Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9150/12
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:LICENÇA DE EXPLORAÇÃO, ATO PRECÁRIO, RENOVAÇÃO DA LICENÇA
Sumário:I.Numa providência cautelar, não é forçoso, nem exigível que se faça a prova do direito, mas apenas a aparência do bom direito, segundo um conhecimento perfunctório e sumário, de facto e de direito, bastando a aparência do direito de propriedade enquanto pressuposto da providência onde se coloca a questão da acessão sobre a obra edificada, traduzida no viveiro de marisco.
II.A decisão cautelar não pode reconhecer ou declarar o direito de propriedade, mas apenas a verificação dos pressupostos de que depende a instância cautelar, pois além de não decidir o mérito da causa, não decidindo em termos definitivos a questão material controvertida, não produz efeito de caso julgado material e só produz efeitos meramente provisórios, que subsistem até que seja proferida a decisão definitiva no âmbito do processo principal, de que o processo cautelar é instrumental.
III. A decisão cautelar não constitui instrumento ou título adequado à demonstração do direito de propriedade do viveiro, pelo que faltando esse pressuposto, não tem aplicação o artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, que pressupõe que o estabelecimento se localize em terreno privado.
IV. Não pode o Tribunal substituir-se à Administração na emissão da licença, por não corresponder ao procedimento administrativo que foi prosseguido e requerido pela requerente, além de não se verificaram os legais pressupostos para tanto.
V. Tendo sido emitida licença para exploração de estabelecimento de culturas marinhas e conexos, nos termos dos Decreto-Lei n.ºs 468/71, de 05/11 e 46/94, de 22/02 e ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, e a mesma sido renovada por período anual ou bianual, tais atos administrativos destinam-se a produzir os seus efeitos por esse período de tempo, sendo válidas pelo período da sua vigência, pelo que, não ocorrendo a sua renovação e não existindo qualquer renovação automática, a licença caduca no seu termo, nos termos do artigo 30.º, alínea b) do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000.
VI. A participação do interessado ocorre e é assegurada nos próprios termos do procedimento especial em causa, mediante notificação para juntar os elementos em falta e segundo as formalidades e a tramitação que se encontra prevista nesse procedimento, não sendo de convocar a formalidade de audiência prévia, nem sequer um procedimento administrativo autónomo, nos termos gerais previstos no CPA, para além do que regula a lei especial, sobre o concreto procedimento a seguir.
VII. No respeitante aos princípios da confiança e da boa fé, não se pode olvidar a natureza precária da licença concedida, emitida por um prazo certo e limitado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

V. - S. R. de M., Lda., devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 13/10/2011, que, no âmbito da acção administrativa comum, sob a forma ordinária, pela mesma movida contra o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e a Interveniente, Q. M. SGPS, S.A, em que pede a declaração judicial de validade, por um período de 15 anos, contados deste a última renovação, da licença de exploração que lhe foi atribuída, pela Direcção Geral das Pescas e Aqualcultura, para exploração do depósito vivo de lagostas e lavagantes, sito no L. da L., C. R., G., julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu e a Interveniente do pedido.

Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações, as conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

A sentença ora Recorrida, a sentença do TAF de Sintra de 13 de Outubro de 2011, na parte respeitante à resposta que foi dada ao quesito 14 da BI precisa de ser alterada por este TCA nos termos dos artigos 685º-B, nº l alíneas a) e b) e 712º, nº l, alínea a), primeira parte do CPC, via artigo 140º do CPTA;

Com efeito, constado dos Autos duas certidões emitidas pelo Tribunal da Família e de Menores e de Comarca de Cascais e que foram juntas pela ora recorrente para prova do quesito 14 e tendo ainda em conta o invocado no artigo 51º da pi, face à certidão referente à sentença proferida no processo nº 942/060TBCSC - A, já transitado em julgado, sentença esta que reconheceu ser o Viveiro da A sua propriedade, impunha-se uma outra resposta dada ao referido quesito;

Assim, com base na certidão referente ao processo mencionado na conclusão anterior, a resposta correcta a dar pelo tribunal ao quesito seria que “A Autora tem acção judicial a correr com vista a reconhecer a sua titularidade face aos terrenos onde se situa o Viveiro B., sendo que, em sede cautelar - processo nº 942/060TBCSC-A, já foi proferida sentença, com trânsito em julgado, que reconheceu o direito de propriedade da A sobre o Viveiro B.”;

