Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:540/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/20/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
FACTO SUPERVENIENTE.
VALOR PROBATÓRIO DE SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA.
Sumário:1) A invocação da falta de exercício da gerência de facto, no período relevante, com base em sentença penal absolutória transitada em julgado, em momento posterior à apresentação da petição inicial de oposição, constitui facto superveniente em relação ao oponente, cuja invocação constitui o tribunal recorrido no dever de conhecer.
2) Da sentença penal absolutória (artigo 624.º, n.º 1, do CPC) extrai-se presunção ilidível quanto aos factos que tenham sido dados como inexistentes ou não praticados pelo arguido, invertendo o ónus da prova.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

C……………………………….., melhor identificado nos autos, veio deduzir oposição contra o processo de execução fiscal nº ……………… e apensos, que o Serviço de Finanças de Lisboa 2 contra si instaurou, por reversão de dívidas da sociedade “M…………………….., Lda.”, relativas a IVA, IRS, imposto de selo e coimas, no valor total de €205.376,06.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 647 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 04 de Março de 2019, julgou procedente a oposição quanto aos processos de execução instaurados por dívidas de coimas e custas decorrentes dos respetivos processos de contra-ordenação, com a consequente extinção dos referidos processos e improcedente quanto aos demais processos de execução.
Nas alegações de fls. 698 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), o recorrente formulou as conclusões seguintes:
«a. A sentença recorrida padece do vício de nulidade, na medida em que não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado (a não gerência de facto pelo Recorrente), o que se invoca nos termos do artigo 125.°, n.° 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 615.°, n.° 1, alínea d) do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário);
b. No caso em apreço, não obstante o Recorrente não tenha invocado na petição inicial o não exercício da gerência no período em que foram constituídas e não foram pagas as quantias em dívida, tal facto resulta da inquirição de testemunhas e ainda da sentença proferida no processo- crime contra a Segurança Social, pelo que o mesmo deveria ter sido relevado pelo Tribunal a quo, ao abrigo do princípio do efeito extraprocessual das sentenças, nos termos do artigo 619.°, n.° 1 do Código de Processo Civil (ex vi artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário);
c. Nos termos dos artigos 619.° e 621.° do Código de Processo Civil, a sentença transitada em julgado passa a ter força obrigatória dentro e fora do processo, constituindo caso julgado (material) nos termos em que julga, o qual abrange não só a parte final da sentença (ou decisão arbitral) como também os fundamentos ou motivos da decisão "necessário(s) para interpretar o verdadeiro sentido da decisão e o seu exacto conteúdo", respeitantes a pontos suscetíveis de serem objeto de processo autónomo e que constituem antecedente lógico, necessário e indispensável da decisão;
d. O alcance do caso julgado que induz a doutrina a autonomizar aquilo que vem sendo designado por "efeito preclusivo do caso julgado" e que se traduz na impossibilidade de uma nova ação - e decisão - ter como objeto uma qualquer questão (facto / pedido) que na ação já decidida por sentença transitada em julgado não foi invocada pelas partes, podendo tê-lo sido;
e. No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório pleno, previsto nos artigos 13.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 99.° da Lei Geral Tributária, pelo que o juiz deve ordenar todas as diligências que se mostrem necessárias para a descoberta da verdade material;
f. Da inquirição das testemunhas no âmbito do presente processo e da análise da sentença proferida no processo-crime intentado contra o Recorrente pela Segurança Social, pelo crime de abuso de confiança fiscal contra aquela entidade, constata-se que ficou provado que o Recorrente não exerceu as funções de gerente da M……………… no período compreendido entre julho de 2002 e agosto de 2006;
g. O Recorrente provou, igualmente, que em virtude de diversos problemas de saúde, esteve afastado da realidade societária por diversos anos, após setembro de 2001, sendo que a devedora originária era autogerida pelos seus diversos funcionários;
h. Ainda que se entendesse que o Recorrente não provou o não exercício da gerência no período em discussão nos presentes autos, o que sem conceder se admite, verifica-se que o Recorrente é parte ilegítima na presente execução, na medida em que não criou ou agravou artificialmente ativos ou passivos e, enquanto gerente - antes do período a que respeitam as dívidas tributárias e no período em que exerceu, de direito, as funções -, não fez uso dos créditos da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, não trabalhou contabilidades fictícias, não fez desaparecer documentos ou omitiu a contabilidade, nem dispôs de bens da sociedade em proveito pessoal ou de terceiros e não fez uso de créditos contrários aos interesses da sociedade, pelo que iludiu a presunção de culpa pela falta de pagamento que pende sobre si, nos termos do artigo 23.° e 24.° da Lei Geral Tributária;
i. Constata-se, assim, que a sentença recorrida é ilegal, por violação do disposto nos artigos 23.°, 24.° e 99.° da Lei Geral Tributária, 13.°, 125.°, n.° 2 e 204.°, n.° 1, alínea b) Código de Procedimento e de Processo Tributário e 615.°, n.° 1, alínea d) e 619.°, n.° 1 do Código de Processo Civil, pelo que se requer a sua anulação por Vossas Excelências e, em consequência, ser ordenado a extinção do presente processo de execução fiscal, nos termos do artigo 176.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão do Recorrente, tudo com as legais consequências.»
X
A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.
X

