Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1959/16.1BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/19/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:CONTENCIOSO DOS PROCEDIMENTOS DE MASSA
CEJ
CANDIDATO AO CURSO
REGULAMENTO
INTERPRETAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO ANTERIOR
Sumário:i) De acordo com o art. 28.º, n.º 6, da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2011, de 28 de Novembro e pela Lei n.º 45/2013, de 3 de Julho, que define o regime de ingresso nas magistraturas, de formação inicial e contínua de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários, os candidatos aprovados no concurso anterior, mas não habilitados para a frequência do curso teórico-prático, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este último.

ii) A fórmula regulamentar vertida no art. 21.º, n.º 2, do Regulamento interno do CEJ, não autoriza a conclusão de que para o candidato poder ser graduado com a classificação obtida no concurso anterior, onde ficou aprovado mas não habilitado por ausência de vaga, apresentando-se a prestar provas no concurso imediatamente seguinte, terá o mesmo que ser um candidato aprovado neste concurso.

iii) Tal constitui uma interpretação contra legem ao introduzir uma situação-tipo e respectiva cominação não previstas na norma primária habilitante.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Ana …………………… (Recorrente) intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa contra o Centro de Estudos Judiciários (Recorrido), acção administrativa de contencioso de massa, em que figuram como contra-interessados os candidatos aptos que constam da lista unitária de ordenação final do concurso para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais, cuja abertura foi publicitada por Aviso publicado no D.R., II Série, n.º 30, de 12 de Fevereiro de 2016, onde peticionou:

a) o Réu seja condenado a graduar a Autora nos lugares 37 da lista de habilitados, 59 da lista de graduação final e no lugar 7 da lista de graduação pela via académica, referentes ao 4,° curso de formação inicial teórico-prático para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais, por consideração da nota de 13,325 obtida no concurso anterior (2014);

Cumulativamente,

a) ser(em) anulado(s) o(s) ato(s) de 04.08.2016 que homologou(aram) as listas de candidatos habilitados, no âmbito do 4.° curso de formação inicial para o preenchimento de 42 vagas da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, graduação final e graduação via académica, por violação do disposto no art. 28.°, n.° 6 da Lei 2/2008;

b) reconhecer a nulidade, ou caso assim não se entenda serem anulado(s), o(s) ato(s) de 04.08.2016 que homologou(aram) as listas de candidatos habilitados, graduação final e graduação via académica, no âmbito do 4° curso de formação inicial para o preenchimento de 42 vagas da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, por violação do direito fundamental ao acesso à função pública em condições de igualdade, transparência e imparcialidade consagrado no art. 472, n.º 2 da CRP;

c) reconhecer a nulidade, ou caso assim não se entenda serem anulado(s), o(s) ato(s) de 04.08.2016 que homologou(aram) as listas de candidatos habilitados, graduação final e graduação via académica, no âmbito do 4.° curso de formação inicial para o preenchimento de 42 vagas da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, por violação do artigo 15.º, n,° 1 da CDFUE.

d) que seja declarada a inconstitucionalidade material do art. 28º, n.° 6 da Lei da Lei 2/2008, de 14 de Janeiro, quando interpretado no sentido de exigir, como requisito para apresentação de candidatura com a rota atribuída no concurso anterior, que o candidato se submeta novamente a provas de conhecimento e nelas fique apto, sob pena de não ficar graduado, por violação do direito fundamental de acesso a funções públicas, em condições de igualdade, transparência e imparcialidade, nos termos consagrados no art. 47º, n.º 2 da CRP.

Alegou no TAC de Lisboa que se candidatou a esse concurso pela via académica e que declarou no respectivo requerimento de candidatura que se propunha efectuar as respectivas provas, mas sem perda do direito à graduação que lhe conferia a nota de 13,325 valores obtida no anterior concurso realizado em 2014, o que não veio a ser o entendimento posterior do CEJ.

Por requerimentos de 31.08.2016, de 16.09.2016 e de 21.09.2016, respectivamente, José ……………………, Liliana …………….. e Hugo …………………., constituíram-se como contra-interessados. Juntaram procuração forense e não contestaram a acção.

Por sentença de 11.04.2017 o TAC de Lisboa julgou a acção improcedente.

Com aquela não se conformando interpôs recurso para este Tribunal Central Administrativo, culminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

Questão prévia – da nulidade da sentença baseada no artigo 615.º, n.º 1, c) e d) do C.P.C ex vi artigo1.º do C.P.T.A.

PRIMEIRA: O Tribunal a quo determina bastar-se com a prova documental carreada para o processo e, bem assim, com os factos admitidos por acordo.

SEGUNDA: No entanto, a p. 16 assaca à Autora que esta não foi capaz de demonstrar que, previamente à sua situação, outros candidatos houve que, considerados aptos em concursos anteriores, tenham sido graduados na lista final de graduação do concurso imediatamente seguinte, ainda que tenham sido considerados “excluídos” nesse concurso, nos termos e para os efeitos do Regulamento Interno do CEJ – ou seja, ou porque reprovaram no concurso presente ou porque faltaram às provas.

TERCEIRA: No entanto, a Recorrente indicou, como sua testemunha, o Dr. Filipe …………, funcionário do Recorrido e com vasta experiência no exercício de funções administrativas atinentes aos concursos do CEJ, tendo o Tribunal a quo dispensado a produção desta e das demais provas requeridas pela Recorrente; ora, não pode depois o mesmo Tribunal valorar contrariamente à Recorrente o facto de não ter sido produzida prova quanto à sua situação objetiva de desigualdade perante candidatos nas mesmas condições em concursos anteriores.

QUARTA: Configura, assim, tal situação “venire contra factum proprium”, na medida em que tal realidade apenas emerge da actuação exclusivamente imputável ao Tribunal a quo, não podendo os efeitos da sua conduta preponderarem negativamente ou de qualquer outro modo contra a Recorrente.

QUINTA: Acresce que o Tribunal recorrido poderia ter congregado, a seu próprio mote tal informação, como lhe impõe o princípio do inquisitório, através da consulta do P.A. junto ao processo, ou do documento n.º 5 junto com a petição inicial, o que não fez.

SEXTA: Tal configura uma situação de nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, c) do C.P.C ex vi artigo 1.º do C.P.T.A. Sendo a sentença nula, produz os efeitos decorrentes do disposto no artigo 615.º, n.º 1, c) e n.º 4 do CPC ex vi artigo 1.º do C.P.T.A., devendo tramitar à luz do artigo 617.º do C.P.C.

CONCOMITANTEMENTE, E SEM PRESCINDIR

SÉTIMA: A Recorrente juntou, aos autos, um parecer; no entanto, o mesmo não foi sequer mencionado, pelo Tribunal a quo, na sua sentença o que parece permitir antever que não foi objeto de qualquer consideração e /ou valoração.

