argumento de que não se verifica a nulidade da sentença por excesso de pronúncia - padecendo, apenas, de erro de julgamento quanto à prova a apresentar na presente providência cautelar;

i. Nessa medida, deve a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser revogada por Vossas Excelências e, em consequência, deverá a mesma ser substituída por outra decisão, nos termos do disposto no artigo 665.º, número 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com base nos seguintes argumentos de direito, que também deverão ser atendidos, a título subsidiário, caso Vossas Excelências entendam não existirem fundamentos para revogar a sentença, com base nas nulidades processuais acima invocadas;

j. Perante os vícios de excesso de pronúncia e omissão de pronúncia, verifica-se que o Tribunal cingiu a apreciação da prova à questão da (i)legalidade da decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de arquivamento do pedido apresentado em 1 de fevereiro de 2016 - questão que, como se disse, está a ser apreciada no processo principal -, ao invés de ter apreciado a prova à questão que lhe foi efetivamente suscitada (a questão relativa à suspensão da referida decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes), cuja concretização, como o Recorrente demonstrou, a verificar-se, irá provocar danos irreparáveis ao mesmo;

k. Assim, ao contrário da posição assumida na sentença recorrida, a prova apresentada pelo Recorrente, quanto ao pedido por si formulado nos presentes autos (in casu, o pedido de suspensão da eficácia da citada decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de arquivamento do pedido apresentado em 1 de fevereiro de 2016), é manifestamente apropriada para demonstrar o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido, tendo o Recorrente cumprido as exigências constantes no artigo 114.º, número 3 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para a admissão da providência cautelar, razão pela qual terá de se concluir que andou mal o Tribunal a quo ao entender que prova apresentada pelo Recorrente nos presentes autos é inapropriada (e, em consequência, determinou ao indeferimento liminar da providência cautelar apresentada);

l. Com efeito, atenta a prova junta aos presentes autos, constata-se, sem margem para dúvidas, que, para os efeitos pretendidos na presente ação - a suspensão da eficácia da referida decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes de arquivamento do pedido apresentado pelo Recorrente em 1 de fevereiro de 2016 -, foi apresentada toda a prova relevante e, portanto, apropriada para demonstrar o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido formulado na mesma;

m. Ainda que o Tribunal a quo entendesse que a prova apresentada pelo Recorrente se afigurava "inapropriada", sempre deveria o mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 114.º, número 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos notificar o Recorrente para apresentar a prova que, na óptica do Tribunal, se afigurava idónea e apropriada para demonstrar o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido formulado pelo Recorrente na presente providência cautelar - o que não sucedeu;

n. Entendendo-se, porém, que a notificação do despacho de aperfeiçoamento não constitui uma nulidade processual, mas antes um "poder-dever" do juiz, deveria o Tribunal, ao abrigo do princípio da cooperação a que alude o disposto no artigo 7º do Código de Processo Civil (aplicável por força do artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), ter procedido à notificação do Recorrente para apresentar a prova que, na óptica do Tribunal, se afigurava idónea e apropriada para demonstrar o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido formulado pelo Recorrente na presente providência cautelar, pelo que, também por este motivo, terá de se concluir que andou mal o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente a providência cautelar apresentada pelo Recorrente;

o. O número 6 do artigo 147.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário prevê que as providências cautelares a favor do contribuinte deverão ser adoptadas quando o Requerente, aqui Recorrente, invoque e prove "o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária", sendo que a jurisprudência dos tribunais superiores avisadamente tem vindo a alargar o âmbito deste tipo de tutela (que tem consagração constitucional) a situações em que o contribuinte invoca e prova outro tipo de prejuízos, que não apenas os que, nos termos da norma em causa, decorram de uma "lesão irreparável' , admitindo (incentivando até) que tal tutela possa visar que sejam evitados os prejuízos em causa;

p. A presente providência cautelar visa a suspensão da eficácia de um ato em matéria tributária cuja legalidade está a ser discutida em processo ao qual é aplicável o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que lhe é aplicável o regime previsto nos artigos 112.º e seguintes deste Código;

