Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12541/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/29/2015
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:PONDERAÇÃO DE INTERESSES
HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTOS
DIREITO AO DESCANSO
Sumário:
I – Nos termos do nº 2 do artigo 120º do CPTA, deve ser recusada a adopção de providência cautelar quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa.
II – Deve ser recusada pretensão de suspensão de eficácia de acto que aprovou horário de funcionamento de estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços, quando o referido horário, visando acautelar direitos dos moradores como o direito ao descanso, reduz o horário de funcionamento dos estabelecimentos, sem restringir, de forma injustificada ou desproporcionada o funcionamento dos mesmos.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Marco ……………….. requereu contra o Município de Lisboa providência cautelar de suspensão de eficácia de acto proferido por Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, em 16 de Dezembro de 2014, nos termos do qual foram fixados os horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços no concelho de Lisboa, por força do qual foi limitado o horário de funcionamento do bar de que é proprietário o requerente.

Por decisão proferida em 24 de Julho de 2015, o T.A.C. de Lisboa indeferiu a pretensão cautelar formulada.

Inconformado com o decidido, o requerente recorreu para este TCA Sul, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente explora um estabelecimento comercial cuja actividade se desenvolve na zona do Cais do Sodré, em Lisboa.

2. Foi publicado o despacho 140/P/2014, em 18 de Dezembro de 2014, pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, publicado em Boletim Municipal, que determinou o fecho do estabelecimento do Recorrente às 02h00 de segunda a quinta-feira e às 03h00 às sextas, sábados e vésperas de feriado domingos 00h00.

3. O fecho do estabelecimento determinou a perda de clientela e receitas, e consequente impossibilidade de pagamento dos encargos mensais fixos e variáveis, pondo em risco a viabilidade de funcionamento do estabelecimento.

4. A douta sentença julgou improcedente a providência cautelar, alegando que deverá prevalecer o direito ao repouso dos ali residentes que, com base em censos de 2011, se cifram em 2728 habitantes integrados na freguesia de São Paulo, onde o estabelecimento do requerente se situa;

5. Isto apesar de considerar a existência de fumus boni iuris, pretensão do requerente poderá ser viável nomeadamente no que concerne aos vícios imputados ao despacho 140/P/2014 de Bem como de periculum in mora, entendendo que os mesmos são de difícil reparação, senão mesmo irreversíveis, pela perda de clientela e pela significativa quebra de facturação, indiciariamente provada;

6. Ora, a quase totalidade dos bares situados na Rua Cor-de-Rosa, onde se verifica a maior afluência de pessoas e concentração nocturna e que concentra as queixas dos moradores desde a sua inauguração em 2013, continuam a funcionar normalmente dentro do horário inicialmente atribuído, uma vez que não são afectados pelo despacho impugnado.

7. Contudo, no caso do requerente, ele em nada contribui para essa afectação uma vez que é absolutamente marginal a sua actividade em relação àquela que é desenvolvida pelos demais bares existentes na zona, esses sim que poriam em causa, o interesse público alegadamente defendido pelo acto suspendendo e que, por diversas excepções constantes do mesmo, têm permanecido em normal funcionamento, ao contrário do recorrente.

8. Tais bares, possuem, na sua grande maioria, esplanadas, pelo que, uma vez mais, a referida concentração de transeuntes continuará a existir, já que a proibição de venda de bebidas alcoólicas ou não alcoólicas para o exterior não se aplica às esplanadas dos estabelecimentos.

9. O estabelecimento do requerente situa-se numa artéria secundária, num edifício sem moradores, conforme factos provados;

10. Pelo que o interesse do requerente deve prevalecer, no caso, sobre o interesse público invocado, tendo por base, não queixas de moradores relativamente à actividade do estabelecimento do requerente, mas o número de residentes registados nos censos de 2011.

11. Porquanto os danos que advirão para o requerente são em muito superiores aos que poderão advir para tais residentes, decorrentes da actividade do estabelecimento e da suspensão do acto.

12. Os contra interessados potencialmente afectados pelo deferimento da providência, como a Junta de Freguesia da misericórdia- Polo de São Paulo, A Associação de moradores a Voz do Bairro e a Associação de moradores da freguesia de Santos o velho, não se pronunciaram no processo;

13. Isto apesar de ter sido concedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, e dispensa de taxas de justiça e demais encargos com o processo à associação de moradores da zona, a Voz do Bairro;

14. Sendo certo que as queixas dos moradores e que estão na base da adopção do acto suspendendo, existem desde a designada inauguração da Rua Cor de Rosa, em 2013, e apenas cerca de 13 dos bares existentes na zona viram o seu horário reduzido, toma-se evidente não ter existido uma acertada ponderação dos interesses em conflito, nomeadamente no que respeita aos prejuízos decorrentes da execução do acto para o requerente.