O Digno Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.
2.1 De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A) Pelo averbamento da inscrição ap. 22, de 04.04.1988, foi registada na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade M..........., Lda., obrigando-se a referida sociedade com a assinatura de dois gerentes ou com a assinatura de um gerente e um procurador, sendo gerentes todos os sócios (cfr. certidão junta a fls. 30 a 39 do processo de execução apenso aos autos);
B) Pelo averbamento da inscrição ap. 52, de 19.03.1991, foi registada na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa a designação do ora Oponente como gerente da sociedade identificada na alínea A) supra, em 18.02.1991 (cfr. certidão junta a fls. 30 a 39 do processo de execução apenso aos autos);
C) Relativamente ao exercício de 2001, a sociedade mencionada na alínea A) supra apresentou um resultado líquido do exercício no montante de 16.431,17 EUR (cfr. documentos de fls. 468 dos autos);
D) Relativamente ao exercício de 2002, a sociedade mencionada na alínea A) supra apresentou um resultado líquido do exercício no montante de 481.447,02 EUR (cfr. documentos de fls. 470 dos autos);
E) Relativamente ao exercício de 2003, a sociedade mencionada na alínea A) supra apresentou um resultado líquido do exercício negativo no montante de 81.215,92 EUR, tendo declarado na sua declaração anual de informação contabilística e fiscal, a título de imobilizações corpóreas, o montante de 1.582.440,49 EUR e, relativamente a investimentos financeiros, o montante de 543.654,51 EUR (cfr. documentos de fls. 472 e 473 dos autos);
F) O Oponente declarou nas suas declarações de IRS dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006 rendimentos de trabalho dependente pagos ou colocados à disposição pela sociedade identificada em A) supra nos montantes de 54.963,94 EUR, 70.000,00 EUR, 70.000,00 EUR e 45.000,00 EUR, respectivamente (cfr. documentos de fls. 535 e 553 dos autos);
G) Nas declarações de IRS mencionadas na alínea antecedente, e sobre os valores também indicados na referida alínea, foram declaradas retenções na fonte realizadas pela sociedade mencionada em A) supra, nos montantes de 12.266,00 EUR, 17.150,00 EUR, 16.456,00 EUR e 10.225,00 EUR, para os anos 2003, 2004, 2005 e 2006, respectivamente (cfr. documentos de fls. 535 e 553 dos autos);
H) Foram instaurados contra a sociedade identificada em A), pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, os seguintes processos de execução fiscal, entretanto apensos:

«imagens no original»




