Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 523/10.3BECTB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 12/12/2017 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | MEMBROS DE ÓRGÃOS DIRIGENTES DE ASSOCIAÇÕES RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA SUCESSÃO DE REGIMES LEGAIS NO TEMPO |
Sumário: | 1) As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. 2) O regime da efectivação da responsabilidade subsidiária deve ter por referência o quadro legal vigente à data da ocorrência do facto tributário. 3) Só desde 1 de Janeiro de 2001, com a entrada em vigor da redacção dada ao artigo 24.º da LGT pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro, passou a ser possível responsabilizar subsidiariamente, nos termos deste preceito, os directores das associações pelas dívidas fiscais destas. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 639/644, que julgou procedente a oposição deduzida por F... à execução fiscal nº... e apensos, contra si revertida, tendo em vista a cobrança coerciva de dívidas da Associação Desportiva da ..., referentes a IVA e respectivos juros compensatórios, dos períodos de 01.04.1998 a 31.12.2000. Nas alegações de recurso de fls. 661/676, o recorrente formula as conclusões seguintes: X Não há registo de contra-alegações.X A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 684/687) no qual se pronuncia no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.X II- Fundamentação1.De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: i. A 15/10/1998 foi instaurado o PEF n.º... para cobrança coerciva de dívidas com proveniência em IVA, contra a Associação Desportiva da ...., no valor de 82.589,36 (cfr. informação contante de fls. 31 da numeração do PEF, a que corresponde fls. 91 dos autos da numeração SITAF); ii. Em documento titulado de “Tomada de Posse”, pode ler-se que “Aos trinta dias do mês de Setembro de dois mil e dois, nesta sede cidade da ..., na Sede da Associação Desportiva da ..., […] perante mim […] compareceram os elementos a seguir indicados a fim de serem empossados nos cargos respeitantes aos órgãos sociais da Associação da ... para o biénio 2002/2004 […] Direcção – Presidente – F...” (cfr. Termo de posse a fls. 44 dos autos, da numeração SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); iii. Em informação do serviço de Finanças da ..., datada de 26 de Agosto de 2009, elaborada no PEF ... e apensos, pode ler-se o seguinte: “Contra a executada supra identificada corre termos o processo da execução fiscal nº... e apensos, por dívidas de IVA (anos de 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999 e 2000), IRC (anos de 1996 e 1997), IRS (1995, 1996 e 1997) na importância de €90.961,37). - Verifica-se através da informação colhida do CEAP, conforme “print” a folhas 34, que a ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA DA ..., contribuinte fiscal número ..., para além do imóvel alienado em 12/01/2005, no processo de execução fiscal n.º... e apensos, ao qual o presente processo esteve também apensado, como podemos constatar a folhas 44 […] adquirido por M..., não possui quaisquer outros bens susceptíveis de ser penhorados, situação essa que se mantém na presente data, através de informação colhida, mesma via (CEAP) cert. Folhas 39. - Por consulta efectuada ao Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, no período de 2005-12-31 até hoje 26-08-2009, são dirigentes os seguintes: F...[…]; -Pode constatar-se da sentença proferida no processo comum n.º 102/01,61DGRD ( Tribunal Singular), […] os períodos imputados à vigência, enquanto membros da Direcção Associação Desportiva da ... […] que no período compreendido entre 05 -06-1999 a 31-12-2000, por fazerem parte da Comissão Administrativa que geriu a Associação Desportiva da ..., a saber, os senhores […]; e no período compreendido entre 30-11-2000 até 06-08-2001, geriu o destino daquela colectividade desportiva, o senhor […]. Verifica-se assim, que a Direcção da Associação Desportiva da ..., foi da responsabilidade dos elementos supra identificados. Pela informação colhida do CEAP, que comprova a inexistência de quaisquer bens penhoráveis pertencentes à sociedade executada, parece-me ser de promover a reversão, nos termos dos art.º23º 24º da LGT e 160 do CPPT, na pessoa dos responsáveis subsidiários, à data das dívidas” (cfr. informação a fls. 50 e 51 do PEF, que a fls. 112 e 113 da numeração SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); iv. A 26/08/2009, no PEF n.º..., foi proferido despacho para audição prévia em reversão, contra o aqui oponente, na qualidade de responsável subsidiário, para cobrança do valor total de 90.961,37€, (cfr. despacho de reversão a fls. 57 e 58 do PEF, a que corresponde a fls. 118 e 119 dos autos da numeração SITAF); v. A 09/09/2009, o oponente pronunciou-se sobre a reversão em sede de audiência prévia (cfr. fls. 160 do PEF, a que corresponde fls.225 da numeração SITAF); vi. A 26/04/2010, com a menção “visto”, foi exarado despacho de concordância sobre a informação da Divisão de Tributação e Justiça Tributária da Direcção de Finanças da ..., na qual pode ler-se o seguinte (cfr. fls. 271 a 273 do PEF a que corresponde fls. 337 a 340 dos autos da numeração SITAF): “Texto no original” vii. A 08/06/2010, pelo Chefe de Finanças da ..., no processo n.º... e apensos, foi proferido o seguinte despacho (cfr. fls. 294 do PEF, a que corresponde fls. 361 da numeração SITAF); “Texto no original” viii. A 08/06/2010, foi emitido ofício citação, por reversão, no PEF a que se reportam as alíneas anteriores do probatório, e para cobrança de dívidas de IVA dos períodos compreendidos entre o período 04/1998 a 12/2000, dirigido ao aqui oponente, no qual pode ler-se, na fundamentação da reversão, o seguinte: “(…) Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º23/n.