15. Mas ainda que, por mera hipótese académica, se equacione tal prevalência do direito ao descanso dos moradores recenseados em 2011, sobre o interesse económico do requerente, certo é que o meritíssimo juiz deveria ter adoptado a providência mais adequada ao caso em concreto, nomeadamente permitindo o funcionamento do estabelecimento do bar do requerente dentro do horário que lhe foi atribuído, proibindo contudo a venda de bebidas para o exterior,

16. Isto na medida em que a motivação constante da douta sentença parece assentar sobretudo, não no ruído produzido pelo estabelecimento (atente-se o facto de o estabelecimento apenas possuir uma pequena aparelhagem de características domésticas) mas na sua exígua dimensão, que potenciaria a venda de bebidas para o exterior.

17. Ora, assim sendo, deveria ter sido decretada a providência requerida, condicionada à proibição de venda de bebidas para o exterior, o que permitiria ao requerente manter, ainda que com a inerente quebra de facturação, um volume de vendas superior ao que actualmente factura e que não suporta sequer a renda do locado.

Contra-alegou o Recorrido, formulando as seguintes conclusões:

“1. O Recorrente apoia-se em factos que o Mmo Juiz a quo não considerou provados para concluir que o seu interesse "(...) deve prevalecer sobre o interesse público, nomeadamente o direito ao repouso dos residentes recenseados na freguesia de São Paulo em 2011, porquanto os danos que advirão para o requerente são em muito superiores aos que poderão advir para tais residentes, decorrentes da actividade do estabelecimento e da suspensão do acto", sem contudo comprovar a superioridade dos seus interesses. Na verdade,

2. Se é verdade que o normal funcionamento do estabelecimento do Recorrente, como o mesmo alega, não afecta os moradores, já o modo como esse funcionamento tem sido levado a cabo, e que não é normal, afecta o descanso, o repouso, a segurança a saúde dos mesmos;

3. Conforme foi referido pela Entidade Recorrida, e não foi posto em causa pela Recorrente, a determinação de restrição horária veio dar resposta às diversas queixas e participações dirigidas aos serviços do Requerido, relativamente ao ruído nocturno, ao sentimento de insegurança provocados por frequentadores e pela música proveniente dos estabelecimentos sitos na área circunscrita pelo Cais do Sodré, Santos e Bica, e

4. Tal ruído e insegurança provêm igualmente do estabelecimento propriedade do aqui Recorrente denominado "……………..", sito na Rua de São Paulo ….., não só dentro do horário de funcionamento, como também para além do horário exibido, ou seja, depois das 04h00. Até porque,

5. Atenta a reduzida dimensão do referido estabelecimento, com capacidade apenas para 10 pessoas, torna-se impossível o consumo no interior do estabelecimento,

6. Daí o consumo na via pública com todas as consequências que daí advêm - o ruído excessivo na via pública, abandono de garrafas, copos de vidro e outros materiais na via pública, nos vãos de escadas e nas janelas dos estabelecimentos, de habitações particulares.

7. O que está em causa é o confronto entre os interesses do Recorrente - direito à livre iniciativa económica (art. 61.º da CRP) consubstanciada na comercialização de bebidas, mormente alcoólicas, em período nocturno, concorrendo, de forma irregular e prejudicial para a segurança e saúde pública, mediante a oferta destes produtos a preços perniciosamente acessíveis à camada mais jovem, em áreas onde esta oferta é já particularmente diversificada e abundante - e os interesses defendidos pelo Recorrido - aqui consubstanciados na salvaguarda dos direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, ao repouso, à segurança, à saúde pública e à qualidade de vida (arts. 25º, 27.º e 66.º da CRP) prevalecerão, obviamente, hoje e sempre, os interesses por este último defendidos em detrimento dos daquela.

8. O artigo 25º, n.º 1, da CRP prevê o direito à integridade pessoal que incorpora o direito ao descanso, à tranquilidade e ao sono - neste sentido, vide Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, de 6 de dezembro de 2005. (processo n.º 2962/05, disponível em www.dgsi.pt).

9. Existem vários estudos, sendo por isso do conhecimento público, que pessoas que sejam submetidas a ruídos com perturbação da sua tranquilidade, descanso ou do sono, desenvolvem alguns dos síndromas e doenças (cfr. Doenças cardiovasculares - o risco de ataques de coração em pessoas submetidas a valores superiores a 65 dB(A), aumenta entre os 20 a 30%, transtornos no sistema imunitário responsável pela resposta às infeções e aos tumores, transtornos psicofísicos como a ansiedade, depressão, irritabilidade, náuseas, enxaquecas, etc), síndromes que constituem verdadeiras questões de saúde pública, com o necessário aumento da despesa na saúde e a consequente diminuição da rentabilidade e produtividade daqueles que trabalham, agora que tanto se apela ao aumento de produtividade.

