Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08107/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/07/2013
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:ENSINO PROFISSIONAL.
DOCENTE.
FUNÇÕES EM ACUMULAÇÃO.
Sumário:I- O princípio da igualdade postula o tratamento (jurídico) igual de situações (de facto) iguais.

II - Não é violador do princípio de igualdade o indeferimento de um pedido de acumulação de funções docentes, com o argumento de ter sido deferido noutras situações, se entre estas e aquela que justifica a pretensão não existe coincidência fáctica.

III - O FOR-MAR é um centro protocolar com personalidade jurídica criado ao abrigo do regime consagrado no Decreto-Lei n.º 165/85, de 16 de Maio, que prossegue as atribuições das extintas Escola de Pesca e da Marinha de Comércio e FORPESCAS, ministrando formação profissional e que actualmente integra a estrutura do Sistema Nacional de Qualificações.

IV - O regime aplicável aos seus funcionários é de direito público, se vinculados à Administração Pública, ou de direito privado, se o seu regime é o do contrato individual de trabalho.

V - Aos professores da FOR-MAR que se integram na primeira categoria é aplicável o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, com as necessárias adaptações.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

1 - Relatório

a) - As partes e o objecto do recurso

Maria ………………., inconformada com a sentença do TAC de Lisboa que na acção administrativa especial que interpôs contra Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar - FOR-MAR, a considerou improcedente, não decretando a anulação do acto proferido pelo Director do réu, que indeferiu o seu pedido de acumulação de funções para o ano escolar de 2009/2010, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu deste modo:
1.ª - A presente acção tem por objectivo obter a anulação do despacho proferido, em 23-10-09 pelo Director do Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar, FOR-MAR que indeferiu o pedido de acumulação de funções apresentado pela Autora, para o ano escolar de 2009/2010, ao abrigo da legislação que sobre a matéria se aplica ao pessoal docente.
2.ª - Entendeu a recorrente que tal despacho se encontrava ferido de ilegalidade por contrariar designadamente, o disposto nos artigos 10 e 1110, do Estatuto da carreira Docente, aprovado pelo D.L. n° 139-A/90, de 28 de Abril, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n° 15/07, de 19 de Janeiro, a Portaria n° 814/2005, de 13 de Setembro, o artigo 30 da Portaria n° 311/2008, de 23 de Abril, o ponto II, n° 3, b) o ponto XXI, nos 2,3 e 4, o ponto XXII n° 3 e os pontos XXVI e XXVII, todos do Protocolo anexo à referida Portaria e os artigos 30 e 50 do C.P.A. e 13° da Constituição.
3.ª - Por sentença proferida, em 14-4-2011, o Tribunal "a quo" decidiu no sentido do não provimento da acção alegando basicamente que a recorrente não pode ser considerada "docente", para os efeitos pretendidos por "inexistência de diploma legal que proceda à adaptação do E.C.D."
4.ª Ao decidir no sentido descrito a sentença recorrida não fez a correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
5.ª - De facto, como ficou inteiramente demonstrado nos autos a aplicação à recorrente do E.C.D. não depende de norma habilitadora que disponha expressamente sobre o respectivo estatuto jurídico funcional, porque o mesmo resulta do disposto no artigo 1° do E.C.D.
6.ª - O caso concreto dos autos cumpre integralmente os requisitos legalmente exigidos pelo disposto no citado artigo 1° do E.C.D. (ãmbito de aplicação pessoal e institucional) para efeitos de aplicação à recorrente, do regime de acumulação do pessoal docente ou seja, o exercício efectivo de funções docentes pela mesma e a natureza do serviço onde tais funções são prestadas.
7.ª - Relativamente ao primeiro é indubitável que as funções exercidas pela recorrente são docentes já que o recorrido FOR-MAR, ao suceder nas atribuições da Escola de Pesca e da Marinha do Comércio E.P.M., no domínio da condução e execução da formação profissional, o estatuto jurídico funcional que aquela detinha na Escola extinta (Professor) mantém-se.
8.ª - Para além disso, os artigos 190 e 22° da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovado pela Lei n° 46/86, de 14 de Outubro e alterada pela Lei n° 115/97, de 15 de Setembro e pela Lei n° 49 / 2005, de 30 de Agosto integram expressamente a formação profissional no âmbito das modalidades de educação escolar. Tanto é assim que a recorrente sempre deteve a categoria funcional de professora continuando a estar integrada na estrutura da carreira docente regulada pelo E.C.D.
9.ª - Quanto à natureza do recorrido, também é inquestionável que o mesmo integra o conceito de "estabelecimentos ou instituições de ensino" dependentes ou sob tutela de outros Ministérios, para os efeitos do citado artigo 1° do E.C.D., não só porque, legalmente, lhe foram atribuídas funções, no âmbito do ensino técnico-profissional, como também porque se encontra sujeito ao poder tutelar do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, conforme decorre de vários aspectos (sinalizados pela recorrente nestas alegações), do Protocolo outorgado entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. e a Direcção Geral das Pescas e Agricultura, anexo à Portaria n° 311/08.
10.ª - Conclui-se, assim, que a situação dos autos se enquadra, inquestionavelmente, no âmbito de aplicação pessoal e institucional prevista no artigo 1° do E.C.D. para efeitos de aplicação dos respectivos preceitos estatutários.
11.ª - Mesmo a estatuição contida no n° 2 da referida norma no sentido da aplicação do E.C.D. a instituições do FOR-MAR "com as necessárias adaptações" não impede que a recorrente esteja abrangida pelo regime jurídico de acumulação de funções do pessoal docente uma vez que se trata de urna matéria de aplicação directa porque não colide com as especificidades do serviço onde aquela exerce funções.
12.ª - Em suma, não colhe o argumento aduzido pela sentença "a quo" de que a aplicação do regime em causa carece da publicação de diploma de adaptação para que a recorrente dele beneficie visto que a mesma se encontra abrangida pelo artigo 1° do E.C.D. e a matéria em questão nos autos é de aplicação directa. Prova disso é o facto de o E.C.D. ter sido directamente aplicado aos docentes da E.P.M.C., antes da publicação do D.L. n° 93/97.
13.ª - Finalmente, o acto recorrido também enferma de ilegalidade por contrariar o disposto no artigo 5° do C.P.A. e no artigo 13° da Constituição porquanto o recorrido tratou de forma desigual situações idênticas ao deferir pedidos de acumulação formulados, ao abrigo do mesmo quadro legal que sustentou o pedido da recorrente.
14.ª - Posto isto, deve a sentença recorrida ser revogada por não fazer a correcta interpretação e aplicação da lei ao caso dos autos.


