Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 02745/07 |
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Secção: | CA-2ºJUÍZO |
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Data do Acordão: | 03/04/2010 |
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Relator: | ANTÓNIO VASCONCELOS |
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Descritores: | ACEITAÇÃO DO ACTO (ART. 56º Nº 1 E 2 DO CPTA). FALTA DE INTERESSE EM AGIR. |
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Sumário: | I – A aceitação do acto administrativo traduz-se numa manifestação de vontade do particular que revele a sua conformação com o conteúdo do acto ou com os seus efeitos. II – Para a validade da aceitação, a lei exige diversos requisitos: a) Há-de tratar-se de uma aceitação expressa ou tácita, mas posterior à pratica do acto administrativo (artigo 56º nº 1 do CPTA). b) Tratando-se de uma declaração tácita, terá de deduzir-se de factos que, com toda a probabilidade, revelem a incompatibilidade com a vontade de impugnar ( artigos 217º nº 1 do Cod. Civil e 56º nº 2 do CPTA). III – A aceitação do acto constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito ( artigo 87º nº 1 al. a) do CPTA). IV – A aceitação do acto poderá entender-se como uma situação de ilegitimidade activa, por perda do interesse pessoal e directo em impugnar, ou como uma situação de falta de interesse em agir, pelo aceitante não ter já necessidade da tutela judicial, ou ainda como um caso de inopugnabilidade do acto pelo aceitante, entendido como um pressuposto processual autónomo. Em qualquer caso, a aceitação, desde que posterior `a pratica do acto ( o que constitui uma condição d carácter livre e esclarecido da aceitação) , preclude o direito de impugnar ainda que seja emitida posteriormente à propositura da acção, visto que, mesmo nesse caso, não deixa de constituir uma questão previa que obsta ao prosseguimento do processo, nada impedindo que, como facto extintivo superveniente, ela possa ser tida em consideração mesmo após a prolação do despacho saneador (cfr. artigos 86º e 87º nº 2 do CPTA). |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo , do Tribunal Central Administrativo Sul: N………………, com sinais nos autos, inconformada com a sentença do TAF de Lisboa, de 3 de Março de 2007, que absolveu os demandados - Ministério da Administração Interna e o contra interessado Sérgio Nuno Torrado Peixeiro – da instância por julgar verificada a excepção dilatória da falta de interesse em agir, dela recorreu e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões: “ 1. O requerido pela Autora em 04.04.2006 de que lhe fosse prorrogado o prazo de sessenta dias para tentar encontrar novo local para a instalação da Escola de Condução é perfeitamente compatível com a manutenção da sua pretensão de que fosse anulado o acto administrativo que indeferia a localização inicialmente pretendida. 2. A Autora, ao requerer tal prorrogação expressamente ressalvou a sua intenção de continuar a pugnar pela anulação desse acto na acção que se encontrava pendente. 3. A aceitação do acto só se verifica, se expressa, se for espontânea e sem reserva e, no caso de ser tácita, se se manifestar por actos de onde inequivocamente se conclua pela vontade de aceitar o acto. 4. A sentença em recurso violou manifestamente o disposto no art. 56.2 do CPTA.” * Os ora Recorridos contra alegaram pugnando pela manutenção do decidido. * O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida. * Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento. * A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 713º nº 6 do Cód. Proc. Civil. * Tudo visto cumpre decidir. Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Lisboa, de 3 de Março de 2007, que absolveu os demandados - Ministério da Administração Interna e o contra interessado S……… – da instância por julgar verificada a excepção dilatória da falta de interesse em agir por parte da Recorrente. Transcreve-se a sentença recorrida no que tange ao fundamento de falta de interesse em agir que determinou a absolvição dos demandados da instância, nos termos do artigo 89º nº 1 al. d) do CPTA, e que constitui o objecto do presente recurso jurisdicional: “ Através do requerimento de 04.04.06, dirigido ao R., a A. , em face do despacho de indeferimento de 23.02.2006, veio requerer a prorrogação do prazo para indicar nova instalação