Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:394/17.9BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:12/06/2017
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PROTECÇÃO SUBSIDIÁRIA
ÓNUS DA PROVA REPARTIDO
DEVERES INSTRUTÓRIOS
PODER DE INVESTIGAÇÃO JURISDICIONAL
PAQUISTÃO
ART.º 7.º, N.ºS 1 E 2, DA LEI Nº 27/2008, DE 30-06.
Sumário:I - Em sede de direito de asilo e de protecção internacional, no que se refere a ónus da prova, existe um dever repartido entre o requerente de asilo e o examinador ou um “dever partilhado”.

II – Incumbe ao requerente de protecção internacional, enquanto A. na acção, o ónus de alegar e provar as actuais condições politico-económico-sociais do Paquistão, para dessa forma fazer valer o pedido que formulou na acção.

III- Mas também incumbe ao SEF colaborar nessa investigação, trazendo primeiro ao procedimento administrativo e depois, se necessário, aos autos, os elementos que forem pertinentes e que estejam ainda em falta, face à alegação que tenha sido feita pelo requerente.

IV - Na mesma lógica, nesta sede, o juiz goza de um mais vasto poder de investigação jurisdicional dos factos em causa, devendo abrir lugar às diligências instrutórias que se mostrem necessárias, a fim de averiguar, quando necessário, acerca daquelas condições do país de origem.

V - No caso do Paquistão, existem diversos relatórios recentes, feitos por organismos oficiais e internacionais - da EASO, da Amnistia Internacional, da Human Rights Watch, ou do ACNUR - que são públicos, que facultam a informação necessária sobre as condições politico-económico-sociais desse país.

VI - Tendo presente a situação do Paquistão, tal como vem relatada nos indicados Relatórios e a jurisprudência internacional e nacional sobre a matéria, no caso em apreço, não haveria que ter sido concedida protecção subsidiária ao Recorrido, que é um cidadão “normal” do seu país, que não se integra em nenhum grupos que possa ser rotulado de mais vulnerável
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Recorrido: A…. K….

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou parcialmente procedente a presente ação, mantendo a decisão de recusa do pedido de asilo formulado por A…… K…….. e condenou o SEF a conceder ao A. protecção subsidiária.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “
« Texto no original»

vem sustentado na Informação nº 329/GAR/16, elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, que se encontra junto aos autos e aqui se dá por integralmente reproduzida e faz parte integrante das presentes alegações.
C. Para melhor compreender o regime da admissibilidade do pedido de protecção subsidiária por razões humanitárias, transcrevemos infra os artigos 6º e 7° da Lei do Asilo os quais respectivamente estabelecem o seguinte:
Art.º 6°
1- São agentes de perseguição:
a) O Estado;
b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respectivo território;
c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e
b) são incapazes ou não querem proporcionar protecção contra a perseguição, nos termos do número seguinte.
2- Para efeitos da alínea c) do número anterior, considera-se que existe protecção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do n úmero anterior adoptem medidas adequadas para impedir, de forma efectiva e não temporária, a prática de actos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de u m sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o req uerente tenha acesso a protecção efectiva.
Art.º 7°
1-- É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do art.º 3° e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer de ofensa grave.
2- Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desuma no ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3- É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.
D. Pese embora o teor do Relatório do Conselho Português para os Refugiados junto aos Autos, afigura-se claramente ao ora Recorrente ser de manter o indeferimento do pedido de protecção subsidiária, porquanto os motivos apresentados pelo Recorrido para justificar o seu enquadramento no art.º 7º da Lei de Asilo, mormente com a concessão de autorização de residência por razões humanitárias não encontram aí acolhimento. Se não vejamos,
E. A Lei é bem explícita quando refere que a autorização de residência por protecção subsidiária é concedida apenas aos cidadãos estrangeiros e aos apátridas que por causa da sistemática violação dos direitos humanos ou por correrem risco de sofrer ofensa grave, se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
F. Para efeitos de protecção subsidiária, note-se que quer as ofensas graves, quer a violação dos direitos humanos têm que ser perpetradas pelos agentes de perseguição identificados no nº 1 do art.º 6º da Lei de Asilo, sendo que quando se trate de agentes não estatais, de acordo com o que vem descrito no nº 2 do art.º 6°, "...considera-se que existe protecção do Estado sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) adaptem medidas adequadas para impedir, de forma efectiva e não temporária, a prática de actos de perseguição dos agentes terroristas, por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o requerente tenha acesso a protecção efectiva.”
G. Não obstante o teor do Relatório do Conselho Português para os Refugiados, a verdade é que também consta desse documento, bem como das fontes noticiosas que diariamente se consultam e são de conhecimento geral, que as forças Estatais e militares do Paquistão têm encetado, incansavelmente, esforços no sentido de combater e neutralizar a actividade terrorista perpetrada pelos grupos radiais islamitas, mormente os Talibãs.
H. Pese embora, a realidade actualmente existente no Paquistão, a verdade é que o motivo invocado pelo ora recorrido, mormente que a sua fuga do Paquistão prendeu-se com o facto de se encontrar a "ser perseguido pelos Talibãs no Paquistão", não encontrara sustentação quer nas declarações proferidas em sede administrativa, quer nas alegações aduzidas nesta sede, o que inviabiliza o seu enquadramento no art.º 3º da Lei de Asilo de molde que lhe seja concedida a autorização de residência por razões humanitárias. Se não vejamos,
I. Constitui Jurisprudência uniforme do STA e do TCA Sul que "a autorização de residência por razões humanitárias, prevista no art. º 7. sob a epígrafe "protecção subsidiária" só pode ser concedida se, no país de origem do interessado, existir grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que, em concreto, impeça (pulsão objectiva) ou impossibilite (pulsão subjectiva) o regresso e permanência do requerente ao país da sua nacionalidade, sendo que recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão, cfr. neste sentido, os acórdãos do STA de 2911012003 (Rec. N.º 0151103) e do TCA Sul, de 2410512007 (Proc. n.º 02543107) e de 2410212011 (Proc. n.º 07157111)" .