OITAVA: Ora, tal parece subsumir-se a uma circunstância de omissão de pronúncia nos termos e para efeitos do artigo 615.º, n.º 1, d) do C.P.C. ex vi artigo 1.º do C.P.T.A. na medida em que o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (1.ª parte do citado artigo). Ora, sendo a sentença nula, produz os efeitos decorrentes do disposto no artigo 615.º, n.º 1, d) e n.º 4 do CPC ex vi artigo 1.º do C.P.T.A., devendo tramitar à luz do artigo 617.º do C.P.C.

Da “aptidão” dos candidatos ao concurso de 2016

NONA: O Tribunal recorrido entendeu que a Recorrente “no requerimento de candidatura ao concurso de 2016, não exerceu o direito de dispensa de realização das provas previsto no n.º 6 do art.º 28.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro”.

DÉCIMA: No entanto, tal consideração não mimifica a realidade, como resulta do disposto no Documento n.º 08, junto com a petição inicial e constante a fls. do P.A. pois tal documento corporiza o requerimento de candidatura da ora Recorrente, o qual observa um formulário padrão, disponibilizado pela Recorrida.

DÉCIMA PRIMEIRA: No mesmo, a Recorrente declarou “que ficou aprovada no concurso aberto pelo Aviso (extracto) n.º 2140/2014, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 30, de 12 de fevereiro de 2014, que pretende realizar as provas do presente concurso, apesar da dispensa prevista pelo n.º 6, do artigo 28.º, da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, sem perda do direito à graduação conferido por este preceito, no caso de ser superior à graduação obtida no presente concurso.” (ênfase nosso).

DÉCIMA SEGUNDA: Assim, no referido formulário de candidatura, não existe a opção de dispensa de realização das provas, nos termos do artigo 28.º n.º 6 da Lei n.º 2/2008, como facilmente se verifica da sua leitura casuística.

DÉCIMA TERCEIRA: Mais, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento Interno do CEJ, a referida opção deverá ser feita, não através da candidatura ao novo concurso, mas através de um requerimento próprio, a entregar até ao termo do prazo fixado para a apresentação das candidaturas.

DÉCIMA QUARTA: Recorde-se, ainda assim, o quadro legal aplicável: nos termos do artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2008, “Os candidatos aptos que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este.”

DÉCIMA QUINTA: Resulta, assim, à saciedade, que a Lei atribui ao candidato apto, não habilitado no concurso anterior, o direito a ser graduado no concurso imediatamente seguinte, sem necessidade de realização das respetivas provas, ou seja, sem que seja necessário que o candidato seja considerado apto no concurso imediatamente seguinte.

DÉCIMA SEXTA: Por sua vez, o artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento Interno do CEJ prevê o seguinte: “Os candidatos aptos mas não habilitados que pretendam exercer o direito à dispensa de prestação de provas conferido pelo número 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, devem declará-lo até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso imediatamente seguinte, sem prejuízo de poderem candidatar-se a este e ser graduados conjuntamente com os candidatos que neste ficarem aptos.” (ênfase nosso).

DÉCIMA SÉTIMA Ou seja, densificando o artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2008, o artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento Interno estabelece que, para utilizar o direito a ser graduado com base na nota obtida no concurso imediatamente anterior, o candidato poderá manifestar a sua vontade nesse sentido, até ao termo do prazo legal para a apresentação das candidaturas ou, em alternativa, e sem prejuízo, candidatar-se ao novo concurso sendo graduado conjuntamente com os demais candidatos que neste concurso ficarem aptos, uma vez que já foram considerados aptos no concurso anterior.

DÉCIMA OITAVA: Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, o disposto no n.º 2 do mesmo normativo, só terá aplicação no caso de o mesmo candidato dispor de duas notas utilizáveis no concurso,

DÉCIMA NONA: ou seja, a nota obtida no concurso anterior e a nota obtida no concurso atual, tendo nele ficado apto, sendo assim, graduado com a classificação mais elevada obtida nos dois concursos.

VIGÉSIMA: Ora, nos casos em que exista apenas uma nota utilizável, não há necessidade de recorrer ao disposto no artigo no artigo 21.º, n.º 2 uma vez que o artigo 21.º n.º 1 já estipula que os candidatos serão sempre graduados conjuntamente com os candidatos considerados aptos no último concurso.

VIGÉSIMA PRIMEIRA: Acresce que não se encontra vertida em nenhuma disposição do regulamento que os candidatos que não forem considerados aptos no segundo concurso perdem o direito a ser graduados com a nota obtida no primeiro concurso.

VIGÉSIMA SEGUNDA: Assim, pretender extrair conclusão diferente contende com o próprio espírito das normas ora em análise, tal como bem sai patenteado pelas “FAQ’s” juntas pela Recorrente que demonstram, à saciedade, a teleologia – aliás, tal foi exclusivamente o escopo da sua junção aos autos.

VIGÉSIMA TERCEIRA: O artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2008 atribui aos candidatos aptos mas não habilitados em concurso anterior o direito a ser graduados com os candidatos do concurso seguinte, sem necessidade de ficarem aptos neste concurso.

VIGÉSIMA QUARTA: Ora, mediante a decisão do Tribunal a quo, este direito seria retirado, ou pelo menos restringido, por uma interpretação do conteúdo implícito de um Regulamento Interno.

VIGÉSIMA QUINTA: Acresce que tal entendimento tem a veleidade de subverter a hierarquia das fontes normativas, sendo, como tal, ilegal nos termos e para os efeitos do artigo 143.º, n.º 1 do CPA.

VIGÉSIMA SEXTA: Os regulamentos estão vinculados aos princípios normativos e constitucionais. Entendendo, como na sentença recorrida, que, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º do Regulamento Interno do CEJ, os candidatos não aptos no segundo concurso perdem a graduação que lhes é conferida pelo primeiro concurso, estamos perante uma leitura / interpretação de uma norma que, apesar de hierarquicamente submetida à observância da legislação supraordenada, viria determinar um efeito diferente daquele que decorre da própria letra e, bem assim, do espírito da norma da Lei n.º 2/2008, o que, por força do princípio da legalidade, deve ser repudiado.

VIGÉSIMA SÉTIMA: Acresce que, ainda que se entenda que tal leitura da norma do Regulamento Interno do CEJ poderia conduzir-se no sentido antevisto pelo Tribunal a quo – o que não se concebe nem concede e que apenas por mera hipótese académica se equaciona –, a mesma interpretação acabaria por sair inquinada por violação inequívoca do princípio da proporcionalidade.

VIGÉSIMA OITAVA: Esta restrição não poderá considerar-se necessária ou adequada pois, materialmente, nada distingue um candidato que opta por não realizar as provas (e assim goza do direito a ser graduado), do candidato que opta por realizar as mesmas, não ficando apto, já que o primeiro candidato não demonstra – nem é essa a intenção da norma – mais conhecimentos e / ou mais capacidades que o segundo.

VIGÈSIMA NONA: Afinal, recorde-se que o espírito da norma é permitir ao candidato, que ficou apto em concurso anterior (mas não habilitado), ter uma segunda oportunidade de, utilizando o esforço corporizado na sua aptidão anteriormente demonstrada, efetivamente poder vir a ingressar na formação almejada que o conduzirá ao exercício da profissão.

