Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 09791/16 |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 11/24/2016 |
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Relator: | JOAQUIM CONDESSO |
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Descritores: | DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO. PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE. ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO. CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO). I.R.S. INCUMPRIMENTO DO DEVER DECLARATIVO DO SUJEITO PASSIVO. ARTº.76, Nº.3, DO C.I.R.S. LIQUIDAÇÃO OFICIOSA. REFORMA DA LIQUIDAÇÃO OFICIOSA. REGIME DE REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO PREVISTO NO ARTº.78, DA L.G.T. CASOS DE INICIATIVA OFICIOSA DE REVISÃO COMO UM PODER-DEVER DA FAZENDA PÚBLICA. ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS. ARTº.78, Nº.1, 2ª. PARTE, DA L.G.T. |
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Sumário: | 1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário). 2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. 4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. 5. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. 6. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva. 7. A estruturação da liquidação oficiosa ao abrigo do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., em virtude do incumprimento do dever declarativo do sujeito passivo, tem por base os elementos de que a Fazenda Pública disponha, não atendendo ao mínimo de existência consagrado no artº.70, do C.I.R.S., e mais levando em consideração somente as deduções previstas nos artºs.79, nº.1, al.a), e 97, nº.3, do C.I.R.S. 8. Esta liquidação oficiosa de I.R.S. é passível de ser reformada, por força do artº.76, nº.4, do C.I.R.S., desde que dentro dos prazos e nos termos previstos nos artºs.45 e 46, da L.G.Tributária. 9. O regime de revisão do acto tributário previsto no artº.78, da L.G.T., consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr.artºs.70 e 102, do C.P.P.T.; dec.lei 10/2011, de 20/1). 10. Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artº.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr.parte final do nº.1, do artº.78), a injustiça grave ou notória (cfr.nº.4, do artº.78) ou a duplicação de colecta (cfr.nº.6, do artº.78, da L.G.T.). 11. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei. 12. O conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., embora não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectada pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial. |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.209 a 213 do presente processo que julgou procedente a impugnação intentada pelos recorridos, H... e M..., tendo por objecto mediato duas liquidações de I.R.S. e respectivos juros compensatórios, relativas ao ano de 2009 e no montante total de € 110.538,67.X RELATÓRIO X X O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.227 a 233 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:1-A douta sentença proferida em 20/04/2016, incorre em erro de julgamento de facto pois como resulta da análise dos documentos faz uma errada interpretação da prova, pois aceita a tempestividade do pedido de revisão formulado nos termos do 78.º n.º 1, 2.ª parte da Lei Geral Tributária, e conclui implicitamente, a final, pela existência de erro imputável aos serviços, sem que conste da factualidade dada como provada, factos que permitam fundamentar e sustentar tal conclusão; 2-Salvo o devido respeito, e perante a matéria factual carreada para os autos, entendemos que não poderia a Mmª Juiz do Tribunal “a quo” ter decidido pela existência de erro imputável aos serviços; 3-Da factualidade dada como provada resulta que “por falta de entrega de rendimentos referente ao ano de 2009, foram os impugnantes notificados para procederam à entrega voluntária da declaração Mod. 3 de IRS (fls.64 do p.a); 4-Não apresentaram os impugnantes a declaração mencionada; 5-A emissão das liquidações, ora contestadas, só se efectivou porque os contribuintes não cumpriram com a obrigação de entrega da declaração MOD. 3, prevista no artigo 57.º do CIRS, apesar de terem sido notificados para o efeito; 6-De acordo com o regime previsto para a liquidação do IRS dos contribuintes faltosos (cf. alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 76.