Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13187/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/02/2016
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PROCEDIMENTO DE FORMAÇÃO DE CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE SERVIÇOS JURÍDICOS,
REQUISITOS MÍNIMOS DE CAPACIDADE TÉCNICA, PROPORCIONALIDADE, ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I - O concurso limitado por prévia qualificação encontra-se legalmente previsto nos artigos 162.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos e compreende duas fases: a fase de apresentação de candidaturas e de qualificação dos candidatos; e a fase de apresentação e análise das propostas e adjudicação.

II - Por força do preceituado nos artigos 164º e 165º do Código dos Contratos Públicos, a entidade adjudicante tem, no âmbito da sua margem de livre decisão, de estabelecer quais os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira para a boa execução do contrato a celebrar, estando, no entanto, sempre vinculada aos limites decorrentes da proporcionalidade, da concorrência e da igualdade. 

III - É da Administração o ónus da prova dos factos constitutivos ou fundamentadores da adequação exigida pela norma que lhe atribui a margem de livre decisão administrativa.

IV - O facto provado de haver, num concurso limitado, apenas um real candidato não prova nada de ilegal, mas é um índice a considerar pelo juiz em sede de controlo jurisdicional da restrição ilegal da concorrência sã e justa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
· "NUNO …………………, ……………… E ASSOCIADOS, SOCIEDADE ………………., R.L.", intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa
ação relativa a procedimento de formação de contratos contra
· "CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA, E.P.E.",
· Sendo CONTRAINTERESSADA: “B……………, …………… & ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, R.L.”.
Pediu o seguinte:
-Declaração da ilegalidade do artigo 8º, nº 1, do programa de procedimento;
-Anulação do concurso público por prévia qualificação CHLCC_ 30000216 - aquisição de serviços de apoio jurídico especializado ara o CHLC, EPE;
-Condenação da Entidade Demandada a reabrir novo procedimento expurgado das ilegalidades assacadas à referida norma da totalidade do artigo 8º.
*
Após a discussão da causa e por sentença de 30-12-2015, o referido tribunal decidiu o seguinte:
-Declaro a ilegalidade da norma prevista na alínea a), na parte respeitante à exigência de prestação de serviços a três entidades sob a tutela do Ministério da Saúde, e na alínea b), na parte relativa à exigência do grau de Doutor, ambas do artigo 8º, n.º 1, do programa de procedimento;
-Anulo todos os atos que integram o procedimento concursal;
-Condeno a Entidade Demandada a reiniciar o procedimento expurgado das referidas ilegalidades.
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RECURSO nº 1
Inconformada com tal decisão, a CONTRAINTERESSADA interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1) Nenhuma da factualidade provada na sentença recorrida (nem mesmo o facto E. do probatório, que, na verdade, não comprova o que quer que de relevante para o efeito seja) permite chegar à conclusão de que os requisitos mínimos previstos nas alíneas a) (na parte respeitante à experiência comprovada de atividade de prestação de serviços “em pelo menos 3 (três) entidades sob a tutela do Ministério da Saúde”) e (ii) b) (na parte em que se requer que o “coordenador a afetar à prestação de serviços deverá ter grau de doutor”) do n.º 1 do artigo 8.º do Programa do Procedimento sejam ilegais;
2) Com um Concurso Limitado por prévia Qualificação visa-se garantir que os operadores económicos interessados reúnem as condições necessárias, do ponto de vista técnico e ou financeiro, para poderem ser cocontratantes das entidades adjudicantes, de forma a assegurar a boa execução do contrato, bem como, em segunda linha, a própria utilidade do procedimento adjudicatório (cfr. designadamente, Acórdão Tribunal de Justiça da União Europeia, no caso Holst Itália, de 02-12-1999, Proc. n.º C-176/98);
3) A escolha do Concurso Limitado constitui uma escolha insindicável por parte das entidades adjudicantes, escolha essa que, para ser “verdadeira”, pressupõe que lhe seja conferida uma ampla margem de liberdade na definição dos requisitos mínimos que os potenciais candidatos devam cumprir, requisitos esses que, por definição, requerem um profundo conhecimento das necessidades a serem supridas;
4) A aferição da legalidade dos requisitos mínimos de capacidade exigidos aos candidatos, para ser séria, congruente e legítima, deve ser efetuada (tanto a jusante, pela entidade adjudicante, como a montante, num posterior – e eventual momento –, em juízo, pelo julgador) com base num juízo de prognose - no mesmo contexto em que se encontrava a entidade adjudicante quando os previu (em função das suas específicas necessidades) – e não por diagnose – designadamente perante a circunstância de apenas uma entidade ter apresentado candidatura ou apenas uma entidade ter sido qualificada não obstante várias candidaturas terem sido apresentadas - sob pena de equivaler a um “prognóstico depois do jogo”;
5) A dar como bom o argumento da Sentença recorrida, teria que se considerar ilegal, por desproporcionado, os requisitos mínimos de um procedimento em que, no fim, fossem apresentadas 5, 10, 15 ou mais candidaturas, mas em agrupamento ou com recurso a terceiros, só porque ninguém se manifestou como podendo cumprir os requisitos isoladamente, o que manifestamente não faria qualquer sentido;
6) Deste modo, o número de candidaturas que seja efetivamente apresentado não é um critério idóneo, sério, para se decidir pela desproporcionalidade de um requisito mínimo – desde logo porque se desconhecem os motivos subjetivos que levaram os potenciais interessados (que preenchem os requisitos) a não apresentar candidatura, que podem ser de múltipla ordem;
7) A Sentença recorrida deu como assentes na sua fundamentação de Direito (ponto IV da Sentença recorrida) factos que não constam nem podiam constar como provados e relevantes na sua Fundamentação de facto (ponto III da Sentença recorrida), e que nem sequer poderiam ser considerados como factos meramente instrumentais – porque não foram provados nos autos nem são de conhecimento público –, de que terá sido a previsão dos requisitos mínimos de capacidade técnica que considerou ilegais que “afastou a totalidade dos candidatos que tinham manifestaram (SIC.) o seu interesse na plataforma eletrónica” ou de que a apresentação de uma só candidatura, tendo havido registos na plataforma de interessados na plataforma, terá confirmado uma expetativa criada pelos requisitos em causa;
8) A Sentença recorrida não podia tomar a conclusão que retirou, muito menos dando-a como verdadeiro facto, quando é tão ou mais provável que os referidos interessados não apresentaram candidatura neste procedimento em concreto porque, como revela uma mera experiência mediana na forma como os procedimentos pré-contratuais decorrem e os “interessados” normalmente se manifestam, para se saber que são sempre mais os interessados que se registam nas plataformas eletrónicas para consultarem as peças procedimentais do que os que efetivamente acabam por apresentar candidatura ou proposta, tratando-se ou não de um procedimento com prévia qualificação, desde que tenha sido publicitado;
9) Estas hipóteses, que resultam igualmente do senso comum invocado pela Sentença recorrida, contrariam frontalmente a conclusão retirada pela Sentença recorrida e são tão ou mais prováveis (desde logo porque muito mais frequentes, porquanto ocorrem em todos os tipos de procedimentos pré-contratuais e não apenas onde há qualificação prévia), destacando-se, desde logo, os casos em que outras entidades que cumpriam os requisitos não estavam interessados no contrato especifico em causa ou nem sequer consultaram o Diário da República para esse propósito, ou não estavam interessados no preço, ou em alguma obrigação específica que para os mesmos decorria do Caderno de Encargos, etc.;
10) Em suma, não só não foi provado nos autos que tais requisitos afastaram, ao contrário do que a Sentença recorrida concluiu, a apresentação de candidaturas, designadamente pelos que se tinham registado na plataforma eletrónica como meros interessados, como é tão ou menos provável, também ao contrário do que concluiu a Sentença recorrida, que tal tenha ocorrido por variadíssimas outras razões, entre as quais as que referimos na Conclusão anterior;
Quanto ao requisito mínimo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º do Programa de Procedimento
11) Em momento algum das páginas da Sentença recorrida que analisam este requisito (meio da sua página 15 e até meio da página seguinte, a página 16) é referido por que razão considera que tal requisito será desadequado ao contrato em causa, limitando-se apenas a Sentença recorrida, salvo o devido respeito, que é muito, a conclui-lo;
12) Ao contrário do que a Sentença recorrida afirma na segunda parte da página 15, onde refere que o requisito em causa seria desproporcionado porque afastaria alguém que “o possam ter feito por muitos anos a uma ou duas entidades tuteladas por este Ministério, ou até a entidade não tutelada por este mas com contencioso idêntico”: o requisito em causa, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º do Programa de Procedimento, não exigia experiência em pelo menos três entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde em “contencioso”, sendo a experiência em cobrança de dívidas apenas exigida na alínea c) do n.º 1 do artigo 8.º, que a Sentença considerou, e bem, ser legal (cfr. páginas 14 e 15 da Sentença recorrida);
13) O juízo feito pela Sentença recorrida, ao resumir-se à conclusão de que a exigência do requisito será “ilegítima, desproporcionada, desnecessária e desadequada ao contrato, não se (SIC.) legalmente admissível o sacrifício inerente para a concorrência” não pela sua substância inerente, mas porque apenas apresentou candidatura um candidato, além de meramente conclusivo e não fundamentado, constitui um argumento necessariamente falacioso, salvo o devido respeito, porquanto não leva em conta várias outras hipóteses tão ou mais prováveis, designadamente as referidas na Conclusão 9.ª;