I) Em 09.11.2009, foi elaborado auto de diligências, no âmbito dos processos de execução identificados em H) supra, com o seguinte teor:
“(...)
- Apenas consta no SIPA Outros Valores e Rendimentos, não constando qualquer resposta positiva, no entanto foi solicitado para o Pef ………………………… em 28.08.2009 a penhora de saldo da C.G.Depósitos, não tendo sido até à presente data averbada qualquer resposta.
- Pesquisando todos os sistemas informáticos existentes, não foram encontrados quaisquer bens, direitos ou rendimentos penhoráveis; fls. (21 a 23)
Em face ao exposto, é do meu parecer que se proceda à reversão contra os responsáveis subsidiários, a fim de se cumprirem os requisitos estipulados no art. 153° do CPPT.
(...)” (cfr. documento de fls. 29 do processo de execução apenso);
J) Em 09.11.2009, foi elaborado projecto de despacho de reversão no âmbito dos processos de execução identificados em H) supra, com o seguinte teor:
“(...)
«imagens no original»





K) Em 09.11.2009, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, no qual determinou a notificação do ora Oponente para efeitos de exercício do direito de audição prévia à reversão da execução identificada em H) supra, constando do mesmo o seguinte:
“(...)
Face às diligências de fls. 42 e 44 determino a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(Ões) contra C…………………….. contribuinte n.°……….., morador em R ……………………………..- LISBOA - 1600 LISBOA na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada..
(...)
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/n° 1/b) LGT].
e alínea b) do 1 do artigo 8º do Regime Geral das Infracções Tributárias
(...)” (cfr. documento de fls. 45 do processo de execução fiscal apenso);
L) O Oponente apresentou, em 23.11.2009, no Serviço de Finanças de Lisboa 2, requerimento onde exerceu o direito de audição prévia à reversão (cfr. documento de fls. 55 a 58 do processo de execução fiscal apenso);
M) Em 03.12.2009, foi elaborada informação nos processos de execução identificados em H), da qual consta o seguinte:

«imagens no original»




N) Em 03.12.2009, sobre a informação reproduzida em M) que antecede, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 o seguinte despacho:
“(...)



O) Em 03.12.2009, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2 despacho de reversão contra o ora Oponente dos processos de execução identificados em H) supra, com o seguinte teor:
“(...)
«imagem no original»


*

FACTOS NÃO PROVADOS: não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão.
*


Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo de execução apenso, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.



X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
P) Em 06.08.2012, o oponente requereu a junção aos autos de sentença, proferida em 16.07.2012, no âmbito do P. n.º 8204/10.1TDLSB, que correu termos junto da 3.ª Secção do 5.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa – processo em que o oponente vinha acusado do crime de abuso de confiança fiscal em relação à Segurança Social por falta do pagamento das contribuições à Segurança Social, no período de Julho de 2002 a Agosto de 2006 -, na qual é possível apurar que o tribunal absolveu o oponente em virtude de ter ficado provado que o mesmo não exerceu administração de facto da empresa M…………, SA, no período de Julho de 2002 a Agosto de 2005, e não tomou qualquer decisão a respeito da entrega das contribuições devidas à Segurança Social. // Mais requereu que se considerasse justificada a entrega tardia do documento, dado que a sentença foi proferida em 16.07.2012 – fls. 491.
Q) Na sentença proferida no P. n.º 8204/10.1TDLSB, do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, 3.ª Secção, foi considerado provado que o oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade M……………, SA, de Julho de 2002 a Agosto de 2006 – fls. 494/502.
R) A sentença referida na alínea anterior transitou em julgado em 01.10.2012 – fls. 511.
S) No período de Julho de 2002 a Agosto de 2006, o oponente exerceu a gerência da sociedade devedora originária – depoimento das testemunhas do oponente, A…………………., advogada da empresa, de 2003 a 2006 e F………………………, Técnico Oficial de Contas da empresa, de 2003 a 2005. A primeira declarou que o oponente assinava todos os actos relativos à empresa e que o mesmo privilegiou o pagamento de salários. O segundo declarou que o oponente recebia remuneração como gerente da sociedade devedora originária no período em causa, bem como reunia com ele com vista à elaboração da contabilidade e apresentação da modelo 22. Mais referiu que com a venda da actividade mais rentável da empresa (“outsorcing”) à N……………., os proveitos decaíram, de forma significativa. Decisão tomada pelo oponente. Ambas as testemunhas referiram o período de falecimento do filho do oponente, em que o mesmo se terá retirado, mas que tal não impediu de assinar a documentação em causa.

