Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 305/16.9BELSB |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 09/21/2017 |
Relator: | JOSÉ GOMES CORREIA |
Descritores: | O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE ARMAS |
Sumário: | I)- O princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticas, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra. II) -Há que previamente determinar se as situações devem ser consideradas iguais ou desiguais para depois lhes dar o mesmo ou diverso tratamento. Há que surpreender a ratio do tratamento jurídico. Daí a indispensável conexão entre o critério material que vai qualificar o igual e o fim visado no tratamento jurídico, que terá de ser razoável e suficiente. Tudo para evitar o arbítrio: tudo o que é injusto, desconexo e violador do fim. III) -O princípio da igualdade apresenta-se como um princípio aberto a valores, valores decorrentes da consciência geral da sociedade, para a formação dos quais todos os membros da sociedade contribuem - dimensão participativa de igualdade - valores aos quais se apela no momento da opção por um determinado regime jurídico - momento jurídico político do princípio - e no momento da opção por um critério que permita o juízo de equiparação das situações que a ele devem estar sujeitas - momento jurídico-normativo do princípio. É no âmbito destas duas escolhas que se encontra a objectivação ou materialização da justiça social a que o princípio de igualdade rende homenagem. IV) -Hodiernamente, a igualdade das partes está consagrada no artigo 4º do CPC mas o certo é que nem sempre é viável assegurar a igualdade substancial entre as partes, não sendo possível, nuns casos, ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes, e noutras hipóteses afastar certas igualdades formais impostas pela lei - assim, a igualdade das partes, com expressão legal no citado artigo 43, não pode postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais. V) -Revertendo ao plano constitucional, a questão resume-se em saber se a norma sub specie estabelece de modo injustificado, intolerável, irrazoável e arbitrário um regime discriminatório para uma das partes da acção, de molde a tornar a posição processual de uma desvantajosa em relação à outra no tocante ao gozo dos meios adjectivos postos à sua disposição. Por outras palavras: o que releva é determinar se a posição processual da Recorrente pode e deve, concretamente, ser visualizada em termos exactamente idênticos ao da outra "parte". VI) -Ora, deve reconhecer-se ao legislador ampla liberdade conformativa na definição das regras de direito processual civil, matéria na qual a Constituição não faz qualquer elenco ou catálogo de princípios a que o mesmo se deverá subordinar dado que o princípio da igualdade apenas exige a dação de tratamento igual àquilo que, essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções (ponto é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias) e que a igualdade das "partes" não pode ser perspectivada tão-só no desenrolar do próprio processo, não se devendo, ao invés, perder de vista a situação pré-processual, sendo que, neste ponto, há que reconhecer que a defesa da Administração é estruturada com base em procedimentos burocráticos desenvolvidos através de variados processos de formação da vontade orgânica precedidos de diversas fases tutelares que tornam as mais das vezes mais fácil descortinar a realidade fáctica existente. VII) -Donde que a ofensa do princípio da igualdade e do contraditório nos termos pretendidos pela Recorrente sempre significaria dar prevalência à legalidade formal, em detrimento da justiça material, contrariando-se o fim visado pelo legislador. É que, interessa recordar, o princípio da igualdade de armas não implica uma identidade formal absoluta de todos os meios, e que a exigência que ela postula pressupõe uma posição equiparável das partes perante o processo, o que não é o caso. VIII) -Na verdade e como flui cristalino de tudo o que vem dito, o princípio da «igualdade de armas» ou da «igualdade das partes» consagrado nos artºs. 