J. Entendeu o TCA Sul no Acórdão proferido no processo nº 1571/16.5BELSB, 5ª Espécie, 2º Juízo, 1ª Secção que "Num esforço exegético e em vista da situação em que o recorrente se encontra, é patente que a mesma não se enquadra em nenhuma das situações limite exigidas pelo nº 2 do art.º 1, nem no Paquistão está numa das situações descritas na alínea c), para ser concedida residência por razões humanitárias."
K. Referiu ainda o douto Acórdão que "De igual modo, não se pode concluir pelos factos narrados pelo recorrente que a actuação do grupo islâmico que o prendeu se verifica em todo o Paquistão de tal modo que o mesmo não possa refugiar-se em local ou cidade onde o referido grupo não exerça a sua actividade".
L. No caso concreto, o refúgio noutro local do Paquistão seria sempre mais facilitado, na medida em que o ora recorrido, tal como admitiu em sede de auto de declarações, nu nca esteve detido pelo grupo que alegadamente o perseguiu, ou seja nunca se viu privado de procurar um local seguro nos limites do seu vasto país.
M. Segundo refere o Acórdão recentemente proferido no Proc.0 nº 13215/16 do 2º Juízo - 1ª Secção datado de 5 de maio de 2016, "Constitui Jurisprudência uniforme do STA e do TCA Sul que "a autorização de residência por razões humanitárias, prevista no ar/.º 7 sob a epígrafe "protecção subsidiária " só pode ser concedida se, no país de origem do interessado, existir grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que, em concreto, impeça (pulsão objectiva) ou impossibilite (pulsão subjectiva) o regresso e permanência do requerente ao país da sua nacionalidade, sendo que recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão, cfr. neste sentido, os acórdãos do STA de 2911012003 (Rec. Nº 0151103) e do TCA Sul, de 2410512007 (Proc. Nº 02543107) e de 2410212011 (Proc. N º 07157111)"
N. Mais entenderam os Meritíssimos Desembargadores que, "atenta a exigência legal da respectiva razoabilidade, implica que o mesmo não se reduza a um mera condição subjectiva (estado de espirita do recorrente}, devendo antes falar-se numa situação ou realidade fáctica de carácter objectivo, normalmente (em termos de homem médio) geradora de tal receio (...) recai sobre o requerente de autorização de residência por razões humanitárias o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão. "
O. Ainda quanto a jurisprudência anteriormente assente sempre se dirá como se conclui no Acórdão do Tribunal Central Administrativo sul de 4 de Outubro de 2012, relativo ao processo 09098/12 "A autorização de residência por razões humanitárias, prevista no art.º 7º da lei nº 2712008, de 30 de Junho, só pode ser concedida se, no país de origem do interessado existir " grave insegurança devida a conflitos armados ou à sistemática violação dos direitos humanos que, em concreto impeça ou impossibilite o regresso e permanência do requerente ao país da sua nacionalidade."
P. Quanto à aplicação do princípio "non refoulement" previsto no art.º 33.º da Convenção de Genebra de 1951, refira-se que nos termos desse preceito é assegurada a proibição de quaisquer formas de perturbação da segurança do indivíduo, incluindo o retorno forçado ou a negação do estatuto que o possa colocar em risco e insegurança directa ou indirecta, significando que ninguém pode ser expulso ou reenviado para um país onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas. Aplica-se sempre que alguém se encontra no território, ou nas fronteiras de um determinado país, independentemente de ter sido, ou não, formalmente reconhecido o seu estatuto de refugiado.
Q. Neste mesmo sentido se pronunciou o Acórdão STA, de 09/02/2005, no processo n.º 01397/04 "o receio de perseguição a que se reporta o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 15198, de 26 de Março, atenta a exigência legal da respectiva razoabilidade, implica que o mesmo se não reduza a uma mera condição subjectiva (estado de espírito do recorrente), devendo antes fundar -se numa situação ou realidade fáctica de carácter objectivo, normalmente (em termos de homem médio) geradora de tal receio (...) recai sobre o requerente de autorização de residência o ónus da prova dos factos em que baseia a sua pretensão".
R. Também o Acórdão do STA no Procº nº 996/03 de 07/03/2003 refere que "A negação ao recorrente da autorização de residência não tem como consequência que seja expulso ou repelido, obrigando-o a entrar no território de proveniência, de modo a ficar exposto à insegurança e ameaças à liberdade que, alegadamente determinaram que dai se afastasse e saísse para o pais que toma aquela decisão. Pelo contrário, como bem pondera o já citado acórdão de 27.1.04, a sujeição do recorrente à situação comum de estrangeiro em situação irregular no território nacional não é uma forma de "refoulement " (ser repelido ou ser forçado ao retorno), porque não contém nenhuma decisão de envio directo para as fronteiras do estado donde provém, e também não preenche a previsão do art. º 33 da Convenção de Genebra, aprovado pelo DL 43201, na parte que se refere aos territórios onde a vida ou a liberdade do refugiado sejam ameaçadas. Com efeito, a não concessão pelo acto impugnado da autorização de residência ao recorrente justifica-se pelo juízo de prognose que, como se disse, se mostra fundado e isento de erros, de que a vida e liberdade do recorrente não correm perigo na RDC ".
S. Ora, em momento algum do procedimento o recorrido logrou provar de forma objectiva a perseguição de que alegadamente terá sido vítima e muito menos que por causa dessa perseguição o seu regresso ao país de origem constitui para si perigo de vida, sendo que o presente Pedido de Protecção Internacional por ter sido analisado na fase de admissibilidade, foi objecto de Instrução, ou seja o ora recorrido foi ouvido duas vezes em auto de declarações, numa primeira fase aquando do entrega do pedido, e posteriormente aquando da decisão de admissibilidade do pedido para instrução.
T. Com efeito, o recorrido fundamentou o pedido de protecção internacional alegando ter saído do seu país por ser perseguido por um grupo de talibans que, alegadamente, o terá ameaçado na sequência de uma denúncia que efectuou na polícia de Katlang.
