Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05844/01
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:11/24/2005
Relator:Magda Geraldes
Descritores:CARREIRA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
TRANSIÇÃO PARA NOVA CARREIRA
ESTÁGIO
Sumário:I - O Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09.11, no seu artigo 126.º n.º 1, estipula que "O ingresso na carreira de investigação criminal faz-se na categoria de inspector estagiário", à semelhança do que já anteriormente dispunha o Decreto-Lei n.º 295-A/90, no artigo 77.º n.º 1 que estipulava: " O ingresso nas carreiras de investigação criminal faz-se, conforme o caso, na categoria de inspector estagiário ou agente estagiário."
II - O artº 156º, nº2 do D.L. n.º 275-A/2000, de 09.11, estipula que "Na transição para a nova estrutura indiciária atende-se à contagem integral do tempo de serviço na categoria, contando-se, para efeitos de progressão, o tempo remanescente como tempo já prestado no escalão para o qual se opera a transição."
III - Resultando dos autos não terem os recorrentes efectuado qualquer estágio, tendo ingressado directamente na carreira de investigação criminal, ao abrigo da legislação então em vigor, não é possível que lhes seja considerado, aquando da transição para a nova estrutura salarial, qualquer tempo de serviço prestado como tempo de serviço na categoria, a título de estágio, que não foi efectivamente prestado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam no TCAS, Secção de Contencioso Administrativo, 1º Juízo


ANA ... e outros, identificados a fls. 2 e 3 dos autos, vieram interpor recurso contencioso de anulação do despacho do MINISTRO DA JUSTIÇA, que negou provimento aos recursos hierárquicos interpostos pelos recorrentes, onde impugnaram o despacho de 02.03.01, do Director Nacional da Polícia Judiciária que, aprovando a versão final da Lista de Transição para a nova estrutura salarial dos funcionários da P.J. e do Quadro do Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, elaborada de acordo com as normas de transição constantes do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, e da Lista de Posicionamento relativos às alterações funcionais ocorridas após 1 de Julho de 2000, colocou os agora recorrentes, na lista de antiguidades, em posição posterior e em escalão inferior aos actuais inspectores que frequentaram o 25.º Curso de Formação de Agentes Estagiários.

Em sede de alegações de recurso, formularam as seguintes conclusões:

“1. Os recorrentes frequentaram, como internos, o 26.º Curso de Formação de Agentes Estagiários, o qual era destinado a Agentes Motoristas e a funcionários administrativos da Polícia Judiciária, após o que foram integrados na categoria de Agentes de 3.ª Classe sem frequência de qualquer estágio.
2 . Ao longo dos anos, verificaram que as suas colocações na lista de antiguidades encontravam-se correctas, uma vez que, relativamente aos Agentes Estagiários que frequentaram o 25.º Curso de Formação de Agentes Estagiários e que foram nomeados em data posterior, se encontravam numa posição mais antiga.
3. No entanto, com as listas de transição e de posicionamentos, de que se interpuseram recursos hierárquicos para Sua Excelência o Ministro da Justiça, os recorrentes encontram-se agora numa posição posterior e em escalão inferior aos Agentes (Inspectores segundo a denominação da nova lei orgânica) que frequentaram o 25.º Curso de Formação de Agentes Estagiários e que realizaram o estágio.
4. A autoridade recorrida, na resposta aos recursos interpostos, entende que o legislador optou por um critério de natureza quantitativa, onde se contava o tempo integral de serviço na categoria, incluindo o estágio, em detrimento de outros aspectos de natureza qualitativa, pelo que, para efeitos de antiguidade e posicionamento na carreira, não se pode contar o período de estágio de quem directamente, como é o caso dos recorrentes, ingressou na carreira de investigação criminal.
5. Entende a autoridade recorrida que o acto recorrido não enferma de qualquer vício, uma vez que se limitou a cumprir a lei, pelo que é válido e legal.
6. Ora, não podem os recorrentes concordar com o despacho recorrido.
7. Foi a lei então em vigor que permitiu aos recorrentes o ingresso na carreira do Pessoal de Investigação Criminal e na categoria de Agentes sem terem de fazer estágio.
8. Quando os recorrentes já tinham ingressado na carreira do pessoal de Investigação Criminal da Polícia Judiciária e já estavam integrados na categoria de Agente, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/90, o regime de dispensa cessou e os candidatos passaram a poder ser nomeados só após um período de estágio probatório.
9. As Listas de transição e de Posicionamento decorrentes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09 de Novembro produzem efeitos retroactivos, prejudicando todos aqueles funcionários de investigação criminal que ingressaram directamente na carreira sem terem realizado qualquer estágio, ficando com tempo de serviço inferior àqueles funcionários que ingressaram mais tarde na carreira e na categoria de Agentes.
10. A nova lei orgânica, bem como as listas agora publicadas, ao adoptar um critério estritamente quantitativo padecem de inconstitucionalidade, uma vez que põem em causa interesses e legítimas expectativas dos recorrentes.
11. Aliás, o próprio Código Civil consagra, no seu artigo 12.º, o princípio geral da não retroactividade da Lei e salvaguarda, mesmo quando a retroactividade é expressamente admitida, que os efeitos já produzidos pelos factos que a lei visa regular, sejam ressalvados.
12. Também a Constituição da República estabelece no artigo 266.º, n.º 1 que a Administração, na prossecução do interesse público, deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos.
13. As leis e os actos administrativos com eficácia retroactiva não podem nunca colocar em causa o Princípio da Protecção da Confiança ínsito à ideia de Estado de Direito Democrático.
14. Apesar da Administração e do legislador terem a faculdade de regular a situação jurídica dos funcionários no que concerne à progressão e reformulação das respectivas carreiras, estão, no entanto, em observância ao Princípio dos Direitos Adquiridos, obrigados a salvaguardar sempre os direitos destes funcionários anteriormente subjectivados.
15. Da articulação do princípio da legalidade consagrado no artigo 3.º da C.R.P. e artigo 3.º do C.P.A., com o n.º 2 do artigo 266.º da C.R.P., resulta claramente a subordinação da Lei e da Administração à Constituição.
16. Mesmo admitindo que o acto recorrido, que consubstanciou a aprovação das Listas de Posicionamento e de Transição, está de acordo com o preceituado na lei, a autoridade recorrida tinha o dever de a não aplicar, por a mesma violar os princípios e preceitos constitucionais acima invocados.
17. Encontra-se violado o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da C.R.P. e no artigo 5.º do C.P.A., o qual se identifica com uma proibição de medidas manifestamente desproporcionadas ou inadequadas, por um lado, à ordem constitucional de valores e, por outro, à situação fáctica que se pretende decidir.
18. Por um lado, são inadmissíveis diferenciações de tratamento irrazoáveis, sem fundamento material, ou tendo por base meras categorias subjectivas. Por outro lado, impõe-se tratar diferentemente o que é desigual.
19. Eis o que sucede com o caso sub judice, em que a situação dos recorrentes está a merecer tratamento igual à situação de outros funcionários que é manifestamente desigual, tratando-se da mesma forma o que é jurídica e materialmente desigual.
20. O legislador encontra-se vinculado jurídico-materialmente ao princípio da igualdade, devendo dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida a tratar igual ou desigualmente.
21. No entanto, quando são violados os limites externos da “discricionariedade legislativa”, quando não se vislumbra adequado suporte material para a medida legislativa, estamos perante uma violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio.
23. Não se coaduna com os princípios de um Estado de Direito Democrático, consagrados na Constituição da República Portuguesa, que os recorrentes sejam preteridos relativamente a outros funcionários, por em tempos terem feito uso de uma prerrogativa que a lei lhes conferia.”

A autoridade recorrida contra-alegou, concluindo:

“a) Os recorrentes apenas se limitaram, nas presentes alegações, a dar por reproduzido o que alegaram na petição de recurso, sem que hajam produzido quaisquer conclusões. Julga-se, assim, que deverão ser convidados a reformular aquela peça processual, nos termos do artigo 690° do C.P.C..
b) O n.° 1 do artigo 126° do Dec.-Lei n.° 275-A/2000, à semelhança do que já prescrevia o n.° 1 do artigo 77° do Dec.-Lei n.° 295-A/90 de 21.09, determina explicitamente que o ingresso na carreira de investigação criminal se faz pela categoria de estagiário.
c) Por seu turno, ao contrário do que normalmente sucede em casos de transição de pessoal, o Dec.-Lei n.° 275-A/2000 não fez depender a integração nos escalões, da antiguidade no nível, tendo antes feito relevar o tempo de serviço na carreira.
d) Os ora recorrentes, ingressaram directamente na carreira de investigação criminal, sem terem sido submetidos a estágio, ao abrigo da possibilidade que a legislação em vigor, ao tempo do seu ingresso, lhes abriu.
e) Para efeitos da transição operada pelas listas, ora impugnadas, não lhes podia, consequentemente, ser contado como tempo de serviço na categoria, o período de tempo correspondente ao estágio profissiona-lizante que os seus colegas prestaram, e que eles, necessariamente não possuíam.
f) De resto, o Dec.-Lei n.° 275-A/2000 não contem mecanismos de transição que contemplem o seu caso, ao invés do que sucede com aqueles seus colegas (artigos 77° do Dec.-Lei n.° 295-A/90 e 126° do Dec.-Lei n.° 275-A/2000).
g) Este critério, acolhido pelo Dec.-Lei n.° 275-A/2000, que como qualquer outro poderá ser ou não discutível, não é porém ilegal, nem tão pouco violou o artigo 3° do C.P.A. e 266° da C.R.P..
h) Do mesmo modo que o princípio da igualdade não foi "in casu" sequer beliscado, sendo certo que a situação dos recorrentes é substancialmente diferente da do pessoal de investigação criminal que frequentou com êxito o estágio profissionalizante a que se referia o artigo 77° do Dec.-Lei n.° 295-A/90 (actual artigo 126° do- Dec.-Lei n.° 275-A/ 2000), tendo quanto a este último, a lei considerado aquele estágio como tempo de serviço na respectiva carreira;
i) Ao contrário dos recorrentes, aos quais não podia ser computado como tempo de serviço na carreira, um estágio que não possuem, pelo que o acto recorrido é válido e legal, improcedendo, totalmente, as alegadas violações do artigo 5° do C.P.A. e 13° da C.R.P..
j) Finalmente, no que respeita à inconstitucionalidade reclamada pelos recorrentes, derivada da inobservância pelo acto recorrido daquilo a que chamam "discricionariedade legislativa, por violação dos artigos 3°, 13° e 266° n.° 1 da C.R.P. -, dir-se-á que a mesma não foi, até ao momento, declarada pelo Tribunal Constitucional, com força. obrigatória geral, nos termos do artigo 281° n.° 3 da Constituição da República.
1) Pelo que a Administração Pública, se limitou "in casu" a cumprir os preceitos legais aplicáveis à respectiva situação, em estrita observância dos princípios da legalidade e imediata subordinação à lei, aos quais se encontra subordinada.”

O Exmo. Magistrado do MºPº emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