º CIRS), constata-se que esta liquidação obedece a regras especiais, quer quanto à forma de determinação dos rendimentos quer quanto aos procedimentos a seguir, assumindo-se como um procedimento específico de tributar rendimentos que voluntariamente não foram declarados pelos contribuintes; 7-Isto é, estão em causa contribuintes que não apresentaram as declarações de rendimentos, mod. 3, do IRS no prazo legal que notificados, nos termos do n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, para no prazo de 30 dias cumprir a obrigação declarativa em falta, e ainda assim não cumprem aquela obrigação, permitindo ao legislador que seja efectuada a liquidação com base nos elementos de que a administração tributaria disponha; 8-Sendo o erro for imputável aos recorridos deveriam estes lançar mão dos meios de defesa ao seu dispor (designadamente reclamação graciosa) para rever o acto tributário de liquidação; 9-Os recorridos não deduziram reclamação graciosa, nem interpuseram impugnação judicial, sobre as mencionadas liquidações; 10-Não accionaram as garantias das contribuintes previstas na lei, nem efectuaram, apesar do ónus da prova, qualquer prova quanto as razões concretas que impediram a apresentação tempestiva da declaração no sentido de afastar o seu comportamento negligente; 11-O prazo da revisão do acto tributário por iniciativa da administração é de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo, quando o tributo ainda não tiver sido pago; 12-Mas a revisão do acto tributário por iniciativa da administração tem como fundamento um erro imputável aos serviços (n.º 1, in fine, do artigo 78.º da LGT); 13-Se analisarmos o conteúdo do projecto de despacho de indeferimento do pedido constante do processo (crf. fls. 39 e 40 do PA), ao contrário do que conclui a douta sentença, não tendo sido regularizada a situação, em 2011-01-04 os serviços procederam à recolha dos documentos de correcção com base nos elementos que AT dispunha, de harmonia com o disposto no n.º 1 e n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, conforme estipula o legislador; 14-Temos que do conjunto dos factos acima descritos e constantes dos autos, um normal destinatário consegue compreender por que razão não poderá existir erro imputável aos serviços; 15-Dadas as especificidades desta forma de liquidação (regime previsto para a liquidação do IRS de contribuintes faltosos, cf. alínea b) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 76.º CIRS) bem como o procedimento que lhe está associado, não será de reconhecer erro imputável aos serviços se a liquidação de IRS se efectuar com base e de acordo com as disposições previstas para esta forma de liquidação do IRS; 16-As liquidações impugnadas estão em consonância com a factualidade exposta, pelo que a Fazenda Publica fez uma correcta subsunção dos factos ao direito; 17-A douta sentença recorrida não valorou devidamente os factos anteriormente descritos, nem indagou sobre outros necessários à boa decisão da causa, pelo que, salvo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento de facto; 18-Face ao exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha na ordem jurídica as liquidações impugnadas, declarando a impugnação judicial totalmente improcedente. X Em sede de contra-alegações os recorridos limitaram-se a manifestar a sua adesão à sentença do Tribunal "a quo" (cfr.fls.236 dos autos).X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.248 e 249 dos autos).X Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.X A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.209 e 210 dos autos - numeração nossa):FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO X 1-Por falta de entrega da declaração de rendimentos referente ao ano de 2009, em Setembro de 2010 foram os impugnantes, H... e M..., notificados para proceder à entrega voluntária da declaração Mod. 3 de IRS relativa ao mesmo ano (cfr.documentos juntos a fls.83, 84, 86 e 87 do processo de revisão oficiosa apenso; informação exarada a fls.59 a 66 do processo administrativo apenso); 2-Não tendo os impugnantes cumprido com a notificação identificada no nº.1, em 31/01/2011, a A. Fiscal estruturou as liquidações oficiosas de IRS nº ... e …, no valor de € 91.574,11 e € 8.964,56, referentes ao ano de 2009 e nas quais surgem como sujeitos passivos H... e M..., respectivamente, tendo-se fixado como data limite de pagamento 16/03/2011, liquidações estas efectuadas nos termos do artº.76, nº.3, do C.I.R.S. (cfr.documentos juntos a fls.9 e 10 do processo de revisão oficiosa apenso; informação exarada a fls.59 a 66 do processo administrativo apenso); 3-Em 19/01/2012 os impugnantes tentaram submeter a declaração Mod. 3 relativa ao ano de 2009, na situação de “casados” com 2 dependentes e as alterações pedidas na presente impugnação, a qual foi indeferida pelo sistema informático, por constar como “anulada” (cfr.documentos juntos a fls.11 a 25 e 89 a 92 do processo de revisão oficiosa apenso); 4-Em 24/01/2012, os impugnantes enviaram por correio registado dirigido ao Serviço de Finanças de ... o pedido de revisão visando as liquidações oficiosas identificadas no nº.2, ao abrigo do artº.78, nº.1, da L.G.T. (cfr.articulado junto a fls.3 a 8 do processo de revisão oficiosa apenso; documento contendo registo dos correios junto a fls.32 do processo de revisão oficiosa apenso); 5-Em 3/02/2012 foi exarada informação pelo Serviço de Finanças de ... a propor o deferimento parcial do pedido identificado no nº.4, da qual consta, além do mais: “emissão de Declarações Oficiosas de Eliminação dos Documentos de Correção de que resultaram as liquidações de IRS do ano de 2009 emitidas em nome de cada um dos Impugnantes” e a “elaboração de um único documento de Correção em nome de ambos os Impugnantes, reconhecendo a condição de casados e englobando a totalidade dos rendimentos por ambos auferidos, com exclusão de eventuais benefícios fiscais e/ou deduções