Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2585/17.3BELSB
Secção:CA-2ºJUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:DADOS DE SAÚDE
SEGURADORA
INTIMAÇÃO
QUESTÃO NOVA
Sumário:1. A disponibilização de dados de saúde da segurada/declarante, falecida, não é violadora das diposições legais de sobre reserva da vida privada, na medida em que a celebração e aceitação das condições do contrato de seguro de vida, onde se insere a autorização de acesso àqueles dados por parte da companhia de seguros, consubstanciam o consentimento expresso da segurada/declarante atribuído à seguradora para aceder àqueles dados após a sua morte.
2. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando, por isso, excluída a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova).
3. O âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal de recurso, é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado - artº 149º nºs 1, 2 e 3 CPTA e artº 665º nºs 1, 2 e 3 CPC (ex  715º nºs 1, 2 e 3 CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo IP, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo com segue:


1. A douta sentença recorrida padece do vício de violação de lei que justifica a sua revogação;
2. Com efeito, o Tribunal a quo não procedeu à correta interpretação e aplicação dos artigos 3º nº 3 da Lei 12/2005 e 1º nº 3 da LADA, que são a sua única base legal para fundamentar a sentença;
3. O Tribunal a quo descurou a aplicação ao caso concreto do regime legal vertido na LPDP, maxime dos seus artigos 3º al. h), 6º e 7º nº 2, que concretizam os artigos mencionados na conclusão II.
4. Bem como descurou a aplicação ao caso concreto do regime legal vertido no artigo 6º nº 5 al. a) da LADA, que também concretiza os artigos mencionados na conclusão II.;
5. Tais normativos exigem que o consentimento do titular dos dados de saúde que legitima o seu acesso por terceiros resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida;
6. Conceitos que há muito se encontram consolidados na jurisprudência e doutrina administrativa da CNPD, que o Tribunal a quo simplesmente ignorou;
7. O Tribunal a quo limitou-se a verificar que formalmente existia uma cláusula, a final da apólice, denominada «Tratamento de dados pessoais» e a considerar que isso preenchia a previsão da norma, que permite o acesso aos dados de saúde;
8. Ao invés, o Tribunal a quo deveria ter avaliado e verificado se materialmente aquela cláusula preenchia a previsão da norma. Isto é, se no caso concreto, estamos perante um consentimento que resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida, tal como obrigam os artigos 6º nº 5 al. a) da LADA e artigos 3º al. h), 6º e 7º nº 2 da LPDP
9. O Tribunal a quo descurou igualmente a aplicação ao caso concreto da jurisprudência consolidada dos tribunais cíveis superiores que entendem que as cláusulas apostas em contratos de seguro que exigem a apresentação de relatório de onde constem as causas, início e duração da doença que causou a morte do de cujus são nulas nos termos do artigo 12º e 21º al. g) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, porquanto modificam a repartição do ónus da prova.
10. Caso tivesse procedido à correcta aplicação do Direito aos factos, bem como tido em conta o ordenamento jurídico, no seu todo, incluindo a doutrina administrativa consolidada da CNPD e a jurisprudência dos tribunais cíveis superiores, o Tribunal o quo facilmente teria concluído que o consentimento prestado à Recorrida pela falecida C… não resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida;
11. A leveza com que o douto Tribunal a quo interpretou e aplicou o Direito tanto é mais grave quando a Recorrida é uma Companhia de Seguros e é, notória e publicamente, sabido que o acesso de empresas seguradoras a dados médicos de pessoas falecidas, em busca de informação clínica, visa sobretudo exclusões de responsabilidade.
12. A pretensão da Recorrida de acesso a informação clínica da falecida C… deveria, por tudo, ter sido considerada improcedente.

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                A Recorrida…– Companhia de Seguros contra-alegou, concluindo como segue:


1. A Recorrente não se conforma com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual veio julgar a presente acção de intimação totalmente procedente, intimando o Hospital a prestar a informação clínica solicitada à ora Recorrida.
2. Alega que não existe consentimento expresso da Segurada nesse sentido e que o douto tribunal interpretou e aplicou erradamente a lei. Porém, salvo melhor entendimento, sem qualquer razão,
3. Isto porquanto, e tal como resultou provado na douta acção, do boletim de subscrição do Contrato de Seguro de Vida Individual - Protecção Safecare, oportunamente junto pela Recorrida, resulta a seguinte clausula: "O Tomador do Seguro e as Pessoas Seguras autorizam ex&ressaffi&rite o Segurador (...), entidade responsável pelo presente tratamento de dados a recolher, armazenar, interconectar e tratar informaticamente ou não os dados pessoais (incluindo dados de saúde) fornecidos, bem como outros que o Segurador obtenha legalmente (...)"
4. Ora, nos termos da Cláusula 2.9.4.3 das Condições 'Especiais do contrato de seguro de vida individual subscrito, tais documentos são, entre outros, "Atestado médico onde se declarem as causas, início e duração da doença ou lesão que causou a morte".
5. Sendo que, no Boletim de subscrição, a Segurada; declarou que lhe foram prestadas de forma integral e pormenorizada todos os esclarecimentos necessários (incluindo os solicitados) sobre todos os direitos e deveres decorrentes da celebração do contrato de seguro, assim corno coberturas e exclusões do mesmo.
6. Declarando igualmente ter compreendido e entendido as mesmas como necessárias para a sua tomada consciente decisão de contratar.
7. Ora, não se alcança em que medida poderá existir um consentimento mais expresso do que o dado pela Segurada no sentido de dever ser facultado o acesso â sua documentação clínica que venha a ser necessária à Seguradora.
8. Por outro lado, também não são nulas, como alega a Recorrente, ainda que subtilmente, alegar a nulidade das cláusulas do contrato de seguro subscrito por entender que a Segurada desconhecia o seu alcance.
9. Na verdade, à data da subscrição do Contrato de Seguro em causa, a Segurada tinham pleno e efectivo conhecimento das cláusulas contratuais, as quais lhes foram inclusivamente explicadas, conforme expressamente' declarou, bem como autorizou, expressamente, a Recorrida a consultar junto de qualquer entidade a sua documentação clínica, pelo que, atento o consentimento expresso, livre e informado da Seguradora, não pode o ora Recorrente vir pôr em causa as suas declarações e, bem assim, a nulidade do contrato de seguro por entender que a Segurada desconhecia o seu alcance.
10. Por outro lado, e não se tendo a Segurada limitado a subscrever um conjunto de cláusulas existente mas tendo sido, na verdade, devidamente esclarecida sobre as cláusulas a que aderia no seu caso concreto, não podem as referidas cláusulas ser consideradas abusivas e, consequentemente, nulas. Na verdade, e não obstante o supra exposto,
11. Não será admissível impor às Seguradoras a aceitação ou o pagamento de todo e qualquer risco/prejuízo, no pressuposto que estes possam ser inerentes à mera celebração de um contrato de seguro uma vez que, a admitir-se tal facto sem se exigir em contrapartida a verificação de certos pressupostos, de resto explanados nos contratos e do conhecimento dos Segurados que os subscrevem, violar-se-ia, por completo, o equilíbrio contratual das partes.
12. Por outro lado, a obtenção por parte da Seguradora de dados relativos ao estado de saúde e caudas de morte, em nada colide com os direitos dos Segurados, porquanto estes são obtidos com a finalidade exclusiva de atestar que as declarações que os Segurados prestaram aquando da celebração dos contratos são verdadeiras, sendo sempre garantida a confidencialidade inerente aos mesmos, porque facultados a médicos designados pelas Seguradoras e, como tal, não atentam a quaisquer direitos dos Segurados como sendo o direito de reserva da vida privada e intimidade das pessoas. Ora,
13. O que apenas esteve em causa na presente acção foi saber se a Seguradora Recorrida tinha ou não o direito a aceder à informação clínica relativa à sua Segurada, defendendo a Recorrente apenas e só que a Requerente não tinha um1 interesse directo e legitimo na documentação que requisitava, nem consentimento da Segurada para a obter.
14. Neste âmbito, interessa o disposto no n.° 5 do artigo 6.° da L.ADA, que dispõe que um terceiro deverá ter acesso aos documentos quando: a) estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito; ou b) o terceiro demonstrar interesse directo, pessoal e legitimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
15. Em igual sentido dispõe o n.° 3 do artigo 3.° da Lei 12/2005, de 26 de Janeiro, que autoriza o acesso a tais dados por parte de terceiros, desde que se encontrem verificados dois pressupostos:  i) autorização escrita do respectivo titular; ii) transmissão de dados junto de médico, com habilitação própria, escolhido pelo titular.
16. No presente caso, conforme já exposto, não restam dúvidas de que a Recorrida se encontra munida de declaração expressa da Segurada para aceder à sua informação clínica, em caso de sinistro, resultando igualmente, que a mesma é titular de um interesse directo, pessoal e legitimo segundo o princípio da proporcionalidade, sendo de referir também que tais documentos foram, corno se exige, solicitados pelo médico conselheiro da Companhia.
17. Aliás, como referiu a douta sentença: "Por outro lado, através das informações de saúde existentes até à data da celebração do contrato, a seguradora poderá atestar a veracidade dos elementos de saúde fornecidos pela pessoa segura no momento da celebração do contrato de seguro (...)"
18. Ora, é exactamente neste facto que se consubstancia, corno referido, o interesse da Seguradora, pois da documentação em causa podem resultar factos relevantes para a verificação dos pressupostos da obrigação de uma seguradora pagar o valor de uma indemnização em virtude da morte da pessoa segura.
19. Na verdade, trata-se de aceder a documentação médica de onde podem resultar factos relevantes para a verificação dos pressupostos da obrigação de uma seguradora pagar o valor de uma indemnização em virtude da morte da pessoa segura, que, ao subscrever o contrato se seguro, consentiu livre, informada e expressamente, no próprio interesse, a Seguradora a aceder a tal documentação que, a final, só a ela lhe diz respeito, consentimento este que não ofende, de forma alguma, qualquer direito constitucionalmente consagrado, o que basta para ser legítimo. Pelo que,
20. Se consideram inequivocamente verificados todos os pressupostos de que a lei faz depender o acesso á documentação clínica por parte de terceiros e, corno tal, por parte da ora Recorrida.
21. Do exposto que a ora Recorrida tem o direito de aceder à informação pretendida, conforme foi de resto decidido pela douta sentença da qual o Réu recorre, à qual a ora Recorrida adere na sua totalidade, devendo a mesma ser mantida para todos os efeitos ai consagrados, e consequentemente intimada a Recorrente Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados da Brandoa a prestar à Companhia de Seguros …- Companhia de Seguros de yída SA a informação que lhe foi solicitada pelo médico conselheiro da Companhia.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

a) Em 25/06/2013, entre …Seguros - Companhia de Seguros, SÁ. e … foi celebrado um Contrato de Seguro de Vida Individual - Protecção Safecare [documento n.°3 junto com o requerimento inicial],

b) Na proposta de seguro, assinada por …, consta, designadamente, o seguinte:

“(..) O Tomador do Seguro e as Pessoas Seguras autorizam expressamente e nos termos da Lei, o Segurador …, Companhia de Seguros de Vida, S.A. entidade responsável pelo presente tratamento de dados a recolher, armazenar, interconectar e tratar informaticamente ou não, os dados pessoais (incluindo os dados de saúde) fornecidos, bem como outros que o Segurador obtenha legalmente, designadamente para os seguintes efeitos.

(..)

Liquidação das importâncias seguras, sempre que a ela houver direito, após o envio da seguinte documentação cujo acesso pelo Segurador bem como pelos beneficiários do presente contrato de seguro é expressamente autorizado pela Pessoa Segura: certificado de óbito; documento comprovativo das causas e circunstâncias em que ocorreu o falecimento.

Para além da documentação referida anteriormente, sempre que se considere conveniente para melhor definição da natureza e extensão das responsabilidades do Segurador, a Pessoa Segura autoriza expressamente a solicitação e acesso da mesma e/ou dos Beneficiários a outros elementos ou informações relacionadas com o estado de saúde da Pessoa Segura anteriormente à celebração do presente contrato e, eventualmente, a proceder às averiguações que para esse efeito considere necessárias, junto das competentes entidades. (..)" [documento n.°3 junto com o requerimento inicial].

c) No dia 31/12/2014, a …- Companhia de Seguros, S A celebrou com a …Vida - Companhia de Seguros de Vida, S.A. um acordo, denominado "Contrato de Transferência de Carteiras", mediante o qual a primeira transferiu para a segunda a sua carteira de apólices de seguro subscritas desde 01/07/2012 [documento n.°1 junto com o requerimento inicial].

d) Na sequência do óbito de …., através de carta datada de 04/01/2017, a requerente, através do seu médico conselheiro, Dr. …, solicitou à Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados da … cópia do processo clínico de … ou, em sua substituição, relatório médico actualizado com menção a doenças e respectivas datas de diagnóstico [documento n.°2 junto com o requerimento inicial].

e) A requerente juntou à carta referida em d) cópia da proposta de seguro [facto admitido por acordo e documento n.°2 junto com a petição inicial],

f) A Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados da …não respondeu ao pedido referido em d) [facto admitido por acordo].

g) Em consequência, a requerente apresentou queixa junto da Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, que, em 17/10/2017, proferiu o Parecer n."313/2017, onde consta, a final, o seguinte: "Face ao exposto, entende-se que a entidade requerida deve facultar o acesso à informação de saúde abrangida pelo instrumento de consentimento, através do médico conselheiro da seguradora," [documento n.°5 junto com o requerimento inicial].

DO   DIREITO

                A intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões constitui uma forma de processo declarativo autónomo urgente, integrando no seu objecto tanto o direito à informação procedimental (andamento dos procedimentos administrativos e conhecimento das decisões neles tomadas) como a não procedimental (arquivos e registos administrativos).

                                                                                              *

                No caso dos autos, a ora Recorrente Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo IP –  que, enquanto parte demandada não apresentou resposta e constituiu mandatário no processo na fase de notificação da decisão em 1ª Instância  –  assaca a sentença de violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de:

· manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida em matéria de disponibilização de dados da falecida/segurada à companhia de seguros, ora Recorrida

· no tocante ao consentimento dado pela falecida/segurada mediante cláusula inserida nas condições gerais da apólice de seguro

· violação de lei evidenciada pela errada aplicação aos factos do disposto nos seguintes normativos:

1. artºs. 3º al. h) 6º e 7º nº 2 Lei 67/98, 26.10/LPDP (Lei de Protecção de Dados Pessoais) ……………………………… itens 3 e 8 das conclusões;

2. artºs 3º nº 3 Lei 12/2005, 26.01 (Lei da Informação Genética e Informação de Saúde) …………………………………. item 2 das conclusões;

3. artº 1º nº 3 e 6º nº 5 a) Lei 26/2016, 22.08/LADA (Lei do Acesso à Informação Administrativa e Reutilização dos Documentos Administrativos) ……... ………………………………………….. itens 2, 4´e 8 das conclusões;

4. artsº. 12º e 21º al. g) DL 446/85, 25.10/LCCG (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais) …………………………………. item 9 das conclusões;

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A problemática trazida a recurso pelas conclusões centra-se em saber:

A. “(..) se no caso concreto, estamos perante um consentimento que resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida, tal como obrigam os artigos 6º nº 5 al. a) da LADA e artigos 3º al. h), 6º e 7º nº 2 da LPDP (..)” – itens 2, 3, 4 e 8 das conclusões;

B. “(..) se as cláusulas apostas em contratos de seguro que exigem a apresentação de relatório de onde constem as causas, início e duração da doença que causou a morte do de cujus são nulas nos termos do artigo 12º e 21º al. g) da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (..)” – item 9 das conclusões.