10. Em face da situação de incomodidade sucessivamente relatada, quer pelos moradores da zona onde o estabelecimento do Recorrente funciona, quer pelas autoridades policiais, impunha-se ao aqui Recorrido que, no exercício das suas atribuições e competências (Lei n°75/2013 de 12/09), e em conformidade com o bloco de legalidade a que está adstrito (art. 266º, n.0 2, da CRP),. tomasse as medidas necessárias e adequadas a impedir a continuação de uma atividade que se apresentava gravemente lesiva do direito ao repouso e da qualidade ambiental e

11. A medida administrativa mais adequada para impedir a perpetuação de uma prática, imputável também ao estabelecimento do Recorrente, geradora de constante incomodidade e degradação da qualidade ambiental da sua zona de localização, passava não pelo impedimento do exercício da actividade mas sim pela redução do horário de funcionamento, havendo assim respeito, também, pelos direitos de carácter económico.

12. A sentença recorrida não merece, pois, censura quando, ao ponderar correctamente os interesses em presença decidiu pela recusa da providência requerida, e

13. Nem outra providência poderia ser decretada na medida em que o Recorrente, ainda que informasse os clientes de que as bebidas deveriam ser consumidas no interior do estabelecimento, o mesmo não teria capacidade, em termos de espaço, para manter no seu interior as largas dezenas, ou mesmo centenas, de clientes que consomem na via pública, até porque não são eles os destinatários da medida. Mais,

14. A já alegada redução de facturação que poderá levar à insolvência do Recorrente iria sempre verificar-se e sem garantia de que a medida fosse respeitada pelos clientes.”

Por sua vez, a contra-interessada A Voz do Bairro – Associação de Moradores, concluiu, nas respectivas contra alegações da seguinte forma:

“1 – A douta sentença recorrida não merece qualquer censura uma vez que efectuou uma correcta consideração dos interesses em presença.

2 – A douta sentença considera que se verificam os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, porém, recusou a requerida providência, sendo ponderados os critérios de decisão, como estabelece o nº 2 do artigo 120º, considerando a alínea b) do seu nº 1, do CPTA;

3 - O recorrente baseia-se em factos que o Meritíssimo Juiz a quo não considerou provados;

4 - Dada a diminuta dimensão do estabelecimento em causa e a grande adesão de público, acabando por permanecer nas suas imediações com as inerentes implicações sobretudo de ruído e poluição, torna-se descabida a desafectação das implicações directas no sossego e tranquilidade dos residentes;

5 – Estão postos em causa princípios constitucionalmente consagrados como os previstos no artigo 25º Direito à Integridade Pessoal e artigo 66º Ambiente e Qualidade de Vida.

O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II) Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

1) Marco ………………………. tomou de arrendamento a “fracção D” a que corresponde a Loja ……., sita na rua do Ferragial, n.º…./Rua de São Paulo, n.º…., freguesia da Misericórdia, Lisboa, em 1 de Junho de 2014, onde funciona o estabelecimento comercial “…………………”. Cfr. documento junto com o requerimento inicial e acordo das partes.

2) Nos termos daquele contrato de arrendamento não habitacional Marco ……………… paga de renda, mensalmente €500. Cfr. teor do contrato junto aos autos.

3) O requerente procedeu à abertura do estabelecimento ao abrigo das disposições decorrentes do Licenciamento zero, tendo indicado como horário pretendido para o funcionamento do bar aquele compreendido entre as 21h00 das 04h00 de segunda-feira a Quinta-feira e entre as 06h00 e as 04h00 de Sexta-feira a Domingo. Cfr. documento junto aos autos com o requerimento inicial.

4) Ao Bar “…………….” foi autorizado o seguinte ”Período de funcionamento”: todos os dias da semana de Segunda-feira a Quinta-feira das 21:horas às 04 horas e de Sexta-feira a Domingo e feriados das 6horas às 4 horas. Cfr. documento junto aos autos com o requerimento inicial.

5) Em Setembro de 2013 foi inaugurada a rua Cor de Rosa (a Rua nova do Carvalho, ao Cais do Sodré), que foi fechada ao trânsito, como zona privilegiada de diversão nocturna. Facto notório e documento junto aos autos.

6) O Bar “…………………. tem uma esplanada com a área de ocupação total de 1,82 m2. Cfr. documento junto aos autos com o requerimento inicial.

7) O Bar “……………….. tem a área de venda de 6.36 m2, a área de armazenagem de 13,33 m2 e a capacidade/lotação de 10 pessoas. Cfr. documento junto aos autos com o requerimento inicial.

8) A exploração do bar “…………….” pelo requerente iniciou-se em Junho de 2014. Cfr. documento designado “relatório sumário da contabilidade” junto aos autos.

9) De Junho a Dezembro de 2014 o Bar “………………” obteve de receita líquida o montante de €4828,18, o que se traduz numa média mensal de €689,74. Cfr. documento junto aos autos.

10) No período compreendido entre 1 e 22 de Janeiro de 2015 o total líquido da receita foi no valor de €183,91.Cfr. documento junto aos autos.