OS FACTOS

Tendo em atenção os docs. juntos aos autos, o constante do processo administrativo (pa) e as posições assumidas pelas partes, mostram-se assentes os seguintes factos com interesse para a decisão:
a) - os recorrentes frequentaram, como internos, o 26.º Curso de Formação de Agentes Estagiários, o qual era destinado a Agentes Motoristas e a funcionários administrativos da Polícia Judiciária (cfr. doc. junto ao pa);
b) - após a frequência deste curso foram integrados na categoria de Agentes de 3.º Classe, sem frequência de qualquer estágio (cfr. doc. junto ao pa);
c) - por despacho de 2 de Março de 2001 do Director Nacional da Polícia Judiciária, publicado no D.R., II Série n.º 81 de 05 de Abril de 2001, foram aprovadas as listas de transição para a nova estrutura salarial dos funcionários do quadro da Polícia Judiciária e Ciências Criminais, elaborada de acordo com as normas de transição constantes do D.L. n.º 275-A/2000, de 09.11;
d) - nas listas de transição referidas em c), os recorrentes encontram-se em posição posterior e em escalão inferior aos agentes que frequentaram o 25º Curso de Formação de Agentes Estagiários e que realizaram estágio;
e) - do despacho referido em c) interpuseram os recorrentes recurso hierárquico para o Ministro da Justiça, alegando terem sido prejudicados relativamente aos agentes estagiários que frequentaram o 25.º curso de Formação porque, uma vez que não foram submetidos a estágio, ao contrário do que sucedeu com aqueles, viram as suas posições invertidas nas listas de transição e de posicionamento face aos colegas que frequentaram o 25.º curso de formação;
f) - sobre os recursos hierárquicos interpostos pelos recorrentes foram prestadas as informações da Auditoria Jurídica do Ministério da Justiça e as Informações de Serviço da Directoria-Geral da Polícia Judiciária, constantes do processo instrutor, cujos teores se dão por reproduzido, onde se concluía que os recursos deviam ser indeferidos, constando das Informações de Serviço da Directoria-Geral da Polícia Judiciária, designadamente, relativamente aos recorrentes António Adão, António Sequeira, Carlos Passos, Celestino Augusto, José Bernardo, José Fernando, José Ricardo e Lídia Pereira, o seguinte: “(...) 9. Constatou-se deste modo, que os candidatos que frequentaram o 25º Curso de Formação iniciaram, em geral, o exercício das correspondentes funções, na qualidade de agentes estagiários, em data anterior à do ingresso da(o) exponente em agente de 3ª classe, que frequentou o Curso de Formação imediatamente (o 26º) e não foi submetida a estágio. 10. Consequentemente, aqueloutros encontram-se a exercer aquelas funções há mais tempo do que a(o) recorrente, (...).” e, relativamente à recorrente Ana Nazaré, o seguinte: “(...) 9. Constatou-se deste modo, que os candidatos que frequentaram o 25º Curso de Formação iniciaram, em geral, o exercício das correspondentes funções, na qualidade de agentes estagiários, em 25 de Fevereiro de 1988, quando a exponente, que frequentou o Curso de Formação imediato (o 26º) e não foi submetida a estágio, iniciou o exercício dessas funções apenas em 3 de Outubro de 1988, ou seja, cerca de oito meses mais tarde. 10. Consequentemente, aqueloutros encontram-se a exercer aquelas funções há mais tempo do que a recorrente, (...).”
g) - com base nas informações aludidos na alínea anterior foi negado provimento aos recursos hierárquicos, por despacho do Ministro da Justiça datado de 07.08.01 onde se pode ler “Concordo as informações da Auditoria Jurídica bem como com os pareceres da Polícia Judiciária que lhes vêm anexos, pelo que indefiro os recursos hierárquicos interpostos Por: ... Ana Nazaré Pereira Pinto Fernandes, António Adão Baptista, António José sequeira Cardeal, Carlos Manuel Oliveira Passos, Celestino Augusto Pais, José Bernardo Martins paixão, José Fernando Carona, José Ricardo Freire Chorão, Lídia Bernardette Pereira de Sousa...” (entre outros, tendo só estes recorrido contenciosamente).
Lisboa, 7 de Agosto de 2001
ass) O ministro da Justiça
António Costa”.

O DIREITO

O acto recorrido nos presentes autos é o despacho do Ministro da Justiça, que negou provimento aos recursos hierárquicos interpostos pelos recorrentes do despacho de 02.03.01 do Director Nacional da Polícia Judiciária, que aprovou a versão final da Lista de Transição para a nova estrutura salarial dos funcionários da Polícia Judiciária e do Quadro do Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, elaborada de acordo com as normas de transição constantes do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09.11, e da Lista de Posicionamentos relativos às alterações funcionais ocorridas após 1 de Julho de 2000, que colocou os agora recorrentes, na lista de antiguidades em posição posterior e em escalão inferior aos actuais inspectores que frequentaram o 25.º Curso de Formação de Agentes Estagiários.
Alegam os recorrentes ter sido a lei então em vigor que lhes permitiu “o ingresso na carreira do Pessoal de Investigação Criminal da Polícia Judiciária e na Carreira de Agente, sem terem de fazer estágio” e que, “a nova lei orgânica, bem como as listas agora publicadas, ao adoptar critério estritamente quantitativo padecem de insconstitucioonalidade, uma vez que põem em causa interesses e legítimas expectativas dos recorrentes”.
Os recorrentes imputam ao acto recorrido o vício de violação de lei, designadamente, por violação do princípio da legalidade previsto no artigo 3.º do CPA e artigo 266.º, n.º 2 da CRP e o princípio da igualdade previsto no artigo 5.º do CPA e artigo 13.º da C.R.P.

Vejamos.