1. consentimento expresso da segurada/declarante;

Não sofre dúvidas que os dados relativos à saúde pessoal estão abrangidos pelo âmbito de protecção legal e constitucional do direito à reserva da intimidade da vida privada, nos termos dos artºs 80º C. Civil e 26º da Constituição, conforme se pode retirar da fundamentação constante dos Acs. do Tribunal Constitucional nºs. 355/97 de 07.05.1997 e 368/02 de 25.09.2002, sendo que tal protecção se estende para além do facto morte da pessoa titular, nos termos consignados no artº 71º C. Civil.  ([1])  

No caso trazido a recurso, a questão da existência de consentimento expresso por escrito prestado em vida da segurada/declarante, entretanto falecida, no sentido de permitir que após a sua morte a ora Recorrida tenha acesso aos dados de saúde no âmbito do contrato de seguro, foi objecto de fundamentação em sede de sentença e obteve resolução positiva, conforme se verifica pelo segmento transcrito:

“(..)Da factualidade provada resulta que, aquando da celebração do contrato de seguro de vida, assinou um documento onde declara autorizar o segurador a aceder ao certificado de óbito e a documento comprovativo das causas e circunstâncias em que ocorreu o falecimento, bem como a informações relacionadas com o seu estado de saúde anteriormente à celebração do contrato e, eventualmente, a proceder às averiguações que para esse efeito considere necessárias, junto das competentes entidades competentes [alínea b) dos factos provados].

Nesta medida, conclui-se que a requerente se encontra autorizada, pela respectiva titular, a aceder a informação de saúde de …..

Contudo, e atendo o disposto no artigo 7º, nº 3, da LADA, apenas deve ser facultada à requerente a informação expressamente abrangida pelo instrumento de consentimento (..)”

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                No mesmo sentido se pronunciou este TCAS no acórdão de 01.03.2012 tirado no rec. nº 8472/12, em que se sumariou:

· “O consentimento expresso e escrito para o acesso à informação médica, dado em vida, através de um contrato de seguro, terá de se ter por bastante para o cumprimento do exigido nos artigos 2º e 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.01 e 6º, n.º 5 e 7º da Lei n.º 46/2007, de 24.08.

· Da aplicação conjugada dos artigos 2º, 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.12, e 2º, n.º 3, da Lei n.º 46/2007, de 24.08, conclui-se, que em caso de morte do titular do direito à informação, terceiro que vise o acesso aos seus dados de saúde – caso não esteja munido de um consentimento dado em vida – sempre poderá aceder a tais dados desde que demonstre um interesse directo, pessoal e legítimo, nos termos do artigo 2º, n.º3 e 6º, n.º5, da Lei n.º 46/2007, de 24.08.”

E se fundamentou como segue:

“(..)No que à Lei n.º 12/2005, de 26.12, diz respeito, verifica-se, ainda, que não obstante no artigo 2º, referir que a «informação de saúde abrange todo o tipo de informação directa e indirectamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar», no artigo 3º, n.º 1, refere que essa informação «é propriedade da pessoa».

 É tal «pessoa» a «titular» da informação, quem pode dar o «consentimento» a terceiros para acederem à sua informação de saúde – cf. artigo 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.12.

Ora, com a morte do proprietário da informação de saúde, torna-se objectivamente impossível que este dê dar um consentimento para um eventual acesso aos seus dados de saúde.

Logo, da aplicação conjugada dos artigos 2º, 3º da Lei n.º 12/2005, de 26.12, e 2º, n.º 3, da Lei n.º 46/2007, de 24.08, ter-se-á que concluir, que em caso de morte do titular do direito à informação, terceiro que vise o acesso aos seus dados de saúde – caso não esteja munido de um consentimento dado em vida – sempre poderá aceder a tais dados desde que demonstre um interesse directo, pessoal e legítimo, nos termos do artigo 2º, n.º 3 e 6º, n.º 5, da Lei n.º 46/2007, de 24.08.

No caso em apreço, esse interesse é indicado pelo Recorrido, como o que deriva das cláusulas 8º, n.º 2, alínea c), e 10.1 das condições gerais do contrato de seguro de vida e do objectivo da seguradora de atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do segurado, assim como, se as suas declarações de saúde aquando da celebração do contrato eram verdadeiras.

Ora, tais invocações do Recorrido, constituem também um interesse directo, pessoal e legítimo, que legitima o acesso à informação (cf. ainda a cláusula 4.2 das condições gerais daquele contrato, que foi dado por reproduzido nos factos assentes).

Lembramos, ainda, que conforme o artigo 71º, n.º 3, do CC, se a ilicitude da ofensa do direito de personalidade que goze de protecção após a morte do titular, face ao artigo 71º, n.º 1, desse código, resultar da falta de consentimento, só as pessoas indicadas no n.º 2 do mesmo artigo, têm legitimidade conjunta ou separadamente, para obstar em termos legais a essa ilicitude.

Está apenas na disponibilidade de tais pessoas a protecção estipulada no artigo 71º, n.º 1, do CC. Ou seja, se essas pessoas não exercerem o seu direito relativo àquela protecção da pessoa falecida, fica prejudicada a protecção dos direitos ofendidos.