q. Para a procedência do pedido do Recorrente são três as condições cuja verificação é exigida para, a saber, (i) o fundado receio da produção de efeitos de difícil reparação para os interesses que o Recorrente visa assegurar no processo principal, (ii) a probabilidade de a pretensão formulada pelo Recorrente no processo principal vir a ser julgada procedente e (iii) a inexistência de danos do decretamento da providência cautelar requerida superiores àqueles que podem resultar da sua recusa;

r. No que respeita ao primeiro dos requisitos, o fundado receio da produção de efeitos de difícil reparação para os interesses que o Recorrente visa assegurar no processo principal, cumpre referir que o Recorrente tem fundado receio da produção de efeitos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo em que é suscitado o presente incidente, quais sejam o de lhe ser permitido, em tempo útil, participar num procedimento de comprovação do preço efetivo na transmissão dos imóveis listados no requerimento apresentado em 1 de fevereiro de 2016 e que foi objeto de arquivamento - cuja discussão da legalidade ocorre no processo principal -, como forma de afastar a presunção subjacente ao regime do artigo 64º do Código do IRC;

s. A concretização de decisão de arquivamento do requerimento apresentado pelo Recorrente em 1 de fevereiro de 2016 implica que pela Autoridade Tributária e Aduaneira sejam imediatamente efetuadas as correções ao lucro tributável do Recorrente que, por força da presunção referida no artigo 64º do Código do IRC, respeitam à diferença entre o preço praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis constantes da lista que juntou ao requerimento cm análise e o valor patrimonial tributário definitivo que serviu de base à liquidação do IMT, num montante total de € 3.825.384,59, implicando, na prática, que o Recorrente não possa ilidir, em tempo útil e no momento adequado, a presunção constante do citado artigo 64.º do Código do IRC;

t. A concretização das correções ao lucro tributável em causa provocará, ainda, uma alteração significativa na esfera jurídica do Recorrente, já que, por força da mesma, se constituirá devedor de imposto, devendo proceder ao seu pagamento voluntário, que apenas poderá evitar, nos termos da lei, mediante a prestação de garantia idónea e contestação da legalidade da dívida mediante impugnação administrativa e ou contenciosa e verá reduzido o montante de impostos diferidos ativos que beneficiam do regime aprovado pela Lei n.º61/2014, de 26 de agosto, com consequências ao nível do cumprimento dos rácios de capital a que o Recorrente se encontra obrigado enquanto instituição de crédito, o que implicará que o Recorrente tenha que desconhecer, por contrapartida de custos do exercício, a parte correspondente do ativo por impostos diferidos registado por referência a tal montante, com a consequente redução do seu resultado contabilístico, dos seus capitais próprios e dos rácios de capital;

u. A concretização da decisão cuja eficácia se pretende suspender com a presente ação, implica, igualmente, uma redução dos resultados contabilísticos e dos capitais próprios e respetivos rácios que o recorrente apura e, nos termos da lei, divulga às entidades de supervisão e, enquanto entidade emitente de valores mobiliários, divulga ao mercado, matérias muito sensíveis nas análises que são efetuadas pelas agências de notação de risco e pelos analistas nos mercados com vista à emissão de recomendações de investimento ou não investimento em valores mobiliários emitidos, uma importante fonte de financiamento do Recorrente, o que, naturalmente, afeta a capacidade de obtenção de financiamento junto de outras fontes e relevantes para efeitos do cumprimento dos rácios mínimos de capital que são impostos;

v. A concretização da decisão cuja eficácia se pretende suspender com a presente ação, implica, ainda, que o Recorrente será, na prática, impedido de efetuar as correções devidas nos termos do artigo 64.º do Código do IRC por sua iniciativa, o que significa que será com grande probabilidade objeto de um processo de contra-ordenação que terá como fundamento de base a inexistência do procedimento cujo arquivamento contesta no processo principal;