11) No período compreendido entre 23 e 31 de Janeiro, a receita líquida foi de €49,44. Cfr. documento junto aos autos.

12) O Bar “………………..” possui música ambiente propagada através de uma aparelhagem de características domésticas. Acordo das partes.

13) O Bar “…………………. tem uma avença mensal com a Sociedade Portuguesa de Autores para a utilização de obras musicais ou literário-musicais do reportório da S.P.A. no montante de €12. Cfr. documentos juntos aos autos com o requerimento inicial.

14) O edifício onde se situa o Bar “………………” não tem moradores, funcionando apenas no 2.º piso o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância e Limpeza, com horário de funcionamento entre as 09.30 e as 18 horas. Cfr. documentos juntos autos e acordo das partes.

15) Por despacho do Vereador da Câmara Municipal de Lisboa de 29 de Outubro de 2014 foi submetido a consulta pública o projecto de restrição dos “horários de funcionamento de estabelecimentos sitos na zona do Cais do Sodré, Bica e Santos – Despacho n.º130/P/2014 publicado no Boletim Municipal de Câmara Municipal de Lisboa n.º1080, de 30 de Outubro de 2014, que se encontra junto aos autos e se dá por integralmente reproduzido.

16) A fase da Consulta Pública teve a duração de 15 dias úteis, tendo aquele projecto sido publicitado através da publicação no 1.º Suplemento do Boletim Municipal n.º1080, em 30 de Outubro de 2014, da publicação de anúncios no Correio da Manhã e no Diário de Notícias em 31 de Outubro de 2014 e na Internet, no sítio oficial da CML e sítio “Lisboa Participa.”Cfr. documentos 1, 2 e 3 juntos com a oposição do município de Lisboa.

17) No âmbito da consulta pública foram consultados o Sindicato dos Trabalhadores na Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul, a DECO, a AHRESP e as Juntas de Freguesia da Misericórdia e da Estrela, bem como a Associação de Moradores do Bairro Alto, a Associação de Comerciantes do Bairro Alto, a Associação de Moradores da Freguesia de Santos-o-Velho, a Associação Cais do Sodré, a associação “Nós Lisboetas”, a Polícia Municipal e a Provedoria de Justiça.Cfr. documentos 4 a 15 juntos com a oposição.

18) No âmbito da consulta pública foram recebidas 68 pronúncias, após o que foi elaborado o Relatório da Consulta Pública. Cfr. documento n.º16 junto com a oposição, que se dá por integralmente reproduzido.