U. A queixa terá, alegadamente, resultou directamente do facto de o recorrido se ter apercebido que tinha arrendado um imóvel da sua propriedade a pessoas que o utilizavam para acolher talibans armados; perante tal situação, e mediante a impossibilidade de proceder à sua expulsão, o recorrido decidiu relatar o sucedido à polícia, o que terá resultado inicialmente nu ma ameaça escrita.
V. O ora recorrido baseia o seu relato numa situação parcialmente comprovada por meios de comunicação e relatórios internacionais oficiais aos quais tivemos acesso.
W. Do que foi possível apurar, os actos terroristas no Paquistão constituem práticas que, apesar de relativamente recorrentes, não subordinam a uma verdadeira ameaça para a totalidade da população paquistanesa, nem tão-pouco em toda a extensão do território do país.
X. De acordo com as fontes de informação oficiais, o grupo terrorista constituído maioritariamente por insurgentes talibans, tem actualmente conduzido a sua ofensiva mediante ataques bom bistas e suicidas pontuais e meramente localizados, que, por norma, têm por alvo determinados grupos de cidadãos que possuem características comuns específicas.
Y. Explicitando a violência que é exercida por parte do grupo terrorista é verdadeiramente sectária e etno-política, isto é, incide sobretudo e maioritariamente, sobre jornalistas, minorias religiosas (como cristãos e cristãos convertidos), "baloch militants", trabalhadores humanitários e de saúde, forças de segurança, polícias e militares, líderes tribais, políticos influentes e membros da oposição política.
Z. Adicionalmente, os cidadãos paquistaneses ditos "comuns", ou seja, que não preenchem as características para se integrarem num grupo-alvo dos ataques terroristas mas que têm vindo a sofrer ataques pontuais, constituem invariavelmente "estudantes" e "outras pessoas conotadas à oposição aos Talibans", entre outros grupos militares, e/ou que não sejam seguidores da Lei da Sharia.
AA. No caso particular do ora recorrido, além de não se enquadrar em nen hum dos grupos supra referidos, não foi possível obter evidências acerca de qualquer acto de violência ou perseguição levado a cabo por membros de grupos Talibãs, sendo certo que o recorrido invoca o receio de ser morto, caso tenha de regressar ao seu país de origem, mas não demonstra qualquer receio fundado de perseguição relativamente ao qual seja possível identificar um nexo de causalidade com u m dos fundamentos que constam do art.º 7º da Lei de Asilo.
BB. Alegou o recorrido que ameaçou os elementos do grupo talibã que o perseguia, referindo que iria fazer queixa deles à Polícia, sendo que estes, após tomarem conhecimento da alegada queixa, apenas se limitaram a deixar na soleira da porta de sua casa um bilhete que a sua mãe terá visto contendo ameaças de que se não se entregasse matariam o seu irmão, o qual entretanto tinham alegadamente raptado.
CC. Pasme-se, que quando questionado sobre o paradeiro do seu irmão, nomeadamente se o seu pai tinha apresentado queixa na polícia e pedido ajuda, respondeu que não sabia de nada, facto intrigante na medida em que pelo seu relato, contacta regularmente a família.
DD. Mais, quando questionado se o grupo que o ameaçava voltou a procura-lo na sua casa, respondeu que não sabia e nunca perguntou ao seu pai porque quando fala com ele fica m uito nervoso e triste por estar longe da família.
EE. Ora esse relato não se compadece com a reacção de alguém que sai do seu país de origem, numa situação de ameaça à sua vida. O normal seria preocupar-se em saber se continuava ou não a ser alvo de ameaça e consequentemente se a sua vida continuava em perigo, aliás fazer prova de que o perigo de vida é actual e efectivo, é conditio sine qua non para lhe ser concedida a autorização de residência por razões humanitárias em conformidade com o que vem disposto no art.º 7º da Lei do Asilo.
FF. Resulta assim que das alegações do recorrido não ressalta qualquer motivação relativamente à qual nos seja possível identificar um nexo de causalidade necessário e coerente entre a sua condição pessoal/subjectiva, e o receio invocado.
GG. Assim no que concerne aos fundamentos que determinam a concessão de autorização de residência, cumpre acrescentar o seguinte:
a) O A. alega o receio de ser morto pelos talibans, que, segundo o próprio, o ameaçaram de morte pelo facto de este ter denunciado as actividades terroristas levadas a cabo pelo grupo, que utilizava um imóvel por si arrendado para guardar as munições e fazer reuniões.
b) De acordo com os factos recentemente relatados, o com bate ao terrorismo no Paquistão tem vindo a evidenciar-se cada vez mais frutífero, no sentido em que as forças militares e governamentais paquistanesas lideram desde o ano passado uma verdadeira política repressiva contra o terrorismo, e que tem visado essencialmente o aumento e reforço das forças militares atacantes, bem como resultou na reintrodução da pena de morte e julgamento em tribunais especializados (Anti Terrorism Courts), de combatentes de grupos terroristas e antigovernamentais.
C No que à aferição de protecção subsidiária diz respeito, foi-nos possível constatar que, "da informação disponível resulta que os requerentes de protecção internacional que regressam ao Paquistão não enfrentam um risco real de serem expostos a tortura ou tratamento desumano ou degradante ou punição".
HH. Ora, nestes termos, cum pre esclarecer que, apesar de tudo, constatamos que a grande maioria dos incidentes, ataques terroristas e violência ocorrem essencialmente na região paquistanesa denominada de FATA (Federally Administered Tribal Areas) situada no noroeste do Paquistão - junto à fronteira com o Afeganistão. Por sua vez, as cidades de Mardan (de onde o requerente é oriundo), Nowshera e Peshawar, situam-se na região de khyber Pakhtunkhwa, localizada a sul da FATA.
II. Relativamente a esta região obtivemos a evidência de que recentemente foram mortos dois policiais, vítimas de um ataque terrorista - que naturalmente se enquadram no grupo-alvo descrito aquando da aferição do estatuto de refugiado. De acordo com as estatísticas oficiais, durante a transição do no 2014 para 2015, registou-se um decréscimo de cerca de 56% dos ataques terroristas em khyber Pakhtunkhwa, sendo que esta diminuição significativa teve ainda mais impacto durante o presente ano, no qual se têm verificado apenas ataques pontuais e direccionados.