w. Verifica-se, pois, que com a presente ação, o Recorrente pretende ver assegurado o efeito útil da ação principal, e não, apenas, os (óbvios e demonstrados) prejuízos financeiros que para o Recorrente advêm da concretização da decisão de arquivamento do requerimento apresentado pelo Recorrente em 1 de fevereiro de 2016 (cuja validade o Recorrente contesta no processo principal);

x. Conclui-se, assim, que os danos que para o Recorrente podem advir da execução da decisão cuja suspensão é peticionada são relevantes e, em qualquer hipótese, insuscetíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa e, por esse motivo, também de difícil reparação, pelo que há que concluir que se verifica a primeira das condições exigidas pela lei para efeitos do decretamento da presente providência cautelar;

y. No que concerne ao segundo dos requisitos para o decretamento da providência cautelar (a probabilidade de a pretensão formulada pelo Recorrente no processo principal vir a ser julgada procedente), verifica-se que o mesmo se encontra, igualmente, preenchido, porquanto a desproporcionalidade invocada pelo Recorrente e de que decorre a inconstitucionalidade que baseia (parcialmente) a sua argumentação na ação principal não tem a ver com a derrogação do sigilo bancário enquanto tal (ou seja, enquanto instituto) - situação que já foi considerada constitucional pelo Tribunal Constitucional e, como tal, não é discutida pelo Recorrente -, antes assenta numa exigência legal que, fazendo tábua-rasa dos mecanismos e do contexto abrangente em que o instituto é admitido e concretizado na ordem jurídico-fiscal, gera uma assistematicidade não justificável e, nessa medida, desproporcionada ao objetivo (legítimo) do legislador, que pode ser atingido por outros meios em todos os casos em que tal objetivo exige ou recomenda a derrogação do sigilo bancário;

z. Por fim, também se encontra preenchido o terceiro e último requisito para o decretamento da providência cautelar (i.e., a inexistência de danos do decretamento da providência cautelar requerida superiores àqueles que podem resultar da sua recusa), na medida em não fica em risco o direito à liquidação de imposto (e juros compensatórios respetivos) que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendesse exercer, uma vez que (i) o prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto está suspenso, nos termos da alínea a) do número 2 do artigo 46.º da Lei Geral Tributária e tal suspensão manter-se-á até que a decisão transite em julgado e, (ii) no que respeita ao procedimento contra-ordenacional, a prescrição do mesmo está suspensa nos termos do artigo 33.º do Regime Geral das Infrações Tributárias;

aa. Não se vislumbra, portanto, que danos poderiam existir no caso de decretamento da providência cautelar requerida, que sejam superiores aos que podem resultar da sua recusa, pelo que considera que se verifica a última das condições exigidas pela lei para que o pedido agora efetuado seja considerado procedente;

bb. A decisão recorrida deve, pois, ser anulada, nos termos do disposto 95.º, número 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos artigos 195º, 199º, 608.º, número 2 e 615º, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil (todos aplicáveis ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e, ainda, por violar o disposto nos artigos 112.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine o decretamento da suspensão da eficácia da decisão de 7 de novembro de 2017, do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, de arquivamento do pedido apresentado em 1 de fevereiro de 2016 para efeitos de demonstração do preço efetivo praticado nas transmissões de imóveis efetuadas pelo aqui Recorrente em 2015, até ao trânsito em julgado da sentença que ponha termo à Ação Administrativa que corre seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o processo número ...BELRS, tudo com as legais consequências.».

A Entidade Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A. O douto despacho de indeferimento liminar da petição inicial em apreço, fez correcta interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, motivo pelo qual deve ser mantido.

B. A argumentação do recorrente não é de acolher devendo improceder as arguidas nulidades

C. A entidade aqui Recorrida entende que o Tribunal a quo fez uma correcta apreciação dos factos e aplicação do direito, razão pela qual deverá ser mantida a sentença proferida.

D. Dispõe o art.116° do CPTA que constituem fundamentos da rejeição liminar do requerimento, a falta de qualquer dos requisitos do art.º114° nº3 do CPTA.