14) A entidade adjudicante é um Centro Hospitalar constituído por 6 (seis) hospitais (hospitais de S. José, de Santa Marta, dos Capuchos, de D. Estefânia, de Curry Cabral e a Maternidade Dr. Alfredo da Costa), que, embora integrados no Réu, têm as suas próprias especificidades, desde logo decorrentes do facto de não terem todos os mesmos Serviços Médicos e de se encontrarem integrados há relativamente pouco tempo – nota-se que foi apenas com o Decreto-Lei n.º 44/2012, de 23 de fevereiro, que se procedeu à extinção e integração por fusão no Centro Hospitalar de Lisboa Central, E. P. E., do Hospital de Curry Cabral, E.P. E., e da Maternidade Dr. Alfredo da Costa - mantendo por isso um modo de trabalho e de necessidades logísticas diferentes, o que implicam a exigência de uma experiência sólida na solução das várias especificidades que podem ocorrer em hospitais que não se compadece com a mera experiência numa instituição e que não é de todo seguro que se obtenha com apenas duas, ou seja
15) Dada a constituição do Réu, que demonstra bem a complexidade e quantidade do trabalho que gera para um prestador de serviços que abarque a atividade de todo o Centro Hospitalar, de 6 (seis) hospitais (que faz do mesmo o Centro Hospitalar em Portugal com mais hospitais ou seguramente um dos que mais tem), será desproporcionado que exija a demonstração, por quem quiser candidatar-se a prestar tais serviços, que tem capacidade para prestar serviços a pelos 3 (três) entidades diferentes tuteladas pelo Ministério da Saúde? Manifestamente que não;
16) E será desproporcionado exigir pelo menos 3 (três) entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde face ao contexto nacional, ou seja, face à abrangência da publicitação do concurso em causa (por Diário da República)? Também se afigura que não;
17) A resposta a estas questões não pode descurar o número de entidades existentes sob a tutela do Ministério da Saúde (nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 5.º e no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de dezembro, que aprova a Lei Orgânica do Ministério da Saúde, na sua redação atual, já sem falar do próprio Ministério e dos seus Serviços, que se cifra em cerca de 153 (cento e cinquenta e três) entidades, representando a exigência de 3 (três) apenas de 1,96 % desse universo;
18) Assim, e como avançado, será desproporcionado exigir pelo menos 3 (três) entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde face ao contexto nacional, ou seja, face à abrangência da publicitação do concurso em causa (por Diário da República)? Afigura-se claramente que não, antes faz todo o sentido face ao contrato que o Réu pretende que seja celebrado e devidamente cumprido por quem o celebrar com ele; acresce que,
19) Não é de todo estranha a apresentação de candidaturas em agrupamento em Concursos Limitados por Prévia Qualificação ou mesmo o simples recurso a terceiros para cumprir, conjuntamente, requisitos mínimos, sejam eles técnicos ou financeiros, bastando fazer uma mera pesquisa no portal oficial da internet dedicado aos contratos públicos - http://www.base.gov.pt – procurando no motor de busca contratos de prestação de serviços celebrados na sequência de Concursos Limitados por Prévia Qualificação para se concluir que no campo dos adjudicatários se encontram frequentemente mais do que uma só entidade;
20) Face ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 182.º do CCP, no presente caso seria igualmente possível cumprir esse requisito se, num agrupamento candidato, pelo menos um membro tivesse experiência comprovada de pelo menos 3 (três) anos de atividade de prestação de serviços (de apoio jurídico especializado na área dos recursos humanos em matérias de emprego público e privado no setor da saúde e contratação pública) em 3 entidades sob a tutela do Ministério da Saúde, ou se um membro tivesse experiência em uma entidade e outro tivesse em duas, ou se, por exemplo, o agrupamento fosse constituído por três membros e cada um tivesse 3 anos de experiência a prestar esses serviços para uma daquelas entidades;
ii. Quanto ao requisito mínimo previsto na alínea b) do artigo 8.º do Programa de Procedimento
21) A sentença recorrida errou ao considerar ilegal o requisito mínimo constante da alínea b) n.º 1 do artigo 8.º do Programa de Procedimento, na parte em que aí se requer que o “coordenador a afetar à prestação de serviços deverá ter grau de doutor”;
22) É que, como bem sublinhou o Réu Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. na sua Contestação, “a atividade de coordenação deve ser assegurada por um recurso qualificado e com conhecimento na área de atividade do hospital”, tendo pretendido “com este requisito que, mesmo que o trabalho possa ser executado por advogados menos seniores, exista um coordenador que supervisiona e aconselha os restantes membros da equipa”, o que constituem razões totalmente ponderadas, racionais e justificativas da previsão daquele requisito habilitacional do coordenador dos serviços;
23) Acresce que, como é natural, num contrato com este objeto, o coordenador é, também ele, um executante, não se limitando, como parece óbvio, a coordenar o serviço efetuado por advogados menos seniores;
24) Aliás, a exigência de tal grau habilitacional do coordenador encontra a sua justificação última na diferenciação técnica genericamente reconhecida a quem tem o grau de Doutor. Pergunta-se: um Parecer Jurídico em matérias complexas não é em regra solicitado a um jurisconsulto com o grau de Doutor? É evidente que sim, não tendo o Tribunal a quo quaisquer dados que lhe permitam inferir que as matérias objeto do contrato a celebrar não têm esse grau de complexidade – aliás, a experiência passada da ora recorrente permite afirmar o contrário;
25) Mais: não tendo o próprio prestador de serviços tal capacidade, teria o Réu que contratar à parte um Jurisconsulto com tal habilitação para a elaboração de Pareceres Jurídicos dessa natureza, com todos os custos adicionais inerentes e que é de senso comum serem bastante elevados, em vez de poder recorrer a este contrato, onde não teria que pagar mais por isso;
26) Trata-se, por isso, de uma exigência perfeitamente racional, proporcional e (também) com conexão qualificada com o objeto do contrato a celebrar;
27) E também não se compreende, com o devido respeito, que o Tribunal a quo tenha considerado tal exigência restritiva da concorrência: uma simples consulta na internet permite comprovar que muitas sociedades de advogados integram, seja como advogados, seja como consultores, recursos com o grau de Doutor;
28) Como aliás outras entidades adjudicantes previram, noutros procedimentos de concursos limitados para a contratação de serviços jurídicos de complexidade não menor que no caso sub judicio, semelhante requisito mínimo, o que é caucionado pelo próprio Tribunal de Contas (Acórdão n.º 15/2013, de 15 de maio);
29) Não se trata, portanto, de um requisito mínimo de capacidade técnica desvirtuador da concorrência ou desproporcionado.
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RECURSO nº 2
Inconformada com tal decisão, a AUTORA interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. O princípio da concorrência é atualmente a verdadeira trave-mestra da contratação pública.
2. Quase todas as carreiras, publicas e privadas, do país, contêm especificidades, desde a restauração ao têxtil, desde a medicina à magistratura.
3. Todavia, todos os regimes possuem um tronco comum vasto constante ou do Código do Trabalho, ou da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e do qual constam as questões que representam a quase totalidade, senão mesmo a totalidade, dos litígios aos quais os advogados são chamados: o direito disciplinar.
4. Mesmo nos casos em que o direito disciplinar é autónomo, como é o caso dos magistrados judiciais, as suas diferenças para com o regime geral não são suficientemente grandes para que se possa afirmar que existe uma dogmática jurídica autónoma e que os conhecimentos obtidos exercendo funções para carreiras generalistas não são transponíveis para os regimes excecionais.
5. Os critérios que legitimam a exclusão de quem não tenha experiencia na "área" da saúde colocam de fora do concurso não só esta sociedade de advogados, como colocariam fora qualquer Juiz de qualquer TAF, qualquer Desembargador de qualquer TCA ou qualquer Conselheiro do STA que se dedicasse à advocacia, uma vez que estes, apesar de ao longo da carreira decidirem centenas ou milhares de pleitos de funcionários públicos, não o fizeram no "sector'' da saúde.
6. Qualquer concurso para advogados que contenha requisitos técnicos que nem os Conselheiros do mais alto Tribunal do País chamado a aplicar essas mesmas leis cumprem, não obedece ao princípio da concorrência reforçado previsto no CCP. Não há como defender o contrário.
7. A sujeição ao Código dos Contratos Públicos não é um exclusivo do "sector'' da saúde.
8. O Código dos Contratos Públicos não contem qualquer especificidade para os contratos no "sector" da saúde. Ou seja, nem dentro do CCP a saúde é tratada de forma especial (como sucede, por exemplo, com o Bando de Portugal em várias disposições), exceto a exclusão da sua aplicação aos contratos que visam a aquisição, pelo Estado, de serviços de saúde, prevista no art. 5° nº4 al.
9. Por estes motivos, o art. 8° n°1 al. a) 1ª parte do programa do procedimento viola o principio da concorrência (art. 1° nº4 do CCP) quando exige que se tenha experiencia no "sector" da saúde.
10. A cobrança de créditos hospitalares tem um diploma autónomo, consistente no DL n.º 218/99, de 15 de junho, alterado pela ultima vez pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12).
11. Esse diploma contém uns parcos 14 artigos, do qual, em suma, resulta que a esses créditos é aplicável o regime da injunção, logo no art. 1° nº2, com as especificidades desse decreto.