Assim, havendo uma sentença judicial transitada em julgado que decidiu ser o Viveiro B. propriedade privada da A, bastava a existência de uma tal sentença para que a licença de exploração da Recorrente passasse a ser enquadrada pelo artigo 27°, nº 2, do DR nº 14/2000, de 21 de Setembro;

Deste modo, ao decidir que seria necessário o título de propriedade, estando já demonstrado e provado por certidões judiciais, que o Viveiro é propriedade privada, a sentença recorrida violou o art. 27º, nº 2, do DR 14/2000, é ilegal, devendo, pois, ser revogada por este Tribunal;

A sentença recorrida também não tem razão quando sustenta que a licença concedida à recorrente sempre teria que caducar face ao disposto no artigo 30º, alínea b), do DR 14/2000;

É que, conforme o entendeu unanimemente a doutrina e a jurisprudência, em Dto. Administrativo a caducidade não produz efeitos imediatos (ex lege), ou seja, não é uma manifestação automática de eficácia legal, mas um efeito que se faz valer ex voluntate da Administração - Parecer do C. Consultivo da PGR de 26/9/02, DR, IIª Série, nº 11 de 14/1/03 e Acórdão do STA de 14/6/05, Proc. nº 0508/04;

O procedimento administrativo, com a audiência prévia do interessado, é o instrumento privilegiado que permitirá à Administração verificar e apreciar as causas da caducidade, examinar a conduta do particular para averiguar em que medida é imputável ao titular do direito, se existem ou não causas de força maior ou circunstâncias alheias á vontade do particular, avaliar se deve haver ou não lugar à reabilitação do direito em causa por razões de interesse público;

Assim sendo, o artigo 30º do DR nº 147/2000, só pode ser aplicado pela Administração depois de esta, em procedimento administrativo próprio e ouvido o interessado em audiência prévia, concluir (ou não) que deve declarar a caducidade da licença de exploração;

10º Deste modo, ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou o artigo 267º, nº 5, da CRP, e artigos 2º, nº 5 e 100º do CPA, Princípio da Audiência Prévia, Princípio esse que, como foi recentemente recordado pelo nosso STA no seu Acórdão de 8/7/10, Proc. nº 0275/10 é um princípio transversal à Administração consensual;

11º Acresce que, a abertura de um procedimento administrativo, com a audiência prévia da ora Recorrente, tendo em vista uma hipotética declaração de caducidade por parte da Direcção-geral das Pescas, ainda mais se justificava no caso dos Autos;

12º Com efeito, estabelecida com o Estado uma relação jurídico-administrativa de 34 anos, em que a confiança e a Boa Fé da Recorrente no Estado sempre foi uma constante e havendo um conflito judicial sobre a natureza jurídica dos terrenos onde está construído o Viveiro,

13º Em nome do Princípio da Boa Fé - artigo 266º, nº 2, da CRP e artº 6º A, do CPA, mais se impunha que a Administração não quebrasse de um dia para o outro uma relação que se sedimentou ao longo de 34 anos, mas antes ouvisse o titular da licença antes de declarar a caducidade, até como forma de evitar a prática de um acto administrativo afectado na sua validade por um vício de usurpação de poderes;

14º Por isso mesmo, contrariamente ao que foi decidido pela sentença recorrida, a Direcção-Geral das Pescas, antes de declarar uma eventual caducidade da licença de exploração da Recorrente, em nome do Princípio da Boa-fé e por forma a não atraiçoar a confiança que foi depositada pela recorrente no comportamento da Administração a longo de 34 anos, tinha que proceder, através de procedimento administrativo, à audiência da Recorrente;

15º Assim, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o artigo 266º, nº 2, da CRP e o artigo 6º A, do CPA, sendo por isso ilegal, pelo que terá de ser revogada por V. Exª, fazendo-se assim a devida e merecida JUSTIÇA.”.


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A Interveniente, ora Recorrida, contra-alegou o recurso, defendendo que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, mas sem formular conclusões.