X


2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre a alegada omissão de pronúncia e alegado erro de julgamento no que respeita à invocação da existência de sentença penal transitada em julgado, da qual consta que o oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária no período relevante para a formação e pagamento das dívidas tributárias em causa [1.º fundamento de recurso]. Mais se argumenta contra a sentença sob censura que a mesma incorre em erro julgamento quanto ao juízo de culpa do oponente pela falta de pagamento das dívidas fiscais, dado que o oponente realizou gestão criteriosa da sociedade, a qual, por motivos que lhe são alheios, entrou em situação de incumprimento [2.º fundamento do recurso].
2.2.2. No que respeita ao primeiro fundamento de recurso, está em causa o segmento decisório seguinte:
«(…) não obstante, nas suas alegações finais, o Oponente ter invocado, dentro do fundamento da falta de legitimidade, o não exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária, como foi decidido em despacho proferido anteriormente à prolação desta sentença, tal fundamento não pode ser considerado na presente oposição, por não ter sido alegado na petição inicial».
2.2.2.1. O recorrente imputa à sentença sob escrutínio os vícios de omissão de pronúncia e de erro de julgamento quanto à questão relativa ao exercício da gerência de facto. Invoca que, através de requerimento de 06.12.2012, juntou ao processo uma sentença referente ao processo-crime intentado pela Segurança Social contra si, por um crime de abuso de confiança fiscal contra a Segurança Social, previsto e punível, nos termos do artigo 107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, que correu termos na 3.ª Secção do 5.º Juízo Criminal de Lisboa, sob o processo n.º 8204/10.1TDLSB, referente ao período de Julho de 2002 a Agosto de 2006, no qual o recorrente foi absolvido, em virtude de ter ficado provado que o mesmo não exerceu funções de gerência no decurso desse período.
Por seu turno, a sentença recorrida não apreciou o fundamento da oposição em referência, considerando que o mesmo não seria de apreciar dado que não foi alegado na petição inicial. Em momento anterior e no mesmo sentido, por meio de despacho de fls. 619/620, o tribunal considerou não ser de admitir o que considera ser a ampliação da causa de pedir em referência, e, em consequência, não ser de conhecer o vício invocado superviententemente, em sede de alegações. Para assim considerar o tribunal recorrido ponderou, em síntese, que «atendendo ao disposto nos artigos 264.°, 265.° e 588.° do Código de Processo Civil (CPC)/2013 (anteriores artigos 272.°, 273.° e 506.° do CPC/1961), não é admissível a ampliação da causa de pedir em referência e, em consequência, não pode ser conhecido o vício invocado supervenientemente, em sede de alegações».
A omissão de pronúncia sobre questões de que devesse tomar conhecimento é fundamento da nulidade da sentença (artigo 615.º/1/d), CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (1) . «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras» (artigo 608.º/2, do CPC).
No caso, o tribunal entendeu não conhecer do fundamento da oposição consistente na ilegitimidade material do oponente, fundada na asserção de que o mesmo não exerceu a gerência da sociedade devedora originária no período relevante em que as dívidas em causa foram postas a pagamento. Tal asserção tem por base a prolacção da sentença, de 16.07.2012, no âmbito do P. n.º 8204/10.1TDLSB, que correu termos junto da 3.ª Secção do 5.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa.
A questão de saber se a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia depende da resolução de uma outra, a qual consiste em saber se o tribunal recorrido devia ter dirimido o fundamento da falta de legitimidade material do oponente para ser demandado na execução, com base na falta de exercício da gerência de facto, tal como resulta da sentença penal transitada em julgado referida.
Vejamos.
Não sofre dúvida que « [a] indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo, posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocar-se novos factos ou imputar-se outros vícios, designadamente, nas alegações previstas no art.º 120.º do CPPT» (2). «[S]ó em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos supervenientes para o impugnante lhe proporcionem o conhecimento de vícios de que não podia ter tido conhecimento no momento da apresentação da petição inicial, será permitido ao impugnante invoca novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado»(3).