TRIGÉSIMA: Claudica ainda à luz do teste da proporcionalidade em sentido estrito – ou da proibição de excesso – na medida em que, medindo os prós e os contras associados à adoção de uma leitura como a veiculada na sentença a quo, se redundaria num tratamento discriminatório entre os candidatos aptos à luz do concurso anterior, não acarretando nenhum benefício palpável.

SEM PRESCINDIR,

TRIGÉSIMA PRIMEIRA: Devendo ambos os normativos ser lidos confluentemente, resulta que não existe, no que à Recorrente diz respeito, uma necessidade de aptidão posterior – nomeadamente em sede do Concurso que se segue – sob pena de, a ler-se de outro modo, tal configurar uma exigência extra colocada aos candidatos que queiram aproveitar as notas do Concurso anterior, perfilando-se uma exigência desproporcionada porque inadequada, desnecessária e excessiva à luz da teleologia das normas em questão.

Da junção aos autos das “Perguntas Frequentes” e do seu papel interpretativo teleológico desconsiderado

TRIGÉSIMA SEGUNDA: Entendeu o Tribunal a quo que as “FAQ’s” juntas, aos autos, pela Recorrente tiveram em vista tentar subverter o entendimento da legislação aplicável ao caso sub judice, reiterando, inclusivamente, que “[…] tal prática não se mostra conforme com as normas acima indicadas e não as pode revogar. A isso se opõe o princípio da legalidade, que deve prevalecer, sob pena de se perpetuar a apontada violação”.

TRIGÉSIMA TERCEIRA: Oblitera, contudo, o Tribunal a quo que a intenção de junção de tal documento aos autos visou, exclusivamente, auxiliá-lo na função de determinar a interpretação das normas em questão, não tentando a Recorrente subverter a hierarquia das fontes.

TRIGÉSIMA QUARTA: Já que a Lei n.º 2/2008 acautela, na plenitude – e de forma literal –, as pretensões da Recorrente.

TRIGÉSIMA QUINTA: Na realidade, dispõe o artigo 21.º, n.º 1 do Regulamento Interno do CEJ que “Os candidatos aptos mas não habilitados que pretendam exercer o direito à dispensa de prestação de provas conferido pelo número 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, devem declará-lo até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso imediatamente seguinte, sem prejuízo de poderem candidatar-se a este e ser graduados conjuntamente com os candidatos que neste ficarem aptos.” (ênfase nosso). Assim, depreende-se da construção literal do artigo em questão que o mesmo determina a possibilidade de exercer, mediante declaração, do exercício de dispensa de provas.

TRIGÉSIMA SEXTA: Afinal, a utilização da expressão “sem prejuízo” aliada à expressão catártica “que NESTE ficarem aptos” (ÊNFASE NOSSO) demonstra que os candidatos, aptos à luz do concurso anterior, poderão não fazer a declaração prevista na primeira parte e, bem assim, verem aproveitadas as classificações que melhor os acautele – quer estas decorram do concurso antecedente, quer decorram no concurso presente.

TRIGÉSIMA SÉTIMA: Literalmente, é indiferente que i) o candidato, no concurso subsequente, realize as provas e tenha uma classificação negativa; ii) o candidato desista ou falte, na medida em que o efeito útil de qualquer destas condutas será igual e equivalente à declaração de dispensa de provas.

TRIGÉSIMA OITAVA: Fazendo apelo à alínea r) dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, e com referência às FAQ’s publicadas pela Recorrida, é inequívoco que a oportunidade dada a qualquer candidato considerado apto num concurso anterior é de o deixar com mais hipóteses conducentes ao seu sucesso no concurso imediatamente seguinte.

TRIGÉSIMA NONA: Assim, i) se se apresentar a provas e obtiver melhor classificação, aproveita a classificação mais elevada; ii) se se apresentar a provas e não obtiver melhor classificação, aproveita a classificação do concurso anterior; iii) se se considerar “excluído” no concurso seguinte, aproveitará a classificação do concurso anterior.

QUADRAGÉSIMA: Demonstrando-se que a Recorrente, só por se encontrar apta à luz do concurso anterior, também o estava à luz do concurso imediatamente seguinte, não tendo havido, da sua parte, uma demonstração volitiva que tenha inquinado a sua graduação, nem uma tentativa de defraudar a norma do artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2008, como o Tribunal a quo parece querer dar a entender na sua fundamentação.

Quanto à observância das demais considerações esgrimidas pela Recorrente

QUADRAGÉSIMA PRIMEIRA: Considerou o Tribunal a quo que a Recorrente “[p]articipou no procedimento concursal em condições de igualdade e com as mesmas oportunidades dos restantes candidatos. A lei pode estabelecer pressupostos que condicionem o acesso ao exercício da profissão, como seja a submissão dos candidatos a provas de conhecimento realizadas no âmbito de um procedimento de selecção.” (ênfase nosso)

QUADRAGÉSIMA SEGUNDA: No entanto, o princípio da igualdade foi devassado no presente procedimento: analisando, a propósito, as assunções de facto feitas nos artigos 58.º a 61.º da petição inicial, verifica-se que, encontrando-se a Recorrente apta a ingressar no Curso de Formação, foi preterida por candidatos que, objetivamente, congregaram piores classificações finais do que a Recorrente.

QUADRAGÉSIMA TERCEIRA: Tal demonstra, à saciedade, que a conclusão a que chega o Tribunal a quo não tem qualquer respaldo fáctico ou jurídico, na medida em que, da análise do P.A. resulta evidente que a Recorrente foi sujeita a um tratamento não equitativo e discriminatório, especialmente se comparada aos candidatos que acabaram por ingressar no concurso de 2016.

SEM PRESCINDIR,

Da ilegalidade da não graduação da candidatura da Recorrente à luz do padrão jusconstitucional do artigo 47.º, n.º 2 da C.R.P.

QUADRAGÉSIMA QUARTA: Expõe o Tribunal a quo que “[As provas] [n]ão constituem qualquer discriminação constitucionalmente ilegítima e respeitam a regra constitucional do concurso como meio de recrutamento e selecção prevista no n.º 2 do art.º 47.º da CRP, invocado pela A., pelo que não se verifica qualquer dos vícios por esta invocados”.

QUADRAGÉSIMA QUINTA: O artigo 47.º da CRP consagra que “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”; ora, estando a Recorrente dispensada de realizar as provas de conhecimento por força do artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2008, optou por não as prestar e porque estava garantida a sua graduação com os demais candidatos com base na classificação obtida no concurso anterior.

QUANDRAGÉSIMA SEXTA: Assim, o que a Recorrente invoca na sua petição inicial – e que não obteve qualquer consideração por parte do Tribunal a quo – é que a Recorrida, ao recusar a graduação da Recorrente, atuou ilegalmente e contendeu com o direito fundamental da Recorrente a “concorrer para o 4.º curso de formação teórico-prática para o acesso à magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, em condições de liberdade, imparcialidade, igualdade e nos termos impostos pela lei, consagrado no art. 47.º, n.º 2 da CRP” (vide, a propósito, artigo 68.º da petição inicial).