12. Por causa do critério do art 8° nº1 al. c), pode-se dar o caso de serem admitidas candidaturas de advogados que em 3 anos tramitaram 3 injunções hospitalares, sendo excluídos advogados que nesses mesmos 3 anos tramitaram mais de 1000 injunções não hospitalares
13. Este critério também colocaria de fora todos os magistrados do país, caso estes se dedicassem à advocacia.
14. Em todos os pontos em que a A. foi vencida na ação, a A. tinha razão, devendo a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que declare igualmente a ilegalidade do art. 8° nº1 al. a) 1ª parte, assim como do art. 8° nº1 al. c), ambos do programa do procedimento, por violação do art. 1° nº4 do CCP.
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A recorrida contrainteressada contra-alegou.
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O M.P., através do seu digno representante junto deste tribunal, foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.
Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
Para decidir, este tribunal superior tem omnipresente a nossa Constituição como síntese da ideia-valor de Direito vigente, cujo modelo político é de natureza ético-humanista e cujo modelo económico-social é o da economia social de mercado, amparado no Direito. Consideramos as três dimensões do Direito como ciência do conhecimento prático (por referência à ação humana e ao dever-ser), quais sejam, a dimensão factual social (que influencia muito e continuamente o Direito através das janelas de um sistema jurídico uno e real), a dimensão ética e seus princípios práticos (que influenciam continuamente o Direito também através das janelas do sistema jurídico) e, a jusante, a dimensão normativa e seus princípios prático-jurídicos. E, como há muito foi sintetizado por Kant, princípios práticos são proposições que encerram uma determinação universal da vontade, subordinando-se a essa determinação diversas regras práticas; ora, o Direito tem o mais possível a ver com isso.
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II. FUNDAMENTOS
II.1. FACTOS PROVADOS (1)
Com interesse para a decisão a proferir, está provado o seguinte quadro factual:
A. Por despacho de 23/09/2015, a Entidade Demandada autorizou a abertura do procedimento inerente ao "concurso limitado por prévia qualificação sem publicidade no JOUE", para contratar a aquisição de serviços jurídicos, conforme despacho exarado na informação a fls. 16 a 00 do processo administrativo (PA), destacando a necessidade de cumprimento dos prazos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B. O referido concurso limitado por prévia qualificação foi publicitado no dia 02/10/2015, no Diário da República n.0 193, Série II, através do anúncio do procedimento nº 5935/2015. (cfr. doe. a fls. 61 a 59 do PA);
C. O concurso suprarreferido tem o programa do procedimento constante do doc. a fls. 52 a 39 do PA, para cujo teor se remete e se dá por integralmente reproduzido, citando-se, em especial, a seguinte disposição deste documento:
"(...) Artigo 8º
Requisitos mínimos
1 - Nos termos do artigo 165º do CCP, os candidatos devem preencher os seguintes requisitos mínimos de capacidade técnica:
a) Experiência comprovada de pelo menos 3 (três) anos de atividade de prestação de serviços (de apoio jurídico especializado na área dos recursos humanos em matérias de emprego público e privado no sector da saúde e contratação pública em pelo menos 3 (três) entidades sob tutela do Ministério da Saúde;
b) O coordenador a afetar à prestação de serviços deverá ter grau de doutor e experiência em Direito da Saúde;
c) Para além do coordenador, deverá ser afeto à prestação de serviço um advogado com experiência comprovada de pelo menos 3 (três) anos em atividades de contencioso de cobrança de dívidas hospitalares. (...)"
D. O concurso público em causa tem o caderno de encargos constante do doc. a fls. 38 a 28 do PA, para cujo teor se remete e se dá por integralmente reproduzido, citando-se, em especial, a seguinte disposição do Anexo I das cláusulas técnicas do referido caderno de encargos:
"(...) " ANEXO I
Cláusulas Técnicas
1 - O contrato a celebrar na sequência do presente procedimento tem por objeto a aquisição de apoio jurídico especializado, a aquisição de serviços de apoio jurídico especializado nas áreas de contratação pública, dos recursos humanos em matéria de emprego público e privado no sector da saúde e do apoio à cobrança de dívidas hospitalares, que inclui, designadamente:
1.1 - Preparação de documentos de contratação pública e apoio ao serviço de aprovisionamento;
1.2 - Emissão de pareceres especializados;
1.3 - Gestão de documentos em dívida por terceiros legal ou contratualmente responsáveis pelas prestações de saúde;
1.4 - Exercício do patrocínio judiciário;
1.5 - Instauração de injunções para cobrança de dívidas.
2 - Os serviços serão prestados:
2.1 - Horas mensais;
2.2 - A partir das instalações do prestador de serviços, pelo período correspondente a 80 (oitenta) horas mensais.
3 - O prestador de serviços deve dar resposta às solicitações da CHLC, EPE nos seguintes prazos de resposta, consoante o grau de complexidade ou o volume de trabalhos envolvidos:
(i) 10 (dez) dias úteis seguidos para a emissão de pareceres e elaboração e informações de complexidade ou volume de trabalho elevados;
(ii) 3 (três) dias úteis seguidos para a emissão de pareceres e elaboração de informações de complexidade ou volume de trabalho normais; e
(iii) 24 (vinte e quatro) hora para aconselhamento urgente, conforme o indicado pelo cliente.
4 - O prestador de serviços deve garantir ao longo da execução de todo o Contrato uma equipa com a seguinte estrutura:
(i) um advogado com o grau de doutor em direito;
(ii) dois advogados para a área da contratação pública
(iii) dois advogados para a área de recursos humanos
(iv) dois advogados para a área de cobrança de dívidas hospitalares
5 - O apoio à cobrança de dívidas hospitalares deve ser feito com sistema de informação que permitam a gestão das faturas consideradas em dívida e a realização automatizada das respetivas injunções com intervenção mínima de advogados. ";
E. Na plataforma eletrónica "Vortal", houve manifestações de interesse por parte de vários advogados e sociedade de advogados (cfr. docs. A fls 69 e 62 do PA);
F. Ao referido concurso concorreu apenas a Contrainteressada. (cfr. docs. a fls. 90 e 83 a 70 do PA);
G. Desde 01/01/2010, ininterruptamente, os serviços jurídicos de "assessoria jurídica especializada nas áreas de Contratação Pública, Direito da Saúde e em matéria de Recursos Humanos e de Direito do Trabalho e do Emprego Público" têm vindo a ser prestados pela Contrainteressada à Entidade Demandada, conforme declaração datada de 07/10/2015. (cfr. doc. fls. 75 dos autos);
H. O júri elaborou o relatório preliminar, propondo a "qualificação" da candidata Contrainteressada, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, propondo (cfr. doe. a fls. 90 do PA);
I. No relatório final, o Júri propôs a "qualificação" de candidaturas da Contra­ Interessada. (cfr. doc. a fls. 94 do PA);
J. No dia 23/10/2015, deu entrada em juízo a providência cautelar, com o n.0 2284/15.0BELSB, relativa ao presente procedimento concursal. (cfr. fls. 1 do respetivo processo);
K. Por deliberação de 28/10/2015, do Conselho da Administração da Entidade Demandada, foi aprovado o relatório final do júri, bem como a "qualificação da candidatura" da Contrainteressada. (cfr. doc. a fls. 94 do PA);
L. No dia 28/10/2015, a ação principal com o nº 2292/09.0BELSB deu entrada neste Tribunal, à qual se encontra apensa a presente providência cautelar. (cfr. fls. 1 dos respetivos autos).
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Continuemos.
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Aqui chegados, há condições para se compreender esta apelação e para, num dos momentos da verdade do Estado de Direito (o do controlo jurisdicional do agir administrativo), ter presentes, inter alia, os seguintes princípios fundamentais: (i) juridicidade e legalidade administrativa (as administrações públicas prosseguem sempre o bem comum, só podendo agir se e quando tal for permitido pela Constituição e pela lei, sob pena de invalidade causada por patologias nos pressupostos legais e de facto do agir administrativo ou nos respetivos motivos (2)); (ii) igualdade de tratamento de todas as pessoas humanas; (iii) certeza e segurança jurídicas (princípio fundamental de onde se retira que a ponderação de bens, interesses e valores só pode ser feita, em Direito, no caso de estarmos perante textos jurídicos que, por implicarem opções com base nos ideais de justiça, equidade ou moralidade, têm de ser otimizados ante as possibilidades de facto e de direito existentes no caso concreto, e não perante textos jurídicos que exijam algo de modo definitivo, dispositivo ou quase-conclusivo); e (iv) tutela jurisdicional efetiva, no âmbito do direito fundamental a um processo e a um procedimento equitativos (3) (tudo reflexo da ordem axiológica de um Estado democrático de juridicidade material (4)).
Utiliza-se, por isso, um método de Ciência do Direito adequado à garantia efetiva, previsível e transparente dos direitos dos “cidadãos administrados”, com um processo decisório teleologicamente orientado à concretização dos valores da Constituição administrativa (5) e ao controlo racional de coerência dos nexos do sistema jurídico (6) que precedam a resolução do caso (racionalidade decisória transparente; princípio da não contradição (7)). A resolução dos casos exige um rigoroso respeito pelo art. 9º do Código Civil na busca do “pensamento legislativo da fonte dentro do sistema jurídico atual” e, nos casos residuais em que se justifique, pela metodologia racional ponderativa de bens, interesses e valores aplicáveis (8).
Cabe, ainda introdutoriamente, sublinhar que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.
Identifiquemos e resolvamos, pois, as questões a apreciar por este tribunal.

