Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1880/17.6BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/19/2017
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
LEGITIMIDADE PASSIVA
INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
Sumário:I – O princípio do contraditório, consagrado no artigo 3º nº 3 do C.P.C., exige que as parte sejam ouvidas previamente à decisão sobre questões de direito ou de facto, salvo caso de manifesta necessidade.

II – De acordo com o artigo 105º nº 1 do CPTA a intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões deve ser requerida contra a pessoa colectiva de direito público cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão.

III – Pretendendo a recorrente obter informação quanto a saber se foi tomada alguma decisão pela Segurança Social relativamente ao pedido de pagamento da compensação retributiva por aplicação do regime lay-off, na modalidade de redução dos períodos normais de trabalho, remetido pela sua entidade empregadora, assiste-lhe o direito de obter a informação solicitada, ao abrigo do exercício do direito à informação procedimental.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Gracinda ……………………….., requereu contra o Instituto de Segurança Social, I.P. processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, peticionando fossem prestadas as seguintes informações:
a) se foi tomada alguma decisão pela Segurança Social relativamente ao pedido de pagamento da compensação retributiva por aplicação do regime lay-off, na modalidade de redução dos períodos normais de trabalho remetido pela Entidade Empregadora S..... – Sociedade de Incremento Cultural, S.A. em 17 de Agosto de 2016:
b) a razão pela qual não foi aplicado o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 305º do Código do Trabalho, nas prestações de doença recebidas pela requerente entre 20/04/2017 e 02/06/2017;
c) se não tivesse sido tomada nenhuma decisão quanto ao pedido referido em a), informação quanto ao estado em que se encontra a apreciação do mesmo.

Por sentença proferida em 18 de Setembro de 2017 foi a entidade requerida absolvida da instância, com fundamento na verificação da excepção de ilegitimidade passiva.

Da aludida decisão interpôs recurso a requerente, sintetizado nas seguintes conclusões:

“1. Apresenta-se o presente recurso por se discordar da Sentença do Tribunal a quo, a qual incorreu, em nosso entender, em manifesto erro de julgamento, ao considerar o Instituto da Segurança Social, I.P. parte ilegítima por entender que o processo de intimação devia ter sido instaurado contra o Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social, já que tinha sido a este que tinha sido dirigido o pedido de informação.
2. A questão da ilegitimidade passiva da entidade demandada apreciada na sentença recorrida, não havia sido previamente suscitada no presente processo..
3.A decisão aqui em causa é uma verdadeira decisão surpresa, proferida em clara violação do principio do contraditório previsto no artigo 3º nº 3 do CPC, já que foi decidida a questão sem que a parte tenha tido a possibilidade de sobre ela se pronunciar.
4. Verificando-se assim a violação da lei processual, consubstanciada na omissão de um acto que a lei prescreve (cfr. artigos 3º nº 3 e art. 195º nº1 do CPC aplicáveis ex vi do art. 1º do CPTA), o que implica desde logo a anulação dos actos que dependam absolutamente da prévia notificação da parte para se pronunciar, ou seja, em concreto a sentença aqui recorrida.
5. Sem conceder quanto à nulidade invocada, e por dever de patrocínio procede-se de seguida a demonstrar que na decisão em causa se cometeu um ostensivo erro de julgamento.
6. Já face à redacção anterior do artigo 105º do CPTA era jurisprudência constantes dos tribunais centrais administrativos que também "no processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, a legitimidade passiva é apreciada nos termos do artº 10º/2 do CPTA." (vide Acórdão do TCA SUL de 10/08/2009, Proc. 05372/09, e no mesmo sentido Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 02/09/2006 [Proc. 01329/06], 11/22/2012 [Proc. 09395/12] e de 16/12/2015 [Proc. 12585/15]).
7. Tal posição jurisprudencial saiu claramente reforçada ao ser, de forma clarificadora, concretizada a nível legislativo no nº 1 do artigo 105º do CPTA pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10.
8. Pelo que dúvidas não podem existir que a legitimidade passiva reside na pessoa colectiva de direito público.
9. Ora, face ao disposto nos artigos 1º nº 1 e 2º n.ºs 1 a 3 da Lei Orgânica do Instituto da Segurança Social, I.P. aprovada pelo DL n.º 83/2012, de 30-03, e nos artigos 1º nºs 1 e 8 e 17º dos Estatutos do Instituto da Segurança Social, I. P. aprovados pela Portaria n.º 135/2012, de 8-05, é manifesto que o Centro Distrital de Leiria do Instituto de Segurança Social é um serviço desconcentrado (natural e logicamente sem personalidade jurídica) da pessoa colectiva Instituto da Segurança Social IP, o qual tem sede em Lisboa.
10. Pelo que, face à redacção dos artigos 105º nº1 e 10º nº 2 do CPTA, a legitimidade passiva no presente processo de intimação reside na pessoa colectiva de direito público Instituto da Segurança Social, I.P., do qual o Centro Distrital de Leiria do Instituto da Segurança Social é um mero serviço desconcentrado.
11.Sendo manifesto que o Tribunal a quo, ao considerar o Instituto da Segurança Social, I.P como parte ilegítima e em consequência absolver tal entidade da instância, interpretou erradamente os artigos 105º e 10º nº 2 do CPTA violando-os, razão pela qual sempre deve ser revogada a sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O M.P. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II) Para a decisão do presente recurso, bem como da pretensão formulada pela recorrente importa dar como assentes os seguintes factos:

1) A ora recorrente requereu à Directora do Centro Distrital de Leiria do Instituto de Segurança Social, I.P., a prestação das seguintes informações:
a) se já tinha sido tomada alguma decisão pela Segurança Social relativamente ao pedido do pagamento da compensação retributiva por aplicação do regime lay-off na modalidade de redução dos períodos normais de trabalho remetido pela entidade empregadora S..... – Sociedade de Incremento Cultural, S.A. em 17 de Agosto de 2016;
b) a razão pela qual não foi aplicado o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 305º do Código do Trabalho nas prestações de doença recebidas pela ora recorrente entre 20/04/2017 e 02/06/2017;
c) na hipótese de não ter sido tomada uma decisão em que estado se encontra a apreciação do pedido em causa. – cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial (em concreto, quanto a este facto, fls. 10/12 dos autos)

2) O referido requerimento foi remetido para o Centro Distrital de Segurança Social de Leiria, por correio registado com aviso de recepção datado de 14 de Julho de 2017. – cfr. doc 1 junto com o requerimento inicial (em concreto, quanto a este facto, fls. 13/14 dos autos)

3) Até à data da entrada do requerimento inicial no T.A.C. de Lisboa as referidas informações não tinham sido prestadas.

4) O requerimento referido em 1) foi recepcionado nos serviços do recorrido no dia 17 de Julho de 2017. – cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial (em concreto, quanto a este facto, fls. 14 dos autos.

5) O requerimento inicial relativo aos presentes autos de intimação foi remetido por via electrónica, ao referido T.A.C., no dia 18 de Agosto de 2017 – cfr. fls. 3 dos autos.

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto dos recursos delimitados pelas conclusões das respectivas alegações, importa analisar os fundamentos de ataque à decisão recorrida, começando por analisar a nulidade processual por violação do princípio do contraditório.

Referiu a recorrente que a questão da ilegitimidade passiva não foi suscitada pelo ora recorrido, que, não obstante citado, não apresentou resposta à pretensão deduzida, pelo que tendo a sentença recorrida decidido no sentido da ilegitimidade passiva do Instituto de Segurança Social, I.P. sem previamente notificar a ora recorrente para se pronunciar quanto a tal excepção, proferiu decisão surpresa, pelo que deveria a mesma ser declarada nula.

Apreciando:

De acordo com o nº 3 do artigo 3º do C.P.C. ex vi artigo 1º do CPTA “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

No caso em apreço, previamente à prolação da decisão o T.A.C. de Lisboa não notificou a ora recorrente para se pronunciar quanto à ilegitimidade passiva do ora recorrido, que considerou verificar-se e foi fundamento da decisão recorrida.

A decisão de absolver o recorrido da instância, com fundamento na ilegitimidade passiva do mesmo corporiza decisão surpresa, dado violar o princípio do contraditório, constituindo, assim, violação de lei processual, consubstanciada na omissão de um acto que a lei prescreve – cfr. artigo 195º nº 1 do C.P.C. – omissão que pode, inquestionavelmente, influir no exame ou da decisão da causa, constituindo assim nulidade processual secundária.

Há, assim, que declarar a nulidade decorrente da falta de cumprimento do princípio do contraditório, invocada pela recorrente, concretizada na não notificação desta para se pronunciar ao abrigo do artigo 3º nº 3 do C.P.C. quanto à ilegitimidade passiva do recorrido, o que, nos termos do nº 2 do artigo 195º do C.P.C., implica a anulação dos actos ulteriores que dependam absolutamente desta notificação, no caso em concreto, a anulação da decisão recorrida.

Nada obstando ao conhecimento em substituição, nos termos do nº 1 do artigo 143º do C.P.T.A., irá o Tribunal conhecer da pretensão formulada, começando por recordar o que dispõe o nº 1 do artigo 105º do CPTA – sobre a epígrafe “Pressupostos” -: “A intimação deve ser requerida contra a pessoa colectiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão.”

Assim, tendo presente que o recorrido, Instituto de Segurança Social, I.P, é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio” – cfr. artigo 1º nº 1 do D.L. nº 83/2012, de 30 de Março – e que o mesmo dispõe de dezoito serviços desconcentrados a nível distrital, designados centros distritais – cfr. nº 3 do artigo 2º do referido diploma – resulta patente, ao contrário do entendido na decisão recorrida, que bem andou a recorrente ao requerer o presente meio processual contra o Instituto de Segurança Social, I.P. e não contra o Centro Distrital de Segurança Social de Leiria, não obstante o requerimento referido no item 1) do probatório ter sido dirigido à Directora do referido Centro Distrital.