13º e 20º da CRP, consiste em estas serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Assim, respeitando tal princípio, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de vista formal:- perante ele, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor. IX) -Por outro lado, do referido artigo resulta a consagração do princípio da Igualdade o qual postula a igualdade das partes analisado no princípio do contraditório e no princípio da igualdade de armas, constituindo esse princípio uma concretização do princípio geral da igualdade consagrado no art.13º do CRP, o qual significa que cada uma das partes deve situar-se numa posição de igualdade perante a outra e ambas iguais perante o Tribunal, designadamente um exercício do direito de defesa. X) -Aplicando toda a principiologia antes exposta ao caso dos autos e em vista da pretensão da Recorrente para a qual a decisão recorrida ofendeu o princípio da igualdade de armas e do contraditório por não ter o tribunal realizado toda a prova por ela indicada, cabe realçar que o artigo 120° do CPTA estabelece que o Tribunal decretará a providência cautelar requerida sempre que, mediante um juízo perfunctório possa concluir, sem necessidade de maiores indagações, que é manifesta a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. XI) -Ora isso implica, que haverá que averiguar, em cada caso, em face de uma análise sucinta e perfunctória da mesma, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares, que têm por características designadamente, a provisoriedade e a sumariedade, se é possível concluir, sem margem para dúvidas, que a pretensão formulada ou a formular no processo principal será julgada procedente e será em função das especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o "juiz a quo" decidirá da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito. O esclarecimento exigível corresponderá ao estritamente necessário para decidir o pedido de decretamento das providências cautelares requeridas, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na acção principal de que depende. XII) -Ora, se é verdade que a ora Recorrente arrolou testemunhas e com elas pretendia proceder à demonstração dos factos por si alegados, também é certo que aceitou o aproveitamento da prova produzida embora tenha requerido a inquirição de nova testemunha a certos factos e, uma vez que foi proferido despacho que aproveitou a prova naqueloutro processo e que indeferiu o pedido de aditamento ao rol de nova testemunha porque os factos sobre os quais deporia se referem ao "periculum in mora" e porque a prova produzida no outro processo é suficiente para alicerçar a convicção sobre o " periculum in mora" cotejando, por um lado, aquela que é a alegação das partes e a factualidade dada como provada e, por outro, aquela que é a fundamentação de Direito explanada na sentença recorrida, é forçoso concluir que o Tribunal estava habilitado a decidir, no sentido que decidiu, sem necessidade da inquirição da nova testemunha arrolada pelo Recorrente. XIII) -No regime de controlo exigido pelo artigo 33° do Regulamento (EU) n° 65/2011 de 127/01 o mesmo só é passível de demonstração através de prova documental. XIV) -Tendo em conta o disposto no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA, a providência será decretada quando se verifiquem os seguintes pressupostos: -Um requisito de perigosidade - periculum in mora -assente na existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que as Requerentes visam acautelar no processo principal, sendo que, para a concretização destes conceitos não vale já o critério da insusceptibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos invocados, mas antes o da impossibilidade de reintegração da esfera jurídica das Requerentes ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação;- a existência de fumus boni iuris, na sua formulação positiva, ou seja, na demonstração de que é provável que a pretensão a formular ou formulada no processo principal seja julgada procedente. XV) -Sustentando a Recorrente que para a boa decisão da causa no que diz respeito às despesas dos trabalhos de arranque de árvores secas, aos quais se refere uma dada factura identificada o Juiz "a quo" deveria promover as diligências instrutórias requeridas pela Recorrente na petição inicial da acção principal pois só com a realização das requeridas diligências probatórias será possível avaliar se está ou não assegurado uma pista de controlo suficiente que permita a validação final das despesas apresentadas a pagamento pela Recorrente, conforme exigido no art° 33° n° 2 do Regulamento (CE) n°65/2011 da Comissão, de 27-1, conjugado com o seu Anexo i, e nos art°s. 21° e 22° da Portaria n° 1137-0/2008, de 9-10; ous seja, para a Recorrente, ao decidir-se que por razões meramente contabilísticas, aquando da apresentação das facturas e dos recibos, as despesas não se consideravam elegíveis, consubstancia uma errada interpretação e aplicação do disposto no art° 33° do Regulamento (UE) n° 65/2011 da Comissão, de 27-1, conjugado com o seu Anexo I, e dos art°s. 21° e 22° da Portaria n° 1137-0/2008, de 9-10. XVI) -Mas o certo é que, a pista de controlo, cuja existência é exigida pelo artigo 33° do Regulamento (UE) n° 65/2011, de 27 de Janeiro, visando " a conciliação entre os montantes globais