RECURSO Nº 1 (da C-I)
1
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO QUANTO À DECRETADA ILEGALIDADE REFERENTE À ALÍNEA A) DO Nº 1 DO ARTIGO 8º DO PROGRAMA DO PROCEDIMENTO (comprovada experiência dos candidatos em 3 entidades sob tutela do Ministério da Saúde)

1.1.
Nesta primeira questão, sobre a comprovada experiência dos candidatos em 3 entidades sob tutela do Ministério da Saúde, entende a recorrente/C-I que o Tribunal Administrativo de Círculo apresentou meras conclusões a págs. 15-16 da sentença.
Sublinhou ainda a C-I que a entidade adjudicante é um Centro Hospitalar constituído por 6 hospitais (hospitais de S. José, de Santa Marta, dos Capuchos, de D. Estefânia, de Curry Cabral e a Maternidade Dr. Alfredo da Costa), que, embora integrados no Réu, têm as suas próprias especificidades, desde logo decorrentes do facto de não terem todos os mesmos Serviços Médicos e de se encontrarem integrados há relativamente pouco tempo – nota-se que foi apenas com o Decreto-Lei n.º 44/2012, de 23 de fevereiro, que se procedeu à extinção e integração por fusão no Centro Hospitalar de Lisboa Central, E. P. E., do Hospital de Curry Cabral, E.P. E., e da Maternidade Dr. Alfredo da Costa - mantendo por isso um modo de trabalho e de necessidades logísticas diferentes, o que implicam a exigência de uma experiência sólida na solução das várias especificidades que podem ocorrer em hospitais.

1.2.
O concurso limitado por prévia qualificação aqui em causa (cfr. os artigos 52º, 75º/1 e 162º ss do Código dos Contratos Públicos) tem por objeto (contratual)
- A «aquisição de serviços de apoio jurídico especializado nas áreas (i) de contratação pública, (ii) dos recursos humanos em matéria de emprego público e privado no sector da saúde e (iii) do apoio à cobrança de dívidas hospitalares», incluindo (iv) atuação em geral em processos judiciais (vd. assim o Anexo I do caderno de encargos).
O concurso limitado por prévia qualificação encontra-se legalmente previsto nos artigos 162.º e seguintes do Código dos Contratos Públicos e compreende duas fases, a saber: primo, a fase de apresentação de candidaturas e de qualificação dos candidatos; secando, a fase de apresentação e análise das propostas e adjudicação.
Por força do preceituado no artigo 164º/4 do Código dos Contratos Públicos, o contraente público tem liberdade, no âmbito da sua discricionariedade, de estabelecer quais os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira para a boa execução do contrato a celebrar.
Todavia, esta liberdade, que é o aspeto sindicado nos presentes autos, está limitada, balizada e vinculada aos princípios especialmente aplicáveis em sede de contratação pública e, bem assim, aos princípios gerais de direito administrativo, não podendo tais requisitos mínimos ser fixados em abstrato, isto é, sem atender às necessidades do contrato, o que chama à colação o princípio da proporcionalidade.
Ora, como se sabe, em sede de Direito da contratação pública, os principios gerais e fundamentais do topo da pirâmide normativa vinculativa são:
1º -juridicidade e legalidade - cfr. o artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo (9);
2º -prossecução do bem comum ou interesse público - cfr. o artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 4º do Código do Procedimento Administrativo;
3º -transparência administrativa - cfr. artigo 1º/4 do Código dos Contratos Públicos, como uma garantia da juridicidade, da objetividade e da equidistância (10);
4º -igualdade de tratamento - cfr. o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 1º/4 do Código dos Contratos Públicos;
5º -concorrência livre e justa – cfr. o artigo 1º/4 do Código dos Contratos Públicos (11);
6º -imparcialidade administrativa – cfr. o artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 9º do Código do Procedimento Administrativo;
e
7º -proporcionalidade no exercício da margem de livre decisão administrativa
(com os seus três testes ou exames:
adequação ou aptidão – o meio escolhido deve ser apto para o fim pretendido; por exemplo deve ser escolhido o procedimento mais adequado para o interesse público prosseguido e devem ser fixados critérios adequados ao objeto contratual;
necessidade ou proibição do excesso - a lesão das posições dos interessados pelo meio escolhido tem de ser a estritamente necessária ou exigível, não havendo outro meio ou forma de satisfazer o interesse público;
e equilíbrio ou razoabilidade - ponderação dos custos e benefícios, no sentido de que a lesão sofrida pelos interessados seja justa e proporcionada em relação ao benefício a alcançar para o interesse público, nomeadamente decorrentes da utilização e condições de cada um dos procedimentos, seguindo-se a máxima de quanto maior for o grau de não realização ou de afetação de um bem/interesse/valor, maior terá de ser a importância de realizar o outro bem/interesse/valor) - cfr. o artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo; e as sínteses do mestre alemão Prof. ROBERT ALEXY, Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, in o Direito, Ano 146º, IV, 2014, págs. 817 ss; bem como de PAULO OTERO, Manual…, I, 2013, págs. 370-372 e 441-449, e Direito do Procedimento Administrativo, I, 2016, págs. 174 ss, maxime pág. 180; de MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., Contratos Públicos (D. Adm. Geral, III), 2ª ed., págs. 81 ss; IDEM, Direito Adm. Geral, I, §9º e §10º; e de PEDRO GONÇALVES, Direito dos Contratos Públicos, 2015, págs. 127 ss.
Quanto à proporcionalidade, poderemos defini-la, para o caso presente, como uma atividade metodológica que pondera ou sopesa bens, interesses ou valores jurídicos, tendo em conta as possibilidades de facto e de direito concretamente existentes, ao que se segue a concretização de uma “norma do caso concreto” e a sua aplicação.
Ali, o intérprete-aplicador (1º) identifica as realidades conflituantes (no nosso exemplo aqui: defesa da concorrência e do interesse público vs. liberdade de acesso às atividades económicas, nomeadamente a celebrar contratos com entidades públicas), depois (2º) avalia as realidades em causa e atribui, justificada e racionalmente, um peso (leve, moderado ou grave) a cada uma das realidades conflituantes para, (3º) finalmente, decidir sobre a prevalência de um dos pratos da balança (ou, caso hajam pesos iguais, procura a harmonização de ambos os pratos da balança).