SEM PRESCINDIR,

QUADRAGÉSIMA SÉTIMA: A Recorrente ainda invocou que a Recorrida parece ter adotado uma interpretação materialmente inconstitucional do artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2008, o que não foi, em absoluto, objeto de análise por parte do juiz a quo.

QUADRAGÉSIMA OITAVA: Na realidade, a inconstitucionalidade invocada prendia-se com o facto de o Recorrente estar a fazer uma leitura do artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 2/2008 que exige que a candidatura apresentada com a nota obtida no concurso anterior apenas fosse válida se a Recorrente também ficasse apta no concurso subsequente, o que contraria a letra, o espírito e a finalidade da norma em apreço, inconstitucionalidade esta que vai invocada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280.º da C.R.P.

Da ilegalidade da não graduação da candidatura da Recorrente à luz do padrão jusfundamental decorrente do Direito da União Europeia

QUADRAGÉSIMA NONA: Do mesmo modo, a decisão a quo é omissa no que diz respeito ao conhecimento do litígio à luz do direito da União Europeia, nomeadamente no alegado quanto à ilegalidade da conduta omissiva da Recorrida ao não graduar a Recorrente nos termos impostos pela lei, desta feita por violação indiscutível do art. 15.º, n.º 1 da CDFUE, dos princípios da União da efetividade e da equivalência, da legitimidade, proporcionalidade e necessidade nas restrições impostas pelo Estados- Membros no acesso à profissão da magistratura por parte da Recorrente.

QUINQUAGÉSIMA: E, bem assim, pela nulidade dos atos que homologaram as listas de candidatos habilitados, de graduação final e de graduação via académica, onde está omissa a candidatura da Recorrente, por violação do art. 15.º, n.º 1 da CDFUE, dos princípios comunitários da efetividade e da equivalência, da legitimidade, proporcionalidade e necessidade nas restrições impostas pelo Estados-Membros no acesso à profissão da magistratura por parte da Autora.

QUINQUAGÉSIMA PRIMEIRA: Pugnou-se, assim, pelo seu conhecimento, sob pena de se violar ostensivamente os deveres decorrentes do princípio da lealdade europeia.

QUINQUAGÉSIMA SEGUNDA: Não obstante estarmos perante um processo especial, está em causa a impugnação do acto administrativo de graduação, devendo a sentença em causa observar os pressupostos que lhe são impostos pelo artigo 95.º n.º 1 e 3, ou seja a sentença deve conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, devendo o Tribunal pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas ao acto impugnado.

QUINQUAGÉSIMA TERCEIRA: Ora, não tendo o tribunal a quo emitido pronúncia sobre a alegada violação do Direito da União Europeia, tal parece subsumir-se a uma circunstância de omissão de pronúncia nos termos e para efeitos do artigo 615.º, n.º 1, d) do C.P.C. ex vi artigo 1.º do C.P.T.A.) na medida em que o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (1.ª parte do citado artigo).



O Recorrido, Centro de Estudos Judiciários, contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido e concluindo como segue:

1. No caso subjudice é de afastar a existência da nulidade da sentença baseada nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois nenhum reparo há a fazer ao decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo na sentença em crise quanto à dispensa da produção de prova testemunhal oferecida, bem como às requeridas declarações de parte, porquanto a prova documental junta aos autos e os factos admitidos por acordo, se mostram, como bem foi decidido, suficientes para a decisão da causa, não existindo como quer fazer crer a Recorrente uma situação de "venire contra factum proprium" ao alegar que "(...) tendo o Tribunal a quo dispensado a produção desta e das demais provas requeridas pela Recorrente, não pode depois o mesmo Tribunal valorar contrariamente à Recorrente o fado de não ter sido produzida prova quanto à sua situação objediva de desigualdade perante candidatos nas mesma condições em concursos anteriores."

2. De facto, o que o Tribunal a quo profere a fls. 16 da sentença em crise, ao contrário do que quer fazer crer a Recorrente, é que: "(..) desconhece-se se através da referida prática alguma vez foi admitido algum candidato que se encontrasse na situação da A., o que obsta a que através do princípio da igualdade esta possa obter tutela para a sua pretensão.'' (carregado nosso).

3. Dito de outro modo: se os candidatos na situação da ora Recorrente ficaram no concurso em apreço ou em anteriores concursos habilitados à frequência de qualquer curso de formação teórico-prático.

4. Tal situação nunca ocorreu. E o certo é que que tal facto não foi alegado muito menos provado pela A., ora Recorrente.

5. O mesmo se diga quanto à invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao facto do parecer junto aos autos pela A., ora Recorrente, não ter sido objeto de consideração e/ou valoração.

6. Como se vem entendendo uniformemente, com apoio quer no artigo 608.º do CPC quer no artigo 95.º do CPTA, a violação do dever de pronúncia apenas ocorre quando o Tribunal deixe de apreciar "questões' e não "razões' ou "argumentos' invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa cio seu ponto de vista.

7. E a sentença recorrida pronunciou-se sobre a(s) "questão(ões)' sobre a(s) qual (ais) deveria ter-se pronunciado, sendo certo que um parecer não se configura como uma questão a resolver.

8. Consequentemente, temos como destituída de fundamento a afirmação da Recorrente por omissão de pronúncia sobre "questões' que o Tribunal devia apreciar.

9. Quanto ao objeto do recurso e preliminarmente, é entendimento inequívoco da doutrina e da jurisprudência, com consagração na lei adjetiva, que o objeto do recurso jurisdicional é fixado nas conclusões da motivação do Recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria nelas não versada, ressalvando os casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso.

10. Compulsadas as conclusões formuladas pela Recorrente, resulta que as mesmas não vêm, em concreto, imputar à decisão sob recurso qualquer outro vício a não ser os supra referidos.

11. A Recorrente, simplesmente, não se conforma com a decisão do Meritíssimo Juiz a quo que considerou que a atuação do Recorrido não padece de qualquer desconformidade legal, conforme pugnado na contestação apresentada pelo ora Recorrido.

12. De facto, a sentença recorrida não enferma de quaisquer vícios, tendo o Meritíssimo Juiz a quo feito uma correta apreciação dos factos e aplicação dos normativos jurídicos subsumíveis ao caso vertente, verificando, com retidão e face ao(s) pedido(s) expressamente formulado(s) pelo A., ora Recorrente, que não se encontram preenchidos os requisitos legais para concessão da(s) sua(s) pretensão(ões).

13. Em primeiro lugar, dá-se nota que, quanto ao vertido na NONA conclusão do recurso e subsequentes ilações, o referido pelo Tribunal a quo não pode ser desagregado/desacompanhado de todo o contexto fático e jurídico invocado pelo Meritíssimo Juiz a quo a fls. 13 e 14 da sentença ora impugnada, sendo que uma eventual imprecisão terminológica em nada influi no sentido da sentença proferida.