da Escola, o que foi deferido, em 08.05.06. Assim, considerando, por um lado, que vem imputada apenas a anulabilidade dos actos em referencia, verifica-se, por outro lado, que a A. aceitou o teor dos actos impugnados, seja o que deferiu a localização da Escola Portel, seja o que, indeferindo o seu pedido de localização, lhe concedeu prazo para apresentar nova localização, porquanto, em face dos dados coligidos dos autos, verifica-se que o primeiro acto é pressuposto do segundo. O pedido de prorrogação de prazo para apresentação de nova sede da sua Escola, formulado pela A., envolve, pois, uma aceitação espontânea e sem reserva de facto incompatível com a intenção impugnatória dos actos sobre escrutínio (…)”. Discorda deste entendimento a ora Recorrente ao alegar que quando requereu a prorrogação de prazo para tentar encontrar outro local para a instalação da escola de condução (requerimento de 4 de Abril de 2006), tal pretensão é compatível com a da anulação do acto que indeferira a localização inicialmente pretendida, por pedir e ressalvar o interesse na anulação, não tendo, por conseguinte, aceite o acto sem reserva tal como ficou expresso na sentença a quo. Vejamos a questão. Resulta do requerimento de 4 de Abril de 2006, constante de fls. 261 a 263 dos autos, que a sentença transcreveu devidamente, o seguinte:“ Independentemente de continuar a pugnar pelos meios que a lei põe ao seu dispor, pretende encontrar um novo local para instalação da Escola “, pelo que requer se “ conceda a prorrogação do prazo para indicação do novo local de instalação da escola, por mais 90 dias “. Tal pedido veio a ser deferido em 8 de Maio de 2006, pela segunda vez, na sequência de um anterior (pedido) e com o mesmo prazo. Em face do que ficou enunciado, a repetida disposição da aqui Recorrente para encontrar um novo local de instalação da escola e o pedido de prorrogação do prazo para o mesmo efeito, consiste numa resolução inequívoca, clara e expressa da Recorrente que afasta a possibilidade de vir a instalar a escola no local que fora objecto de indeferimento anterior. Trata-se, por conseguinte, de clara aceitação tácita do acto recorrido, espontânea e sem reserva, consubstanciada pela prática de factos repetidos e sucessivos, incompatíveis com a vontade de impugnar da Recorrente, não podendo entender-se como reserva a declaração, abstracta e genérica, “ independentemente de continuar a pugnar pelos meios que a lei põe ao seu dispor”. O comportamento da interessada revela assim o desinteresse pelo local indeferido e na procura de outro, para o que solicita e obtém o acordo da Administração. Dispõe o artigo 56º do CPTA , nos seus nº 1 e 2 o seguinte: “ 1 – Não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado, expressa ou tacitamente, depois de praticado. 2 – A aceitação tacita deriva da prática, espontânea e sem reserva, de facto incompatível com a vontade de impugnar.” A aceitação tácita do acto administrativo é um pressuposto processual autónomo que implica a impossibilidade de impugnação ou a ilegitimidade superveniente, consoante a aceitação ocorra após a prática do acto, mas antes da propositura da acção, ou já na pendência desta. De acordo com VIEIRA DE ANDRADE in “A ACEITAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO” , in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra , 2003, “ (…) A figura da aceitação do acto poderá caracterizar-se como “ um acto jurídico voluntário ao qual a lei reporta um certo efeito de direito – a perda da faculdade de impugnar – independentemente do particular ter ou não querido a efectiva produção desse resultado” ( cfr. “COMENTÁRIO AO CPTA” , 2005, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO CADILHA, em anotação ao artigo 56 do CPTA). No mesmo sentido referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in “CODIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS” , Almedina 2004, pag. 372 e 373 que “ A aceitação tácita é aquela que resulta de factos praticados ou de declarações feitas com objecto diferente, mas que apontam concludentemente no sentido de que o seu Autor se conformou com os efeitos do acto praticado, é dizer , que há aí um comportamento incompatível com a vontade de impugnar – que, se se quisesse impugnar, não se praticariam tais factos ou fariam tais declarações.” Diversamente, RUI MACHETE in “SANAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO INVÁLIDO” , pag. 341, considera a aceitação do acto administrativo, enquanto requisito negativo de legitimidade, “um acto de disposição de uma situação subjectiva que esteja na titularidade do particular. A aceitação da disciplina desfavorável do acto administrativo traduz-se em abdicar do seu interesse à disciplina favorável, isto é, em renunciar ao interesse legítimo”. Estaríamos, neste caso, perante uma figura próxima da renuncia ao recurso, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO CADILHA em anotação ao artigo 56º do CPTA, ob. cit. pag. 286. Por ultimo importa ainda salientar na doutrina CARLOS ALBERTI CADILHA in “DICCIONÁRIO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO” pag. 96, segundo o qual “ A caracterização dessa excepção ( aceitação do acto administrativo) depende da opção que se fizer quanto à natureza jurídica da aceitação: poderá entender-se como uma situação de ilegitimidade activa, por perda do interesse pessoal e directo em impugnar, ou como uma situação de falta de interesse em agir, por o aceitante não ter já necessidade da tutela judicial, ou ainda como um caso de inopugnabilidade do acto pelo aceitante, entendido como um pressuposto processual autónomo. Em qualquer caso, importa reconhecer que a aceitação, desde que posterior à prática do acto (o que constitui uma condição do carácter livre e esclarecido da aceitação), preclude o direito de impugnar ainda que seja emitida posteriormente à propositura da acção, visto que, mesmo nesse caso, não deixa de constituir uma questão prévia que obsta ao prosseguimento do processo, nada impedindo que, como facto extintivo superveniente, ela possa ser tida em consideração mesmo após a prolação do despacho saneador ( cfr. artigos 86º e 87º nº 2 do CPTA).” No sentido ao que aqui propugnamos e foi igualmente aceite na sentença recorrida pode ainda citar-se o Acórdão do STA de 25 de Janeiro de 2006, in Rec. nº 0111/03 , cujo sumário passamos a citar: “ A aceitação do acto deriva da prática espontânea e sem reservas, de facto incompatível com a vontade de recorrer, devendo tal comportamento ter um significado unívoco, que não deixe quaisquer duvidas quanto ao seu significado de acatamento integral do acto, das determinações nele contidas, e da inerente vontade de renunciar ao recurso.” Não parecem, pois, restar duvidas de que, no caso presente, houve uma aceitação tácita do acto por parte da Recorrente, já que, a alteração da morada inicial da escola de condução revela, com toda a probabilidade, que aquela aceitou o indeferimento do seu pedido, e sem quaisquer reservas. Senão vejamos. A Autora, ora Recorrente, intentou a acção de anulação de actos administrativos, nomeadamente para anulação do acto de indeferimento do seu pedido de mudança de instalações da escola de condução e para anulação do acto de deferimento da mudança de instalações da Escola de Condução de Portel. Depois de ter sido proposta a presente acção, a Autora, ora Recorrente, requereu a prorrogação do prazo para encontrar novo local para a instalação da sua escola, correspondendo tal pedido a uma aceitação tácita do acto. Na verdade, quando a Autora, ora recorrente, requereu que lhe fosse concedido novo prazo para encontrar novo local para a instalação da escola já se havia conformado com o teor dos actos impugnados, tanto o que tinha deferido a localização da Escola de Portel, como o que tinha indeferido o seu pedido de localização. Por conseguinte, só se concede que alguém requeira novo prazo para encontrar outro local para instalação dessa mesma escola se já colocou fora de hipótese o local das anteriores instalações. Aliás, o requerimento para concessão de novo prazo é incongruente com a pretensão inicial formulada pela Recorrente. Concluímos do exposto que, estando aqui em causa a anulação de actos administrativos, a aceitação é possível já que, conforme referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, em anotação ao artigo 56º do CPTA, ob. cit., pag. 372 “ A aceitação do acto só funciona bem em face de actos anuláveis”. Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcedem todas as conclusões da alegação da Recorrente, sendo de confirmar na íntegra a sentença recorrida. * Acordam, pelo exposto, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Uc, reduzida a metade. Lisboa, 4 de Março de 2010 António Vasconcelos Carlos Araújo Teresa de Sousa |