A fase de apresentação de alegações pré-sentenciais (artigo 120.º do CPPT) constitui o encerramento da discussão da causa em 1.ª instância. Pelo que, «[n]as alegações, em regra, apenas é admissível a apreciação crítica das provas e a discussão das questões de direito suscitadas na petição de impugnação, não sendo possível utilizá-las para invocar novos factos ou suscitadas novas questões de ilegalidade do acto impugnado»(4). Mas já será possível a invocação de novos factos ou de novos vícios se os mesmos corresponderem a factos subjectivamente supervenientes (5).
«Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precendentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência» (6).
Nos presentes autos, estão em causa dívidas de IRS, I. Selo de 2005 a 2009 (alínea J). Do probatório resulta que na pendência dos presentes autos, o oponente teve conhecimento da prolacção de sentença penal que considerou provado que o oponente não exerceu a gerência de facto da sociedade M……………., SA, de Julho de 2002 a Agosto de 2006 (alíneas P) e Q). A sentença foi proferida em 16.07.2012, e a sua junção aos autos foi requerida em 06.08.2012. Pelo que a invocação da falta de exercício da gerência de facto, no período referido, com base na sentença penal transitada em julgado, constitui facto superveniente em relação ao oponente, cuja invocação constitui o tribunal recorrido no dever de cognição, ao invés do que foi decidido pelo tribunal recorrido. Sem embargo, o tribunal considerou não ser de apreciar tal questão, dado que a mesma não foi invocada na petição inicial, pelo que o mesmo emitiu pronúncia sobre a questão suscitada, ainda que com erro de julgamento quanto aos limites dos poderes de cognição.
Em face do exposto, a alegada omissão de pronúncia não se confirma nos autos. Ainda assim, o tribunal incorreu em erro de julgamento, ao não ter dirimido a questão da falta de exercício da gerência de facto, com base na sentença penal transitada em julgado.
Motivo porque se impõe revogar a sentença recorrida nesta parte.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
Havendo elementos nos autos e uma vez observado o contraditório prévio, cumpre dirimir a questão da falta de exercício da gerência de facto.
2.2.2.2. Está em causa a reversão por dívidas de IVA, IRS, I. Selo de 2005 a 2009, de retenção na fonte (alínea J). O recorrente considera que, no período de Julho de 2002 a Agosto de 2006, não lhe pode ser imputada responsabilidade tributária pelas dívidas em causa dado que não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária, como resulta da sentença penal.
Vejamos.
Estatui o artigo 624.º, n.º 1, do CPC, que «A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário». Do normativo em presença extrai-se presunção ilidível quanto «aos factos que [na sentença] tenham sido dados como inexistentes ou não praticados pelo arguido, invertendo o ónus da prova»(7). No caso, dos elementos coligidos nos autos, resulta comprovado que, no período de Julho de 2002 a Agosto de 2006, o oponente exerceu a gerência da sociedade devedora originária (alínea S). Pelo que a presunção legal da inexistência de actos de gestão praticados pelo oponente não só não se confirma, como foi revertida.
Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.
2.2.5. No que respeita ao segundo fundamento do recurso, relativo ao erro de julgamento quanto ao juízo de culpa na falta de pagamento das dívidas em apreço, o recorrente invoca que a situação de falta de liquidez da empresa se deve a factores exógenos.
Por seu turno, a sentença, considerou demonstrada a culpa do oponente na falta de fundos necessários ao pagamento das dívidas fiscais. Para assim concluir, a sentença estruturou a argumentação seguinte:
«Com efeito, desde logo, tendo o Oponente alegado que as dificuldades da empresa iniciaram-se em 2002, ano a partir do qual a sociedade devedora originária começou a ter dívidas fiscais, daqueles factos dados como provados resulta que, não só a referida sociedade teve em 2002 um resultado líquido do exercício de valor considerável (481.447,02 EUR), como, em 2003, não obstante ter tido um resultado líquido do exercício negativo, possuía no seu activo investimentos financeiros avultados (543.654,51 EUR), como igualmente possuía um valor de imobilizado corpóreo também considerável (1.582.440,49 EUR), quando comparado com o valor que deixou de pagar a título de impostos.