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Contra-alegou o ora Recorrido, Ministério da Agricultura, Pescas e Floresta, [sob designação de Ministério da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território], tendo concluído do seguinte modo:

A) O MAMAOT adere, na íntegra, à douta decisão proferida em 1ª instância;

B) O pedido de autorização para a instalação de estabelecimentos de culturas marinhas e conexos tem de ser acompanhado de licença de utilização do domínio hídrico ou de título de propriedade do terreno em que se pretende instalar o estabelecimento ou de título que confira o direito à sua utilização (alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 14/2000);

C) Numa segunda fase, após a conclusão das obras de instalação, deve o interessado requerer à DGPA a licença de exploração do estabelecimento (n.º 1 do artigo 24.º do Decreto Regulamentar n.º 14/2000);

D) A licença de exploração dos estabelecimentos localizados em áreas dominiais é válida pelo período de vigência das respectivas licenças de uso privativo (n.º 1 do artigo 27.º do Decreto Regulamentar n.º 14/2000);

E) A Q. M. oficiou a DGPA, em 19 de Maio de 2005, bem como a Recorrente, comprovando que o terreno onde se encontra localizado o Viveiro B. é sua propriedade, juntando cópia do registo na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais e da sentença do 11.º Juízo Cível de Lisboa, de 14 de Julho de 1976;

F) Em 1 de Junho de 2005, a Recorrente requereu à DGPA a “renovação da concessão” do Viveiro B.;

G) Tal requerimento não vinha acompanhado de título para a utilização do terreno, seja na forma de licença de utilização do domínio hídrico, seja na forma de título que autorize a utilização de terreno privado;

H) A DGPA cumpriu o disposto no n.º 2 do artigo 11.º do Decreto Regulamentar n.º 14/2000 e oficiou a Recorrente, solicitando a junção de título bastante para a utilização do terreno;

I) A Recorrente juntou cópia da licença provisória n.º ../94, emitida pelo Parque Natural de Sintra-Cascais, que estava em contradição com o facto de a propriedade do terreno pertencer à Q.M.;

J) Face á ausência de título bastante para a utilização do terreno, a DGPA não deu início à apreciação do processo (n.º 3 do artigo 11.º do Decreto Regulamentar 14/2000);

K) Não foi proferida, na acção principal intentada junto do Tribunal de Família, de Menores e de Comarca de Cascais, qualquer decisão transitada em julgado que reconhecesse a propriedade da Recorrente sobre o terreno do Viveiro B.;

L) Qualquer decisão proferida em sede cautelar pelo Tribunal de Cascais quanto à propriedade do Viveiro B., não tem qualquer influência no julgamento da acção principal (n.º 4 do artigo 383.º do CPC);

M) Prevalece a presunção derivada do registo em favor da Q. M. (artigo 7.º do Código do Registo Predial);

N) Não tendo a Recorrente uma autorização emitida pela Q. M., não é aplicável o n.º 2 do artigo 27.º do Decreto Regulamentar n.º 14/2000, que estabelece a duração das licenças de exploração de terrenos privados:

O) A caducidade da licença depende única e exclusivamente do decurso do prazo limitado pela qual foi concedida (artigo 30.º do Decreto Regulamentar n.º 14/2000);

P) A caducidade prevista no Decreto Regulamentar n.º 14/2000 não pressupõe o incumprimento do particular, nem necessita de ser declarada no fim do prazo de duração da licença pela Administração;

Q) Não se verifica qualquer ilegalidade por violação dos artigos 266.º, n.º 2, e 267.º, n.º 5, da CRP, 2.º, n.º 5, 6.º-A ou 100.º do CPA.”

Termina pedindo que seja confirmada a sentença recorrida e o Demandado absolvido do pedido.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da sentença recorrida.

Defende que não é líquida a aplicabilidade do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000 ao caso vertente, por estar em discussão se a Autora possui título bastante para a sua utilização, por se lhe ter sido atribuída a concessão do depósito fixo ou ser ela própria proprietária do terreno ou viveiro em causa.

É manifesto que a prorrogação da licença concedida pela entidade demandada em 2004, por um ano, não foi renovada face às dúvidas sobre a natureza pública ou privada do terreno, pelo que já caducou nos termos da alínea b) do artigo 30.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000.

É irrelevante discutir se tal caducidade sofre de algum vício pois releva a ausência de licença por falta de renovação e a legalidade dessa omissão para efeitos do reconhecimento do direito que se pretende nesta acção.

Por falta de título bastante, não pode ser reconhecido o direito à recorrente de que tal licença é válida por 15 anos, não tendo a entidade demandada violado os princípios da legalidade ou da boa fé.


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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento de facto, no respeitante à resposta dada ao quesito 14 da Base Instrutória;

2. Erro de julgamento de direito, em violação do artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09;

3. Erro de julgamento de direito quanto à questão da caducidade da licença, em face do artigo 30.º, alínea b) do Decreto-Regulamentar 14/2000, em violação dos artigos 267.º, n.º 5 e 266.º, n.º 2, da Constituição e dos artigos 2.º, n.º 5, 6.º e 100.º do CPA ao não ser aberto um procedimento administrativo com audiência prévia.

III – FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. A V., aqui Autora, requereu, em 2 de Janeiro de 1970, ao Ministro da Marinha que lhe fosse concedida a concessão do “Viveiro da B.”, “a fim de explorar como depósito fixo de Lagostas e Lavagantes vivos” - alínea a. dos Factos Assentes;

2. A pretensão referida no precedente facto foi deferida por despacho do Ministro da Marinha de 8 de Março de 1971 - alínea b. dos Factos Assentes;

3. A Capitania do Porto de Cascais lavrou o correspondente Termo de Concessão, a favor da V., em 30 de Março de 1971 - alínea c. dos Factos Assentes;

4. A Direcção-geral de Portos oficiou A. A. L., em 5 de Fevereiro de 1973, do deferimento do seu requerimento referente à transferência da licença nº 8../70, relativa ao “Viveiro da B.” para a V. - alínea d. dos Factos Assentes;

5. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 1../73, válida por dois anos, a contar de 19 de Agosto de 1973, relativa ao “Viveiro da B.” – alínea e. dos Factos Assentes;

6. A V. pagou a taxa relativa à licença nº 1../73, referente ao ano de 1973/74 em 16 de Abril de 1974 - alínea f. dos Factos Assentes;

7. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 1../75, válida por dois anos, a contar de 19 de Agosto de 1975, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea g. dos Factos Assentes;

8. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 4../77, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1977, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea h. dos Factos Assentes;

9. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº ../79, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1978, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea i. dos Factos Assentes;

10. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 5../79, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1979, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea j. dos Factos Assentes;

11. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 5../80, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1980, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea k. dos Factos Assentes;

12. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 8../81, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1981, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea l. dos Factos Assentes;

13. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº7../84, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1984, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea m. dos Factos Assentes;

14. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº ../84, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1983, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea n. dos Factos Assentes;

15. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 5../85, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1985, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea o. dos Factos Assentes;

16. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 4../86, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1986, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea p. dos Factos Assentes;

17. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 4../88, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1988, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea q. dos Factos Assentes;

18. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 3../89, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1989, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea r. dos Factos Assentes;

19. A Direcção-geral de Portos concedeu à V. a Licença nº 2../90, válida por um ano, a contar de 19 de Agosto de 1990, relativa ao “Viveiro da B.” - alínea s. dos Factos Assentes;

20. O Instituto da Conservação da Natureza/Parque Natural Sintra-Cascais concedeu à V. a Licença provisória nº ../94, relativamente a 1994, face ao “Viveiro da B.”, em 26 de Agosto de 1994 - alínea t. dos Factos Assentes;

21. A Direcção-geral das Pescas e Agricultura comunicam à Capitania do Porto de Cascais, por telefax que, designadamente, a licença de exploração dos depósitos de crustáceos “B.” foi renovada para o ano de 2004 - alínea u. dos Factos Assentes;

22. Constam dos Autos, e aqui se dão por integralmente reproduzidos, os Registos de actividade relativos ao “Viveiro B.”, titulado pela V., face aos anos de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, e 2005, passado pela Direcção-Geral das Pescas e Agricultura - alínea v. dos Factos Assentes;

23. Em 2005 a V. foi notificada pela Q. M. SGPS que, por sentença judicial transitada em julgado em 1978 o terreno onde se encontra edificado o Viveiro B. constitui propriedade privada - alínea w. dos Factos Assentes;

24. A QMSGPS consta como titular, em Certidão do Registo, do prédio rústico sito no lugar de C. R., entre a Estada Nacional nº 2.. e o mar, com a área de 46,062m2 descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha nº 08.../03...., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Cascais sob parte do Artº 1... - alínea x. dos Factos Assentes;

25. O presente Processo deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em 4 de Abril de 2006 - alínea y. dos Factos Assentes;

26. A V. encontra-se autorizada a explorar comercialmente o viveiro de marisco denominado Viveiro B., em conformidade com as licenças supra identificadas - resposta ao Facto 1º da Base Instrutória;

27. Sob o ponto de vista edificativo, o depósito fixo de lagostas e lavagantes está localizado sobre os rochedos, com uma parte do seu pé direito integrado na própria rocha, possuindo 5 pisos, sendo que, quatro deles, foram escavados na própria rocha, encontrando-se pois ao nível do subsolo - resposta ao Facto 2º da Base Instrutória;

28. A construção do Viveiro B. constituiu, à época – 1968, uma obra de engenharia da qual resultou a criação de um viveiro que, à época, foi considerado um dos mais avançados da Europa resposta ao Facto 3º da Base Instrutória;