14. Como bem se defendeu na sentença em crise, a conduta do R.,ora Recorrido,é (foi) legal, tendo o seu arrimo no quadro normativo sobejamente evidenciado pelo Meritíssimo juiz a quo, que de modo cristalino e objetivo decidiu o thema decidendum definido pelas partes.

15. In casu, a A., ora Recorrente, fez uso do mecanismo previsto na 2.ª parte do n.º 1do artigo 21.º do Regulamento, ou seja, apresentou candidatura ao 4.º concurso, submetendo-se a um novo processo avaliativo.

16. Nesta situação, estabelece o n.º 2 do artigo 21.º do mesmo Regulamento que "No caso de se candidatarem nos termos do número anterior e ficarem aptos, os candidatos são graduados no concurso seguinte de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos'

17. A A., ora Recorrente, ao apresentar candidatura no âmbito do 4.º concurso, insere-se na previsão normativa da 2.ª parte do n.º 1do artigo 21.º do Regulamento, ou seja, podendo ter ficado dispensada de prestar provas, pretendeu exercer o direito de as prestar apresentando-se como candidata ao 4.º concurso.

18. Ora, tendo-se candidatado, para ser graduada de acordo com o n.º 2 do artigo 21.º do Regulamento, conforme a sua opção, a A., ora Recorrente, teria de ter ficado apta no 4.º concurso.

19. O que não sucedeu, tratando-se de candidata excluída, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 2/2008.

20. De facto, a possibilidade de aproveitamento da melhor das duas notas, prevista no n.º 2 do artigo 21.º do Regulamento pressupõe, claramente, que o candidato tenha ficado apto, como se extrai do âmbito legal da norma "No caso de se candidatarem nos termos do número anterior e ficarem aptos (...)".

21. Dito de outro modo, caso o candidato se apresente no concurso seguinte, para poder ser graduado com a classificação final mais elevada, como dispõe o n.º 2 do artigo 21.º do Regulamento, terá o mesmo que ser um candidato apto (aprovado) neste concurso.

22. Se assim não suceder, o candidato fica abrangido pelos motivos de exclusão previstos no artigo 24.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro.

23. Note-se que a faculdade concedida pelo n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, é tão só a seguinte: "de ficarem dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este”.

24. Nessa medida, resulta manifesto, nos termos da lei, que não é compatível candidatar-se ao 4.º concurso e beneficiar da faculdade ali prevista.

25. Neste sentido, veja-se que o Regulamento, na 1.ª parte do n.º 1do artigo 21.º,estipula que "Os candidatos aptos mas não habilitados que pretendam exercer o direito à dispensa de prestação de provas conferido pelo número 6 do artigo 28.º da Lei n.0 2/2008, de 14 de janeiro, devem declará-lo até ao termo do prazo fixado para apresentacão de candidaturas no aviso de abertura do concurso imediatamente seguinte" (sublinhado nosso).

26. Ou seja, em local algum a lei atribui um indiscriminado direito de utilizar a nota do concurso anterior e da conjugação das normas legal e regulamentar resultam três situações:

- ou não concorre e fica dispensado de prestar provas utilizando a nota anterior (devendo, para o efeito, declará-lo até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidatura);

- ou concorre e fica apto e é graduado com a melhor nota;

- ou concorre e não fica apto e é excluído nos termos do artigo 24.0 da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro (o que sucedeu no caso em apreço).

27. Apresentando-se o candidato a concurso, a lei só concede o direito à utilização da nota obtida no concurso anterior no caso de candidatos aptos em ambos.

28. Face ao contexto fáctico/jurídico acima referenciado e em obediência à vocação teleológica das normas, outra solução não se descortina para o caso em apreço, pelo que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício, tendo feito uma correta apreciação dos factos e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto.

29. Sendo certo que a A., ora Recorrente, declarou aquando da candidatura ao concurso aqui em causa que ficou aprovada no concurso aberto pelo Aviso (extrato) n.º 2140/2014, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 30, de 12 de fevereiro de 2014, e que pretendia realizar as provas do presente concurso, apesar da dispensa permitida pelo n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, sem perda do direito à graduação conferido por este preceito, no caso de ser superior à graduação obtida no presente concurso (cfr. alínea e) dos factos provados).

30. O formulário de candidatura ao fazer menção que não há perda do direito à graduação conferido pelo n.º 6 do artigo 28.º, no caso de ser superior à graduação obtida no presente concurso, está de acordo com a Lei e o Regulamento.

31. Neste sentido, veja-se o estatuído no n.º 2 do artigo 21.º do Regulamento "No caso de se candidatarem nos termos do número anterior e ficarem aptos, os candidatos são graduados no concurso seguinte de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos'.

32. De facto, quando se refere no formulário de candidatura "sem perda do direito à graduação conferido por este preceito, no caso de ser superior à graduação obtida no presente concurso', é claramente evidente que para haver graduação é necessário que o candidato tenha obtido uma nota positiva no presente concurso, o que não sucede in casu.

33. Tendo em conta o enquadramento fáctico-jurídico, outra solução não poderia ser colhida pelo Tribunal a quo ao não considerar também violado o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, como bem defendeu o Tribunal a quo a fls. 17 da sentença ora impugnada.

34. Da mesma forma, não se verificando a violação de qualquer preceito da União Europeia.

35. E não se diga que o Tribunal a quo tenha que emitir pronúncia sobre a alegada violação do Direito da União Europeia, como invoca a ora Recorrente no seu recurso. A este propósito, cumpre referir que a atividade do juiz está delimitada pelo princípio do dispositivo, pelo que, na sua decisão, terá de circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes.

36. A regra do n.º 1do artigo 95.º do CPTA, sob a epígrafe "Objeto elimites da decisão", está sujeita, em correspondência com o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, a uma restrição ou desvio: o tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso.

37. Ainda neste contexto e em anotação ao artigo 95.º do CPTA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos,2017- 4.ª Edição,pág. 761, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha escrevem o seguinte: "Note-se, entretanto, que, na redacção originária, o n.º 1referia-se a um outro desvio à regra geral relativa ao âmbito do julgamento: o tribunal devia decidir todas as questões que as partes tivessem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão estivesse prejudicada pela solução dada a outras. Essa referência foi eliminada na redação resultante da revisão de 2015. Mas deve entender-se que, se o tribunal julgou procedente o pedido principal fica precludido o poder jurisdicional quanto a um pedido subsidiário ou formulado em alternativa; e, nos mesmos termos, se a pronúncia adotada quanto a uma questão consome ou deixa prejudicados outros aspetos da causa que com ela se correlacionem, o juiz fica dispensado de sobre eles tomar posição expressa. São desvios impostos pela própria lógica interna da decisão'

38. Por último, quanto à junção aos autos das "FAQ's (cfr. alínea r) dos factos provados) e o entendimento colhido pelo Tribunal sobre as mesmas, a fls. 16. da sentença a quo, resta referir que nada há a apontar ao sufragado pelo Tribunal, que decide com acerto que: "Como resulta do exposto, tal prática não se mostra conforme com as normas acima indicadas e não as pode revogar. A isso se opõe o princípio da legalidade, que deve prevalecer, sob pena de se perpetuar a apontada violação'; acrescentando, ainda, que ''{...) desconhece-se se através da referida prática alguma vez foi admitido algum candidato que se encontrasse na situação da A., o que obsta a que através do princípio da igualdade esta possa obter tutela para a sua pretensão”; concluindo, de forma irrepreensível, que "(...) a eventual prática de actos ilegais não confere aos interessados o direito de exigir a prática de novos actos (ilegais) para situações de fado semelhantes - cfr. os acórdãos do STA de 14/12/2000 e de 05/ 04/2001, processos n.º 046607e n.º 046609, respectivamente, in www.dqsi.pt" .