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O recorrido contra-alegou, sustentando a manutenção da sentença

O MP não emitiu parecer.


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b) - Questões a decidir
¾ Averiguar se houve tratamento desigual para a autora, por o seu pedido de acumulação de funções docentes ter sido indeferido e deferido noutras situações;
¾ Apurar a natureza jurídica do FOR-MAR
¾ Determinar o regime aplicável aos seus funcionários;
¾ Apreciar os vícios imputados ao acto impugnado.

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2 – Fundamentação

a) - De facto

Nos termos do art.º 713.º, n.º 6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na primeira instância, por não ter sido impugnada, a que se aditam, no entanto, estes factos:
1. A partir de 26-11-2008 os trabalhadores da FOR-MAR com a categoria de professor mantiveram-se na modalidade de horário flexível, estando obrigados a permanecer na Escola entre as 10H00 e as 12H30 e entre as 14H30 e as 16H30.
2. O horário da acumulação pretendida pela recorrente compreendia uma aula entre as 15H45 e a 16H30, de segunda a sexta.


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b) - De Direito

A sentença que a recorrente ataca considerou a acção improcedente recorrendo a dois argumentos: por um lado a recorrente não detém o estatuto de professor na acepção prevista no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (ou Estatuto da Carreira Docente - ECD), aprovado pelo Dec-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, e por outro, as situações de deferimento de pedidos de acumulação não relevam porque não são fácticamente idênticas.

Adiante-se, desde já, que neste último aspecto a A. e ora recorrente carece por completo de razão. É que a questão em concreto não se prende com a aplicação de um mesmo quadro normativo mas de uma situação de facto diferenciada.