O Decreto-Lei n.º 275-A/2000 no seu artigo 126.º n.º 1, estipula que “O ingresso na carreira de investigação criminal faz-se na categoria de inspector estagiário”. Isto á semelhança do que já anteriormente dispunha o Decreto-Lei n.º 295-A/90, no artigo 77.º n.º 1 que estipulava: “ O ingresso nas carreiras de investigação criminal faz-se, conforme o caso, na categoria de inspector estagiário ou agente estagiário.”
O legislador optou, claramente, por um critério de natureza quantitativa, privilegiando o tempo integral de serviço na categoria, em detrimento de aspectos de cariz qualitativo, assim como a preparação específica e o carácter profissionalizante do estágio referido no artigo 126.º n.º 1 do D.L. 275-A/2000, de 09.11, impondo a contagem desse estágio como tempo de serviço efectivamente prestado na carreira.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 126.º do D.L. n.º 275-A/2000, na esteira do que já prescrevia o n.º 1 do artigo 77.º do D.L. n.º 295-A/90, determina expressamente que o ingresso na carreira de investigação criminal, se faz na categoria de estagiário. A lei prevê, assim, um estágio profissionalizante, iniciando-se a respectiva carreira na categoria de inspector estagiário.
Isto, ao contrário do que determinava o n.º 1 do art.º 112.º do D.L. n.º 458/82, de 24.11, que preceituava, tão somente, que os lugares de agente de 3.ª classe eram providos por nomeação de agentes estagiários que tivessem, pelo menos, 1 ano de estágio com bom e efectivo serviço, não prevendo tal diploma qualquer categoria de ingresso na carreira em que o estágio fosse parte integrante de tal categoria .

Por seu turno, o artº 156º, nº2 do D.L. n.º 275-A/2000, estipula que “Na transição para a nova estrutura indiciária atende-se à contagem integral do tempo de serviço na categoria, contando-se, para efeitos de progressão, o tempo remanescente como tempo já prestado no escalão para o qual se opera a transição.”
Definiu, deste modo, o legislador, como critério de transição, a contagem de todo o tempo de serviço prestado na categoria detida.
Sendo a categoria de inspector estagiário a categoria de ingresso da respectiva carreira, e operando-se a transição para a nova estrutura indiciária com base no único critério definido pelo legislador - contagem integral do tempo de serviço na categoria - este critério repercute-se no posicionamento obtido após a transição operada, pois o legislador não elegeu como critério de transição o tempo de serviço prestado no nível em que os agentes se encontrassem posicionados, mas, como se disse, elegeu, sim, a contagem de todo o tempo de serviço prestado na categoria, o que significa que na referida transição é determinante a data de ingresso em tal categoria.
Ora, no caso dos autos, não obstante a deficiente alegação fáctica por parte dos recorrentes, bem como a parca argumentação da autoridade recorrida, depreende-se, da análise dos docs. juntos e do constante do pa, análise essa que determinou o apuramento dos factos supra dados como provados, que a Administração considerou como tempo de serviço prestado na categoria, o tempo do estágio que os inspectores que frequentaram o 25.º Curso de Formação de Agentes Estagiários, isto é, como tempo integrante da categoria de ingresso, logo, como tempo de serviço prestado integralmente na carreira, de acordo com a lei que fixou os critérios de transição.
Ora, a situação dos ora recorrentes é diferente, porquanto, de acordo com a legislação ao tempo em vigor, os recorrentes ingressaram na carreira de pessoal de investigação criminal e na categoria de agente, sem que tivessem de realizar aquele estágio, já que esse ingresso teve lugar antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21.09, facto que os próprios recorrentes reconhecem no artº 11º da sua petição de recurso: não frequentaram o estágio de pelo menos um ano (sic) .
Não tendo os recorrentes efectuado qualquer estágio, tendo ingressado directamente na carreira de investigação criminal, ao abrigo da legislação então em vigor, não é possível que lhes seja considerado, a esse título, qualquer tempo de serviço como tempo de serviço na categoria, pois, face à legislação em vigor, ao tempo do respectivo ingresso, os recorrentes não foram submetidos a estágio, não sendo possível contar como tempo de serviço um período que, efectivamente, não foi prestado como tal.
Também não colhe o argumento de que as listas de transição e de posicionamento, ao tomarem em consideração o período de estágio, produziram efeitos retroactivos, pois, atenta a matéria de facto apurada e o disposto no artº 156º, nº2 do DL 275-A/2000, de 09.11, nesta transição não relevou como factor ou critério qualquer estágio que tenha sido efectuado, mas sim o tempo de serviço integralmente prestado na categoria de ingresso, tendo sido determinante, como é obvio, a data de início de funções em tal categoria, pois é partir desta que se conta o tempo de serviço. Acresce que, a existir qualquer retroactividade ela resultaria da norma contida no artº 156º, nº2, do DL 275-A/2000, de 09, permitida pelo artº 12º, nº2, última parte, do CC.