Consequentemente, não cabe ao ora Recorrente obstar à satisfação do direito de informação do Recorrido, com fundamento em que não existe qualquer consentimento prestado pelo de cujos, porque o formulário tipo de onde consta a sua assinatura não apresenta qualquer consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido, porque, os artigos 2º e 3º da dessa Lei n.º 12/2005, de 26.01 e 6º, n.º 5 e 7º da Lei n.º 46/2007, de 24.08, apenas exigem a autorização expressa, que foi prestada.

Esses são os únicos diplomas aplicáveis no caso sub judice, pois a Lei n.º 67/98, de 26.10, não é aqui aplicável, como dissemos.

A imposição por banda da Recorrente de outra forma de consentimento, apresenta-se, assim, como uma restrição infundada ao direito de informação da Recorrida, porque não justificada pela protecção de outros direitos fundamentais ou de natureza análoga (pois José deixou de ter direitos de personalidade com a morte).

Por último, a eventual falta de consentimento só poderia ser invocada pelas pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 71º do CC, não tendo o ora Recorrente legitimidade para se substituir a essas pessoas naquela protecção (cf., a este propósito, José Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 95 a 104 e «Direito de Acesso aos Documentos Administrativos», in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 204 e 205) (..)”,                           

                                                                                              *

                Bem como no acórdão de 08.03.2012 tirado no rec. nº 8471/12, em que se sumariou:

· “Sobre o pedido de intimação ao acesso a informação de saúde na posse de entidade pública, rege o artº 268º, nº 2 da CRP, os artºs. 2º nº 3, 3º nº 1, 5º e 6º nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08 (LADA) e os artºs. 2º e 3º da Lei nº 12/2005, de 26/01, por estar em causa documentos administrativos nominativos, de acesso restrito, porque abrangidos pela reserva da intimidade da vida privada.

· A Lei nº 67/98, de 26/10, que aprova a Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP), visa regular o tratamento de dados pessoais e a livre circulação desses dados, tal como resulta das definições feitas no artº 3º daquele diploma (cf. ainda os artºs 2º e 4º), pelo que é um regime que logicamente antecede o regime de acesso aos documentos administrativos, regulado pela Lei nº 46/2007, de 24/08, ao regular os termos em que a informação é tratada, antes da existência de qualquer pedido de acesso a informação.

· Existindo o consentimento ou autorização escrita da pessoa a quem os dados de saúde digam respeito – constante de uma declaração de saúde, que faz parte integrante do contrato de seguro –, em facultar à companhia de seguros toda e qualquer informação médica de que possa necessitar, detida por médicos, hospitais e clínicas, com a garantia de confidencialidade, é de reputar tal declaração como traduzindo o consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido no acesso a tal informação clínica.

· Para além disso, é de reconhecer à requerente, companhia se seguros, a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, o que decorre da subscrição do contrato de seguro de vida e do seu objetivo próprio, de atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as suas declarações de saúde no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. 2ª parte do nº 5 do artº 6º da Lei nº 46/2007, de 24/08.”

E se fundamentou como segue:

“(..) importa remeter para o diploma próprio referido no nº 2 do artº 65º do CPA, atualmente, a Lei nº 46/2007, de 24/08, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de novembro (revogando a Lei nº 65/93, de 26/08, com a redação introduzida pelas Lei nºs 8/95, de 29/03, e 94/99, de 16/07), relativa à reutilização de informações do setor público, regulando o exercício do direito de acesso aos documentos da Administração (LADA).

Sobre a questão suscitada de qual o regime jurídico aplicável, importa atender ao disposto no nº 3 do artº 2º da Lei nº 46/2007, de 24/08, segundo o qual “O acesso a documentos nominativos, nomeadamente quando incluam dados de saúde, efetuado pelo titular da informação, por terceiro autorizado pelo titular ou por quem demonstre um interesse direto, pessoal e legítimo rege-se pela presente lei.”, pelo que, sem que suscitem quaisquer dúvidas, tem aplicação ao pedido de acesso à informação formulado pela requerente a disciplina legal aprovada pela Lei nº 46/2007.

A Lei nº 67/98, de 26/10, que aprova a Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP), transpondo para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva nº 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e à livre circulação desses dados, visa regular o tratamento de dados pessoais, tal como resulta das definições feitas no artº 3º daquele diploma (cf. ainda os artºs 2º e 4º).

É, portanto, um regime que logicamente antecede o regime de acesso aos documentos administrativos, regulado pela Lei nº 46/2007, de 24/08, pois regula os termos em que a informação é tratada, antes da existência de qualquer pedido de informação ou de acesso formulado por um particular ou entidade.(..)

Por outro lado, releva ainda a disciplina aprovada pela Lei nº 12/2005, de 26/01, relativa à informação genética pessoal e informação de saúde, definindo, de entre outros, o conceito de informação de saúde e de informação genética, assim como a circulação de informação.

À luz do artº 2º da Lei nº 12/2005, considera-se “informação de saúde”, “todo o tipo de informação direta ou indiretamente ligada à saúde, presente ou futura, de uma pessoa, quer se encontre com vida ou tenha falecido, e a sua história clínica e familiar”.