Com efeito, as normas que disciplinam as situações de acumulação de funções na Administração Pública tem por finalidade primordial salvaguardar o interesse público consubstanciado no desempenho normal e regular da prestação funcional dos servidores públicos ou na prossecução desse interesse através da supressão ou atenuação de situações de carência transitória de pessoal.

Por isso e ao contrário do que implicitamente a recorrente defende, tal regime não visa primacialmente a criação de direitos individuais mas a preservação do interesse público na boa gestão e regular funcionamento dos serviços.

Nesta perspectiva, o pedido de autorização de acumulação de funções em período de férias é totalmente diferente de idêntico pedido formulado para períodos de trabalho. No primeiro caso a entidade decidente apenas tem de acautelar os efeitos nocivos directos que para a imagem do serviço público pode representar a prestação de funções em regime de acumulação, ou os efeitos negativos indirectos que se possam repercutir no conteúdo da função original, enquanto no segundo caso tem de ser ponderadas as repercussões negativas directas que possam projectar-se na prestação funcional. Ou seja, ponderar os conflitos de interesse público e privado em presença. Por exemplo, como sucede no caso em apreço, a eventual sobreposição temporal das funções exercidas nos dois regimes, que conduziria à impossibilidade prática de uma delas ser exercida no período correspondente.

Daí que, como referiu a sentença, as situações invocadas pela recorrente não se apresentem iguais, pois num caso o pedido de acumulação circunscreve-se ao período de férias e no caso da recorrente abrange o período normal de prestação de funções.

Não havendo uma situação de igualdade fáctica é ocioso falar em violação do princípio da igualdade, que postula o tratamento (jurídico) igual de situações (de facto) iguais.

No que concerne à qualificação da recorrente como docente, entende-se que a sentença não trilhou o melhor caminho.

O FOR-MAR foi criado por protocolo celebrado entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP), e a Direcção-Geral das Pescas e Agricultura (DGPA), conforme resulta da Portaria n.º 311/08, de 23 de Abril.

Esse protocolo foi estabelecido ao abrigo do regime consagrado no Decreto-Lei n.º 165/85, de 16 de Maio, diploma que define o regime jurídico dos apoios técnico-financeiros por parte do IEFP à formação profissional em cooperação com outras entidades.

Nos termos deste diploma a formação profissional, promovida através da celebração de contratos, denominados acordos ou protocolos, a celebrar entre o IEFP e quaisquer entidades do sector público, cooperativo ou privado, será efectivada através da criação de centros protocolares, organismos dotados de personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira e património próprio (art.º 10.º, n.º 1), os quais são criados pelo protocolo que os institui, adquirindo personalidade jurídica pela respectiva homologação por portaria do Ministro do Trabalho e Segurança Social (10.º, n.º 2).

O funcionamento dos centros protocolares fica sujeito às regras aplicáveis às empresas em tudo quanto não estiver especialmente previsto em contrário no protocolo que os institui (14.º). O seu pessoal, incluindo o director, fica sujeito ao regime do contrato individual de trabalho (art.º 15.º, n.º 1), sendo proibido o exercício de quaisquer outras funções remuneradas, salvo autorização especial nos termos da legislação em vigor (15.º, n.º 2).

Todavia, de harmonia com o art.º 16.º, n.º 1, os funcionários e agentes do Estado, dos institutos públicos e das autarquias locais, bem como os trabalhadores das empresas públicas, podem ser chamados a desempenhar funções nos centros protocolares em regime de requisição ou de comissão de serviço com as garantias do seu lugar de origem e dos direitos nele adquiridos, norma que sofreu as influências dos instrumentos do regime de mobilidade geral introduzido pelos artigos 58.º a 65.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (LVCR).

Temos, portanto, que o pessoal dos centros protocolares, como é o caso do FOR-MAR pode ter um regime de trabalho de direito público ou de direito privado, consoante a origem do seu vínculo. Portanto o primeiro dos erros em que a sentença caiu (1) foi não ter apurado qual a natureza do regime jurídico que lhe é aplicável.