JJ. Citando u m recente relatório produzido pela EASO - que descreve estatisticamente as condições de segurança nas várias províncias do Paquistão - "o ano de 2015 foi marcado pelo declínio de cerca de 70% em ataques por parte de militantes de grupos armados não­ governamentais (entre os quais se destacam os Talibans), em comparação com o ano anterior. A melhoria da situação de segurança em Khyber Pakhtunkhwa está intimamente relacionada com as operações militares que têm vindo a ser levadas a cabo na província vizinha - FATA - inseridas no «National Action Plan to Eliminate Terrorism», uma operação militar de grande escala, em vigor desde Dezembro de 2014.
KK. Além do mais, contrariamente ao que vem defendido na douta sentença do Tribunal a quo sempre se dirá que o recorrente pode vir a usufruir de uma efectiva opção de "fuga interna" no Paquistão,• quer isto significar que consideramos pertinente chamar à colação a possibilidade de "alternativa de fuga interna" que está efectivamente à disposição do recorrido. De acordo com o Manual do ACNUR, " o deslocamento interno é relevante quando se verifique que o solicitante pode ter acesso ao local de deslocamento deforma prática, segura e legal".
LL. Na verdade afigura-se ao recorrido que a deslocação interna, desde que em segurança, é sim uma solução que parece mais adequada à fuga do país de origem em direcção a um outro país, situado num outro continente e com o qual nunca teve qualquer tipo de ligação.
MM. Nestes termos evidencie-se que, caso o recorrido regresse ao seu país de origem e, em virtude desse facto, venha a sentir algum constrangimento ou ameaça no que à sua segurança diz respeito, dispõe da possibilidade de se deslocar para uma zona do país onde a "situação de segurança em geral" se afigura mais estável e onde o nível e impacto da violência não se faz sentir com grande intensidade, tais como as regiões de Punja b, Sindh, Balochistan, e Kashmir, situadas sobretudo na zona sul do Paquistão.
NN. Das informações oficiais não nos foi possível obter evidências críveis que atestem a alegada animosidade por parte da restante população paquistanesa, para com os cidadãos provenientes da região de onde o recorrido é oriundo.
00. Por último, dir-se-á que a informação que sustenta a proposta de recusa foi obtida com base em várias fontes públicas de informação, sendo que todas as fontes usadas estão referenciadas e toda a informação apresentada foi pesquisada, avaliada e analisada com acuidade, de acordo com o estabelecido nas diversas fontes relativas à análise de informação sobre país de origem. (vide notas de rodapé constantes da informação nº 329/GAR/16 de 24 de Fevereiro de 2016.
PP. Apesar da argumentação aduzida pelo ora recorrido nas suas alegações em sede administrativa e em sede contenciosa, reiteramos que tal como os demais requerentes paquistaneses, o recorrido nu nca teve anteriormente quaisquer outros problemas com o Talibans, ou quaisquer outros problemas de outra ordem no seu país; nunca exerceu qualquer actividade de militância, de resistência ou de combate aos talibans; nunca manifestou publicamente qualquer opinião contra os mesmos; nunca exerceu qualquer função em grupos armados ou militantes; e nunca teve nenhum papel ou função de relevo em qualquer grupo tribal no Paquistão. Aina com relação às autoridades, o requerente nunca foi alvo de qualquer perseguição por parte destas, (nunca foi alvo de discriminação por parte das mesmas, nem com elas colaborou).
QQ. Para que fosse alvo de descriminação de forma directa e individual por parte dos Talibans, ou para que se evidenciasse como passível de constar das suas listas de alvos ("bit list"), o ora recorrido teria de consubstanciar um perfil de destaque, o que não se verifica no presente caso.
RR. O perfil do ora recorrido e circunstâncias do seu pedido de protecção internacional encaixam-se nas características do fluxo homogéneo dos demais requerentes de nacionalidade paquistanesa, que têm vindo a apresentar pedido de protecção internacional em território nacional.
SS. Mais saliente-se que o recorrido, antes de chegar a Portugal, passou por vários países seguros, mormente Itália, Grécia e Espanha, onde poderia ter solicitado protecção internacional e não o fez, demonstrando assim não se enquadrar no perfil de um potencial beneficiário de autorização de residência por razões humanitárias.
TI. Acresce referir que o fundamento alegado pelo ora recorrido inclui-se no padrão de fundamentos já recorrentemente apresentado: terem alugado as suas casas a famílias sem saberem que iriam ser usadas por Talibans; Terem transportado/guardo armas ou material dos taliban sem o saberem (ou terem sido obrigados a tal; terem sido obrigados a auxiliar os Talibans; exercerem actividades e profissões e/ou serem proprietários de estabelecimentos ligados à música e/ou audiovisual; ou terem desempenhado funções em ONG's ou instituições sociais/educacionais/de saúde, tal como o fundamento apresentado pelo presente requerente -sendo que este padrão não reflecte a informação disponível referenciada sobre a matéria em apreço no Paquistão.
UU. Ora de tudo quanto foi aduzido, bem como dos elementos constantes nos autos, não resulta qualquer indício de que a liberdade ou integridade física do ora autor esteja, ou possa estar, de alguma forma, ameaçada com o seu regresso ao Paquistão.
VV. No que toca ao beneficio da dúvida, o Manual de Procedimentos do ACNUR, refere no ponto 204 que, "(...) o beneficio da dúvida deverá, contudo, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórios face à generalidade dos factos conhecidos", sendo que, pelo exposto, tal não acontece, dada a motivação aduzida, mormente perseguição por talibãs que não sabe se continuam a constituir uma ameaça, na medida em que não questiona os seus familiares quando estabelece contacto com eles, dando a entender que é um assunto que não o preocupa minimamente.