19) Com data de 16 de Dezembro de 2014 foi pelo Vereador da Câmara Municipal de Lisboa proferido o Despacho n.º140/P/2014 (Horários de funcionamento de estabelecimentos sitos na zona do Cais do Sodré, Bica e Santos) o qual foi publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa de 18 de Dezembro de 2014 e no qual se refere designadamente o seguinte:”(…) V) Nestes termos e para efeitos do disposto no artigo 107.º do CPA conjugado com a alínea a) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º48/96, de 15 de Maio e ainda os números 5 e 6 do artigo 5.º do Regulamento dos Horários de funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, aprovado pela Deliberação n.º87/AM/1997, e publicado no Boletim Municipal n.º191, de 14 de Outubro de 1997, com os fundamentos supra mencionados, determino que:
i. Estabelecimentos do Grupo I do Regulamento dos horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços no Concelho de lisboa (restaurantes, snack-bares, self-services cafés, cervejarias, casas de chá e similares) que correspondam a estabelecimentos de restauração e/ou bebidas devidamente legalizados: horário máximo de funcionamento entre as 07h00 e as 02h00 do dia seguinte, todos os dias da semana.
ii. Estabelecimentos do Grupo I do Regulamento dos horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços no Concelho de Lisboa que não correspondam a estabelecimentos de restauração e/ou bebidas devidamente legalizados: horário máximo de funcionamento entre as 08h00 e as 22h00, todos os dias da semana.
iii. Estabelecimentos do Grupo II do Regulamento dos horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços no Concelho de Lisboa que não disponham de título que os habilite a desenvolver a actividade com espaço de dança legalizado, sem prejuízo do disposto no ponto seguinte:
a) Horário máximo de funcionamento entre as 12h00 e as 03h00 do dia seguinte, às sextas-feiras, sábados e vésperas de feriado;
b) Horário máximo de funcionamento entre as 12h00 e as 02h00 do dia seguinte, nos demais dias da semana (entre Domingo e Quinta-feira).
iv. Os estabelecimentos referidos no número anterior que cumpram os requisitos abaixo elencados, com apresentação dos elementos comprovativos e desde que mereçam apreciação favorável: Horário máximo de funcionamento entre as 12h00 e as 04h00 horas do dia seguinte, todos os dias da semana:
a) Insonorização do espaço, nos termos legais aplicáveis;
b) Colocação de limitadores de som com o respectivo registo;
c) Avaliação acústica apresentada ao município;
d) Existência de antecâmara na porta de entrada do estabelecimento;
e) Funcionamento do estabelecimento com portas e janelas fechadas;
f) Obrigação de um elemento de segurança privada à porta do estabelecimento, de acordo com a legislação aplicável;
g) Dotar de sistema de Videovigilância, desde que não possua lotação igual ou inferior a 200 lugares, caso se ultrapasse estes limites deverá cumprir, ainda, o seguinte:
1 - Equipamento de detenção de armas, objectos, engenhos ou substâncias de uso e porte legalmente proibido ou que ponham em causa a segurança de pessoas e bens;
2 - Serviço de vigilância com recurso privado com especialidade de segurança-porteiro.
v. Estabelecimentos do Grupo II do Regulamento dos horários de funcionamento dos estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços no Concelho de Lisboa que disponham de título que os habilite a desenvolver actividade com espaço de dança legalizado e cumpram os requisitos constantes do Decreto-Lei n.º135/2014, de 8 de Setembro: horário máximo de funcionamento entre as 12h00 e as 04h00 horas do dia seguinte, todos os dias da semana.
vi. Aos estabelecimentos referidos nos pontos anteriores, com excepção do ponto ii., apenas é permitido proceder à venda de qualquer tipo de bebidas, independentemente da natureza do material do recipiente, para consumo no exterior do estabelecimento até à 01h00, todos os dias da semana, nos termos do artigo 121.º do CPA.
vii. Nas situações em que mediante fiscalização se verifique a venda de bebidas para consumo no exterior do estabelecimento, em incumprimento dos horários estipulados no ponto anterior, o estabelecimento está sujeito a restrição temporária de horário para as 23h00 todos os dias da semana.
vii. (…)
ix. O regime previsto nos pontos i. a viii. Do presente ponto V. é aplicável aos estabelecimentos que se encontram instalados nos arruamentos com a seguinte toponímia e cujo mapa se anexa: (…)
- Rua do Ferragial: n.9 ao n.º33, n.º12 ao n.º50; (…)
- Rua de São Paulo: totalidade dos números de polícia; (…)
x. O teor do presente despacho não prejudica as decisões de alargamento de horários de estabelecimentos específicos já tomadas, até esta data, pelo Município de Lisboa a pedido dos interessados.
xi. O regime previsto nos pontos i a x. não prejudica a aplicação do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico do Bairro Alto e Bica.
xii. O presente despacho produz efeitos a partir do dia 23 de Janeiro de 2015.”Cfr. documento junto aos autos.
20) Já em 2012 “……………….” tinha sido identificado pela Polícia Municipal como um dos bares que promovia a venda de bebidas, designadamente alcoólicas, as quais eram consumidas pelos clientes e frequentadores em grupo, à porta do estabelecimento e nas suas imediações, ali abandonando os respectivos vasilhames. Cfr. documento n.º17 junto com a oposição.

21) Em 2012/2013 (em data pois em que o requerente ainda não explorava o Bar “……………” foi constatado pela Polícia Municipal que aquele estabelecimento funcionava muito para além da hora de encerramento, tendo, em consequência, sido levantados os respectivos autos de notícia. Cfr. documentos 18 a 21 juntos com a oposição.