É certo que a sentença refere que a recorrente exerceu funções na EPMC até à extinção desta, apoiando-se no doc. n.º 1 com a petição inicial. Deveria ter ido mais longe, pois desse documento resulta que a autora transitou para essa Escola e posteriormente para a recorrida em regime de comissão de serviço, vinda da Administração Central.

Temos, portanto, que o regime jurídico aplicável à recorrente e relativo às funções exercidas é um regime de direito público e não o regime previsto no citado art.º 15.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 165/85.

O segundo erro em que incorreu a sentença foi o de ter considerado que o ensino técnico-profissional a nível nacional para o sector das pescas, dos transportes marítimos, da marinha de recreio e actividades conexas – que erradamente referenciou no probatório, já que essa referência constitui claramente matéria de direito – que se praticava na extinta EPMC, deixou de ser exercido na FOR-MAR. Na verdade, um pouco de atenção ao seu respectivo regime jurídico possibilitaria descortinar que no logo preâmbulo do protocolo que a criou está inscrito, ipsis verbis, o seguinte:

Como eixo de sustentação desta estratégia justifica-se a criação de um estabelecimento de ensino técnico-profissional integrador das actuais valências públicas neste domínio, que potencie claramente um compromisso reforçado com os parceiros sociais e económicos em matéria de formação profissional contínua nestes sectores de actividade (negrito nosso)”.

O estabelecimento de ensino técnico-profissional a que o protocolo se refere é, como não podia deixar de ser, o FOR-MAR, que nos termos do art.º 10.º, n.º 1 e 2, é um centro protocolar, organismo dotado de personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira e património próprio, criado pelo protocolo que o instituiu, e que adquiriu personalidade jurídica pela respectiva homologação pela portaria do n.º 311/2008, de 23 de Abril, do Ministro do Trabalho e Segurança Social.

Para além disso, a FOR-MAR integra actualmente a estrutura do Sistema Nacional de Qualificações (SNQ), que agrupa além do mais os estabelecimentos de ensino básico e secundário e os centros de formação e reabilitação profissional de gestão directa e protocolares [als. d) e e) do art.º 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro, que disciplina actualmente a “organização da formação profissional inserida no sistema educativo e no mercado de trabalho” (cf. preâmbulo)], sistema esse que visa outorgar dupla certificação, escolar e profissional.

Neste contexto não tem fundamento a afirmação contida na sentença de que “a categoria profissional da autora se designar de “Professor” (…) em nada determina o conteúdo concreto das funções exercidas pela Autora (formação profissional), (…)”, pois um “professor” do ensino profissional não pode deixar de ser considerado um docente como os demais.

De facto, no âmbito do SNQ os Cursos Profissionais são um dos percursos do nível secundário de educação, caracterizado por uma forte ligação com o mundo profissional”, os quais podem funcionar em escolas profissionais, públicas ou privadas ou em escolas secundárias da rede pública, conferindo, após a conclusão com aproveitamento, o nível 4 de qualificação do Quadro Nacional de Qualificações, um diploma de nível secundário de educação e uma certificação profissional (2).

Por isso é difícil aceitar – até numa perspectiva de senso comum – que se negue o “estatuto” de professor a uma pessoa que exerce indiscutíveis funções docentes na área de inglês, com o argumento de que estas são de formação profissional, como se esta modalidade de aprendizagem fosse qualquer coisa estranha ao ensino!

Assim e ao contrário do sustentado na sentença e nas contra-alegações do recorrido, o bloco legal que rege a actividade da FOR-MAR não impede a aplicabilidade ao caso presente do ECD, como resulta do n.º 2 do seu artigo 1.º, que expressamente prevê que o Estatuto é “aplicável, com as necessárias adaptações, aos docentes em exercício de funções em estabelecimentos ou instituições de ensino dependentes ou sob tutela de outros ministérios”.

Com efeito, face ao quadro legal emergente do citado Decreto-Lei n.º 396/2007 é indiscutível que a FOR-MAR é um estabelecimento de ensino. E por outro lado está na tutela ou dependência do Ministro do Trabalho e Segurança Social (MTSS) (3).