29. Tal obra foi inicialmente gerida e suportada financeiramente por dois irmãos de nacionalidade espanhola, os irmãos P. G., os quais se assumiram perante todos como donos da mesma e, posteriormente, viria a ser concluída pela sociedade comercial por eles constituída, a ora A V.- resposta ao Facto 4º da Base Instrutória;

30. A V. exercia, até 2005, no Viveiro B. a sua actividade comercial de depósito e venda de marisco vivo, na convicção que estaria a utilizar terrenos do domínio público marítimo, sendo que a licença abrangia apenas o depósito e exploração do viveiro – resposta ao Facto 5º da Base Instrutória;

31. Só partir do final de 2005, foi a ora A, directamente confrontada com a circunstância de o terreno onde estava edificado o Viveiro B. ser privado - resposta ao Facto 6º da Base Instrutória;

32. No dia 23 de Dezembro de 2005, a Q. M. SGPS, cercou o terreno onde está o Viveiro B. com uma rede de arame farpado, abrindo ainda duas valas no acesso ao viveiro que sempre tinha sido feito através da antiga estrada nacional 2.. - resposta ao Facto 7º da Base Instrutória;

33. O que criou dificuldades no acesso de viaturas e de pessoal ao Viveiro B. - resposta ao Facto 8º da Base Instrutória;

34. Mantém a aqui Autora o acesso ao Viveiro B. - resposta ao Facto 9º da Base Instrutória;

35. Mantendo a sua exploração - resposta ao Facto 10º da Base Instrutória;

36. A Autora tem Acção Judicial a correr com vista a reconhecer a sua titularidade face aos terrenos onde se situa o Viveiro da B. - resposta ao Facto 14º da Base instrutória.


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Não se provou que:

- Detém a Autora actualmente licença validamente emitida pela DGPA para explorar o Viveiro da B. (resposta negativa Facto 11º);

- Detém a aqui Autora qualquer título, designadamente de propriedade, que legitime a sua permanência no local onde se situa o Viveiro da B. (resposta negativa Facto 12º);

-A concessão do depósito fixo denominado “Viveiro B.”, caducou em 31 de Dezembro de 1969, não tendo sido objecto de prorrogação posterior (resposta negativa Facto 13º).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento de facto, no respeitante à resposta dada ao quesito 14 da Base Instrutória

Nos termos da alegação da Recorrente a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto ao responder ao quesito 14 da Base Instrutória nos termos em que constam do ponto 36 da matéria de facto assente, pedindo a sua alteração.

Sustenta que constando dos autos duas certidões emitidas pelo Tribunal da Família e de Menores e de Comarca de Cascais, foi já reconhecido judicialmente ser o viveiro da Autora sua propriedade.

Assim, propõe que o ponto 36 do julgamento da matéria de facto adote a seguinte redacção:

“A Autora tem acção judicial a correr com vista a reconhecer a sua titularidade face aos terrenos onde se situa o Viveiro B., sendo que, em sede cautelar - processo nº 942/060TBCSC-A, já foi proferida sentença, com trânsito em julgado, que reconheceu o direito de propriedade da A sobre o Viveiro B.”.

Vejamos.

Antes de mais importa atender ao facto 36 em questão, segundo a redacção que dele foi dada na sentença recorrida, a saber:

A Autora tem Acção Judicial a correr com vista a reconhecer a sua titularidade face aos terrenos onde se situa o Viveiro da B. - resposta ao Facto 14º da Base instrutória.”.

Considerando aquela que é a alegação da Recorrente no presente recurso e a matéria factual que está em causa, assim como a prova que foi produzida nos autos, a respeito da propriedade do viveiro de marisco, nenhuma censura há a dirigir à sentença recorrida na resposta dada ao quesito 14 da Base Instrutória, nos termos em que constam do ponto 36 do julgamento da matéria de facto.

A Recorrente pretende que este Tribunal ad quem adite a referência ao reconhecimento do direito de propriedade do viveiro com base no decidido na decisão cautelar, proferida no processo que correu termos no Tribunal da Família e de Menores e de Comarca de Cascais, sob n.º 942/06.0TBCSC-A, mas nem essa decisão tem o conteúdo ou produz os efeitos jurídicos invocados pela Recorrente, nem produz o efeito de caso julgado material que a Recorrente lhe pretende atribuir.

Ao contrário do que pretende a Recorrente fazer crer, a decisão cautelar proferida não define o direito de propriedade do viveiro, não reconhecendo o direito de propriedade da ora Recorrente.