WW. Todo o exposto demonstra que o acto ora impugnado foi correcta e legalmente proferido não padecendo de qualquer vício que o invalide, devendo ser revogada a Sentença proferida em 8 de Setembro de 2017, na parte condenatória, procedendo in totu as alegações ora aduzidas.”

O Recorrido nas contra alegações não formulou conclusões.
A DMMP apresentou pronúncia – constante do processo físico, em folhas não numeradas – no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Na sentença recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade que não vem impugnada no presente recurso:
1 – Em 11.06.2015, o A. apresentou perante o SEF/GAR, pedido de protecção internacional, que deu lugar à constituição do processo de asilo sob o nº.480/15, no Gabinete de Asilo e Refugiados (cfr. fls. 6 do procº. instrutor, e admissão por acordo).
2 – Em 03.06.2015, o A. compareceu no Serviço de Estrangeiros de Fronteiras, Gabinete de Asilo e Refugiados, data em que prestou declarações, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. fls. 15 a 19 do procº. instrutor, e admissão por acordo).
3 – Em 16.07.2015, o GAR – Gabinete de Asilo e Refugiados emitiu a informação nº. 582/GAR/15, com referência ao processo de asilo sob o nº. 480/15, cujo teor aqui se dá por reproduzido ( cfr. fls. 28 a 35 do procº. instrutor, e admissão por acordo).
4 - A informação identificada em ¯3, supra, mereceu decisão mediante despacho proferido pelo Director Nacional Adjunto, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 20.07.2015, mediante o qual foi recusado ao A. o pedido de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, por infundados, decisão fundamentada na informação nº. 582/GAR/15, supra referida em ¯3, e decisão cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. de fls. 36 do procº. instrutor, e admissão por acordo).
6 – O A. foi notificado, na língua inglesa, da decisão supra em 22.07.2015 (cfr. fls. 37 do procº. instrutor, e admissão por acordo).
7 – Em 01.08.2017, o CPR – Conselho Português para os Refugiados, emitiu parecer sobre a situação actual no Paquistão, perecer cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr. reqº. de 01.08.2017 junto aos autos, e admissão por acordo).

Nos termos dos art.ºs 662.º, n.º 1 e 665.º, acrescentam-se os seguintes factos, por provados:
8 - O A. e ora Recorrido nasceu em Mardan, Pasquistão – cf. autorização de residência de fls. 36 e 37.
9 - O A. e ora Recorrido alega ser da zona de Pashtu - cf. doc. de fls. 27 a 34.
10 – A situação político-social do Paquistão está referenciada na publicação do EASO de Agosto de 2017, consultável em https://coi.easo.europa.eu/administration/easo/PLib/PakistanSecuritySituation2017.pdf, publicação que aqui se dá por integralmente reproduzida.
11- A situação político-social do Paquistão está referenciada na publicação da Amnistia Internacional, consultável em https://www.amnesty.org/es/countries/asia-and-the-pacific/pakistan/report-pakistan/, publicação que aqui se dá por integralmente reproduzida.
12- A situação político-social do Paquistão está referenciada nas publicações da Human Rights Watch, consultáveis em https://www.hrw.org/world-report/2017/country-chapters/pakistan, e https://www.hrw.org/report/2017/02/13/pakistan-coercion-un-complicity/mass-forced-return-afghan-refugees publicações que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
13 - O ACNUR publicou as linhas orientadoras para a avaliação da necessidade de protecção internacional dos membros de minorias religiosas do Paquistão, que constam do site http://www.refworld.org/docid/4fb0ec662.html
14 – O ACNUR publicou o Relatório “2015-2017 Estratégia de Protecção do Paquistão“ (“2015-2017 Protection Strategy Pakistan”) que consta do site http://unhcrpk.org/contacts/fact-sheets/.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório por se condenado o SEF a conceder ao A. protecção subsidiária a A....... K......., oriundo do Paquistão.

O art.º 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei nº.27/2008, de 30-06, na redacção dada pela Lei nº.26/2014, de 05-05, estabelece que: “1 - É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 — Para efeitos do número anterior, considera –se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos”.
Considerou-se na decisão recorrida que no Paquistão, o país de onde o Recorrido é originário, os “direitos humanos são objecto de reiterada violação, e por isso, oferece para aqueles que sejam forçados a regressar, os quais serão sujeitos a colocar em risco a sua integridade física, tal como o A. se forçado a regressar ao Paquistão.
(…) Donde que, o acento tónico das razões de facto que motivam a concessão de residência por protecção subsidiária, residem na situação objectiva existente no país de origem ou de residência habitual do A., a qual in casu é passível de colocar a vida do A. em risco, o que nos permite concluir pela existência de razões e motivos suficientes para a concessão de protecção subsidiária ao A., mediante a atribuição de asilo humanitário, o que se mostra patenteado no parecer emitido pelo CPR que denota bem as condições e riscos do Paquistão.”
Diga-se, desde já, que esta decisão não é para manter.
No que concerne ao parecer emitido pelo CPR, de fls. 310 a 336, ali se referem várias ocorrências avulsas que foram divulgadas no site da Amnistia Internacional, em jornais e outros meios de comunicação e designadamente a verificação de ofensivas militares paquistanesas contra grupos armados não estatais, terroristas talibans, nas zonas tribais – FATA - das províncias de Khyber Pakhtunkhwa, ou de atentados bombistas e suicidas, que implicaram a morte de civis, ou de prepotências, abusos, detenções arbitrárias e de torturas pontuais das forças militares estatais, relacionadas com activistas políticos e terroristas, assim como da existência de condenações em pena de morte. São igualmente mencionadas nas notícias ali elencadas, as características tribais e ligadas ao fundamentalismo talibã do grupo étnico Pashtu e ao refúgio que foi concedido nas zonas Pashtu aos talibans afegãos. Nesses relatos coligidos pelo CPR, é também mencionado o desenvolvimento actual do Paquistão, associado à grande corrupção também ai existente, ao conflito de Caxemira, à liderança das forças militarizes do Governo, aos conflitos com os talibans paquistaneses, à falta de liberdade de expressão e à perseguição de minorias religiosas.