E. Determinando o n°3 al. g) do art.114° do CPTA que o Requerente deve especificar, de forma articulada os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da sua existência.

F. A prova apresentada é manifestamente inapropriada, o que conduziu e bem, ao indeferimento da presente providência.

G. Não obstante, sempre se dirá, que, como vem admitindo a doutrina e alguma jurisprudência, poderá utilizar-se o regime de adopção de providencias cautelares para obter a suspensão de eficácia de acto administrativo que determine o pagamento de quantia sem a prestação de garantia (ou da penhor que é equivalente, nos termos de n°1 do artº169°), quando existir o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária (Cf. neste sentido Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit, 6ª edição, Volume I pág. 613 e jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo, ali citada)

H. Mas não é esse o caso vertente dado que, estando em causa interesses meramente patrimoniais, e senão consabido e notório que a recorrente é uma entidade bancária, os montantes em causa na acção principal, numa óptica de valores relativos, nunca seriam aptos a pôr em causa, de forma irreparável, a sua actividade empresarial ou a causar-lhe prejuízos de muito difícil reparação

I. Ademais, como se viu, não existe razão para se temer que se estabeleça uma situação de facto consumado, já que a decisão de indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis e a própria liquidação não são irreversíveis, senão sempre da configurar a possibilidade de anulação do imposto que a mais tiver sido liquidado com juros indemnizatórios legais sobre os valores indevidamente cobrados.

J. Pelo que fica dito, devem improceder os fundamentos do recurso.

K. Devendo, em consonância, ser confirmada a sentença recorrida, que, procedendo a uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, indeferiu a providência cautelar e em apreço.

Nestes termos e nos demais de direito, que Vª. Exª. Doutamente suprirá, deverá o recurso ser julgado improcedente, por não provado, e consequentemente confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo na sua totalidade, com todos os efeitos legais.».

**
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

**
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. art. 278.º, n.º 5, do CPPT e art.657.º, n.º 4, do CPC), vêm os autos à conferência para decisão.

**
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De harmonia com o disposto nos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil (CPC) é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que aqui se não detectam.
Á luz do quadro traçado, tendo em conta as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, verifica-se que aquele submete à apreciação deste Tribunal Central Administrativo as seguintes questões:
- nulidade processual de corrente da violação do artigo 114º, n.º4 do CPTA;
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

**
III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
A sentença sob recurso deu como provada a seguinte factualidade:
«1. O Requerente apresentou em 01/02/2016 junto do Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, 1 a 313 segundo o qual pretendia fazer prova do preço praticado nas transmissão de direitos reais sobre bens imóveis constantes na lista junta e efectuada em 2015,
2. Nos documentos juntos pelo Recorrente consta uma listagem que enumera a data da venda, o distrito concelho freguesia, o artigo matricial, letra da fracção autónoma, quota-parte, tipo de contrato, valor efectivo da venda, identificação do cartório notarial conservatória ou documento juto, (identificados com nº de documento), comprovativo do valor efectivo da venda, (referidos como nº de documento 1), que se dá por reproduzido
3. Ao requerimento referido no ponto 1 a Unidade dos Grandes Contribuintes notificou o Requerente referindo que nos termos do nº6 do artº139º do CIRC o consentimento de acesso aos elementos protegidos pelo sigilo bancário referente às entidades mencionadas naquela norma é necessariamente um dos requisitos de abertura do procedimento previsto no referido artigo 139º, não havendo dispositivo legal que o dispense, não podendo assim, o procedimento prosseguir, caso não seja acompanhado das mencionadas autorizações;
4. Ao Reclamante foi requerida a apresentação das declarações de autorização de acesso à informação bancária do Banco ..... SA, referente ao período de transmissão dos imóveis de 2014 e 2015;
5. Ao Reclamante foi requerida a apresentação das declarações de autorização de acesso à informação bancária referente ao período de transmissão dos imóveis de 2014 e 2015;
6. Aquando da notificação foi informado o Recorrente de que não sendo dado cumprimento ao solicitado será arquivado o pedido apresentado procedendo os serviços à competente liquidação na parte respeitante ao valor do ajustamento no nº2 do artº64º do CIRC;
7. E resposta ao requerido pela Unidade dos Grandes Contribuintes a Reclamante respondeu que é inconstitucional o pedido pelo que o não cumprirá.»