22) Em 19 de Fevereiro de 2015 foi pelo Vereador da Câmara Municipal de Lisboa proferido despacho de “Resolução fundamentada” na qual se refere designadamente o seguinte: (…)b. Esta decisão foi proferida ao abrigo dos factos e de direito abaixo elencados:
1. Nos últimos anos tem-se verificado, nas zonas históricas da cidade, uma mudança de comportamentos por parte dos consumidores relativamente à frequência dos estabelecimentos de restauração e/ou bebidas.
2. Na zona do Bairro Alto, verificou-se que o funcionamento de vários estabelecimentos de restauração e/ou bebidas até às quatro da manhã constituía um factor de incomodidade e de prejuízo para a qualidade de vida dos moradores, tendo sido necessário harmonizar esta actividade com a sua vertente habitacional.
3. Assim, através dos Despachos n.ºs 151/P/2008, publicado no 2.º Suplemento ao Boletim Municipal n.º765, de 16 de Outubro, e 138/P/2011, publicado no Boletim Municipal n.º 926, de 17 de Novembro, procedeu-se à restituição dos horários de funcionamento dos estabelecimentos do Grupo I e II do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços no Concelho de Lisboa, aprovado pela Deliberação n.º87/AM/1997, e publicado no Boletim Municipal n.º191, de 14 de Outubro de 1997 (doravante Regulamento), e que ainda hoje vigora.
4. Entretanto, verificou-se o surgimento de uma nova dinâmica, em especial no Cais do Sodré, tendo aí surgido estabelecimentos com novas valências, o que acarretou uma maior afluência nocturna a esta área da cidade, bem como a intensificação, nos arruamentos da mesma, do consumo de bebidas alcoólicas na via pública.
5. A maior afluência aos estabelecimentos ali existentes e a intensificação do consumo de bebidas alcoólicas na via pública motivaram várias reclamações por parte de residentes e frequentadores desta área, com especial enfoque no ruído e na degradação ambiental produzidos pelo consumo grupal de bebidas, mormente alcoólicas, na via pública, com a consequente afectação dos direitos ao descanso, à segurança e ao bom ambiente urbano.
6. Um dos focos de grande incomodidade nesta área da cidade de Lisboa corresponde ao conjunto de estabelecimentos que, praticando horários de funcionamento alargado até às 4h00m, se dedicam predominantemente à venda de bebidas para consumo no exterior, cujos frequentadores e a música que difundem se propaga provocando ruído.
7. Dentre estes estabelecimentos encontra-se perfeitamente identificado pelos serviços municipais como privilegiando na sua oferta as bebidas, mormente alcoólicas, para consumo no exterior o estabelecimento de restauração e bebidas denominado “………………”, sito na Rua de São Paulo, …..ª, em Lisboa, o qual tem horário de encerramento às 4h00.
8. Horário que muitas vezes excede estando referenciado, quer por moradores, quer pela Polícia Municipal, como sendo um dos diversos estabelecimentos que, na zona do Cais do Sodré, Bica e Santos, promove a venda de bebidas, mormente alcoólicas, as quais são consumidas pelos frequentadores, em grupo, à porta do estabelecimento e nas suas imediações, ali abandonando os respectivos vasilhames.
9. Nas acções de fiscalização efectuadas, nomeadamente, em 15 de Outubro de 2012, 03 de Fevereiro de 2013 e 14 de Julho de 2013 foi inclusivamente constatado que o estabelecimento em questão, em consequência do ruído provocado pelos frequentadores e/ou pela música, prejudicava o direito ao descanso e a segurança de residentes, assim como a Polícia municipal constatou que o mesmo funcionava muito para além da hora de encerramento estabelecida (04h00) (…).
10. A venda de bebidas alcoólicas por parte de estabelecimentos associados ao funcionamento em horários alargados, como é o caso do estabelecimento supra identificado, vem contribuindo para a intensificação da afluência nocturna à zona do Cais do Sodré, potenciando o consumo grupal de bebidas, mormente alcoólicas, na via pública e, em consequência, o aumento do ruído, da intranquilidade e da degradação do espaço público nesta zona da cidade.
11. Neste contexto, e com vista a mitigar essas dificuldades, foi proferido Despacho n.º100/P/2012, publicado no Boletim Municipal n.º985, de 3 de Janeiro, o qual determinou uma restrição de horários com vista a limitar tal fenómeno, na zona identificada supra.
12. Com esse regime pretendeu-se introduzir uma medida proporcional e equilibrada, que visou harmonizar o exercício da actividade de restauração e/ou bebidas com a componente habitacional.
13. Recentemente, têm sido apresentados junto do Município de Lisboa um conjunto crescente de reclamações respeitantes à existência de ruído e incomodidades, referentes ao funcionamento de estabelecimentos inseridos no Regulamento, solicitando ao Município de Lisboa a adopção de medidas que minimizem o fenómeno.
14. Estas reclamações referem-se às incomodidades sentidas na zona do Cais do Sodré e no eixo entre o Bairro Alto (que já dispõe de um horário limitado), o Cais do Sodré e o Largo de Santos, adiante designado por área.
15. Nas reclamações encontram-se reflectidas as preocupações não só dos moradores, mas também dos agentes económicos da área.
16. Na verdade, pese embora a área em causa disponha há vários anos de vida nocturna, verifica-se que a intensificação dos fenómenos de consumo de bebidas no exterior dos estabelecimentos, numa alteração dos hábitos associados à frequência dos estabelecimentos já existentes, a qual se circunscrevia ao seu espaço interior.
17. A laboração deste tipo de estabelecimentos nestes locais é geradora de um efeito de rede, que atrai um número exponencial de consumidores, tendo-se verificado uma intensificação da frequência de consumidores na via pública em virtude dos vários polos de atracção existentes no local, o que por sua vez constitui causa para a diminuição da qualidade de vida dos moradores.
18. É de extrema importância referir que esta área tem uma componente habitacional, sendo amplamente servida de transportes públicos e possuindo características urbanísticas próprias e identitárias, importando preservá-la como zona habitacional.
19. O excesso de ruído e as dificuldades no repouso inerentes ao consumo grupal de bebidas na via pública potenciado pela prática comercial de estabelecimentos como o acima identificado estão associadas a um conjunto de patologias, designadamente perturbações psicológicas, na memória, na concentração mental e na aprendizagem, conforme o comprova ampla literatura, inclusive da Organização Mundial de Saúde.
20. A exposição a fontes de ruído e a impossibilidade de repouso em função deste pode degradar de forma assinalável a qualidade de vida pessoal e familiar e gerar graves prejuízos pessoais.
21. Igualmente, a existência de situações de insegurança compromete o esforço de reabitar aquela área da cidade e a sua manutenção predominantemente habitacional
22. Esta realidade é reforçada pelos interessados, no âmbito da consulta pública efectivada, não só pelos factos descritos nas pronúncias, mas também por assumir expressividade face ao número significativo de participantes. (…)”Cfr. documento junto aos autos.