Ultrapassada esta questão importa analisar a procedência da pretensão formulada, recordando que a mesma consiste em pedido de intimação, do recorrido, a prestar as seguintes informações: a) se foi tomada alguma decisão pela Segurança Social relativamente ao pedido de pagamento da compensação retributiva por aplicação do regime lay-off, na modalidade de redução dos períodos normais de trabalho remetido pela Entidade Empregadora S..... – Sociedade de Incremento Cultural, S.A. em 17 de Agosto de 2016: b) a razão pela qual não foi aplicado o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 305º do Código do Trabalho, nas prestações de doença recebidas pela requerente entre 20/04/2017 e 02/06/2017; c) se não tivesse sido tomada nenhuma decisão quanto ao pedido referido em a), informação quanto ao estado em que se encontra a apreciação do mesmo.

O nº 1 do art. 268º da C.R.P. preceitua que “os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas” – direito à informação procedimental
Por outro lado, de acordo com o estabelecido no art. 268 nº 2 da C.R.P., “os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” – o que se entende ser a afirmação do direito de acesso a documentos e registos administrativos, através da consagração do princípio da administração aberta – direito de informação não procedimental.
Estamos assim perante duas figuras distintas, que têm tratamento jurídico diverso, sendo o direito à informação procedimental regulado nos arts. 82º a 84º do C.P.A. e o direito à informação não procedimental regulado no art. 85º do C.P.A..

A distinção entre as duas figuras em que se decompõe o direito dos particulares à informação prende-se com o seguinte critério: o direito à informação procedimental pressupõe a existência de um processo pendente e, por banda do particular, um interesse directo ou legítimo na obtenção da informação, sendo que o direito à informação não procedimental é conferido a todas as pessoas.

A distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e o distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela.
O critério de distinção reside na seguinte linha divisória: o direito à informação tem natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos de um concreto procedimento em curso; tratando-se de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou a arquivos ou registos administrativos, neste caso, mesmo que se encontre em curso um procedimento, o direito à informação tem natureza não procedimental.

As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm (ou podem intervir) num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa.

No caso em apreço, tendo presente a pretensão formulada, da qual se retira existir um procedimento em curso, concretamente quanto ao pedido de pagamento da compensação retributiva por aplicação do regime lay off na modalidade de redução dos períodos normais de trabalho remetido pela entidade empregadora da recorrente, é de concluir que a recorrente pretende exercer o direito à informação procedimental.

Aqui chegados, importa determinar se estão reunidos os pressupostos para que seja intimado o recorrido a prestar as pretendidas informações, ultrapassada que se mostra a questão da legitimidade passiva do mesmo.

Preceituam os nº 2 e 3 do artigo 105º do CPTA:
“Artigo 105º
Pressupostos
(…)
2 – Quando o interessado faça valer o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, a intimação deve ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da verificação de qualquer dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido:
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação parcial do pedido.
3 – A intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias, que se inicia com a verificação de qualquer dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido;
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação integral do pedido.

No caso em apreço, o prazo que o recorrido tinha para prestar as informações requeridas é de dez dias – artigo 82º nº 3 do C.P.A. – que se conta em dias úteis, nos termos do artigo 87º do referido Código, pelo que tendo o requerimento dirigido à Directora do Centro Distrital de Segurança Social de Leiria sido remetido por correio registado com aviso de recepção datado de 14 de Julho de 2017 – cfr. item 2) dos factos apurados –, tendo sido recepcionado no dia 17 de Julho – cfr. item 4) dos factos apurados - o referido prazo de 10 dias começou a correr no dia seguinte - dia 18 de Julho – tendo terminado no dia 31 de Julho.
Impendendo sobre a recorrente o ónus de recorrer ao meio processual previsto nos artigos 104º a 108º do CPTA no prazo de 20 dias, contados nos termos do artigo 279º do Código Civil, após o referido dia 31 de Julho e tendo sido remetido ao T.A.C. de Lisboa, por via electrónica, o requerimento inicial no dia 18 de Agosto de 2017 – cfr. item 5) dos factos apurados – data na qual ainda se encontrava em curso o referido prazo de 20 dias encontram-se reunidos os pressupostos para que seja intimado o recorrido a prestar a recorrente as informações por esta requeridas ao abrigo do direito à informação procedimental.

IV) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida e intimando o Instituto de Segurança Social, I.P. a, no prazo de 10 (dez) dias, prestar à recorrente as seguintes informações:
a) indicação sobre se foi tomada alguma decisão pela Segurança Social relativamente ao pedido de pagamento da compensação retributiva por aplicação do regime lay-off, na modalidade de redução dos períodos normais de trabalho remetido pela Entidade Empregadora da recorrente S..... – Sociedade de Incremento Cultural, S.A., em 17 de Agosto de 2016:
b) indicar a razão pela qual não foi aplicado o previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 305º do Código do Trabalho, nas prestações de doença recebidas pela recorrente entre 20/04/2017 e 02/06/2017;
c) se não tiver sido tomada nenhuma decisão quanto ao pedido referido em a), prestar informação quanto ao estado em que se encontra a apreciação do mesmo
Sem custas, dado não terem sido apresentadas contra-alegações.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2017

Nuno Coutinho

José Gomes Correia

Paulo Vasconcelos