º2 da LGT); Dos administradores directores, ou gerente e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão, em pessoas colectivas, e entidades fiscalmente equiparadas, por ter sido feita a prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoas colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargos [art. 24/n.º1/a) LGT] E o constante das informações a fls. 50 e 51, 271 e 273. (…) Identificação da dívida N.º de processo principal: ... Total da quantia exequenda: 18.129,21 eur (…)” (cfr. ofício de citação a fls. 432 e 433 do PEF, e, respectivo anexo, a que correspondem fls. 506 a 508 dos autos). X Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa. X X Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto: ix. O recorrido foi dirigente da Associação Desportiva da ... desde 30.09.2002 a 30.09.2004 – fls. 221/223, dos autos. x. As dívidas referidas em viii., reportam-se a IVA, cujos factos tributários ocorreram entre 01.04.1998 e 31.12.2000 e têm como data limite de pagamento voluntário a de 31.01.2002 – fls. 434, dos autos. X 2.2. De Direito. 2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 639/644, que julgou procedente a oposição deduzida por F... à execução fiscal nº... e apensos, contra si revertida, tendo em vista a cobrança coerciva de dívidas da Associação Desportiva da ..., referentes a IVA e respectivos juros compensatórios, dos períodos de 01.04.1998 a 31.12.2000. Apreciando. 2.2.4. Está em causa a reversão da execução do PEF n.º ..., por dívidas de IVA e respectivos juros compensatórios, dos períodos de 01.04.1998 a 31.12.2000[1], com base no disposto no artigo 24.º/1/a), da LGT[2]. A este propósito, constitui jurisprudência assente a de que: «As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos»[3]. De onde resulta que o regime da efectivação da responsabilidade subsidiária deve ter por referência o quadro legal vigente à data da ocorrência do facto tributário; havendo sucessão de regimes legais, importa aferir qual o regime de efectivação da responsabilidade subsidiária vigente à data da constituição das dívidas em causa nos autos. «Não é possível responsabilizar subsidiariamente os directores de uma associação ao abrigo do art. 13.º do CPT ou do art. 24.º da LGT pelas dívidas fiscais constituídas antes de 1 de Janeiro de 2001, pois uma associação não é uma sociedade ou empresa de responsabilidade limitada, nem cooperativa ou empresa pública e só relativamente a estas estava prevista naqueles preceitos a responsabilidade subsidiária dos titulares dos órgãos sociais por dívidas fiscais. // Só desde 1 de Janeiro de 2001, com a entrada em vigor da redacção dada ao art. 24.º da LGT pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro («os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados, são subsidiariamente responsáveis em relação a estas […]»), passou a ser possível responsabilizar subsidiariamente nos termos deste preceito os directores das associações pelas dívidas fiscais destas»[4]. No caso em exame, verifica-se que está em causa a reversão por dívidas de IVA e respectivos juros compensatórios, dos períodos de 01.04.1998 a 31.12.2000. De onde resulta que a presente efectivação de responsabilidade subsidiária não é admissível, por falta de norma legal que preveja a efectivação da responsabilidade subsidiária dos titulares de órgãos dirigentes de associações desportivas, reportada à data da constituição das dívidas em causa. A sentença recorrida ao julgar procedente a presente oposição, não padece do erro que lhe vem imputado, devendo ser confirmada, ainda que com a presente fundamentação. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. Salvo o devido respeito, a presente linha de argumentação não procede. «A responsabilidade tributária abrange, nos termos fixados na lei, a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais»[5]. // Para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas»[6]. «Haverá responsabilidade tributária quando alguém, por imposição legal, é chamado ao pagamento de dívidas tributárias de outra pessoas ou entidade, após o incumprimento desta»[7]. Por outras palavras, a efectivação da responsabilidade tributária exige a vigência de norma legal que, na data da constituição da dívida, objecto de reversão, estabelece a imputação de responsabilidade pelo cumprimento da mesma ao sujeito responsável. A imputação de responsabilidade solidária pelas dívidas contraídas pela associação em apreço aos titulares dos respectivos órgãos directivos suporia a desconsideração da personalidade jurídica da associação, cujo regime decorre do disposto nos artigos 167.º a 184.º do Código Civil, sem qualquer norma legal que tal autorize. No caso, havendo pessoa jurídica, à qual são imputáveis as dívidas exequendas, a eventual responsabilidade do oponente pelo cumprimento das mesmas, exige a efectivação da sua responsabilidade subsidiária através do mecanismo de reversão, nos termos do regime legal aplicável (artigos 23.º e 24.º da LGT) e na medida em que, pela verificação dos pressupostos relativos, a mesma opere. A verificação de tais pressupostos é aferida em face da lei vigente à data da ocorrência dos factos que estão na origem da constituição das dívidas em causa. A ocorrência de tais pressupostos não foi demonstrada nos autos, dado que os factos tributários subjacentes às dívidas exequendas são anteriores ao início de vigência da norma que permite a efectivação da presente categoria de responsabilidade tributária. Pelo que a sentença, ao assim decidir, deve ser confirmada, ainda que com a presente fundamentação. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.Custas pela recorrente. Registe. Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)
(Cristina Flora - 1º. Adjunto)
(Ana Pinhol - 2º. Adjunto) [1] n.º vii do probatório. [2] n.º viii do probatório. [3] Acórdão do STA, de 07.10.2010, P. 0945/09. [4] Acórdão do TCANorte, 28.02.2008, P. 00196/06 - PENAFIEL [5] Artigo 22.º/1, da LGT. [6] Artigo 22.º/2, da LGT. [7] Joaquim Freitas da Rocha e Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária, Almedina, 2017, p. 94. |