à coleta, bem como, dos dependentes.” (cfr.informação exarada a fls.64 a 66 do processo de revisão oficiosa apenso); 6-O Chefe de Serviço de Finanças em substituição, emitiu sobre a informação referida no nº.5 o seguinte parecer: “Considerando a informação anexa e os documentos juntos ao presente processo, sou de parecer que o pedido deverá ser parcialmente deferido” (cfr.documento junto a fls.63 do processo de revisão oficiosa apenso); 7-O pedido de revisão oficiosa, a informação e o parecer referidos nos números anteriores foram remetidos em 3/02/2012 à Direcção de Finanças de Faro, a qual os reenviou para a Direcção de Serviços do I.R.S. em Lisboa, com vista à sua apreciação e decisão (cfr.documentos juntos a fls.67 e 73 do processo de revisão oficiosa apenso); 8-Através de ofício datado de 9/4/2012, os impugnantes foram notificados para exercerem direito de audição face ao projeto de decisão de indeferimento elaborado pela Direcção de Serviços do I.R.S. e que lhes foi comunicado (cfr.documento junto a fls.100 a 103 do processo de revisão oficiosa apenso); 9-Os impugnantes apresentaram requerimento a exercer o direito de audição (cfr. documento junto a fls.112 a 116 do processo de revisão oficiosa apenso); 10-Em 21/12/2012 foi proferido pela Subdiretora Geral da Direcção de Serviços do I.R.S., despacho de indeferimento do pedido de revisão, concordando com o parecer e informação prévios nesse sentido (cfr.documento junto a fls.204 a 206 do processo de revisão oficiosa apenso); 11-Os impugnantes foram notificados da decisão de indeferimento referido no nº.10 em 11/01/2013 (cfr.documentos juntos a fls.207 a 209 do processo de revisão oficiosa apenso); 12-Os impugnantes são casados entre si desde 27/10/1991 e têm dois filhos (cfr.documentos juntos a fls.117 a 121 processo de revisão oficiosa apenso). X A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados …”.X Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no processo administrativo, cuja genuinidade não foi posta em causa…”. X Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação intentada pelos recorridos, em consequência do que determinou que o pedido de revisão fosse apreciado pelos serviços da A. Fiscal competentes.ENQUADRAMENTO JURÍDICO X X Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).Aduz o apelante, em primeiro lugar e em síntese, que a decisão recorrida incorre em erro de julgamento de facto, fazendo uma errada interpretação da prova, pois aceita a tempestividade do pedido de revisão formulado nos termos do artº.78, nº.1, 2.ª parte, da Lei Geral Tributária, e conclui, a final, pela existência de erro imputável aos serviços, sem que conste da factualidade dada como provada, factos que permitam fundamentar e sustentar tal conclusão. Que a sentença recorrida não valorou devidamente os factos constantes dos autos, nem indagou sobre outros necessários à boa decisão da causa (cfr.conclusões 1 e 17 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de facto da sentença recorrida. Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.). Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário). O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72). Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13). Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13). No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto ao conteúdo da concreta decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto trazidas à colação pelo recorrente, tal como dos meios probatórios constantes do processo e que impunham a mesma decisão. Arrematando, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio do recurso. O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente e como supra se alude, que a emissão das liquidações objecto do processo só se efectivou porque os recorridos não cumpriram com a obrigação de entrega da declaração mod. 3, prevista no artº.57, do C.I.R.S., apesar de terem sido notificados para o efeito. Que dadas as especificidades desta forma de liquidação (regime previsto para a liquidação do I.R.S. de contribuintes faltosos - artº.76, nº.3, do C.I.R.S.) bem como o procedimento que lhe está associado, não será de reconhecer erro imputável aos serviços se a liquidação de IRS se efectuar com base e de acordo com as disposições previstas para a mesma (cfr.conclusões 2 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, se bem percebemos, um erro de julgamento de direito da decisão recorrida. Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379). Revertendo ao caso dos autos, da matéria de facto retira-se que a A. Fiscal estruturou duas liquidações oficiosas relativas ao ano fiscal de 2009 e das quais surgem como sujeito passivo os impugnantes e ora recorridos, ao abrigo do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., tudo em virtude do incumprimento do dever declarativo do sujeito passivo (cfr.nºs.1 e 2 do probatório). A estruturação de tal liquidação tem por base os elementos de que a Fazenda Pública disponha, não atendendo ao mínimo de existência consagrado no artº.70, do C.I.R.S., e mais levando em consideração somente as deduções previstas nos artºs.79, nº.1, al.a), e 97, nº.3, do C.I.R.S. (cfr.artº.76, nº.3, C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc. 8818/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14). Contudo, esta liquidação oficiosa de I.R.S. é passível de ser reformada, por força do artº.76, nº.4, do C.I.R.S., desde que dentro dos prazos e nos termos previstos nos artºs.45 e 46, da L.G.Tributária. Haverá, agora, que saber se tais liquidações podem ser objecto de revisão ao abrigo do regime previsto no artº.78, da L.G.T., conforme decidiu o Tribunal "a quo", tudo levando em conta a condição de casados dos impugnantes e ora recorridos, assim englobando a totalidade dos rendimentos por ambos auferidos, mais devendo apreciar todos os documentos relativos a despesas pelos mesmos apresentados. Pelo contrário, o recorrente entende que não. Vejamos quem tem razão. O artº.78, da L.G.T., norma que consagra o regime de revisão dos actos tributários (neles se incluindo os actos de fixação da matéria colectável), na redacção em vigor em 2010 e 2011, resultante da Lei 60-A/2005, de 30/12, tinha a seguinte epígrafe e conteúdo:
O regime de revisão do acto tributário previsto neste normativo consubstancia uma das quatro possibilidades de reacção que ao sujeito passivo de imposto é assegurada pela lei, sendo as outras a reclamação graciosa, a impugnação judicial e o pedido de constituição de Tribunal arbitral (cfr.artºs.70 e 102, do C.P.P.T.; dec.lei 10/2011, de 20/1). Para além do pedido de revisão a deduzir no prazo da reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, nos termos do artº.78, nº.1, da L.G.T., o contribuinte tem ainda a faculdade de pedir a denominada revisão oficiosa do acto, dentro dos prazos em que a Administração Tributária a pode efectuar, previstos no artº.78, da L.G.T. Porém, nestes casos, o pedido de revisão não pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, como sucede no caso da reclamação efectuada no prazo da reclamação administrativa, mas apenas o erro imputável aos serviços (cfr.parte final do nº.1, do artº.78), a injustiça grave ou notória (cfr.nº.4, do artº.78) ou a duplicação de colecta (cfr.nº.6, do artº.78, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7170/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.714). "In casu", o Tribunal "a quo" considerou tempestivo o pedido de revisão apresentado pelos impugnantes e ora recorridos, porque deduzido nos termos do artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T. (cfr.nºs.2 e 4 do probatório), trecho da decisão que não é questionado pelo presente recurso. Recorde-se que nos casos previstos na norma de iniciativa oficiosa de revisão, podem os contribuintes provocar a revisão a levar a efeito pela A. Fiscal, visto se entender a revisão como um poder-dever, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Fazenda Pública tem de observar na globalidade da sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., artº.55, da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/5/2006, rec.16/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.704; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.846). No entanto, a revisão do acto tributário ao abrigo do regime previsto no citado artº.78, nº.1, 2ª. parte, da L.G.T., deve ter por fundamento erro imputável aos serviços da A. Fiscal, vector que é posto em causa na presente apelação, levando em consideração o regime das liquidações oficiosas objecto do processo e constante do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., conforme mencionado supra. Embora o conceito de "erro imputável aos serviços" a que alude o preceito não compreenda todo e qualquer "vício" (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só "erros", estes abrangem o erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afectado pelo erro. Por outras palavras, o dito "erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efectivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/3/2012, rec.1007/11; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 4/5/2016, rec.407/15; Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Cadernos do IDEFF, nº.19, Almedina, 2015, pág.232 e seg.). No caso "sub judice", apesar das liquidações oficiosas objecto dos presentes autos derivarem da omissão declarativa dos impugnantes e ora recorridos, deve considerar-se como erro imputável aos serviços da A. Fiscal o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, quando os factos que fundamentaram os actos tributários foram apurados pela Fazenda Pública, apesar de ao abrigo do regime previsto no citado artº.76, nº.3, do C.I.R.S., tudo porque as ditas liquidações oficiosas não levaram em consideração o estado de “casados” dos impugnantes/recorridos. Em conclusão, julga-se improcedente também o presente esteio do recurso deduzido e confirma-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão. X Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica. DISPOSITIVO X X Condena-se o recorrente em custas.X Registe.Notifique. X Lisboa, 24 de Novembro de 2016 (Joaquim Condesso - Relator) (Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto) (Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto) |