1.3.
O artigo 165º/1 do Código dos Contratos Públicos autoriza uma “discricionariedade procedimental” (PAULO OTERO, Direito do Procedimento Adm., I, 2016, pág. 51) normativa.
Ora, aquilo que o artigo 165º/1 do Código dos Contratos Públicos («Os requisitos mínimos de capacidade técnica a que se refere a alínea h) do n.º 1 do artigo anterior devem ser adequados à natureza das prestações objeto do contrato a celebrar, descrevendo situações, qualidades, características ou outros elementos de facto») prevê e exige, sob a égide do princípio-luz da prossecução do interesse público, é o seguinte:
-os requisitos mínimos de capacidade a exigir dos candidatos devem resultar, sempre no âmbito de uma conexão íntima com o objeto do contrato, de uma ponderação (vista como “procedimento decisório” e como “conteúdo da solução decisória”: PAULO OTERO, Manual…, I, cit., págs. 432-433) adequada, equilibrada e sem sacrifício desnecessário da trave-mestra da contratação pública que é a “sã e livre concorrência” (cfr. assim Ac. do TJUE de 10-5-2012, Duomo Gpa Srl c. Comune di Baranzate, Proc. Nº C357/19, nº 21; DIOGO D. CAMPOS/CARLA MACHADO, Condições de participação…, in RCP, nº 2, 2011, pág. 135), tudo de modo a se assegurar, com justiça e em defesa do bem comum, o mais amplo acesso aos procedimentos de contratação pública por parte dos potenciais interessados em contratar.
Para tal juízo de ponderação, haverá, necessariamente, que atender às especificidades e ou à elevada complexidade das prestações contratuais, pois que só essas especificidades e elevada complexidade das prestações contratuais podem explicar ou justificar que a entidade adjudicante fixe logo “à partida” exigências mínimas aos candidatos conforme os artigos 164º e 165º do Código dos Contratos Públicos, as quais são, aliás, “limitações da concorrência” do tipo referido na parte final do nº 1 do artigo 75º do Código dos Contratos Públicos.
Por isso, a injustificada exigência de requisitos mínimos de capacidade técnica ou financeira conducentes à redução dos potenciais candidatos consubstancia uma violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade. Dir-se-á que tal injustificada exigência, embora toque no mérito do agir administrativo, é bem mais do que uma violação do “princípio” da boa administração ou da eficiência e economicidade (cfr. o Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 15-10-2003, processo nº 03/02; PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, I, cit., págs. 272-274).
Além disso, o nº 5 do artigo 165º sublinha a proibição da desigualdade de tratamento, impõe a igualdade de chances, para chamar o público que atua na economia.
O objetivo do sistema jurídico é assegurar, com justiça material e em defesa do bem comum, o mais amplo acesso aos procedimentos de contratação pública por parte dos potenciais interessados em contratar.
É claro que seria útil para o controlo jurisdicional (ou melhor, para a tutela jurisdicional efetiva) que as entidades administrativas justificassem previamente as suas opções nesta sede. E não apenas se e quando são confrontadas num litígio. É que a margem de livre decisão administrativa e a discricionariedade de administração pública nada têm a ver com o arbítrio.
Com efeito, não é indiferente para o sistema jurídico, para o interesse público e para o Código dos Contratos Públicos utilizar-se o concurso público, o ajuste direto ou o concurso limitado por prévia qualificação.
Como já vimos, a norma administrativa em causa nestes autos (criada pela entidade ré), do artigo 8º do programa do procedimento, é a seguinte:

«Artigo 8º
«Requisitos mínimos
«1 - Nos termos do artigo 165º do CCP, os candidatos devem preencher os seguintes requisitos mínimos de capacidade técnica:
«a) Experiência comprovada de pelo menos 3 (três) anos de atividade de prestação de serviços de apoio jurídico especializado na área dos recursos humanos em matérias de emprego público e privado no sector da saúde e contratação pública, em pelo menos 3 (três) entidades sob tutela do Ministério da Saúde;
«b) O coordenador a afetar à prestação de serviços deverá ter grau de doutor e experiência em Direito da Saúde;
«c) Para além do coordenador, deverá ser afeto à prestação de serviço um advogado com experiência comprovada de pelo menos 3 (três) anos em atividades de contencioso de cobrança de dívidas hospitalares».

1.4.
O Tribunal Administrativo de Círculo considerou ilegais, porque violadores do princípio da concorrência e do princípio e máxima metódica da proporcionalidade jurídica, os requisitos mínimos de capacidade técnica seguintes:
- O da parte final da al. a): comprovada experiência do candidato em, pelo menos, 3 entidades sob tutela do Ministério da Saúde (chamemos-lhe REQUISITO Nº 1);
- O da 1ª parte da al. b): grau académico de doutor do (advogado) coordenador (vd. assim o Anexo I do caderno de encargos) (chamemos-lhe REQUISITO Nº 2).
Mas o Tribunal Administrativo de Círculo não considerou violadores da juridicidade material exigida os restantes requisitos mínimos de capacidade técnica (ou critérios de seleção qualitativa, na linguagem da Diretiva):
- Experiência comprovada de, pelo menos, 3 (três) anos de atividade de prestação de serviços de apoio jurídico especializado na área dos recursos humanos em matérias de emprego público e privado no sector da saúde e contratação pública; (chamemos-lhe REQUISITO Nº 3)
- O advogado coordenador a afetar à prestação de serviços deverá ter experiência em Direito da Saúde; (REQUISITO Nº 4)
- Um advogado da equipa deverá ter experiência comprovada de, pelo menos, 3 (três) anos em atividades de contencioso de cobrança de dívidas hospitalares. (REQUISITO Nº 5)

1.5.
Sobre o requisito mínimo de capacidade técnica ou de seleção qualitativa “comprovada experiência dos candidatos (em Direito laboral e em contratação pública, durante 3 anos) em 3 entidades sob tutela do Ministério da Saúde”, o Tribunal Administrativo de Círculo considerou o seguinte:

«…
«Contudo, o mesmo já não se pode dizer quanto à exigência de que o candidato tenha prestado serviço a pelo menos três entidades sob tutela do Ministério da Saúde, prevista na segunda parte da alínea a), por se tratar de número tão elevado que restringe de forma imediata e desproporcionada o universo de candidatos, com graves prejuízos para a concorrência, uma vez que diminui drasticamente o número de potenciais candidatos que conseguem cumprir tal requisito, afastando muitos outros que, por mais experiência e competência profissional nas áreas visadas (contratação pública, direito do emprego público e privado no sector da saúde, cobrança de dívidas hospitalares), não conseguiram prestar os mesmos serviços para o número de três entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, embora o possam ter feito por muitos anos a uma ou a duas entidades tuteladas por este Ministério, ou até a entidade não tutelada por este mas com contencioso idêntico.
«Deste modo, a restrição à concorrência diretamente decorrente da exigência deste requisito é ilegítima, desproporcionada, desnecessária e desadequada ao contrato, não sendo legalmente admissível o sacrifício inerente para a concorrência, reduzido até ao limite de um candidato, como se veio a verificar».