Consta ainda da sentença recorrida que a convicção do tribunal se amparou na análise das «informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório»

**

B.DE DIREITO

O BANCO ....., S.A. (doravante recorrente) apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa o pedido de decretamento de providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão do Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, de 7.11.2017, que determinara o arquivamento do procedimento iniciado com a apresentação de pedido ao abrigo do disposto no artigo 139° do CIRC, até ao trânsito em julgado da sentença que ponha termo à Acção Administrativa que corre seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o processo número ...BELRS, tendo junto cinco documentos para prova dos factos alegados no requerimento inicial.

Veio então a ser proferido despacho de indeferimento liminar da petição do procedimento cautelar interposto pelo recorrente requerente.

Para fundamentar a conclusão alcançada, estriba-se a decisão na seguinte argumentação: «Dispõe o artº 116º do CPTA que constituem fundamentos da rejeição liminar do requerimento, a falta de qualquer dos requisitos do artº 114 nº 3 do CPTA.

Dispõe o nº 3 al g) especificar, de forma articulada aos fundamentos do pedido oferecendo prova sumária da sua existência. A prova apresentada é manifestamente inapropriada o que conduz ao indeferimento da presente procedência.».

Conhecido o teor da decisão nos seus pontos essenciais, vejamos a posição do recorrente.

O recorrente argumenta, entre o mais, que se o «Tribunal a quo entendesse que a prova apresentada pelo Recorrente se afigurava "inapropriada", sempre deveria o mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 114.º, número 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos notificar o Recorrente para apresentar a prova que, na óptica do Tribunal, se afigurava idónea e apropriada para demonstrar o preenchimento dos requisitos de que depende a procedência do pedido formulado pelo Recorrente na presente providência cautelar - o que não sucedeu.» [Conclusão n)].

Assim sendo, e em face daquilo que se apreende do que ficou escrito importa saber se, liminarmente, o Tribunal recorrido podia concluir pelo indeferimento da providência com fundamento que a prova oferecida no requerimento inicial é «inapropriada».

Antes de entrarmos na apreciação do caso concreto, importa descrever as linhas gerais relacionadas especialmente com a apresentação do requerimento inicial cautelar junto do Tribunal na medida em que vem alegada nulidade processual por violação do artigo 114.º, n.º 4 do CPTA.

Vejamos, então.

Recebido no Tribunal o requerimento cautelar, o mesmo é submetido a despacho liminar do juiz, com vista à sua admissão ou rejeição (cfr. artigo 116º, n.º 1 do CPTA).

Como se sabe, a enumeração dos fundamentos de rejeição liminar do requerimento inicial cautelar é taxativa, como resulta da expressão «Constituem fundamento de rejeição liminar do requerimentoinserida no corpo do n.º2 do artigo 116º do CPTA.

Como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, «[o]despacho liminar só deve ser de indeferimento quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é insufundada ou que existem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente ou se verifique uma total ausência do pedido ou da causa de pedir em termos do requerimento não poder ser objecto de convite ou aperfeiçoamento» (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos Almedina, 4ª Edição, 2017, pág. 949).

De resto, como também já ensinava ALBERTO DOS REIS: «importa não perder de vista que o indeferimento liminar, radicando em motivos de economia processual, deve ser cautelosamente decretado» (in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed. reimp., p. 373).

Ora, como já se referiu, o Tribunal a quo rejeitou liminarmente a presente providência ao abrigo da alínea g) do n.º3 do artigo 114º do CPTA, com fundamento de que a prova oferecida no requerimento inicial é «inapropriada» para o deferimento da pretensão requerida.

Nos termos do referido normativo: «No requerimento deve o requerente: (…) g) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência;».