39. Face ao exposto, a sentença recorrida não enferma de qualquer vício, tendo feito uma correta apreciação dos factos e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto.



Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, nada disse.


Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 2. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

- Se o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual ao não ter produzido a prova testemunhal requerida;

- Se a sentença recorrida é nula por não ter emitido pronúncia sobre o parecer jurídico junto aos autos;

- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, por não ter apreciado a questão à luz do direito da União Europeia, o qual havia sido convocado na p.i.;

- Se o Tribunal a quo errou ao ter concluído que resulta do n.º 2 do art. 21.º do regulamento interno do CEJ, a possibilidade de opção pela nota mais alta que for obtida nos dois concursos, estando esta condicionada à obtenção da classificação de “apto também no segundo concurso, o que significa que são de excluir os candidatos que, apesar de terem sido considerados aptos no primeiro concurso, o não foram ou não o seriam no segundo concurso, com o que julgou a acção improcedente.



II. Fundamentação

II.1. De facto

Pelo TAC de Lisboa foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

a) A A. foi admitida a prestar provas no âmbito do concurso de formação teórico-prática para o preenchimento de 40 vagas na magistratura judicial para os tribunais administrativos e fiscais, publicitado através de Aviso n.º 2141/2014, publicado no D.R. II S., n.º 30, de 12/02/2014 – doc. 5 junto com a P.I. e P.A. anexo.;

b) Realizou as respectivas provas, tendo ficado graduada na lista homologada pelo Director do CEJ em 31/07/2014, no 68.º lugar, com a notação de 13,325 – doc. n.º 5 junto com a P.I.;

c) Através de Aviso n.º 1756-A/2016, publicado no D.R. II S., n.º 30, de 12/02/2016, foi publicitada a abertura de concurso de ingresso em curso de formação inicial teórico- prático para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais – doc. n.º 7 junto com a P.I.;

d) O prazo para apresentação de candidaturas foi fixado em 15 dias a contar da data de publicação do Aviso no D.R. – cfr. ponto 8 do referido Aviso;

e) A A. apresentou candidatura a esse curso pela via académica e declarou no respectivo requerimento de candidatura que tinha ficado aprovada no concurso publicitado através de Aviso n.º 2141/2014, publicado no D.R. II S., n.º 30, de 12/02/2014 e que se propunha efectuar as provas do concurso aberto em 2016, sem perda do direito à graduação que lhe conferia a nota de 13,325 valores obtida no anterior concurso realizado em 2014 – doc. n.º 8 junto com a P.I. e P.A. anexo;

f) Em 24/03/2016, a A. foi admitida a prestar provas – cfr. P.A.;

g) Em 29/03/2016, a A. contactou telefonicamente com funcionário do CEJ para se informar sobre a possibilidade de não realizar as provas e apenas se candidatar com a nota obtida no concurso de 2014 – acordo;

h) Tendo-lhe sido dito que, ainda que faltasse às provas escritas, poderia manter-se no concurso com a nota obtida no concurso de 2014 – acordo;

i) A A. realizou a prova de “direito e processo administrativo”, tendo obtido a classificação de 3,625 – fls. 20 do P.A.;

j) E realizou a prova de “direito tributário”, tendo obtido a classificação de 5,35 - – fls. 26 do P.A.;

k) A A. faltou à realização da prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos – fls. 19 e fls. 33 do P.A.;

l) Em reunião do Júri A realizada em 16/05/2016, foi constatado que a Requerente, entre outros candidatos, havia faltado e desistido no decurso da fase das provas escritas – fls. 32 a 36 do P.A.;

m) Tendo o Júri aprovado a classificação das provas realizadas por tais candidatos, entre os quais a Requerente e determinado que se lançassem as classificações na respectiva pauta – fls. 32 a 36 do P.A.;

n) Na pauta então elaborada, a A. figura com a classificação de 8,975, no conjunto das provas de Adm. Tribut. e com a menção “faltou na prova cultural, pelo que foi tida como excluído – fls. 32 a 36 do P.A.;

o) Em 18/05/2016 foi publicada a pauta dos resultados das provas escritas, assinada pelo Director do CEJ, constando da mesma que a A. “faltou”, seguido da menção “excluído” – doc. n.º 11 junto com a P.I.;

p) A partir dessa fase, o nome da A. deixou de figurar nas listas que foram publicadas posteriormente – cfr. P.A..

q) Tendo contactado telefonicamente o CEJ, a A. foi informada que, diferentemente do que havia ocorrido nos concursos anteriores, foi decidido que os candidatos que não tivessem realizado as provas não poderiam concorrer com a nota do concurso anterior – acordo;

r) O CEJ elaborou várias respostas a perguntas frequentes sobre o procedimento concursal, entre as quais referiu:

«5 - O candidato dispensado de prestação de provas ao abrigo do nº 6 do artigo 28.º da Lei 2/2008, de 14 de Janeiro, pode, apesar disso, candidatar-se ao concurso imediatamente seguinte e prestar as respectivas provas?

R: Pode. Se a classificação final (e graduação) obtida no concurso imediatamente na anterior não permitiu o ingresso no curso de formação inicial imediato, é de admitir que não garanta ainda o resultado pretendido (melhor graduação) no concurso seguinte, ao beneficiar-se do disposto no preceito legal citado. Uma nova candidatura proporciona essa possibilidade.

Nesse caso, pelo menos 3 hipóteses se colocam:

1. O candidato obtém uma classificação final superior no concurso seguinte: então, não terá necessidade de ficar graduado neste concurso ao abrigo do nº 6 do artigo 28.º que não tem alcance prático.

2. O candidato obtém uma classificação final inferior no concurso seguinte: ficará, então, graduado neste, em função da classificação final obtida no concurso anterior, ao abrigo do nº 6 do artigo 28.º.

3. O candidato é excluído no concurso seguinte: ficará, então, graduado neste, em função da classificação final obtida no concurso anterior, ao abrigo do n.º 6 do artigo 28.º – cfr. doc. de fls. 128 do SITAF».

Não foi fixada factualidade não provada com interesse para a decisão da causa, nem autonomamente exarada a motivação da decisão da matéria de facto.