1.6.
Para a recorrente C-I, esta fundamentação seria meramente conclusiva.
Não é verdade.
Ela pretende afirmar e afirma (ainda que o diga fazer em sede de adequação), qualificando racionalmente como se pode fazer nos exames ou testes de proporcionalidade, que o facto/requisito em causa é excessivo e desequilibrado (nos sentidos atrás expostos) face aos objetivos ou interesses de garantir a concorrência mais ampla possível sem ferir as cits. especificidade e complexidade das prestações contratuais em causa.
E tem razão. Não se compreende, racionalmente e com bom senso (como sempre tem de ser), perante a factualidade apurada para efeitos da avaliação das realidades jurídicas em confronto, por que motivo razoável é necessário que os candidatos tenham comprovada experiência em 3 entidades sob tutela do Ministério da Saúde em Direito laboral e em contratação pública; porquê em 3 entidades e não em 1 ou 2? Porquê, de todo?
A entidade adjudicante não o explicou a priori. E, na verdade, não encontramos tal justificação, pela notória razão de que as matérias em causa (Direito laboral público e privado, e contratação pública) são iguais ou semelhantes em qualquer ministério e em qualquer outro departamento público.
Portanto, aqui, o requisito mínimo, sendo excessivo e irrazoável, restringindo a sã e livre concorrência, viola os princípios da proporcionalidade (cfr. artigos 266º/2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo) e da concorrência (cfr. artigo 1º/4 do Código dos Contratos Públicos).
Improcede, assim, este ponto das conclusões do recurso da contrainteressada.

1.7.
Um aspeto suplementar merece ser referido.
E merece-o também em sede de controlo da máxima metódica da proporcionalidade, apesar de ser um aspeto muito negligenciado aquando do estudo jurídico das decisões dos tribunais constitucionais sobre o princípio da proporcionalidade. Trata-se da factualidade, do julgamento da matéria de facto e ainda daquilo que é abrangido pela “lei epistémica da ponderação” de Robert Alexy (quanto mais intensa for uma afetação de um direito fundamental, tanto maior deve ser a certeza das premissas que sustentam a dita afectação (12)): referimo-nos à a fiabilidade de todas as premissas utilizadas pelo Estado – legislador ou administrador – para “agredir” posições jurídicas ativas dos particulares, por exemplo, o direito de livre acesso à contratação pública em condições de sã e justa concorrência.
Em rigor, como em qualquer processo judicial, também nestas situações (em que se discutem princípios constitucionais e ou gerais de direito) a exigência no apuramento da factualidade relevante é imposta pelo Direito processual e devem funcionar as regras (substantivas) do ónus da prova (cfr. os artigos 342º ss do Código Civil).
Por isso, nenhum tribunal, mesmo ou sobretudo em sede de controlo do cumprimento de princípios constitucionais e ou gerais de direito, se pode “pôr a especular ou a supor” os pressupostos de facto do agir administrativo em causa, como realidades do mundo do direito que são (cfr. PAULO OTERO, Direito do Procedimento Adm., I, págs. 512-513). Aqui, isto significa: os tribunais não se podem substituir às partes na alegação e prova de todos os concretos factos fundamentadores/constitutivos das posições jurídicas ativas litigadas, para efeitos de controlo jurisdicional do cumprimento na atividade administrativa sindicada (elaboração do artigo 8º do programa do procedimento) dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, sem prejuízo, naturalmente, dos factos a que se refere o artigo 5º/2 do Código de Processo Civil (13).
E daí, aliás, normas saudáveis como as dos artigos 98º a 101º do novo Código do Procedimento Administrativo.
Ora, o ónus da prova é a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada. A regra geral é esta: quem invoca a seu favor uma qualquer situação jurídica substantiva (com efeito extintivo de outra; com efeito impeditivo de outra; com efeito modificativo de outra; ou de tipo constitutivo dela própria) perderá a causa onde se discute essa situação jurídica, se não se provar no processo a factualidade concreta que fundamenta, substantivamente, a invocada situação jurídica.
No caso em apreço, dada a redação das normas que enquadram a competência exercida pela ré ao elaborar o artigo 8º do programa do procedimento (os artigos 20º, 28º, 41º, 132º, 162º, 164º e 165º do Código dos Contratos Públicos), o ónus da prova dos factos subjacentes e fundamentadores desta atividade normativa da ré cabe a esta.
Isto significa que é da ré o risco de demonstrar os factos constitutivos ou fundamentadores da adequação exigida pela norma cit. O que, manifestamente, a entidade ora ré não logrou fazer. Também assim o sistema jurídico censura a falta de justificação racional transparente normal, isto é, a que é e deve ser feita antes da decisão de administração pública (aqui, decisão normativa e em sede de peças de procedimento de contratação pública), já que é mais difícil fazê-lo a posteriori com credibilidade, isenção e objetividade. Afinal, estão em causa aspetos a montante, e não a jusante, do agir administrativo: (i) a vontade administrativa e (ii) a causa da atividade administrativa no sentido utilizado pelo Prof. PAULO OTERO (in Direito do Procedimento Adm., I, págs. 496-530: os pressupostos objetivos de facto e de direito, e os motivos).

2.
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO QUANTO AO REQUISITO MÍNIMO DE CAPACIDADE TÉCNICA DO GRAU DE DOUTOR DO COORDENADOR DA EQUIPA JURÍDICA DO CANDIDATO (REQUISITO Nº 2: grau académico de doutor a deter pelo coordenador)

2.1.
Sobre este requisito mínimo de capacidade técnica dos candidatos, o Tribunal Administrativo de Círculo considerou o seguinte:

«Relativamente à alínea b) do artigo 8º nº 1 do programa do procedimento, a exigência do grau académico de doutor elimina até quem possua especialização universitária nas matérias a que se refere o objeto do contrato, mas com grau académico inferior ou quem possua especialização universitária nas outras áreas da função (Contratação Pública, Direito do Emprego Público e Direito do Trabalho ou cobrança de dívidas hospitalares), designadamente mestrados.
«Poder-se-á afirmar que se é certo que as prestações do contrato a contratar revestem especificidade e complexidade, que se exigem conhecimentos práticos e teóricos, as prestações em causa não revestem uma complexidade de tal forma elevada que só o grau de doutor possa ser o necessário e satisfazer com mérito a função de coordenação da equipa. Numa ótica de ponderação, esta exigência afigura-se excessiva e desproporcionada relativamente ao cabal cumprimento do conteúdo funcional do contrato, que pode ser satisfeito com menor sacrifício para a concorrência, nomeadamente através da exigência de mestrado e outras especializações.
«Aliás, era expectável a apresentação de um número extremamente diminuto de candidatos perante requisitos mínimos tão apertados, que restringem indubitavelmente a concorrência. Tal expectativa confirmou-se mediante a apresentação de uma única candidatura, o que não é, de todo, salutar e benéfico para o interesse público, que se concretiza através da concorrência, pois quanto maior for o número de candidatos de um concurso, mais e melhores propostas serão apresentadas e contribuirão para a disputa e para o aumento de qualidade e de oferta das condições a prestar.
«Ou seja, independentemente da bondade da seleção dos critérios de capacidade técnica por parte do contraente público, e se muito menos se pretendeu deliberadamente afastar ou beneficiar algum candidato concreto, o que é um facto é que os requisitos técnicos são tão exigentes que quase parecem identificar o candidato concreto que pretendem selecionar, aparentando o que o senso comum designa de "fato à medida", que ressalta a "olhos vistos'', e que as diretivas comunitários quiseram proibir, através da previsão, em especial, do princípio da concorrência e do princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Só uma restrição proporcional da concorrência a torna justificadamente e conforme a legalidade, o que não é de forma alguma o caso dos autos, uma vez que o presente concurso não permite aos potenciais candidatos a possibilidade de, sem serem excluídos, apresentarem as suas candidaturas, mesmo especializados e com experiência nas áreas indicadas.
«A ressalva a este juízo de ilegalidade reporta-se à exigência de experiência em Direito da Saúde por parte do coordenador, que se mostra adequada ao objeto do contrato, traduzindo uma opção clara e legítima da Entidade Adjudicante, ora Demandada, em detrimento das demais áreas indicadas. …
«Quanto à exigência destes requisitos mínimos de capacidade técnica, a decisão que aprovou o procedimento é totalmente omissa quanto à fundamentação concreta da exigência de tais requisitos, conforme resultou provado do doc. a fls. 16 a 13 do PA.
«Por outro lado, importa salientar que resultou provado que a única candidatura apresentada acabou por ser a do candidato que tem vindo a prestar serviços jurídicos à Entidade Requerida desde 01/10/2010 de forma ininterrupta, o que não deixa de ser sintomático, denotando as consequências práticas na falta de concorrência real, resultantes, com grande probabilidade, do carácter restritivo resultante da exigência dos requisitos mínimos de capacidade técnica, que afastou a totalidade dos candidatos que tinham manifestaram o seu interesse na plataforma eletrónica.
«Tais factos, conjugados com os artigos 1º, n.º 4, e 165º do CCP e com o artigo 5º nº 2, conjugado com o artigo 2º nº 5, ambos do C P A, são suficientes para que o Tribunal afirme, uma vez mais, que com estes fundamentos e por estes motivos os requisitos técnicos mínimos são ostensivamente ilegais, sendo evidente e flagrante a sua violação dos princípios da concorrência e da proporcionalidade, além da violação do princípio da transparência quanto à ambiguidade da própria redação da alínea b) do artigo 8º, n.º 1 do programa do procedimento, que deve ser anulado, sem prejuízo da validade da experiência na área do Direito da Saúde».