declarados à Comissão e as facturas, os documentos contabilísticos e outros documentos comprovativos mantidos pelo organismo pagador ou por outro serviço relativamente a todas as operações objecto do apoio do FEADER" não é passível de ser demonstrada por intermédio de qualquer outro meio de prova que não seja o documental. XVI) -E, por serem cumulativos os requisitos exigidos no art° 120° do CPTA e não se verificando pelo menos um deles torna-se desnecessária a averiguação de existência dos demais, determinando, desde logo o indeferimento do pedido, sendo jurisprudência pacífica deste tribunal a que que caso se mostrem verificados os requisitos previstos no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA, impõe-se, ainda, ao julgador, nos termos do disposto no n.° 2 deste mesmo artigo, a ponderação de todos os interesses em jogo, para que seja assegurado o princípio da proporcionalidade na tomada de decisão sobre a adoção da providência, constatando-se, assim, que os pressupostos de concessão das providências cautelares são, agora, mais exigentes e restritos. Na verdade, mantendo-se o requisito do periculum in mora, o legislador, prescindindo da anterior distinção entre providências cautelares conservatórias e antecipatórias, elegeu como pressuposto o fumus boni iuris exclusivamente na sua vertente positiva, ou seja, exigindo a demonstração da probabilidade da procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal. XVII) -Deve, por isso, extrair-se a conclusão de que não ficou demonstrada a probabilidade de vencimento nos autos principais, tanto mais que a questão em causa foi decidida em contrário do pretendido, assim se não encontrando preenchido o pressuposto do fumus boni iuris. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I-. RELATÓRIO A.............- ASSOCIÇÃO DE PRODUTORES …………….. interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF de Castelo Branco, que, nos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia que deduziu contra o IFAP- Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P, [IFAP, I.P.], julgou improcedente o seu pedido anulatório na parte em que o acto impugnado assenta na inelegibilidade da despesa com o arranque de árvores mortas, à qual se refere a factura n° 8/2014, emitida pela A...- B........, Lda. Formulou nas respectivas alegações as conclusões que infra se reproduzem: “1° Para a boa decisão da causa no que diz respeito às despesas dos trabalhos de arranque de árvores secas, aos quais se refere a fatura n° 8/2014, emitida pela "A... B........, Gestão Florestal, Lda", o Juiz "a quo" deveria promover as diligências instrutórias requeridas pela Recorrente na petição inicial da ação principal; 2° Só com a realização das requeridas diligências probatórias será possível avaliar se está ou não assegurado uma pista de controlo suficiente que permita a validação final das despesas apresentadas a pagamento pela Recorrente, conforme exigido no art° 33° n° 2 do Regulamento (CE) n°65/2011 da Comissão, de 27-1, conjugado com o seu Anexo i, e nos art°s. 21° e 22° da Portaria n° 1137-0/2008, de 9-10; 3° Ao decidir, como decidiu o Recorrido e o Juiz "a quo", que por razões meramente contabilísticas, aquando da apresentação das faturas e dos recibos, as despesas não se consideravam elegíveis, consubstancia uma errada interpretação e aplicação do disposto no art° 33° do Regulamento (UE) n° 65/2011 da Comissão, de 27-1, conjugado com o seu Anexo I, e dos art°s. 21° e 22° da Portaria n° 1137-0/2008, de 9-10; 4° Para a boa decisão da causa, sempre deveria ter sido realizada instrução para se proceder ao julgamento do facto da matéria articulado pela Recorrente nos art°s 62° a 65° da petição inicial da providência; 5° Ao decidir, como decidiu a sentença "a quo", sem a realização de qualquer das diligências instrutórias requeridas pela Recorrente, a sentença impediu o exercício do direito do contraditório da Recorrente, violando o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes, na medida em que a sentença "a quo" decide apenas com base na versão dos factos aportada aos autos pelo Recorrido (cfr. art°s. 3° e 4° CPC); 6° Ao decidir, sem a prévia promoção de qualquer diligência instrutória, que nos autos não foi feita prova da existência da exigida pista de controlo que permitiria a conciliação entre os valores das despesas apresentadas a pagamento e as faturas ou outros documentos contabilísticos que a suportam, a sentença "a quo" merece censura; 7° A sentença "a quo" fez uma errada interpretação e aplicação do art° 120° CPTA; 8° Em consequência, a sentença recorrida errou ao não suspender os todos os efeitos do ato requerido, até ser decidida a ação principal. Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença na parte recorrida, com as devidas consequências legais. Assim se cumprirá a Lei e fará Justiça. Contra-alegou o recorrido, concluindo do modo que se segue: “A. Vem o presente recurso interposto do segmento da douta decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente o pedido formulado e que, assim, não suspendeu a eficácia do ato administrativo na parte em que considerou não elegíveis as despesas apresentadas pela Requerente relativas ao serviço de arranque de árvores mortas. B. Tal decisão não merece qualquer censura já que no caso, não só não ficou demonstrada a probabilidade de vencimento da Requerente nos autos principais, como inclusive C. Ficou demonstrado que, na ação principal, tal questão foi decidida de forma contrária às pretensões da requerente, D. Não estando assim verificado o pressuposto do fumus bonis iurís exigido para que possa ser decretada a providência. E. Recorde-se que, nos presentes foi a própria Requerente, aqui Recorrente, que, notificada para o efeito, declarou expressamente a sua concordância com o aproveitamento da prova testemunhal que havia sido produzida perante o Tribunal a quo, no âmbito do processo cautelar n° 310/16.5BECIB... F. Sendo certo que atenta a natureza da questão, aquela apenas seria passível de ser sujeita a prova documental, sendo que esta é a que consta referida nos pontos 5 e 9 da matéria de facto dada por provada e que não foi impugnada pela Recorrente. G. Considerando que o fundamento apresentado, quer em sede de processo cautelar quer nos autos de ação principal, para peticionar a declaração de invalidade do ato administrativo em causa, foi a ausência de "suporte de facto e de direito" daquele ato, naturalmente não padece de quaisquer invalidade a sentença que, com vista a verificar da alegada inexistência de suporte factual ou de direito do ato, procede a uma análise critica de todos os factos relatados no procedimento administrativo (documentados no PA) e determinando o quadro legal aplicável, faz uma concreta aplicação da lei aos fatos dados por provados. H. A pista de controlo, cuja existência é exigida pelo artigo 33° do Regulamento (UE) n° 65/2011, de 27 de janeiro, visando " a conciliação entre os montantes globais declarados à Comissão e as facturas, os documentos contabilísticos e outros documentos comprovativos mantidos pelo organismo pagador ou por outro serviço relativamente a todas as operações objecto do apoio do FEADER" não é passível de ser demostrada por intermédio de qualquer outro meio de prova que não seja o documental. Termos em que não deverá o presente recurso merecer provimento, mantendo-se a douta decisão recorrida com o que se fará a costumada JUSTIÇA!” O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido do não improvimento do recurso. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir. * 2.- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, nº6 do NCPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto constante da sentença recorrida, que não vem impugnada. * 3- MOTIVAÇÃO DE DIREITO Tendo presente que o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, importa analisar a pretensão formulada pelo recorrente, recurso de que coloca as seguintes questões: - A sentença violou o princípio do contraditório e da igualdade das partes; -A sentença errou nos pressupostos de facto e de direito das normas legais aplicáveis. * Assim, quanto ao primeiro segmento recursório, aduz a Recorrente, em substância, que foi violado o princípio do contraditório e o principio da igualdade das partes, consagrados no artigos 3º e 4° do CPC e no artigo 6° do CPTA, porque a sentença decidiu apenas com base na prova apresentada pelo Recorrido não tendo realizado as diligências probatórias por si requeridas pelo que foi impedido do direito de contraditório na produção das provas.Portanto, segundo a Recorrente, ocorreu a violação do princípio da igualdade de armas e do processo equitativo pela decisão recorrida decorrente da produção de toda a prova, mormente a não admissão da por si requerida que prejudicou a "defesa" dos interesses da recorrente. Vejamos. A igualdade dos homens foi consagrada juridicamente, pela primeira vez, na Virginia Bill of Rights, de 12 de Junho de 1776, aperfeiçoada na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 e consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793. Não nos interessa a igualdade aristotélica simbolizada na balança de justiça, ligada à justiça geral de equilíbrio e harmonia entre os homens. Mas sim a que parte inversamente de desigualdade qualitativa, de luta contra privilégios em busca de uma justiça relativa que protege o indivíduo, tomando em consideração o mundo