Acresce que, a circunstância de o Oponente, nas suas declarações de IRS, ter sempre declarado ter recebido da sociedade devedora originária rendimentos de trabalho dependente de montante relativamente elevado permite concluir que o Oponente não desenvolveu uma actuação isenta de responsabilidade na eventual impossibilidade de pagamento das dívidas tributárias.
Com efeito, mostra-se pouco compreensível que, tendo o Oponente alegado dificuldades financeiras da sociedade devedora originária desde o ano de 2002, declarando um resultado negativo em 2003, vindo a mesma a acumular dívidas tributárias, o Oponente tenha recebido da sociedade, segundo o próprio declarou nas suas declarações de rendimentos dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, rendimentos de trabalho dependente pagos ou colocados à disposição pela referida sociedade nos montantes de 54.963,94 EUR, 70.000,00 EUR, 70.000,00 EUR e 45.000,00 EUR, respectivamente. O que coloca em causa a sua alegação de falta de culpa no não pagamento daquelas dívidas.
(…)
Sublinha-se também que em momento algum o Oponente vem alegar ou demonstrar a inactividade da sociedade devedora originária em qualquer dos períodos a que respeitam as dívidas tributárias. E, assim sendo, caberia ao Oponente demonstrar porque é que, mesmo assim, foi impossível satisfazer as suas obrigações de pagamentos tributários, bem como demonstrar que não privilegiou qualquer credor em detrimento da Fazenda Pública.
Refira-se, por fim que, tendo o Oponente alegado ter a sociedade devedora originária sentido dificuldades financeiras desde 2002, o que lhe impossibilitou o cumprimento das suas obrigações fiscais, começando nesse ano a acumular dívidas fiscais de elevado montante, não se compreende, nem o Oponente explica ou, sequer, alega, a razão pela qual não requereu a insolvência da sociedade, pelo menos até à data da apresentação da presente oposição».
Vejamos.
Recorde-se que está em causa a efectivação de responsabilidade subsidiaria do oponente, ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT. «Neste caso, o ónus da prova inverte-se contra o gestor, competindo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. Presume-se a culpa do gestor porque, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, considera-se que, em princípio, não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco. Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar»(8).
No caso, dos elementos coligidos nos autos resulta que a culpa do oponente pela falta de pagamento das dívidas fiscais mostra-se comprovada. É que o oponente praticou actos de gestão, assinou cheques em nome da empresa, realizou investimentos, pagou a fornecedores, conformando-se com a falta de pagamento das dívidas fiscais, correspondentes as dívidas de IVA, IRS, I. Selo de 2005 a 2009, de retenção na fonte (alíneas E), F) e S). Mais se refere que o recorrente foi remunerado como gerente no período em causa. Ou seja, o recorrente, gerente da sociedade devedora originaria, não só não requereu a falência da mesma, perante os resultados negativos da mesma, com vista à garantia das dívidas aos credores, entre os quais o Fisco, como também aceitou que a sociedade se apropriasse do imposto retido a terceiros (IVA, IRS e Selo), enquanto substituta legal, não o entregando ao Estado.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
1) Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença nos termos referidos em 2.2.2.1.
2) Julgar improcedente a oposição, nos termos referidos em 2.2.2.2.
3) Quanto ao mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta – Lurdes Toscano)

(2ª. Adjunta – Maria Cardoso)



________________________

(1) Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363.
(2) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., p. 209.
(3) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., p. 209.
(4) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., p. 297.
(5) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., p. 298.
(6) Artigo 588.º, n.º 2, do CPC. No mesmo sentido, V. artigo 86.º, n.º 2, do CPTA.
(7) José Lebre de Freitas et aliud, CPC anotado, Vol. 2.º, 2008, p. 727.
(8) Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11.