2.2.
Uma vez mais, a contrainteressada não tem razão.
Aliás, neste caso do grau académico de doutor (em Direito?, em Direito Criminal?), o desrespeito pelo principio da proporcionalidade é mais intenso do que no caso visto no ponto anterior. Os pesos do excesso e da irrazoabilidade são maiores.
Com efeito, relembrando aqui as prestações contratuais em causa (o cit. objeto do contrato), não se vê de todo por que motivo o advogado coordenador ou o jurista coordenador tenha de ter o título académico de doutor.
Supõe-se que se trata de coordenar a equipa de juristas/advogados nas áreas dos vários ramos do Direito em causa. Ora, neste contexto, ser ou não ser doutor parece totalmente irrelevante, isto é, para tal coordenação jurídica e ou gestionária.
Portanto, este requisito mínimo de capacidade técnica dos candidatos viola os princípios da proporcionalidade (cfr. artigos 266º/2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo) e da concorrência (cfr. artigo 1º/4 do Código dos Contratos Públicos).
Improcede, assim, este ponto das conclusões do recurso da contrainteressada.

2.3.
Finalmente, cabe ainda sublinhar que não tem razão a recorrente em falar de “factos” a págs. 16-17 da sentença e em factos instrumentais (estes, aliás, devem constar da motivação probatória).
Dali constam conclusões e análises por parte do Tribunal Administrativo de Círculo; e não factos a enquadrar juridicamente.
O facto provado de ter havido aqui, neste concurso limitado, apenas um real candidato é um índice a considerar em sede de controlo jurisdicional da restrição ilegal da concorrência sã e justa. Com efeito, assim se deve proceder no controlo jurisdicional da contratação pública normal ou comum, a não ser em áreas de atividade muito especiais, para as quais o mercado tenha, notoriamente, poucos operadores económicos. Não é o caso da advocacia e da prestação de serviços jurídicos em Portugal, como é notório.

*
RECURSO Nº 2 (da autora, parcialmente vencedora na 1ª instância)
3.
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO QUANTO AO REQUISITO MÍNIMO DE CAPACIDADE TÉCNICA DE O CANDIDATO TER DE TER PELO MENOS 3 ANOS DE EXPERIÊNCIA COMPROVADA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE APOIO JURÍDICO ESPECIALIZADO NA ÁREA DOS RECURSOS HUMANOS em matérias de emprego público e privado no sector da saúde e na contratação pública (requisito nº 3)

3.1.
Para a autora/recorrente, não existe justificação racional para esta limitação à concorrência livre (JORGE ANDRADE DA SILVA, Código dos Contratos Públicos, in nota 2 ao artigo 165º, fala em «fator de limitação da concorrência»), porque não haveriam especificidades suficientes nas áreas de atividade que envolvam o Direito laboral e disciplinar no setor privado e o Direito laboral e disciplinar no setor público.
Sobre este requisito mínimo, o Tribunal Administrativo de Círculo considerou o seguinte:

«Conforme suprarreferido, o objeto do contrato traduz-se na aquisição de serviços jurídicos nas áreas de Contratação Pública, Direito da Saúde e em matéria de Recursos Humanos e de Direito do Trabalho e do Emprego Público.
«Ficou provado que foi apresentada uma única candidatura na 1ª fase do concurso, destinada à qualificação dos candidatos, pese embora tenha ficado provada a existência de vários interessados inscritos na plataforma eletrónica.
«Relativamente ao requisito mínimo atinente ao tempo de experiência profissional, é totalmente razoável, adequado e proporcional exigir que os candidatos possuam determinado tempo de experiência comprovada de 3 anos no exercício das funções consideradas relevantes pela entidade adjudicante, como o faz a primeira parte da alínea a) (3 anos de atividade de prestação de serviços (de apoio jurídico especializado na área dos recursos humanos em matérias de emprego público e privado no sector da saúde e contratação pública ) e a alínea c) (cobrança de dívidas hospitalares).
«Deste modo, na 1ª parte da alínea a) e alínea c) não se verifica qualquer ilegalidade por violação do princípio da concorrência e da proporcionalidade, já que a restrição ao universo de candidatos é adequada e está perfeitamente legitimada devido às matérias e natureza específica e concreta dos serviços jurídicos a prestar à Entidade Demandada, sujeita a vários regimes jurídicos laborais, ao CCP, atenta a sua qualidade de entidade adjudicante, para além da cobrança de dívidas hospitalares, típica de estabelecimentos públicos de saúde.
«Aliás, a exigência de tais requisitos mínimos de capacidade técnica quanto ao tempo de experiência profissional de 3 anos é equilibrada e não se mostra excessiva, sendo o tempo necessário para consolidar experiência e conhecimentos e que é comum às contratações para matérias específicas, o que só beneficia em termos de qualidade, de eficiência e de saber fazer as prestações a realizar, o que satisfaz o interesse público, apesar de, como é obvio, fazer reduzir os potenciais candidatos, sem pôr em crise a concorrência de forma injustificada e substancial e ao ponto de reduzir a concorrência real, não eliminando na prática os potenciais candidatos ou reduzindo a um número único ou pouco significativo.
«Assim, não tem razão a Autora quanto à ilegalidade das alíneas a) 1ª parte e c) do artigo 8º do programa do procedimento, improcedendo, neste âmbito, o seu pedido de anulação».

Ora, embora seja de reconhecer que o Tribunal Administrativo de Círculo argumentou algo circularmente, é suficiente considerar o seguinte: tratando-se da delicada (para o Direito da livre e sã concorrência) zona da “experiência profissional” (aqui nas áreas do Direito laboral público e privado e da contratação pública), o número de 3 anos é normalmente compreensível e justificável à luz da aquisição de um mínimo de experiência e acumulação de saberes correntes, de “experiência feitos”, por forma a que a entidade adjudicante não se veja “assessorada” por iniciados, pois estamos numa área muito importante e dispendiosa da Administração Pública, a administração pública de saúde (no caso, de tipo empresarial).
Estão, pois, respeitados os 3 exames do princípio da proporcionalidade (cfr. os artigos 266º/2 da Constituição da República Portuguesa e 7º do Código do Procedimento Administrativo), não se vendo ainda um claro desvirtuar da concorrência.
Improcede, assim, este ponto das conclusões do recurso da A.

4.
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO QUANTO AO REQUISITO MÍNIMO DE CAPACIDADE TÉCNICA Nº 5 CITADO (a equipa candidata ter um advogado com experiência comprovada de pelo menos 3 anos em atividades de contencioso de cobrança de dívidas hospitalares)

4.1.
Para a autora/recorrente, também não existe justificação racional para esta limitação à concorrência livre (a equipa candidata ter um advogado com experiência comprovada de pelo menos 3 anos em atividades de contencioso de cobrança de dívidas hospitalares), porque se trataria de matéria simples e banal, assente em legislação não complexa, desembocando no não menos simples processo de injunção.
Sobre este requisito técnico mínimo, o Tribunal Administrativo de Círculo considerou o seguinte:

«Relativamente ao requisito mínimo atinente ao tempo de experiência profissional, é totalmente razoável, adequado e proporcional exigir que os candidatos possuam determinado tempo de experiência comprovada de 3 anos no exercício das funções consideradas relevantes pela entidade adjudicante, como o faz a primeira parte da alínea a) (3 anos de atividade de prestação de serviços (de apoio jurídico especializado na área dos recursos humanos em matérias de emprego público e privado no sector da saúde e contratação pública) e a alínea c) (cobrança de dívidas hospitalares).
«Deste modo, na 1ª parte da alínea a) e na alínea c) não se verifica qualquer ilegalidade por violação do princípio da concorrência e da proporcionalidade, já que a restrição ao universo de candidatos é adequada e está perfeitamente legitimada devido às matérias e natureza específica e concreta dos serviços jurídicos a prestar à Entidade Demandada, sujeita a vários regimes jurídicos laborais, ao CCP, atenta a sua qualidade de entidade adjudicante, para além da cobrança de dívidas hospitalares, típica de estabelecimentos públicos de saúde.
«Aliás, a exigência de tais requisitos mínimos de capacidade técnica quanto ao tempo de experiência profissional de 3 anos é equilibrada e não se mostra excessiva, sendo o tempo necessário para consolidar experiência e conhecimentos e que é comum às contratações para matérias específicas, o que só beneficia em termos de qualidade, de eficiência e de saber fazer as prestações a realizar, o que satisfaz o interesse público, apesar de, como é obvio, fazer reduzir os potenciais candidatos, sem pôr em crise a concorrência de forma injustificada e substancial e ao ponto de reduzir a concorrência real, não eliminando na prática os potenciais candidatos ou reduzindo a um número único ou pouco significativo.
«Assim, não tem razão a Autora quanto à ilegalidade das alíneas a) 1ª parte e c) do artigo 8.0 do programa do procedimento, improcedendo, neste âmbito, o seu pedido de anulação».

4.2.
Aqui, de facto, o Tribunal Administrativo de Círculo disse quase nada sobre este requisito em concreto. Referiu apenas: «a restrição ao universo de candidatos é adequada e está perfeitamente legitimada devido às matérias e natureza específica e concreta dos serviços jurídicos a prestar à Entidade Demandada,… cobrança de dívidas hospitalares, típica de estabelecimentos públicos de saúde».
Mas, como invoca a recorrente autora, não se vê, à luz dos 3 exames da proporcionalidade, como atrás explanados, que se justifique, nos sentidos (i) da adequação e também (ii) da necessidade ou proibição do excesso, que a equipa de advogados tenha de ter um advogado com esta suposta “especialidade”. Nada de especial ou especifico tem o assunto, para um advogado.
Com efeito e como é consabido no mundo do foro, trata-se de assunto (cobrança de dívidas hospitalares públicas) comum ou banal, regulado por leis gerais básicas (Código Civil e Código de Processo Civil) para qualquer jurista bem formado e por duas pequenas leis especiais (Decreto-Lei nº 218/99, alt. pela Lei nº 64-B/2011; e Decreto-Lei nº 269/98, cuja 15ª alteração consta do Decreto-Lei nº 226/2008); é uma matéria muito semelhante às habituais demandas judiciais para satisfação de créditos, e até normalmente mais simples.
Portanto, também este requisito mínimo de capacidade técnica dos candidatos viola os princípios da proporcionalidade (cfr. artigos 266º/2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 7º do Código do Procedimento Administrativo) e da concorrência (cfr. artigo 1º/4 do Código dos Contratos Públicos).
Procede, assim, este ponto das conclusões do recurso.
*
III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juizes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em:
-Negar provimento ao recurso da contrainteressada;
-Conceder provimento parcial ao recurso da autora,
-Revogando parcialmente a sentença quanto ao requisito mínimo “ter um advogado com experiência comprovada de pelo menos 3 anos em atividades de contencioso de cobrança de dívidas hospitalares”,
-Declarando a ilegalidade desse requisito mínimo de capacidade técnica consistente em os candidatos ao concurso limitado por prévia qualificação, atrás identificado, “terem um advogado com experiência comprovada de pelo menos 3 anos em atividades de contencioso de cobrança de dívidas hospitalares”, e
-Condenando a entidade ré a expurgar o programa do procedimento também deste requisito mínimo.
No mais, mantém-se o decidido pelo Tribunal Administrativo de Círculo.
Custas do recurso da C-I a cargo da mesma.
Custas do recurso da autora a cargo da autora e da C-I em partes iguais.
Lisboa, 2-6-2016


(Paulo Pereira Gouveia - relator)

(Nuno Coutinho)

(Carlos Araújo)

(1) Atento o Código de Processo Civil de 2013, nunca é demais relembrar que o objeto da prova são os factos relevantes e não os chamados “temas da prova”.
(2) Cfr. PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, Vol. I, 2016, págs. 498-530 e 597-694; ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, 1978, págs. 276-77; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., 2015, págs. 261-320; FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2ª ed., 2011, págs. 419-462.
(3) Cfr. PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, Vol. I, págs. 73 ss e 48 ss.
(4) Pelo que relevam ainda outros importantes princípios fundamentais, a ter em conta pelos tribunais: boa fé e tutela da confiança; bem-estar; subsidiariedade e eficiência; participação administrativa dos interessados; respeito pelas posições jurídicas ativas dos cidadãos; dever de fundamentação das decisões administrativas; dever de informação administrativa; arquivo aberto; dever de decisão administrativa em prazo razoável; responsabilidade civil da Administração Pública.
(5) Cfr. PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 2013, págs. 331-359.
(6) O Direito é ciência e é sistema. Cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, trad. do original de 1991, 3ª ed., Lisboa, 1997, págs. 230 ss e 621 ss; A. MENEZES CORDEIRO, Introdução à edição portuguesa da obra de C-W Canaris, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, Lisboa, 1989; M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, §13º.
(7) Cfr. FRANCO BASSI, La Norma Interna – Lineamenti di una teorica, Editorial Giuffrè, Milano, 1963, págs. 287 ss e 552 ss; HANS KELSEN, Teoria Geral das Normas, trad., Porto Alegre, 1986, págs. 238 ss; ROBERT ALEXY, Teoria de la Argumentacion Juridica, trad., Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1989, págs. 119 ss, 185 ss e 283 ss.
(8) Cfr. PAULO PEREIRA GOUVEIA, O método e o juiz…, in O Direito, Ano 145º, I/II, 2013, págs. 51 ss, sobre a interpretação das leis e sobre a ponderação-concretização no contencioso administrativo das normas de textura aberta; PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 2013, págs. 432-449, maxime págs. 443-447; ROBERT ALEXY, A construção dos direitos fundamentais, in Direito & Política, nº 6, 2014, págs. 38 ss; ROBERT ALEXY, Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, in o Direito, Ano 146º, IV, 2014, págs. 817 ss; M. KLATT/M. MEISTER, The Constitutional Structure of Proportionality, Oxford, 2012, págs. 7-13 e 135 ss; e ainda G. ZAGREBELSKY, Manuale de Diritto Costituzionale, Torino, 1991, págs. 107 ss; RICCARDO GUASTINI, A propósito del neoconstitucionalismo, trad., in Gaceta Constitucional, Tomo 67, Julio-2013, Lima, págs. 231-240.
(9) Nenhuma parte decisória da atividade administrativa pública está fora do Direito e, portanto, imune à fiscalização jurisdicional. O que é o mesmo que dizer que nenhuma pessoa está constitucionalmente desprotegida ante a possibilidade de abuso de quaisquer poderes jurídicos das administrações públicas.
Assim, também as várias vertentes da chamada discricionariedade administrativa, ou melhor, da margem de livre decisão administrativa (incluindo as chamadas “discricionariedade técnica” e “liberdade avaliativa”) estão, sob pena de fraude aos nucleares artigos 266º e 268º/4 da CRP, sujeitas a tutela jurisdicional efetiva; afinal, todas essas vertentes dependem do princípio jurídico fundamental da prossecução do interesse público, no âmbito de um Estado democrático de Direito (cf., assim, PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, 2003, pp. 763-768; MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2ª ed., §9º; PAULO OTERO, Manual de Direito Administrativo, I, 2013, §23º; MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, T.G.D.A., 3ª ed., pontos nº 9 a nº 13 e ponto nº 120; SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, 1987, pp. 476 ss; e ainda, de certo modo, D. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, II, 2ª ed., pp. 387 ss e 112 ss).
(10) Cfr. PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, I, 2016, págs. 191-192.
(11) Cfr. PAULO OTERO, Direito do Procedimento Administrativo, I, págs. 244 e 247; PEDRO GONÇALVES, Concorrência e contratação pública…, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, I, 2012, págs. 479 ss.
(12) Cfr. ROBERT ALEXY, Epílogo a la Teoría de los Derechos Fundamentales. In Revista Española de Derecho Constitutional, nº 22, 2002, pág. 55.
(13) a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.