real onde está inserido. Daí o parecer da Comissão Constitucional 14/80 - Pareceres volume 12, Página 168 afirma que "o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei não seja uma pacificação absoluta no tratamento das situações, mas apenas o tratamento igual de situações iguais entre si e um tratamento desigual de situações desiguais, de modo que a disciplina jurídica prescrita seja igual quando uniformes as condições objectivas ou previsões reguladas, ou desigual quando falta tal uniformidade". Há que previamente determinar se as situações devem ser consideradas iguais ou desiguais para depois lhes dar o mesmo ou diverso tratamento. Há que surpreender a ratio do tratamento jurídico. Daí a indispensável conexão entre o critério material que vai qualificar o igual e o fim visado no tratamento jurídico, que terá de ser razoável e suficiente. Tudo para evitar o arbítrio: tudo o que é injusto, desconexo e violador do fim. Poderemos concluir com a Dra. Maria da Glória Ferreira Pinto - Princípio de Igualdade, Boletim 358, Páginas 19 a 64: "O princípio da igualdade apresenta-se como um princípio aberto a valores, valores decorrentes da consciência geral da sociedade, para a formação dos quais todos os membros da sociedade contribuem - dimensão participativa de igualdade - valores aos quais se apela no momento da opção por um determinado regime jurídico - momento jurídico político do princípio - e no momento da opção por um critério que permita o juízo de equiparação das situações que a ele devem estar sujeitas - momento jurídico-normativo do princípio. É no âmbito destas duas escolhas que se encontra a objectivação ou materialização da justiça social a que o princípio de igualdade rende homenagem" - Página 58. Tendo presentes estes postulados gerais o onthos sobre o princípio da igualdade, concretize-se agora que “nos litígios sobre interesses privados, a igualdade de armas implica a obrigação de oferecer a cada parte a possibilidade de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que a não coloquem em situação de nítida desvantagem em relação ao seu adversário" (Ireneu Cabral Barreto, "A Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Aequitas, 1995, p. 95). Segundo José Lebre de Freitas ("Introdução ao Processo Civil" - Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pp. 105-106), o princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticas, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra. Hoje, a igualdade das partes está consagrada no artigo 4º do CPC. Mas como logo adverte Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, 1997, pp. 42-44, um primeiro problema suscitado é o de que nem sempre é viável assegurar a igualdade substancial entre as partes, não sendo possível, nuns casos, ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes, e noutras hipóteses afastar certas igualdades formais impostas pela lei - assim, a igualdade das partes, com expressão legal no citado artigo 43, não pode postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais. Revertendo ao plano constitucional, a questão resume-se em saber se a norma sub specie estabelece de modo injustificado, intolerável, irrazoável e arbitrário um regime discriminatório para uma das partes da acção, de molde a tornar a posição processual de uma desvantajosa em relação à outra no tocante ao gozo dos meios adjectivos postos à sua disposição. Por outras palavras: o que releva é determinar se a posição processual da Recorrente pode e deve, concretamente, ser visualizada em termos exactamente idênticos ao da outra "parte". Ora, deve reconhecer-se ao legislador ampla liberdade conformativa na definição das regras de direito processual civil, matéria na qual a Constituição não faz qualquer elenco ou catálogo de princípios a que o mesmo se deverá subordinar dado que o princípio da igualdade apenas exige a dação de tratamento igual àquilo que, essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções (ponto é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias) e que a igualdade das "partes" não pode ser perspectivada tão-só no desenrolar do próprio processo, não se devendo, ao invés, perder de vista a situação pré-processual, sendo que, neste ponto, há que reconhecer que a defesa da Administração é estruturada com base em procedimentos burocráticos desenvolvidos através de variados processos de formação da vontade orgânica precedidos de diversas fases tutelares que tornam as mais das vezes mais fácil descortinar a realidade fáctica existente. Donde que a ofensa do princípio da igualdade e do contraditório nos termos pretendidos pela Recorrente sempre significaria dar prevalência à legalidade formal, em detrimento da justiça material, contrariando-se o fim visado pelo legislador. É que, interessa recordar, o princípio da igualdade de armas não implica uma identidade formal absoluta de todos os meios, e que a exigência que ela postula pressupõe uma posição equiparável das partes perante o processo (José Lebre de Freitas, "Introdução...", cit., pp. 105-106), o que não é o caso, conforme se demonstrou. Na verdade e como flui cristalino de tudo o que vem dito, o princípio da «igualdade de armas» ou da «igualdade das partes» consagrado nos artºs. 