III) Fundamentação jurídica

Tendo presente que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, importa analisar a pretensão formulada pelo recorrente, que se insurge contra a decisão recorrida dado entender que, na ponderação de interesses em presença, deveria prevalecer os interesses que visa defender nos autos, ao contrário do sustentado na decisão recorrida.

Apreciando:

Como último requisito para a concessão de providências cautelares prevê o nº 2 do preceito em apreço que “nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.”

Quanto a este critério de decisão de providências cautelares, a fundamentação da sentença recorrida é a seguinte:
(…)
“Está indiciariamente provado que o Bar “……………” tem uma esplanada com a área de ocupação total de 1,82 m2 e tem a área de venda de 6.36m2, a área de armazenagem de 13,33 m2 e a capacidade/lotação de 10 pessoas. O grosso do negócio, e como o próprio requerente admite, é feita com a venda de bebidas para serem consumidas na rua.
Consta do teor do acto suspendendo, do que determinou a audiência pública e do respectivo relatório final que os serviços municipais foram confrontados com várias queixas e reclamações por parte dos residentes e frequentadores da zona do Cais de Sodré em Lisboa, resultantes da degradação ambiental proveniente do ruído oriundo do consumo em grupo de bebidas na via pública, com a consequente afectação dos direitos ao descanso e ao bom ambiente urbano (sobretudo porque tal se prolongava pela madrugada).
É essa situação que o despacho suspendendo se propõe minimizar antecipando o horário de encerramento dos estabelecimentos cuja vocação é sobretudo, como no caso do estabelecimento dos autos e atenta designadamente a sua dimensão física, a venda de bebidas para consumo na via pública. O despacho atende por um lado ao direito à iniciativa económica dos particulares e do requerente mas tem em atenção também os direitos fundamentais dos residentes ao descanso, à tranquilidade e ao sono, constitucionalmente consagrados e inseridos no direito à integridade física previsto no artigo 25.º, n.º1 da Constituição, e o direito à qualidade de vida e ao ambiente consagrado no artigo 66.º também da Constituição e artigo 24.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
O direito ao repouso não pressuporá silêncio completo e ausência de qualquer sonoridade e portanto de actividade comercial numa zona da cidade que tradicionalmente é conhecida pela sua actividade nocturna. Mas a produção de ruído proveniente dessa actividade não pode violar o direito à tranquilidade, ao descanso e ao repouso dos residentes na zona.
Se está provado que o edifício onde se situa o Bar “……………” não tem moradores, funcionando apenas no 2.º piso o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância e Limpeza, com horário de funcionamento entre as 09.30 e as 18 horas, é também facto notório que a rua de São Paulo se situa na actual freguesia da Misericórdia e esta freguesia integrou de acordo com a Lei n.º56/2012, de 8 de Novembro que aprovou a reorganização administrativa de Lisboa, as antigas freguesias da Encarnação, das Mercês, de Santa Catarina e de São Paulo. A antiga freguesia de São Paulo, onde se situa a rua de São Paulo e pois o Bar “…………..” tinha, de acordo com o censos de 2011 2728 habitantes, residentes.
Sendo o ruído produzido pela actividade comercial nocturna susceptível de agredir a pessoa humana, e portanto os residentes na zona, o direito fundamental à integridade física terá em concreto, entende-se, de prevalecer.
Os direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade constituem uma emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio.
Embora o direito à integridade pessoal não seja em absoluto um direito imune a quaisquer limitações, em caso de conflito de direitos, designadamente com o de desenvolvimento de uma actividade que actua na realização de um interesse particular de iniciativa económica, a prevalência a que alude o artigo 335.º do Código Civil poderá impor ao seu titular limitações ou a cedência perante aquele interesse.
No caso dos autos considerando que a execução do despacho n.º140/P/2014 não impede a prossecução da actividade do requerente, apenas limitando no tempo o respectivo período de funcionamento do Bar e, considerando que a suspensão da execução do despacho pode fazer persistir a situação já detectada de ruido nocturno durante a madrugada resultante do consumo de bebidas na via pública junto aos locais onde o(s) estabelecimento(s) se situam, afigura-se que terá de prevalecer o interesse de prevenir a violação do direito ao sossego e tranquilidade os residente da antiga freguesia de São Paulo e assim não decretar a providência requerida.”