Como a própria Recorrente admite, reproduzindo extracto da decisão cautelar, o Tribunal do processo cautelar pronunciou-se no sentido de que “…para já, no âmbito dos presentes autos, basta-nos pela consideração de que, não tendo ainda operado a acessão, existe o direito de propriedade dos requerentes sobre a obra em causa, pelo menos até ser resolvido o conflito no sentido de saber se a acessão opera a favor dos requerentes ou se a favor da requerida e em que termos. Conclui-se, pois que se verifica o pressuposto da providência cautelar relativo a direito de propriedade sobre o edifício onde se encontra instalado o viveiro em causa, sendo certo que para exercer o direito necessitam de aceder ao mesmo…” (sublinhados nossos).

Ora, como bem se diz na decisão cautelar, a aparência do direito de propriedade constitui o pressuposto da providência cautelar, onde se pretende apreciar da acessão sobre a obra edificada, em que se traduz o viveiro de marisco.

Tratando-se de uma providência cautelar, não é forçoso, nem exigível que se faça a prova do direito, mas apenas a aparência do bom direito, segundo um conhecimento perfunctório e sumário, de facto e de direito.

Isso mesmo resulta do extracto da decisão cautelar ora reproduzido, onde não existe o reconhecimento judicial do direito de propriedade, mas apenas a verificação dos pressupostos de que depende a instância cautelar.

A própria decisão cautelar assume que ainda está por resolver o litígio quanto a saber se a acessão opera a favor dos requerentes ou se a favor da requerida.

Acresce que, como é próprio da natureza provisória da instância cautelar, essa decisão não produz efeito de caso julgado material, já que não decide do mérito da causa, nem decide, em termos definitivos, a questão material controvertida, produzindo efeitos meramente provisórios, que subsistem até que seja proferida a decisão definitiva no âmbito do processo principal, de que o processo cautelar é instrumental.

Por esse motivo, não constitui a decisão cautelar instrumento ou título adequado à demonstração do direito de propriedade do viveiro a favor da Autora, ora Recorrente.

Em consequência, não incorre a sentença recorrida no erro de julgamento invocado pela Recorrente, devendo manter-se a resposta dada ao quesito 14 da Base Instrutória, nos termos da redação do ponto 36 da matéria de facto assente, improcedendo a alegação do recurso.

2. Erro de julgamento de direito, em violação do artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09

Alega a Recorrente que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento no tocante ao enquadramento da situação, pois estando provado que o viveiro é propriedade privada, a licença de que era titular a ora recorrente carece de ser enquadrada no artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09.

Por força da realidade fáctico-jurídica, traduzido na existência de um estabelecimento em terrenos privados, o viveiro da Recorrente terá de passar a reger-se pelo disposto no citado artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Regulamentar 14/2000, de 21/09.

Por isso, considera a Recorrente que o Tribunal a quo violou tal disposição legal.

Sem razão, desde logo não se verificando o pressuposto fáctico-jurídico em que a Recorrente assenta o presente fundamento do recurso, quanto o de se encontrar provado e judicialmente reconhecido o seu direito de propriedade sobre o viveiro.

No entender da Recorrente o Tribunal a quo deveria ter aplicado o disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, mas falta o pressuposto de facto que está na base desse entendimento e na qual a própria Recorrente alicerça o fundamento do recurso.

A licença a que se refere o n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, encontra-se prevista para estabelecimentos localizados em terrenos privados, que pressupõe um procedimento diferente daquele que foi adotado ao longo dos anos, nos termos em que foram concedidas as licenças à Autora, exigindo um procedimento prévio para a atribuição.

A Recorrente reclama em juízo a atribuição de uma licença de que nunca antes beneficiou, pois nos termos da matéria de facto apurada, ao longo dos anos, foram sendo emitidas licenças, com a duração anual ou bianual, cujo pressuposto é o de o viveiro se situar em área integrada no domínio público, apenas tendo sido confrontada com a circunstância de o terreno onde está edificado o viveiro ser privado em final de 2005 – vide pontos 1 a 21 e 31 da matéria de facto assente.

De acordo com o probatório apurado sob o facto n.º 21, a última licença concedida à Autora ocorreu no ano de 2004, estando em causa uma renovação por um ano, de uma licença anterior, que nada tem que ver com a licença a que se refere o n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, prevista com a duração de 15 anos.