Sobre a “propriedade da informação de saúde”, a qual inclui os dados clínicos registados, resultados de análises e outros exames subsidiários, intervenções e diagnósticos, diz-nos o nº 1 do artº 3º dessa Lei que “é propriedade da pessoa, sendo as unidades do sistema de saúde os depositários da informação, a qual não pode ser utilizada para outros fins que não os da prestação de cuidados e a investigação em saúde e outros estabelecidos pela lei.”.

Por isso, o titular da informação de saúde tem o direito de, querendo, tomar conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito ou de o fazer comunicar a quem seja por si indicado, sendo o acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de terceiros com o seu consentimento, feito através de médico, com habilitação própria, escolhido pelo titular da informação – cfr. nºs 2 e 3 do artº 3º da Lei nº 12/2005.

Delimitado o regime legal aplicável, o constante da Lei nº 46/2007, de 24/08 e da Lei nº 12/2005, de 26/01, vejamos o que dele se extrai, com relevo para o caso trazido a juízo.

Estabelece a alínea b), do nº 1 do artº 3º da Lei nº 46/2007, de 24/08, sobre a noção de “Documento nominativo”, como sendo “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”.

Tem sido, de resto, entendimento da CADA que são de classificar como documentos nominativos os que revelam dados do foro íntimo de um indivíduo, como por exemplo os seus dados genéticos, de saúde, ou os que se prendem com a sua vida sexual, os relativos às suas convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, ou sindicais, os que contêm opiniões sobre a pessoa, e outros documentos cujo conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, traduzir-se numa invasão da reserva da intimidade da vida privada (cfr. Pareceres nº 212/2005, de 31/08, nº 67/2007, de 21/03, 357/2007, de 19/12, nº 224/2009, de 09/09 e 347/2009, de 02/12).

Nos termos do artº 5º da Lei nº 46/2007, “Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.

Face ao teor da norma em causa, a lei não faz depender o exercício do direito de acesso aos documentos administrativos da invocação de qualquer interesse, bastando a mera solicitação por escrito, através de requerimento, do qual constem os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos, bem como o nome, morada e assinatura do requerente (cfr. artº 13º da LADA).

No caso sub judice, trata-se, contudo, de documentos nominativos e referentes à reserva da intimidade da vida privada ou pessoal, o que justificou a denegação do acesso pelo ora recorrente.

Importa reafirmar que o direito de acesso à informação deve ser interpretado de acordo com o disposto no artº 268º da CRP, apenas podendo sofrer restrições quando estejam em causa dados a coberto de algum dos motivos de restrição ao direito de acesso, previstos no artº 6º da LADA.

Com relevo quanto ao invocado nos autos, importa o disposto no nº 5 do artº 6º da LADA, onde se consagra que “Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse direto, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.”.

É possível, por isso, dizer que o pedido formulado pela requerente se enquadra no disposto no nº 5 do artº 6º da LADA. (..)

No entendimento do recorrente o formulário tipo de onde consta a assinatura do segurado não apresenta qualquer consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido.

Como decorre da alínea B) dos factos assentes, ... subscreveu uma declaração de saúde, que faz parte integrante do contrato de seguro, em que autorizou expressamente qualquer médico e hospitais/clínicas a facultar à requerente, ora recorrida, toda e qualquer informação que o possa necessitar, tendo a garantia de confidencialidade (cf. doc. 2, junto aos autos a fls. 16 a 19).

Ora, conforme se disse anteriormente, o direito de acesso à informação, consagrado no artigo 268º, nº 2, da CRP, é um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, pelo que partilhando desse regime, só pode ser restringido nos casos expressamente previstos na Constituição, não cabendo à Administração criar quaisquer restrições, para além das previstas na lei.

Quanto ao direito à reserva da intimidade da vida privada, não é um direito absoluto, pelo que terá de conviver com outros direitos, de entre os quais, o direito de acesso à informação, nos termos e com os limites legais.

No caso trazido a juízo, nos termos da configuração antecedente, está em causa um documento nominativo, que contém dados de saúde, pelo que o acesso a estes dados, quando feito por terceiro, exige o consentimento do titular da informação e que a comunicação seja feita por intermédio de médico, nos termos dos artºs 3º, 6º, nº 5 e 7º da Lei nº 46/2007, de 24/08 e artºs. 2º, 3º, nº 3 da Lei nº 12/2005, de 26/01.

Constitui âmbito de proteção de tais normas legais, a tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada e dos direitos de personalidade.

Quer o disposto no nº 5 do artº 6º da Lei n.º 46/2007, de 24/08, quer o nº 3 do artº 3º da Lei n.º 12/2005, de 26/01, normativos aplicáveis relativamente a pedidos de acesso a informações de saúde, exigem que o acesso por terceiros se faça com o consentimento da pessoa visada.

Considerando a factualidade assente, designadamente que, em vida, o interessado, proprietário da informação de saúde, prestou o consentimento expresso para que a requerente, ora recorrida, tivesse acesso à sua informação de saúde, é de recusar o invocado erro de julgamento assacado à sentença recorrida.

O consentimento prestado em vida, constante do formulário tipo de onde consta a assinatura do segurado e o respectivo clausulado, terá de se ter por bastante para o cumprimento do exigido nos artºs. 2º e 3º da Lei nº 12/2005, de 26/01 e do artº 6º, nº 5 da Lei nº 46/2007, de 24/08, isto é, como traduzindo o consentimento expresso, livre, especifico, informado e esclarecido do proprietário da informação de saúde.