De facto, atento o regime constante do protocolo que o criou, o FOR-MAR está sujeito à tutela do MTSS no que toca à nomeação e exoneração, a todo o tempo, dos membros do Conselho de Administração (VII, n.º 4), bem como quanto à designação e exoneração do director (X) e dos membros da comissão de fiscalização (XV), que através do IEFP, aprova o plano de actividades e orçamento (XXI, n.º 3).

Temos assim os sinais característicos da sujeição do FOR-MAR à tutela directa e indirecta do MTSS, exercida através de poderes de intervenção na sua gestão, com o fito de assegurar a legalidade ou o mérito do seu desempenho.

Por último, não é inteiramente exacto que a Lei Orgânica da extinta EPMC não se encontra em vigor.

Para além de em situação alguma se poder colocar de lado o seu valor como elemento histórico de interpretação, nos termos da g) do art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 209/2006, de 27 de Outubro, a extinção da EPMC acarretou a externalização das suas atribuições, designadamente no domínio da coordenação, execução da formação profissional a nível nacional dos profissionais e candidatos às profissões nos sectores das pescas e aquicultura, indústria transformadora de pescas, actividades marítimas em geral e outras actividades conexas para entidade a definir em diploma próprio, em articulação com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, no caso concreto, a FOR-MAR, sendo que nos termos do art.º 22.º, do mesmo diploma “as referências legais feitas aos serviços e organismos objecto de extinção, fusão e reestruturação referidos no artigo anterior, consideram-se feitas aos serviços ou organismos que passam a integrar as respectivas atribuições” (negrito nosso), o que justifica que o art.º 7.º da Portaria n.º 311/2008, disponha que “as referências expressas no quadro legal vigente ao FORPESCAS e à EPMC devem considerar-se reportadas ao FOR-MAR”.

Assim, o segmento normativo que na Lei Orgânica da EPMC remetia para a “lei aplicável aos professores do ensino básico e secundário, com as necessárias adaptações, a estabelecer por decreto-lei” continua a ser aplicável aos funcionários públicos que, nos termos do art.º 5.º da referida Portaria, continuam a desempenhar funções docentes na FOR-MAR, como sucede com a recorrente.

E não se diga que essa remissão necessitava de ser mediada por um decreto-lei que não chegou a ser publicado, porque tal afirmação corresponde a uma incorrecta interpretação do texto legal.

O art.º 14.º da Lei Orgânica da EPMC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 93/97, de 23 de Abril, estabelecia que “a carreira de professor da EPMC rege-se pelo disposto na lei aplicável aos professores do ensino básico e secundário, com as necessárias adaptações, a estabelecer por decreto-lei”.

Tendo em conta a data do diploma e a data da publicação do Dec.-Lei n.º 105/97, de 29 de Abril, que alterou o ECD, a interpretação que melhor se coaduna com o texto do art.º 14.º da Lei Orgânica da EPMC é a aquela que entende que a remissão não é para diploma de adaptação, porque nesse caso não faria sentido a aposição de um virgula logo após a expressão “com as necessárias adaptações”, mas sim para o diploma que alterou o Estatuto atrás referido.

Tenha-se presente que o legislador da Lei Orgânica da EPMC não podia desconhecer que estava em curso de publicação essa alteração, e que a fórmula utilizada é idêntica àquela que se emprega noutros textos legais para situações remissivas semelhantes, em que a expressão “com as necessárias adaptações” significa dar ao intérprete alguma latitude interpretativa no âmbito da aplicação normativa.

De todo o modo, ainda que se aceitasse a tese da sentença, isso não significaria o afastamento total da aplicação do ECD, mas apenas dos seus aspectos especificamente relacionados com o desempenho profissional e carreira.

Em resumo, não colhe a tese de que a A. e ora recorrente não pode ser considerada docente, porque não desenvolve a sua actividade de harmonia com o art.º 35.º, n.º 2, do ECD.

Bem vistas as coisas é precisamente o contrário: sendo a FOR-MAR a única escola nacional em matéria de pescas e marinha de comércio, é óbvio que os seus currículos são de âmbito nacional, o mesmo sucedendo com a política de ensino, sendo inquestionável que a recorrente exerce as suas funções de harmonia com o projecto educativo da escola.