Não só nunca a Autora foi titular de uma licença, nos termos do regime previsto no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, assente no pressuposto de o estabelecimento estar localizado em terreno privado, por as licenças emitidas e de que foi titular terem por fundamento a utilização e ocupação do domínio público, como não se vê como se poderia transmutar os procedimentos administrativos atributivos das licenças em causa, por se tratar de licenças diferentes, que obedecem a diferentes pressupostos de facto e de direito.

Não poderia o Tribunal substituir-se à Administração não só na atribuição da licença em causa, como na substituição do próprio procedimento administrativo destinado à atribuição da licença, que não é aquela que, no passado, a Autora foi titular.

Além de que, nunca seria possível agora atribuir uma licença com base num pressuposto que não se mostra reconhecido, quanto o de a Autora ser proprietária do viveiro de marisco.

Nestes termos, não tem razão de ser o suscitado pela Recorrente, não incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de direito, ao não reconhecer a aplicabilidade do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09 ao caso em apreço, por faltar o pressuposto do âmbito da norma jurídica, quanto o de o estabelecimento se situar em propriedade privada.

Termos em que não procede o fundamento do presente recurso jurisdicional.

3. Erro de julgamento de direito quanto à questão da caducidade da licença, em face do artigo 30.º, alínea b) do DR 14/2000, em violação dos artigos 267.º, n.º 5 e 266.º, n.º 2, da Constituição e dos artigos 2.º, n.º 5, 6.º e 100.º do CPA ao não ser aberto um procedimento administrativo com audiência prévia

Por último, alega a Recorrente que a sentença recorrida não tem razão quando sustenta que a licença concedida sempre que teria que caducar, face ao disposto na alínea b) do artigo 30.º do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, por a caducidade não produzir efeitos imediatos ou ex lege, não sendo uma manifestação automática de eficácia legal, por antes depender da vontade da Administração.

Segundo a Recorrente a caducidade a ser declarada carecia de um procedimento administrativo que assegurasse a audiência prévia do interessado, pelo que o citado artigo 30.º para ser aplicado dependia de um procedimento administrativo próprio e mediante a audiência do interessado.

Ao decidir em sentido diferente, entende a Recorrente que a sentença recorrida incorre em violação dos artigos 267.º, n.º 5 da Constituição e dos artigos 2.º, n.º 5 e 100.º do CPA, que prevêem o princípio da audiência prévia.

Alega ainda a Recorrente que esse procedimento com participação do interessado ainda mais se justificava no caso em apreço, atenta a relação de confiança e de boa fé que durou 34 anos, sob pena de violação do artigo 266.º, n.º 2 da Constituição e do artigo 6.º-A do CPA, quanto aos princípios da confiança e da boa fé.

Vejamos.

Não tem a Recorrente razão quanto à censura que dirige contra a sentença recorrida.

Como se extrai do julgamento da matéria de facto, ao longo dos anos e até 2004, mediante sucessivas renovações, foram sendo emitidas licenças anuais ou bianuais a favor da Autora, para exploração de estabelecimento de culturas marinhas e conexos, nos termos dos Decreto-Lei n.ºs 468/71, de 05/11 e 46/94, de 22/02.

A atribuição da licença e a sua renovação, com a duração definida e certa, constituem atos administrativos que se destinam a produzir os seus efeitos por esse período de tempo, pelo que, caso não ocorra a sua renovação, extingue-se o direito que esse ato administrativo concedera, não existindo qualquer renovação automática.

As licenças concedidas à Autora eram renováveis mediante a apresentação de pedido e de confirmação das condições ou pressupostos previstos na lei, sendo válidas pelo período da sua vigência.

No caso, a licença emitida pressupunha a ocupação e utilização de terrenos do domínio público hídrico, mas por falta de demonstração desse pressuposto, a licença deixou de ser renovada a partir de 2005.

Por outro lado, também não foi apresentado título que autorizasse a utilização de terreno privado, para que pudesse ser dado início a outro procedimento.

As licenças que foram emitidas até 2004 a favor da Autora constituem atos precários, com efeitos limitados no tempo, caducando no seu termo, como previsto no artigo 30.º, alínea b) do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, ao prever a caducidade da licença no caso de “termo do prazo por que foi concedida a licença, sem que haja lugar à sua renovação, no caso de estabelecimentos localizados em áreas dominiais”.

Não está em causa a aplicação de uma qualquer sanção por incumprimento, mas antes a verificação de uma causa objetiva de caducidade, assente no decurso do tempo de validade da licença e pela qual foi concedida.