Tal autorização foi dada de forma expressa e inequívoca, pelo que, não pode ter outro sentido e significado senão o de equivaler ao que consta do seu teor – nº 1 do artº 236º do CC.

Por outro lado, mostra-se indiferente para a solução de Direito que entretanto o titular da informação haja falecido, já que o consentimento relevante foi prestado pelo próprio, em vida.

A relevância da morte do titular da informação de saúde apenas ocorreria se esse consentimento, pelo próprio, não existisse, caso em que teria que analisar-se se os seus sucessores ou outros terceiros teriam poder para tanto e, caso se respondesse afirmativamente, sob que condições, questão que contudo, como se vê, não se coloca em juízo.

Para além disso, é de reconhecer à ora requerente a titularidade de um interesse direto, pessoal e legítimo, suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade, no acesso a tal informação nominativa, o que decorre da subscrição do contrato de seguro de vida e do objetivo próprio da companhia de seguros em causa, de atestar a causa e circunstâncias em que ocorreu a morte do seu segurado, assim como, aferir se as suas declarações de saúde no momento da celebração do sobredito contrato eram verdadeiras – cfr. 2ª parte do nº 5 do artº 6º da Lei nº 46/2007, de 24/08.

Assim, considerando a tutela constitucional que é conferida ao direito de acesso à informação e mostrando-se conferido o consentimento ou autorização do interessado, titular da informação médica, em permitir o acesso a toda a informação que a requerente possa necessitar, na disponibilidade de qualquer médico, hospital ou clínica, com a garantia de confidencialidade, não cabe ao recorrente obstar à satisfação desse direito de informação. (..)”.

                                                                                              *

                Voltemos ao caso em apreço.

Em sede de sentença sob recurso, o julgado pelo Tribunal a quo mostra-se em conformidade com o discurso jurídico fundamentador no segmento dos acórdãos transcritos e em que nos inserimos.

Pelo exposto, nesta parte da existência de consentimento expresso da segurada/declarante conclui-se que a Recorrida se encontra autorizada pelo respectivo titular …, a aceder à informação de saúde requerida, nos exactos termos decididos, ou seja, “apenas deve ser facultada à requerente a informação expressamente abrangida pelo instrumento de consentimento”.

                                                                                              *

Pelo que vem de ser dito, nesta parte da existência de consentimento expresso atribuído pela segurada/declarante na apólice de seguro para a Recorrida aceder à documentação solicitada pelo seu médico conselheiro, constituída pelo processo clínico da segurada/declarante …, elementos referentes ao período anterior a 25.06.2013 e às causas e circunstâncias em que ocorreu o seu falecimento ou, em substituição, o Relatório Médico donde constem as doenças diagnosticadas à segurada/declarante, antes de 25.06.2013 e as causas e circunstâncias em que ocorreu o seu falecimento,

improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 12 das conclusões.


2. questões novas – inadmissibilidade;

Todavia, vêm suscitadas nas conclusões de recurso questões que não foram objecto de pronúncia pelo Tribunal a quo porque não lhe foram submetidas para apreciação.

Ao que acresce a ausência de articulado de resposta à petição de intimação por parte da ora Recorrente Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo IP, parte demandada na causa e devidamente citada nos autos para o efeito.

*.

 Efectivamente, não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo a controvérsia trazida a recurso envolvendo saber “se no caso concreto, estamos perante um consentimento que resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida” – vd. itens 2, 3, 4 e 8 das conclusões.

Saber se estamos perante uma vontade informada, livre, específica e esclarecida, envolve saber se no caso concreto se verificam circunstâncias que possam levar a excluir o conhecimento inerente à autorização prestada por escrito pela segurada/declarante … mediante cláusula especial da apólice de seguro.

Dito de outro modo, esta matéria trazida a recurso nos itens 2, 3, 4 e 8 das conclusões remete para a questão jurídica de saber se a autorização em causa, dada pela segurada/declarante …. em cláusula inserta na apólice de seguro, assume a natureza de consentimento juridicamente relevante em ordem a constituir uma manifestação de vontade enformada por um conhecimento fiável expresso na autorização escrita dada à seguradora, ora Recorrida.

É óbvio que esta matéria não participa do objecto da acção, tal como decorre do pedido e substanciação expressa na petição inicial de intimação deduzida pela ora Recorrida.

                                                                                              *

E também não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo a problemática da nulidade das cláusulas constantes de apólice de seguro que modifiquem os critérios de repartição do ónus de prova (artº 21º g) DL 446/85, 25.10 alterado pelo DL 220/95, 31.08 – LCCG – Lei das Cláusulas Contratuais Gerais), que a Recorrente atribui à cláusula da apólice constante dos autos assinada pela segurada/declarante e que outorga à Seguradora ora Recorrida permissão para aceder ao “certificado de óbito, documento comprovativo das causas e circunstâncias em que ocorreu o falecimento e informações relacionadas com o estado de saúde da segurada anteriormente à celebração do contrato”, cláusula da apólice assinada pela segurada/declarante, levada à alínea b) do probatório  - vd. item 9 das conclusões.

Também esta matéria extravasa do objecto da causa, tal como decorre do pedido e respectiva substanciação constantes da petição inicial de intimação deduzida pela Recorrida.