II.2. De direito

O presente recurso jurisdicional foi interposto da sentença proferida pelo TAC de Lisboa que julgou a acção proposta por Ana ………………….. contra o Centro de Estudos Judiciários improcedente e manteve o acto de não admissão da Autora, ora Recorrente, ao 4.º curso de formação inicial para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais.

Começa a Recorrente por suscitar a nulidade da sentença recorrida por o Tribunal a quo ao não ter produzido a prova testemunhal requerida, por não ter emitido pronúncia sobre o parecer jurídico junto aos autos e também porque não apreciou a questão à luz do direito da União Europeia.

Vejamos então.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo afirmou bastar-se com a prova documental carreada para o processo e, bem assim, com os factos admitidos por acordo, mas depois refere que “a Autora que esta não foi capaz de demonstrar que, previamente à sua situação, outros candidatos houve que, considerados aptos em concursos anteriores, tenham sido graduados na lista final de graduação do concurso imediatamente seguinte, ainda que tenham sido considerados “excluídos” nesse concurso, nos termos e para os efeitos do Regulamento Interno do CEJ – ou seja, ou porque reprovaram no concurso presente ou porque faltaram às provas. O que passaria pela inquirição da testemunha Filipe …………, funcionário do Recorrido.

Desde já se diga que não se está perante uma situação de preterição de diligências de prova, susceptível de ter efeito invalidante da decisão. A situação em causa poderá sim configurar erro de julgamento quanto à (des)necessidade da produção da prova testemunhal requerida pela ora Recorrente. Com efeito a sentença recorrida pronunciou-se expressamente sobre o requerimento probatório e fundamentou as razões da sua decisão, concretamente quanto ao entendimento sufragado quanto à desnecessidade da sua realização. Afirmou-se na sentença recorrida que: “dispensa-se a produção da prova testemunhal oferecida, bem assim como as requeridas declarações de parte, por a prova documental junta aos autos e os factos admitidos por acordo se mostrarem suficientes para a decisão da causa – art.º 90.º, n.º 3 do CPTA”.

Seria, pois, aquela avaliação, esse juízo sobre a desnecessidade da inquirição da testemunha indicada, que seria passível de estar errado; não a preterição de formalidade prescrita na lei adjectiva. E, pode adiantar-se, não está.

Com efeito, considerando o objecto deste processo concreto, na avaliação da pretensão material da ora Recorrente, não importava indagar da praxis anterior do Recorrido no âmbito da matéria em discussão, uma vez que a eventual autovinculação da Administração Pública a decidir de certo modo – pressupondo-se esse móbil na alegação feita -, dependerá sempre da não violação da lei (cfr. i.a o ac. deste TCAS de 20.04.2017, proc. n.º 2164/16.2BELSB). Também como se afirma na sentença recorrida: “a eventual prática de actos ilegais não confere aos interessados o direito de exigir a prática de novos actos (ilegais) para situações de facto semelhantes – cfr. os acórdãos do STA de 14/12/2000 e de 05/04/2001, processos n.º 046607 e n.º 046609, respectivamente, in www.dgsi.pt.” Isto é, o princípio da igualdade não vale na ilegalidade.

Ou seja, mesmo a conceber-se que se estivesse perante uma nulidade secundária – o que não ocorre – sempre esta também não teria efeito invalidante da decisão. No regime das nulidades processuais – secundárias - consagra-se uma preocupação de restringir os efeitos do vício que inquina o acto de modo que, só nos casos em que há prejuízo para a relação jurídica litigiosa, resultam ou advêm efeitos invalidantes (neste sentido, entre muitos outros, o ac. deste TCAS de 7.04.2016, proc. n.º 3456/08, por nós relatado).

Donde, não se verifica a nulidade secundária imputada à sentença recorrida, nem procede a alegação de erro de julgamento sobre a necessidade da produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente e dispensada pelo tribunal.

Improcede assim o recurso nesta parte.

Suscita igualmente a Recorrente que o tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, com fundamento na ausência de qualquer menção na sentença recorrida ao parecer jurídico por si junto aos autos.

Como está bom de ver, não se trata de situação a inscrever sequer no âmbito da apontada nulidade.

A nulidade decisória por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando inserto na primeira parte do nº 2 do artigo 608.º do CPC (correspondente ao artigo 660.º do CPC antigo) de acordo com o qual o tribunal “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada para a solução dada a outras”.

Tal nulidade serve de cominação ao desrespeito de tal dever e só ocorre quando o tribunal não conheça de questões essenciais para dirimir a lide que as partes tenham submetido à sua apreciação, traduzidas no binómio pedido/causa de pedir e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras (vide a este respeito, entre muitos outros, o Acórdão do STA de 11/02/2009, Proc. 0217/08). Em síntese, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando esta deixe de decidir alguma “questão” colocada pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra (art. 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).

O conceito de «questões» não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

E para delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes é necessário atender, não só ao pedido, como, igualmente, aos fundamentos em que elas assentam. Isto é, além dos pedidos, propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.

A propósito do que deve entender-se por "questão a resolver", ensinava o Prof. Alberto dos Reis, que, tal como uma acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeito, objecto e causa de pedir), também “as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado. Deverá, por isso, o juiz apreciar, para efeitos daquela identificação, os pedidos deduzidos, as causas de pedir e excepções invocadas, além das questões que forem de conhecimento oficioso". ( in "Cód. Proc. Civil Anotado", volume V, página 54) .

A causa de pedir não é um facto jurídico abstracto mas o facto real concretamente invocado para justificar o pedido.

Ou seja, o intérprete terá de identificar, caso a caso, quais as «questões», e não os “argumentos”, que lhe foram postas ou de conhecimento oficioso e que deverá decidir. Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido.

Aqui chegados, fácil é perceber que a matéria vertida no parecer jurídico não é, em si, uma “questão”, mas sim um argumento, ou conjunto de argumentos, com a pretensão de fundamentar determinada conclusão jurídica. A junção de pareceres de advogados, professores ou técnicos não introduz na causa de pedir quaisquer “questões” desta integrantes – de resto, nem o poderia fazer, de acordo com o princípio do pedido -, antes têm como escopo tratar essas mesmas questões e pugnar por um ou vários sentidos decisórios em razão das conclusões alcançadas.

Improcede, pois, a nulidade por omissão de pronúncia suscitada, com fundamento na ausência de pronúncia específica na sentença recorrida sobre parecer jurídico junto aos autos.

E o mesmo se diga, mutatis mutandis, sobre a suscitada nulidade por omissão de pronúncia, com base na alegada ausência de apreciação da questão à luz do direito da União Europeia. Aliás, a própria alegação neste ponto feita denuncia o infundado do vício suscitado.