Desta disposição resulta que recai sobre o requerente o dever de oferecer a prova dos factos em que sustenta o pedido (prova sumária, atendendo à sumarieadade dos juízos a formular em sede cautelar).

Mas, nos termos do nº 4 do mesmo normativo: «(…) na falta da indicação de qualquer dos elementos enunciados no número anterior, o interessado é notificado para suprir a falta no prazo de cinco dias».

Finalmente, segundo a alínea a) do n.º2 do artigo 116.º do CPTA: « Constituem fundamento de rejeição liminar do requerimento: a) A falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114.º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito;».

Ora, face ao quadro legal desenhado a solução encontrada de indeferir liminarmente a providência ao abrigo do artigo 114.º, n.º 3, alínea g) do CPTA, assente no juízo de que «a prova apresentada é manifestamente inapropriada» surge à revelia das regras ditadas pelo legislador quanto à tramitação processual do presente meio utilizado pelo recorrente.

Ou seja, o Tribunal recorrido tinha duas opções, ou considerava que o requerimento inicial da providência não cumpria o requisito da alínea g) do n.º3 do artigo 114.º do CPTA, situação em que se lhe impunha a prolação de despacho de aperfeiçoamento, determinando o convite a recorrente para suprir a identificada falta no prazo de cinco dias (cfr.artigo 114º, n.º4 do CPPT), ou caso nada obsta-se, o requerimento era admitido e ordenada a citação da entidade requerida e dos (eventuais) contra interessados (cfr.artigo 114º, n.º1 do CPTA).

Contudo, nenhuma das duas situações indicadas teve lugar.

Isto porque, recebido o requerimento inicial foi de imediato proferida decisão, a qual, como já vimos, indeferiu liminarmente a providência cautelar com fundamento no não cumprimento do último segmento do artigo 114.º, n.º 3, al.g) do CPTA.

Ora, embora chegada este “desfecho”, na decisão recorrida não se deixou no entanto de entender que «A prova apresentada é manifestamente inapropriada o que conduz ao indeferimento da presente procedência.».

Isto significa, e melhor se retira da leitura da decisão que o mérito (legalidade) da pretensão não deixou de ser apreciado. Porém, não foi ao abrigo do artigo 114º,n.º2, al.d) que a providência foi indeferida “manifesta a improcedência da pretensão formulada”.

Mas, ainda que « (…) se entendesse que se pretendia integrar a situação em causa no artigo 114º nº3 al. g) do CPTA, por não ter sido oferecida prova sumária dos fundamentos do pedido (o que não foi referido pela sentença recorrida), nunca seria de indeferir liminaramente a providência.

Em suma, quanto à falta de prova da relação entre a requerente M... e a filha não podia a mesma servir de fundamento à rejeição sem ter sido tomada posição quanto ao pedido de prorrogação de prazo para junção de documento e quanto à falta de prova da residência dos requerentes não foi usada a faculdade prevista no art. 114º nº4 do CPTA que engloba necessariamente o suprimento de falta de prova documental que o juiz integre na previsão da citada alínea g) do nº3 do art. 114º do CPTA.» (acórdão do TCA Norte de 18.10.2007, proferido no processo n.º 00985/07.6BEBRG, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Não se vislumbrando, pois, razões para manter a decisão recorrida, que terá que ser anulada, devendo os autos baixar ao autos baixar ao Tribunal Tributário de Lisboa para que aí seja proferido novo despacho ao abrigo do artigo 116.º, n.º 1, do CPTA que não seja de rejeição liminar pelo fundamento avançado,

Fica, assim, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas no recurso (cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC).

IV.CONCLUSÕES

I.No despacho liminar proferido no âmbito de procedimento cautelar só deve ser de indeferimento quando o Tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão formulada é infundada ou que existem excepções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida e determinar a baixa dos mesmos ao Tribunal Tributário de Lisboa para ser esta substituída por outra que não seja de rejeição liminar pelo fundamento invocado.

Sem custas.


Lisboa, 3 de Maio de 2018.

[Ana Pinhol]



[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]