Ao que acresce a ausência de resposta por parte da ora Recorrente Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo IP, posto que a ora Recorrente, parte demandada na causa, não exerceu o contraditório na presente intimação.

De modo que a questão de saber “se no caso concreto, estamos perante um consentimento que resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida” – vd. itens 2, 3, 4 e 8 das conclusões – bem como saber se estamos perante uma cláusula nula no regime do artº 21º g) DL 446/85, 25.10 alterado pelo DL 220/95, 31.08 – Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, por traduzir uma modificação dos critérios de repartição do ónus de prova - vd. item 9 das conclusões – constituem questões novas, matérias não alegadas na instância recorrida e apenas submetidas a apreciação na instância de recurso perante o Tribunal ad quem.

                                                                                              *
             Da opção do legislador de atribuir aos recursos ordinários a função de permitir que o Tribunal ad quem proceda à reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, decorre que essa reapreciação se há-de mover “(..) dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados.
             Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.
             Excluída está, por isso, a possibilidade de alegação de factos novos (ius novorum; nova) na instância de recurso, embora isso não resulte de qualquer proibição legal, as antes da ausência de qualquer permissão expressa. (..)
              Embora sem aceitar a invocação de factos novos pelas partes, o recurso de apelação também se pode aproximar, numa situação específica, do modelo de recursos de reexame. Trata-se da possibilidade, prevista no artº 662º nº 3 CPC (ex 712º nº 3), de a Relação determinar a renovação dos meios de prova, produzidos na 1ª Instância, que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade. Nesta hipótese, o Tribunal de recurso não se limita a controlar a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto, antes manda efectuar perante ele a prova produzida na instância recorrida. (..) ” ([2]).
             Dada a remissão para o regime adjectivo cível no tocante aos recursos em tudo quanto não é específico da CPTA, cumpre observar o disposto nos artºs. 665º e 662º CPC (ex 715º nºs 1/2  e 712º nº 3 CPC), matéria hoje expressamente consignada no artº 149º nº 1 CPTA que deve ser aproximada do regime do citado 665º nº 1 CPC (ex artº 715º nº 1 CPC), no artº 149º nº 2 CPTA que tem o lugar paralelo no artº 662º nº 3 CPC (ex  712º nº 3 CPC) e no artº 149º nº 3 CPTA tal como  estatuído no artº 665º nº 2 CPC (ex  715º nº 2 CPC).
             Concluímos assim que, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado, o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Central Administrativo em via de recurso, é balizado:
§ pela matéria de facto alegada em primeira instância,
§ pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e
§ pelo julgado na decisão proferida em primeira instância.
             A não ser na circunstância de haver acordo das partes quanto à ampliação do pedido e da causa de pedir, que é possível a todo o tempo – cfr. artº 264º CPC (ex 272º CPC).
             Regime que continua a ser verdadeiro em sede de CPTA pois que, salvo o devido respeito por entendimento distinto, não retiramos do contexto da lei, maxime da conjugação de regimes de recurso do CPC e CPTA, que a Reforma do Contencioso Administrativo tenha varrido a opção pelo modelo base de recurso de reponderação temperado pela inclusão expressa e tipificada de ritologias próprias do modelo de recurso de reexame.
             À semelhança do que já vinha do direito adjectivo cível, o alargamento expresso das possibilidades cognitivas do Tribunal ad quem não implica que se tenha aberto as portas à alegação de factos novos e novos meios de prova em sede de recurso, como se a pureza do recurso de reexame tivesse obtido consagração, admitindo a invocação de ius novorum e reapreciação global do objecto da causa pelo Tribunal ad quem.
             De modo que a nosso ver e pelos motivos resumidamente expostos, tal como no direito adjectivo cível não vem consagrada, também no CPTA não se consagrou a invocação de factos novos na instância de recurso.
                                                                                              *
             Aplicando a doutrina exposta ao caso trazido a recurso verifica-se que as matérias de saber
(i) se no caso concreto, estamos perante um consentimento que resulta de uma manifestação de vontade expressa, livre, específica, informada e esclarecida” – vd. itens 2, 3, 4 e 8 das conclusões – bem como,
(ii) se a cláusula da apólice assinada pela segurada/declarante, levada à alínea b) do probatório que outorga de permissão à Seguradora ora Recorrida para aceder àqueles elementos, é nula nos termos do artº 21º g) DL 446/85, 25.10 alterado pelo DL 220/95, 31.08 – LCCG – Lei das Cláusulas Contratuais Gerais – vd. item 9 das conclusões,
configuram questões novas, na medida em que não participam do objecto da causa tal como a ora Recorrida o configura na petição inicial.
             Consequentemente, por não terem sido submetidas a apreciação jurisdicional em 1ª Instância, não podem ser consideradas pelo Tribunal de Recurso, nos exactos termos de direito acima referidos.

                                                                                              *
             Pelo que vem de ser dito improcedem todas as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 12 das conclusões.

                                                                                              ***

             Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

             Custas a cargo da Recorrente.

                                                                                                                             Lisboa, 05.ABR.2018

             (Cristina dos Santos) ……………………………………………………………

             (Ana Celeste Carvalho)  …………………………………………………………

             (Pedro Marchão) …………………………………………………………………


[1] Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I/2005, pág. 284.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, LEX/1997, págs. 395 e 397.