Da simples leitura daquele parecer do CPR, resulta, no entanto, evidente, que dali não consta qualquer indicação coerente e completa da realidade político-económica-social do Paquistão. Diversamente, o indicado parecer é uma amálgama de notícias, com relatos sucessivos e incompletos, que não servem, manifestamente, para que a partir dali se possa retirar uma consideração séria sobre a indicada realidade paquistanesa. Da mesma forma, apesar de, no caso em apreço, se estar a falar de um requerente de protecção internacional que é proveniente da zona de Mardan e que fará parte do grupo Pashtu, no parecer do CPR não se considera especificamente essa factualidade, nem se explica as especificidades que podem derivar face ao restante território do Paquistão.
Em sede de direito de asilo e de protecção internacional, no que se refere a ónus da prova, têm-se entendido existir um dever repartido entre o requerente de asilo e o examinador ou um “dever partilhado”. Nas palavras de Ana Rita Gil, se “por qualquer motivo, as provas apresentadas pelo requerente não forem completas, atualizadas ou relevantes, as autoridades devem cooperar ativamente com ele, de forma a recolher todas as provas pertinentes. Este entendimento reflete a convicção de que os Estados-Membros estão melhor posicionados para aceder a determinados tipos de informação. Neste sentido, o art. 10.º, n.º 3 da Diretiva Procedimentos determina que os Estados obtenham informações precisas e atualizadas junto de várias fontes, como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), o ACNUR e organizações de direitos humanos pertinentes, quer sobre a situação dos países de origem dos requerentes quer ainda sobre os países por onde estes tenham passado. Devem ainda pedir aconselhamento a peritos em matérias específicas, como questões médicas, culturais, religiosas ou de género. Do direito da UE deriva também o entendimento, pois, de que as várias autoridades – quer administrativas, quer judiciais -, devem ter em conta todos os elementos disponíveis” (in GIL, Ana Rita - A garantia de um procedimento justo no direito europeu de asilo, CEJ - O contencioso do direito de asilo e proteção subsidiária [Em linha]. 2.º ed. Obra colectiva. Coleção Formação Inicial. Lisboa: CEJ, Setembro de 2016 [Consult. em 24-11-2017]. Disponível em <URL: http://bit.ly/2fZ7eCU, pp.193-194).
Assim, não obstante incumbir ao A. – através da sua defensora oficiosa – alegar e provar as actuais condições politico-económico-sociais do Paquistão, para dessa forma fazer valer o pedido de protecção subsidiária que formulou na acção, é também certo que, nesta matéria, incumbe igualmente ao SEF colaborar nessa investigação, trazendo primeiro ao procedimento administrativo e depois, se necessário, aos autos, os elementos que forem pertinentes e que estejam ainda em falta, face à alegação que tenha sido feita pelo requerente. Na mesma lógica, nesta sede, o juiz goza de um mais vasto poder de investigação jurisdicional dos factos em causa, devendo abrir lugar às diligências instrutórias que se mostrem necessárias, a fim de averiguar, quando necessário, acerca daquelas condições do país de origem (cf. a este respeito OLIVEITA, Andreia Sofia Pinto de - Quem faz o que pode, a mais não é obrigada?: sobre a medida e o ónus da prova nos processos de asilo. CJA, Braga, n.º 70 (Jul.-Ago.2008), pp. 63-66 e CORTÊS, Jorge - Poderes de instrução e de cognição do juiz em matéria de asilo, in CEJ - O contencioso do direito de asilo…, ob. cit., pp. 273-281).
Apreciada a factualidade trazida a estes autos, resulta que nem o A., ora Recorrido, cumpriu escrupulosa e integralmente os seus ónus – porque não trouxe aos autos mais informação para além daquela que vinha indicada pelo CPR que, como dissemos, está falha e incompleta - nem o SEF colaborou com o Requerente, trazendo primeiro ao procedimento e depois aos autos essa mesma informação.
Havia, portanto, no âmbito dos poderes de investigação jurisdicional dos factos, que aceder-se a mais informações acerca das condições de vida no Paquistão, para se poder apreciar de forma mais séria o pedido formulado a título subsidiário pelo A. e ora Recorrido e para o enquadrar nas alegações que vinham feitas nos autos.
No caso do Paquistão, existem diversos relatórios recentes, feitos por organismos oficiais e internacionais, que são públicos, que facultam a informação necessária. Entre tais relatórios encontramos os da EASO, da Amnistia Internacional, da Human Rights Watch, ou do ACNUR, ora indicado nos factos 11) a 14).
Assim, relativamente à actual situação do Paquistão, de forma bem mais completa e coerente, na recente publicação do EASO, de Agosto de 2017 (in https://coi.easo.europa.eu/administration/easo/PLib/PakistanSecuritySituation2017.pdf) é referido que os atentados terroristas têm vindo a decrescer por força das intervenções estatais e que Mardan é uma das zonas mais atingidas por esses ataques. Quanto ao grupo Pashtu, tal como ocorrerá com os Afegãos, segundo aquela publicação, têm sido visados pelas intervenções militares estatais para combater o terrorismo talibã, havendo críticas pela indiscriminação dos visados.
De forma semelhante, as publicações da Amnistia Internacional (https://www.amnesty.org/es/countries/asia-and-the-pacific/pakistan/report-pakistan), da Human Rights Watch (https://www.hrw.org/world-report/2017/country-chapters/pakistan e https://www.hrw.org/report/2017/02/13/pakistan-coercion-un-complicity/mass-forced-return-afghan-refugees) e do ACNUR (“2015-2017 Protection Strategy Pakistan”, em http://unhcrpk.org/contacts/fact-sheets/), referenciam situações de ataques terroristas no Paquistão, sobretudo junto à fronteira com o Afeganistão, a violência contra afegãos (civis) refugiados nessas zonas de fronteira, pelas forças militarizadas estatais e pelos grupos armados de cariz terrorista – de afegãos talibãs - a violação de direitos relativamente a diversos grupos e minorias - v.g, com relação às mulheres, aos homossexuais, às minorias religiosos, a jornalistas e políticos – a existência de restrições na liberdade de expressão, assim como, referenciam a existência de leis tribais, de cariz religioso, ou da pena de morte.