13º e 20º da CRP, consiste em estas serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Assim, respeitando tal princípio, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de vista formal:- perante ele, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor (Cfr. M. Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 2ª ed.,353 e Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, 1º-224). Por outro lado, do referido artigo resulta a consagração do princípio da Igualdade o qual postula a igualdade das partes analisado no princípio do contraditório e no princípio da igualdade de armas. Tal princípio constitui uma concretização do princípio da igualdade consagrado no art.13º do CRP, o qual significa que cada uma das partes deve situar-se numa posição de igualdade perante a outra e ambas iguais perante o Tribunal, designadamente um exercício do direito de defesa. Aplicando toda a principiologia antes exposta ao caso dos autos e em vista da pretensão da Recorrente para a qual a decisão recorrida ofendeu o princípio da igualdade de armas e do contraditório por não ter o tribunal realizado toda a prova por ela indicada, cabe realçar que o artigo 120° do CPTA estabelece que o Tribunal decretará a providência cautelar requerida sempre que, mediante um juízo perfunctório possa concluir, sem necessidade de maiores indagações, que é manifesta a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal. Ora isso implica, como bem denota o EPGA no seu douto Parecer, que haverá que averiguar, em cada caso, em face de uma análise sucinta e perfunctória da mesma, pois só esta é compatível com a celeridade e a própria natureza das providências cautelares, que têm por características designadamente, a provisoriedade e a sumariedade, se é possível concluir, sem margem para dúvidas, que a pretensão formulada ou a formular no processo principal será julgada procedente. Será em função das especificidades do caso concreto, traduzido na alegação da causa de pedir e da formulação do pedido, que o "juiz a quo" decidirá da admissibilidade dos meios de prova, de forma a obter o indispensável esclarecimento da factualidade sobre a qual assentará a solução de direito. O esclarecimento exigível corresponderá ao estritamente necessário para decidir o pedido de decretamento das providências cautelares requeridas, considerando a natureza sumária, perfunctória e instrumental, que caracteriza este meio processual e cuja finalidade consiste a de acautelar o efeito útil da decisão a proferir na acção principal de que depende.” Ora, se é verdade que a ora Recorrente arrolou testemunhas e com elas pretendia proceder à demonstração dos factos por si alegados, também é certo que aceitou o aproveitamento da prova produzida no processo 310/16.5BECTB - cfr. fls. 285 - embora tenha requerido a inquirição de nova testemunha aos factos alegados em 70° a 92° da PI. Mas, uma vez que foi proferido despacho que aproveitou a prova naqueloutro processo e que indeferiu o pedido de aditamento ao rol de nova testemunha porque os factos sobre os quais deporia se referem ao "periculum in mora" e porque a prova produzida no proc.310/2016 é suficiente para alicerçar a convicção sobre o " periculum in mora" - cfr. fls. 289 - cotejando, por um lado, aquela que é a alegação das partes e a factualidade dada como provada e, por outro, aquela que é a fundamentação de Direito explanada na sentença recorrida, é forçoso concluir que o Tribunal estava habilitado a decidir, no sentido que decidiu, sem necessidade da inquirição da nova testemunha arrolada pelo Recorrente. E isso porque, manifestamente e como também assertivamente refere a EPGA, estando em causa a falta de coincidência entre a descrição constante da factura emitida pela A...-B........ e a descrição da factura do prestador de serviços da A...