Porque assim é, não tendo sido praticado o ato administrativo de renovação da licença por falta dos pressupostos legais para tanto, ela caducou automaticamente, não existindo qualquer renovação automática, nem necessidade de um procedimento administrativo com vista a assegurar a participação do interessado, pois essa participação ocorre e é assegurada nos próprios termos do procedimento em causa, tendo a requerente sido notificada para juntar os elementos em falta.

Neste sentido, carece a Recorrente de razão ao invocar que se mostra violado o princípio da audiência prévia e os princípios da confiança e da boa-fé, porquanto estando em causa um procedimento administrativo especial, a sua regulação ocorre segundo as formalidades e a tramitação que nele se encontra prevista, não sendo de convocar a formalidade de audiência prévia, nem sequer um procedimento administrativo autónomo, nos termos gerais previstos no CPA, para além do que regula a lei especial, sobre o concreto procedimento a seguir.

No respeitante aos princípios da confiança e da boa fé, além de não se demonstrarem quaisquer factos donde se possa alicerçar uma atuação administrativa desconforme a tais princípios, não se pode olvidar a natureza precária da licença concedida, emitida por um prazo certo e limitado, não obstante as inúmeras renovações que foram acontecendo ao longo dos anos.

A Autora sabia e conhecia a natureza precária da licença de que era titular, tendo tido a necessidade de a renovar ao longo dos anos, tomando essa iniciativa procedimental, não podendo ignorar as circunstâncias e os pressupostos da sua emissão, além de ter sido notificada para juntar os elementos em falta, ficando a conhecer os motivos ou fundamentos da falta de renovação.

Neste sentido, não foram praticados quaisquer atos, nem omitidos quaisquer deveres, que conduzam a um juízo de desconformidade da atuação da Entidade Demandada em relação aos princípios da confiança e da boa fé.

Pelo exposto, serão de julgar não provadas as conclusões em apreço do recurso, não tendo a sentença recorrida incorrido nas violações que lhe são imputadas pela Recorrente.


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Em suma, não procede qualquer dos fundamentos do recurso, sendo de manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Numa providência cautelar, não é forçoso, nem exigível que se faça a prova do direito, mas apenas a aparência do bom direito, segundo um conhecimento perfunctório e sumário, de facto e de direito, bastando a aparência do direito de propriedade enquanto pressuposto da providência onde se coloca a questão da acessão sobre a obra edificada, traduzida no viveiro de marisco.

II. A decisão cautelar não pode reconhecer ou declarar o direito de propriedade, mas apenas a verificação dos pressupostos de que depende a instância cautelar, pois além de não decidir o mérito da causa, não decidindo em termos definitivos a questão material controvertida, não produz efeito de caso julgado material e só produz efeitos meramente provisórios, que subsistem até que seja proferida a decisão definitiva no âmbito do processo principal, de que o processo cautelar é instrumental.

III. A decisão cautelar não constitui instrumento ou título adequado à demonstração do direito de propriedade do viveiro, pelo que faltando esse pressuposto, não tem aplicação o artigo 27.º, n.º 2 do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, que pressupõe que o estabelecimento se localize em terreno privado.

IV. Não pode o Tribunal substituir-se à Administração na emissão da licença, por não corresponder ao procedimento administrativo que foi prosseguido e requerido pela requerente, além de não se verificaram os legais pressupostos para tanto.

V. Tendo sido emitida licença para exploração de estabelecimento de culturas marinhas e conexos, nos termos dos Decreto-Lei n.ºs 468/71, de 05/11 e 46/94, de 22/02 e ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 14/2000, de 21/09, e a mesma sido renovada por período anual ou bianual, tais atos administrativos destinam-se a produzir os seus efeitos por esse período de tempo, sendo válidas pelo período da sua vigência, pelo que, não ocorrendo a sua renovação e não existindo qualquer renovação automática, a licença caduca no seu termo, nos termos do artigo 30.º, alínea b) do Decreto-Regulamentar n.º 14/2000.

VI. A participação do interessado ocorre e é assegurada nos próprios termos do procedimento especial em causa, mediante notificação para juntar os elementos em falta e segundo as formalidades e a tramitação que se encontra prevista nesse procedimento, não sendo de convocar a formalidade de audiência prévia, nem sequer um procedimento administrativo autónomo, nos termos gerais previstos no CPA, para além do que regula a lei especial, sobre o concreto procedimento a seguir.

VII. No respeitante aos princípios da confiança e da boa fé, não se pode olvidar a natureza precária da licença concedida, emitida por um prazo certo e limitado.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul nos presentes autos, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos e em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Conceição Silvestre)



(Carlos Araújo)