No entanto, as indicadas publicações dizem, também, que as forças militares e estatais vêm tentando desde há vários anos controlar o terrorismo dos grupos talibans. Ali indica-se a dificuldade nesse controlo por força do conflito no Afeganistão e do ingresso dos refugiados nas fronteiras entre os dois países. Igualmente, refere-se a diminuição da prática terrorista ao longo dos últimos anos, por força da intervenção militar estatal.
Por seu turno, no que concerne ao relato do A. e Recorrido, mostrou-se inconsistente quando se alicerçou em perseguições talibans, de que se dizia alvo. Nesse relato, o Recorrido afirmou, também, que nunca esteve detido pelo grupo de que se dizia alvo, assim como, admitiu que nunca ficou privado de procurar outro local para viver, mais seguro, dentro do seu próprio país. Quanto às alegadas ameaças e rapto do seu irmão, ou às ameaças à sua própria vida, a história que narrou não foi verosímil.
Do relato feito pelo Recorrido retira-se, igualmente, que nunca exerceu actividades que o pudessem colocar num grupo de risco – com relação a ataques talibans ou das próprias forças militares do Estado - ou que fizesse parte de um grupo mais vulnerável. Diversamente, o Recorrido será um “cidadão comum” no seu país, que antes de sair do Paquistão – o que fez de carro – passou por vários outros países seguros - Itália, Grécia e Espanha – sem que tivesse ali pedido asilo.
Relativamente a pedidos de protecção subsidiária quando se esteja frente à invocação de conflitos armados internos, é de referir a jurisprudência do TJUE e designadamente a adoptada no Proc. C-285/12, Aboubacar Diakité contra Commissaire général aux réfugiés et aux apatrides, Ac. do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 30-01-2014, Pedido de decisão prejudicial: Conseil d'État – Bélgica, quando aí se julgou o seguinte: “a existência de um conflito armado interno apenas poderá levar à concessão da proteção subsidiária na medida em que se considere, excecionalmente, que os confrontos entre as forças regulares de um Estado e um ou mais grupos armados, ou entre dois ou mais grupos armados, estão na origem de ameaças graves e individuais contra a vida e a integridade física do requerente da proteção subsidiária, na aceção do artigo 15.ª, alínea c), da diretiva, por o grau de violência indiscriminada que os carateriza atingir um nível tão elevado que existem motivos sérios para acreditar que um civil expulso para o país em causa ou, eventualmente, para a região em causa, poderia correr, pelo simples facto de se encontrar no território destes, um risco real de sofrer tais ameaças (v., neste sentido, acórdão Elgafaji, já referido, n.º 43).
A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que quanto mais o requerente puder eventualmente demonstrar que é especificamente afetado em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, menos elevado será o grau de violência indiscriminada requerido para poder beneficiar da protecção subsidiária (acórdão Elgafaji, já referido, n.º 39)”.
Igualmente, o TJUE, no Proc. C-465/07, Meki Elgafaji e Noor Elgafaji contra Staatssecretaris van Justitie, Ac. do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 17-02-2009, Pedido de decisão prejudicial: Raad van State - Países Baixos, refere o seguinte: “38 - O carácter excepcional desta situação é igualmente confortado pelo facto de a protecção em causa ser subsidiária e pela economia do artigo 15.° da directiva, dado que as ofensas definidas nas alíneas a) e b) deste artigo pressupõem um grau de individualização claro. Embora seja verdade que há elementos colectivos que desempenham um papel importante para efeitos da aplicação do artigo 15.°, alínea c), da directiva, no sentido de que a pessoa em causa pertence, como outras pessoas, a um círculo de vítimas potenciais de violência indiscriminada em caso de conflito armado internacional ou interno, não é menos verdade que esta disposição deve ser objecto de interpretação sistemática, tendo em conta as duas outras situações objecto do artigo 15.°, e, portanto, deve ser interpretada em relação estreita com esta individualização.
39 - A este respeito, importa salientar que quanto mais o requerente puder eventualmente demonstrar que é especificamente afectado em razão de elementos próprios da sua situação pessoal, menos elevado será o grau de violência indiscriminada requerido para poder beneficiar da protecção subsidiária.
40 - Além disso, cabe acrescentar que, ao proceder à avaliação individual de um pedido de protecção subsidiária, prevista no artigo 4.°, n.° 3, da directiva, podem designadamente ser tidos em conta:
– a dimensão geográfica da situação de violência indiscriminada bem como o destino efectivo do requerente em caso de expulsão para o país em causa, como resulta do artigo 80.°, n.° 1, da directiva, e
– a eventual existência de um indício sério de risco real como o mencionado no artigo 4.°, n.° 4, da directiva, indício perante o qual a exigência de uma violência indiscriminada requerida para poder beneficiar da protecção subsidiária é susceptível de ser menos elevada.” (relativamente a situações em que o risco generalizado de violência se verificava, v.g, abrangendo o Zaire ou Síria, vide os Acs. do TEDH, L.M. e outros v. Rússia, n.º 40081/14, 40088/14 e 40127/14, de 15-10-2015, TEDH, N. v. Finlândia, n.º 38885/02, de 26-06-2005. A este propósito vide, também, Sofia Pinto Oliveira, “Introdução ao Direito de Asilo”, in CEJ - O contencioso do direito de asilo…, ob. cit., pp. 55-56).
No que concerne à jurisprudência nacional sobre a matéria, “afastando o direito de asilo em situações em que apenas é invocada a existência de uma guerra civil e de insegurança no país da nacionalidade do requerente, sem que esteja rotulada de grave, referem-se os Acs. do STA n.º 042793, de 18-03-1999 (Relator: Cruz Rodrigues), n.º 043797, de 17-11-1998 (Relator: Ferreira Neto), n.º 043477, de 30-09-1998 (Relator: Angelina Domingues), n.º 041416, de 15-04-1999 (Relator: Gonçalves Loureiro) e n.º 043511, de 27-10-1998 (Relator: Rosendo José).