A ponderação efectuada na decisão recorrida afigura-se absolutamente correcta. Está em causa o direito ao repouso que, como sucede amiúde nas zonas onde existem estabelecimentos de diversão nocturna, entra em choque, em conflito com o exercício desta actividade comercial, sendo necessário encontrar soluções que, tentando não comprimir o direito de exercer a actividade comercial, conciliem tal actividade com o direito ao repouso e ao sossego enquanto expressão dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direito esses que devem, em princípio, prevalecer, caso a referida conciliação e compatibilização se revelem impossíveis.

Foi esta harmonização que o despacho suspendendo pretendeu alcançar, conforme se retira do teor do mesmo, de que se transcreve o seguinte trecho:
(…)
“4 – Entretanto, verificou-se o surgimento de uma nova dinâmica, em especial no Cais do Sodré, tendo surgido aí estabelecimentos com novas valências, o que acarretou uma intensificação de frequência, bem como de consumidores na via pública.

(…)
16 – O excesso de ruído e as dificuldades no repouso inerentes estão associadas a um conjunto de patologias, designadamente perturbações psicológicas, na memória, na concentração mental e na aprendizagem, conforme o comprova ampla literatura, inclusive da Organização Mundial de Saúde.
17 – A exposição a fontes de ruído e a impossibilidade de repouso em função deste pode degradar de forma assinalável a qualidade de vida pessoal e familiar e gerar graves prejuízos pessoais.
(…)
20 – Neste contexto, incumbe à autarquia a adopção de medidas proporcionais e de forma a salvaguardar os direitos reclamados, de acordo com o regime vigente para situações idênticas, em harmonia dos direitos dos consumidores e dos exploradores dos estabelecimentos.
(…)
37 – A protecção dos cidadãos deve, contudo, ser compatibilizada com os direitos das entidades exploradoras, afectando-se os respectivos direitos na medida do estritamente necessário à salvaguarda dos valores enunciados, designadamente avançando uma solução que permita a manutenção de funcionamento dos estabelecimentos, mas que impeça as causa de degradação que têm sido objecto de inúmeras reclamações.”

Constitui entendimento deste Tribunal que tal compatibilização de interesses foi, na medida do possível, alcançada no caso em apreço dado ser inequívoco que nestas situações apenas uma redução do horário de funcionamento dos estabelecimentos, sobretudo os que reúnem as características do estabelecimento em apreço, é susceptível de conciliar os divergentes direitos em conflito.

O estabelecimento comercial em apreço tinha o seguinte período de funcionamento: de Segunda-Feira a Quinta-Feira das 21 horas até às 04 horas, de Sexta-Feira a Domingo e feriados das 6 horas às 4 horas, passando, por força do acto suspendendo, a poder funcionar entre as 12h00 e as 02h00, de domingo a quinta feira e entre as 12h e as 03 horas às sextas feiras, Sábados e vésperas de feriados, horário que permite manter os estabelecimentos em funcionamento, tentando que o ruído inerente ao funcionamento dos mesmos não se prolongue pela noite dentro.

No que concretamente diz respeito às características do estabelecimento do requerente este tem uma lotação de 10 pessoas e uma área de venda de 6,36 m2, pelo que parte das receitas geradas pelo mesmo têm de passar, necessariamente, pela venda de bebidas para consumo no exterior, sendo que tal venda gera, necessariamente, um acréscimo de ruído, dado os consumidores adquirem bebidas para irem consumindo enquanto percorrem as ruas adjacentes ao estabelecimento ou permanecem nas proximidades do mesmo, fazendo, naturalmente, ruído perturbador do descanso dos moradores

Assim, é irrelevante para a ponderação dos interesses em presença que o prédio onde se situa o estabelecimento comercial do requerente não tenha moradores, ou que os contra-interessados não tenham deduzido oposição à pretensão formulada, contendo as conclusões 7ª, 8ª e 14ª a alegação de matéria factual que não foi tida como assente na decisão recorrida, sendo que a adopção da providência requerida, condicionada à proibição de vendas de bebidas para o exterior, para além de não ter sido abordada na sentença recorrida, parece insusceptível de solucionar os prejuízos advenientes para o recorrente da execução do acto suspendendo, dado o estabelecimento por este explorado ter uma lotação de 10 pessoas, número escasso para que se possa, sem mais, concluir que a adopção da providência com a referida condição possa atenuar, de forma relevante, os prejuízos causados pela execução do acto, desconhecendo-se, por não ter sido alegada, qual a percentagem de facturação do estabelecimento do requerente gerada pela venda de bebidas para consumo fora do mesmo.

Assim, a ponderação levada a cabo na decisão recorrida afigura-se correcta, assegurando ou tentando assegurar o despacho impugnado uma conciliação de interesse ou direitos “em colisão”, estando o presente recurso votado ao insucesso.


IV) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que eventualmente beneficie – cfr. requerimento junto com as alegações.
Lisboa, 29 de Outubro de 2015


Nuno Coutinho


Carlos Araújo


Rui Belfo Pereira