E esta asserção não é desmentida pela natureza formativa da FOR-MAR, visto que esta prossegue as atribuições das extintas EPMC e FORPESCAS, que integravam o sistema de ensino técnico-profissional.

Consequentemente a sentença padece de erro de julgamento quando considera que a A. e ora recorrente não é docente para efeitos de aplicabilidade do EDC.

O que não quer dizer que quanto ao fundo da questão a recorrente tenha razão.

E para isso há que atentar na seguinte factualidade, esquecida pela sentença:
¾ A partir de 26-11-2008 os trabalhadores da FOR-MAR com a categoria de professor mantiveram-se na modalidade de horário flexível, estando obrigados a permanecer na Escola entre as 10H00 e as 12H30 e entre as 14H30 e as 16H30.
¾ O horário da acumulação pretendida pela recorrente compreendia uma aula entre as 15H45 e a 16H30, de segunda a sexta.

Estes factos, que constituem excepções na acepção do art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil, não foram rebatidos pela A., que não ofereceu resposta ao articulado de contestação da recorrida. Logo, devem ter-se por assentes (cfr. art.º 505.º do CPC, aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA).

Assim, constatando-se que o horário da acumulação se sobrepunha a uma das plataformas fixas do horário que a recorrente tinha obrigatoriamente de cumprir na FOR-MAR, logo se vê que não podia ser deferida a sua pretensão, sem que todavia fosse necessário convocar a despropósito uma pretensa falta de equiparação da sua actividade a funções docentes.

Em face de todo o exposto, procede a arguição de anulabilidade por vício de violação de lei do acto impugnado mas improcede o pedido de condenação à prática de acto devido nos termos em que foi requerido pela A., ficando obviamente aberta a porta para ulterior pedido que possibilite a adequação do horário em regime de acumulação às plataformas fixas do horário que é aplicável à recorrente na FOR-MAR.

Sumariando, para concluir:
¾ O princípio da igualdade postula o tratamento (jurídico) igual de situações (de facto) iguais.
¾ Não é violador do princípio de igualdade o indeferimento de um pedido de acumulação de funções docentes, com o argumento de ter sido deferido noutras situações, se entre estas e aquela que justifica a pretensão não existe coincidência fáctica.
¾ O FOR-MAR é um centro protocolar com personalidade jurídica criado ao abrigo do regime consagrado no Decreto-Lei n.º 165/85, de 16 de Maio, que prossegue as atribuições das extintas Escola de Pesca e da Marinha de Comércio e FORPESCAS, ministrando formação profissional e que actualmente integra a estrutura do Sistema Nacional de Qualificações.
¾ O regime aplicável aos seus funcionários é de direito público, se vinculados à Administração Pública, ou de direito privado, se o seu regime é o do contrato individual de trabalho.
¾ Aos professores da FOR-MAR que se integram na primeira categoria é aplicável o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, com as necessárias adaptações.

Concluindo, a sentença deve ser revogada, o acto impugnado anulado e o pedido de condenação à prática de acto devido julgado improcedente.


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3 - Dispositivo:

Em face de todo o exposto, concede-se provimento parcial ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que absolve a recorrida do pedido de anulação do acto impugnado, que vai anulado, e nega-se provimento quanto ao mais, julgando improcedente o pedido de condenação à prática de acto devido e confirmando-se nesta parte, mas com diferente fundamentação, a sentença recorrida.

Custas por recorrente e recorrido em partes iguais.

D.n.

Lisboa,

________________ (Benjamim Barbosa, Relator)

________________ (Sofia David)

________________ (Carlos Araújo)
(1) Que se limitou a aderir à tese do réu, sem qualquer sentido crítico e aparentemente sem se debruçar convenientemente sobre o regime jurídico aplicável, e por isso sem quaisquer preocupações de análise ou de aferição da bondade da tese acolhida.
(2) Cfr. http://www.novasoportunidades.gov.pt/np4/faq.html#a6 [em linha] [cons. 24-05-2011].
(3) Agora Ministério da Solidariedade e Segurança Social.