Por outro lado, ao fixar-se um novo regime de ingresso na carreira de investigação criminal, estipulando-se que esse ingresso se faz na categoria de estagiário em detrimento do regime anteriormente estabelecido em que esse estágio era dispensado, as normas em causa não afectam de forma arbitrária, inadmissível ou desproporcionada, os direitos e expectativas dos recorrentes, não ocorrendo a alegada violação do princípio da legalidade, uma vez que não são ofendidos quaisquer direitos adquiridos dos recorrentes.
E também não se pode considerar violado o disposto no art.º 13.º da CRP, que estabelece o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, uma vez que a situação factual relativa aos recorrentes e aqui em apreciação, não contem elementos subsumíveis à previsão desta norma ou susceptíveis de com ela colidir, designadamente, não resulta dos autos que a sua situação, sendo igual a de outros colegas (que, aliás, não identificaram), tenha tido tratamento diverso. Ao invés, depreende-se dos factos apurados nos autos que a situação dos recorrentes é diferente da dos colegas que frequentaram o estágio por eles posto em questão, tendo estes, inclusivamente, ao contrário do alegado pelos recorrentes, iniciado o exercício das correspondentes funções, na qualidade de agentes estagiários, em data anterior à do ingresso dos recorrentes em agentes de 3ª classe (cfr. al. f) da matéria de facto).
O mesmo se diga em relação ao artigo 266.º n.º 2 da CRP que estabelece o princípio da igualdade na actividade da Administração quando aplica aos administrados normas da Constituição e da lei a que está subordinada. Com efeito, não alegam os recorrentes, em concreto, e muito menos se mostra provada, qualquer discriminação de tratamento nas situações dos autos, com referência a outras situações idênticas. Neste aspecto, é de referir, como se faz no parecer do Exmº Magistrado do M.P., que, enquanto num caso a lei permite contar a frequência de uma determinada actividade - o estágio - como tempo de serviço efectivamente prestado, pois a carreira inicia-se pela categoria de estagiário, a situação dos recorrentes não dispõe de apoio legal nesse tocante, uma vez que, não é possível contar-lhes como tempo de serviço um período - estágio - que realmente não foi prestado como tal.
É princípio geral do direito administrativo que a situação jurídica dos funcionários públicos ou agentes é estatutária e deste modo livremente modificável pelo legislador, salvo na medida em que existam direitos já subjectivados que não poderão ser reduzidos...” (Ac. do STA de 04.07.1995).
Tal como refere a autoridade recorrida, salvaguardados os direitos já adquiridos, “não existe no nosso ordenamento jurídico qualquer garantia de intangibilidade ou imodificabilidade futura das expectativas profissionais dos funcionários, através de providências de natureza legislativa ou regulamentar supervenientes”.

Em conclusão, improcedem as conclusões das alegações do presente recurso, por não provadas, não se verificando os apontados vícios do acto recorrido, não se tendo violado com o mesmo qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente os invocados pelos recorrentes, sendo certo que não compete a este tribunal a apreciação de qualquer eventual inconstitucionalidade abstracta de qualquer diploma legal, como parece pretenderem os recorrentes nas conclusões 20 a 23 das suas alegações.
Assim sendo, atentos os fundamentos invocados, improcedendo as conclusões das alegações do presente recurso contencioso, não merece o mesmo provimento.

Acordam, pois, os juizes do TCAS, Secção de Contencioso Administrativo, 1º Juízo, em:
a) - negar provimento ao presente recurso contencioso;
b) - condenar os recorrentes nas custas, com 150 euros de taxa de justiça e 50% de procuradoria.

LISBOA, 24.11.05