-B........ e a ausência de elementos essenciais para indexar determinada despesa à operação no âmbito da qual foi realizada pelo que a inquirição da nova testemunha pretendida pelo Recorrente em nada permitiria esclarecer tal factualidade. Por fim e como factor determinante, pontifica o regime de controlo exigido pelo artigo 33° do Regulamento (EU) n° 65/2011 de 127/01 por força do qual o mesmo só é passível de demonstração através de prova documental. Daí, pois, que a sentença não é merecedora do reparo que lhe aponta a Recorrente, improcedendo o fundamento de recurso sob análise. * Vejamos agora se a sentença errou nos pressupostos de facto e de direito das normas legais aplicáveis, ou seja, se houve errada interpretação e aplicação do artigo 120° do CPTA.De acordo com o disposto no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA, a providência será decretada quando se verifiquem os seguintes pressupostos: -Um requisito de perigosidade - periculum in mora -assente na existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que as Requerentes visam acautelar no processo principal, sendo que, para a concretização destes conceitos não vale já o critério da insusceptibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos invocados, mas antes o da impossibilidade de reintegração da esfera jurídica das Requerentes ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação; -A existência de fumus boni iuris, na sua formulação positiva, ou seja, na demonstração de que é provável que a pretensão a formular ou formulada no processo principal seja julgada procedente. Sustenta a Recorrente que para a boa decisão da causa no que diz respeito às despesas dos trabalhos de arranque de árvores secas, aos quais se refere a factura n° 8/2014, emitida pela "A... B........, Gestão Florestal, Lda", o Juiz "a quo" deveria promover as diligências instrutórias requeridas pela Recorrente na petição inicial da acção principal pois só com a realização das requeridas diligências probatórias será possível avaliar se está ou não assegurado uma pista de controlo suficiente que permita a validação final das despesas apresentadas a pagamento pela Recorrente, conforme exigido no art° 33° n° 2 do Regulamento (CE) n°65/2011 da Comissão, de 27-1, conjugado com o seu Anexo i, e nos art°s. 21° e 22° da Portaria n° 1137-0/2008, de 9-10. Para a Recorrente, ao decidir-se que por razões meramente contabilísticas, aquando da apresentação das facturas e dos recibos, as despesas não se consideravam elegíveis, consubstancia uma errada interpretação e aplicação do disposto no art° 33° do Regulamento (UE) n° 65/2011 da Comissão, de 27-1, conjugado com o seu Anexo I, e dos art°s. 21° e 22° da Portaria n° 1137-0/2008, de 9-10. Mas o certo é que, como supra se demonstrou, a pista de controlo, cuja existência é exigida pelo artigo 33° do Regulamento (UE) n° 65/2011, de 27 de Janeiro, visando " a conciliação entre os montantes globais declarados à Comissão e as facturas, os documentos contabilísticos e outros documentos comprovativos mantidos pelo organismo pagador ou por outro serviço relativamente a todas as operações objecto do apoio do FEADER" não é passível de ser demonstrada por intermédio de qualquer outro meio de prova que não seja o documental. E, por serem cumulativos os requisitos exigidos no art° 120° do CPTA e não se verificando pelo menos um deles torna-se desnecessária a averiguação de existência dos demais, determinando, desde logo o indeferimento do pedido. É que, na senda do Parecer da EPGA na evocação do Acórdão deste TCA Sul proferido no proc. 708/16.9BEBJA.B, de 22-6-2017: "...Caso se mostrem verificados os requisitos previstos no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA, impõe-se, ainda, ao julgador, nos termos do disposto no n.° 2 deste mesmo artigo, a ponderação de todos os interesses em jogo, para que seja assegurado o princípio da proporcionalidade na tomada de decisão sobre a adoção da providência. Constata-se, assim, que os pressupostos de concessão das providências cautelares são, agora, mais exigentes e restritos. Na verdade, mantendo-se o requisito do periculum in mora, o legislador, prescindindo da anterior distinção entre providências cautelares conservatórias e antecipatórias, elegeu como pressuposto o fumus boni iuris exclusivamente na sua vertente positiva, ou seja, exigindo a demonstração da probabilidade da procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal..." Deve, por isso, extrair-se a conclusão de que não ficou demonstrada a probabilidade de vencimento nos autos principais, tanto mais que a questão em causa foi decidida em contrário do pretendido, assim se não encontrando preenchido o pressuposto do fumus boni iuris. Donde que a sentença recorrida, por ter feito uma correcta apreciação da factualidade apurada e uma correcta subsunção dos mesmos às normas legais aplicáveis, não enferma dos vícios que lhe são imputados, devendo ser inteiramente confirmada. * 4. DECISÃO Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. * Lisboa, 21 de Setembro de 2017 José Gomes Correia Paulo Gouveia Sofia David |