Na concessão de autorização de residência por razões humanitárias tem sido entendido pelos tribunais administrativos que não enquadra uma situação de «grave insegurança devida a conflitos armados» a existência no país da nacionalidade do interessado de uma situação de paz, mesmo que precária, ou com existência de um clima de tensão. Neste sentido, indicam-se, os Acs. do STA n.º 01397/04, de 09-02-2005 (Relator: Angelina Domingues), n.º 0151/03, de 29-10-2003 (Relator: Jorge de Sousa) e n.º 01840/02, de 18-06-2003 (Relator: Jorge de Sousa). Entendendo que é legítimo o indeferimento do pedido de autorização de residência em situações em que o conflito armado se circunscreve a uma zona do respectivo país, que não é a da residência do respectivo requerente, assinala-se o Ac. do STA n.º 042928, de 06-10-1998 (Relator: João Belchior).
(…) Considerando haver uma alteração na situação do país de origem do requerente da protecção subsidiária - por se ter restabelecido a normalidade político-militar e de vida, ou por, entretanto, esse país ter beneficiado de uma intervenção internacional que permitiu essa estabilização, em virtude a presença das forças internacionais no terreno - foi também mantido o acto que denegou o pedido de autorização de residência por razões humanitárias nos Acs. do STA n.º 0996/03, de 01-07-2004 (Relator: Adérito Santos), n.º 046290, de 22-02-2001 (Relator: Pais Borges) e do TCAS n.º 01410/06, de 09-03-2006 (Relator: Fonseca da Paz).” (in Sofia David, Tendências recentes da jurisprudência dos tribunais nacionais em matéria de asilo à luz da jurisprudência do tribunal de justiça da união europeia e do tribunal europeu dos direitos do homem - CEJ - O contencioso do direito de asilo…, ob. cit., pp. 359-360).
Assim, tendo presente a situação do Paquistão, tal como vem relatada nos supra-indicados Relatórios e a jurisprudência internacional e nacional, antes referida, no caso em apreço não haveria que ter sido concedida protecção subsidiária a A....... K......., ora Recorrido.
Face ao constante daqueles Relatórios, o Paquistão - e mais especificamente a zona de onde o Recorrido provêm, Mardan, ou a zona e grupo em que se insere, Pashtu - apresentará condições de vida muito difíceis, com diversos conflitos, armados, sociais e religiosos, uma cultura ainda muito tribal, não conforme com a cultura de um mundo mais ocidental ou da Europa.
Porém, dali não resulta que se possa afirmar que o Recorrido, A....... K......., uma vez regressado ao seu país de nacionalidade, o Paquistão – ou à zona de Mardan, ou ao grupo e zona Pashtu – venha a correr risco de sofrer ofensa grave, por naquele país ou naquelas zonas existirem sistemáticas violações dos direitos humanos, que o atingiriam.
Dos indicados Relatórios não é possível concluir que no Paquistão, ou naquelas especificas zonas, haja um grau de violência tão elevado que qualquer cidadão possa sofrer o risco de ver a sua vida ou integridade física ameaçada. Desses Relatórios também não deriva que naquelas zonas não haja, na maioria das vezes, “paz civil”, ou um clima “normal” para as concretas circunstâncias, que permita uma vivência diária sem assinalável violência. À contrário, dos Relatórios retira-se que as forças militares estatais têm vindo a debelar os ataques terroristas e a controlar cada vez mais o território.
A violência que vem relatada, como se assinalou, está focada em certos grupos, relativamente circunscritos, de pessoas mais “vulneráveis” (v.g, cf. neste sentido, relativamente às minorias religiosas, as linhas traçadas pelo ACNUR, em
http://www.refworld.org/docid/4fb0ec662.html).

Como se disse, o Recorrido é um cidadão “normal” do seu país, que não se integra num dos grupos vulneráveis, que conforme as indicações constantes dos Relatórios acima referidos possa ver a sua vida e integridade física ameaçadas, quer pelos grupos armados terroristas, quer pelas forças militares nacionais. O Recorrido, voltando ao seu país, não enfrentará nenhuma pena de tortura, pena de morte, nem nenhuma outra pena criminal.
A violência que haja na zona em que vivia – Mardan – e que possa ser rotulada de muito grave e “indiscriminada”, será a que é exercida pelos grupos talibãs ou terroristas, que têm sido combatidos pelas forças estatais. Quanto às ameaças que o Recorrido sofra relativamente a este tipo de violência, ela não existirá apenas no seu país, mas será uma violência que se espalha à escala mundial e que não pode ser imputada ao Estado paquistanês. No demais, no Paquistão e na zona de Mardan,ou para os grupos Pashtu, não haverá uma violência indiscriminada por banda das forças militares nacionais. As situações de violência que são relatadas, oriundas dos conflitos internos e do combate ao terrorismo, focam-se nos afegãos refugiados, quando associados a afegãos talibans. Não é este o caso do Recorrido, que não é afegão, mas paquistanês, não é refugiado e que não se assume taliban.
Em suma, da conjugação do que vem indicado nos supra-referidos Relatórios com o relato feito pelo Recorrido, não decorre que se deva atribuir a A....... K....... protecção subsidiária, nos termos do art.º 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei nº 27/2008, de 30-06.
Por último, aluda-se aos recentes Acórdãos deste TCAS n.º 393/16.8BELSB, de 16-06-2016 e n.º 11785/14, de 12-02-2015, nos quais também entendeu - ainda que com um diferente enquadramento fáctico - que a situação do Paquistão não se enquadra no pedido de protecção subsidiária.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida, na parte em que condenou o SEF a conceder ao A. protecção subsidiária;
- em substituição, julga-se a presente acção totalmente improcedente e absolve-se o R., ora Recorrente, do pedido de condenação para que conceda a A....... K....... protecção subsidiária.
- sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei nº 27/2008, de 30-06).

Lisboa, 6 de Dezembro de 2017.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)