O tribunal a quo tratou das “questões” jurídicas em causa, as quais identificou e enunciou devidamente, e que se reconduzem a saber se a conduta omissiva do ora Recorrido, ao não graduar a A. nos termos impostos pela lei, era ou não ilegal. Se porventura, na aquisição das premissas para alcançar a solução jurídica da “questão” descurou a aplicação do direito da União Europeia, então estaremos perante erro de julgamento, consubstanciado numa deficiente/incorrecta aplicação do direito substantivo concretamente aplicável.

Termos em que, sem mais delongas, não se verifica a apontada nulidade, com o que improcede o recurso, também, nesta parte.

Atacando agora a questão central do recurso, apreciemos então se o Tribunal a quo errou ao ter concluído que resulta do n.º 2 do art. 21.º do regulamento interno do CEJ, a possibilidade de opção pela nota mais alta que for obtida nos dois concursos, estando esta condicionada à obtenção da classificação de “apto” também no segundo concurso, o que significa que são de excluir os candidatos que, apesar de terem sido considerados aptos no primeiro concurso, o não foram ou não o seriam no segundo concurso, com o que julgou a acção improcedente.

Disse-se na sentença recorrida para assim concluir o seguinte:

“(…)

Estatui o n.º 6 do art.º 28.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, que «os candidatos aptos que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este.».

E os n.ºs 1 e 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ (regulamento n.º 339/2009, republicado com as últimas alterações através do Aviso n.º 4887/2014, publicado no D.R. 2.ª série, n.º 71, de 10 de Abril de 2014), que:

1- Os candidatos aptos mas não habilitados que pretendam exercer o direito à dispensa de prestação de provas conferido pelo número 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, devem declará-lo até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso imediatamente seguinte, sem prejuízo de poderem candidatar-se a este e ser graduados conjuntamente com os candidatos que neste ficarem aptos.

2- No caso de se candidatarem nos termos do número anterior e ficarem aptos, os candidatos são graduados no concurso seguinte de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos.

Os métodos de selecção dos candidatos que, como a A., se apresentaram pela via de habilitação académica, consistiam em provas de conhecimento ¯prestadas, sucessivamente, em duas fases, ambas eliminatórias para os candidatos que obtiverem nota inferior a dez valores em qualquer uma das provas que as integram:

- 4.1.1.1 - Fase escrita, que visa avaliar, designadamente, a qualidade da informação transmitida pelo candidato, a capacidade de aplicação do Direito ao caso, a pertinência do conteúdo das respostas, a capacidade de análise e de síntese, a simplicidade e clareza da exposição e o domínio da língua portuguesa, compreendendo as seguintes provas de conhecimentos, com a duração de três horas cada, nos termos do n.º 4, do artigo 16.º, da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro:

a) Uma prova de resolução de casos de direito e processo administrativo e tributário;

b) Uma prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos.

4.1.1.2 — Fase oral (….)

6.1 — Relativamente a candidatos pela via da habilitação académica referida no ponto i), da alínea c), do n.º 3 deste Aviso, a classificação final do candidato aprovado é o resultado da média aritmética simples da classificação obtida na fase escrita e da classificação obtida na fase oral das provas de conhecimentos. (…) – cfr. o Aviso n.º 1756-A/2016 relativo à abertura do concurso de 2016, publicado no D.R. II S., n.º 30, de 12/02/2016.

O carácter eliminatório de qualquer dessas fases também resulta do estabelecido no art.º 15.º, n.º 1 do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro.

Estatui o n.º 2, alíneas a) e b) do art.º 24.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, que:

2 - São excluídos os candidatos admitidos que:

a) Faltarem injustificadamente, nos termos do n.º 5 do artigo anterior;

b) Obtiverem classificação inferior a 10 valores em qualquer das provas de conhecimentos que integram a fase escrita e a fase oral; (…).

Resulta das referidas normas que os candidatos aptos que, por falta de vaga, não tenham sido admitidos a frequentar o curso teórico- prático de admissão à magistratura, podem candidatar-se à frequência do curso imediato com a classificação que já detêm e exercer o direito à dispensa de realização de novas provas até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso.

Caso optem por prestar provas no último dos concursos em causa, são graduados na posição que lhe conferir a classificação mais elevada que obtiverem nos dois concursos, desde que fiquem aptos.

No caso, a A., no requerimento de candidatura ao concurso de 2016, não exerceu o direito de dispensa de realização das provas previsto no n.º 6 do art.º 28.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro.

Pelo contrário, declarou querer realizar as provas, o que lhe abriu a possibilidade de vir obter uma classificação superior à que já detinha e de a fazer valer no concurso: prevaleceria sempre a maior das classificações, desde que ficasse apta no concurso de 2016 – n.º 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ.

Pelo que a partir do momento em que decidiu submeter-se às provas do concurso de 2016, ficou sujeita ao regime e à avaliação que viesse a ser realizada no âmbito desse procedimento concursal.

Realizou as provas de «direito e processo administrativo» e de «direito e processo tributário», tendo obtido as classificações de 3,625 valores e de 5,35 valores, respectivamente e faltou à realização da prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos.

O «Júri A» deliberou atribuir à Requerente a classificação de 8,975, no conjunto das provas de «Adm. Tribut.», tendo elaborado pauta onde figura a atribuição dessa classificação à Requerente e ainda a menção de que «faltou» na prova «cultura», pelo que foi tida como «excluído».

Em 18/05/2016, foi publicada a pauta dos resultados das provas escritas, onde consta que a A. «faltou», seguido da menção «excluído».

A partir dessa fase, o nome da A. deixou de figurar nas listas que foram publicadas posteriormente.

Tendo a A. faltado a uma das provas da fase escrita e sido excluída, já não está no procedimento concursal.

Para que se mantivesse no procedimento, apesar da falta registada e se viesse a considerar a nota obtida no concurso de 2014, seria necessário que as normas aplicáveis o previssem, o que não acontece.

O que se prevê, é a possibilidade dos candidatos virem exercer o direito de dispensa de realização das provas até ao fim do prazo previsto para a apresentação das candidaturas. Tal direito não pode vir a ser exercido posteriormente. A não ser assim, permitir-se-ia aos candidatos a quem as provas não tivessem corrido de acordo com as suas expectativas iniciais, mas que beneficiaram da possibilidade de obter uma classificação superior à que já detinham, vir exercer uma opção de forma intempestiva, violadora dos n.ºs 1 e 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ e do n.º 2, alíneas a) e b) do art.º 24.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro.

Acresce que, como resulta do n.º 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ, a possibilidade de opção pela nota mais alta que for obtida nos dois concursos, está condicionada à obtenção da classificação de «apto» também no segundo concurso, o que significa que se querem excluir os candidatos que, apesar de terem sido considerados aptos no primeiro concurso, o não foram ou não o seriam no segundo concurso.

Permitir o exercício do direito de dispensa após a realização de qualquer das provas de conhecimentos, equivaleria a admitir a fraude daquela norma.

Pelo que há que concluir que a possibilidade da A. poder aproveitar da nota do concurso de 2014, ficou pendente da comparência às provas do concurso de 2016, a que se propôs e do resultado destas, exigindo o n.º 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ que tivesse ficado apta.

Tendo sido excluída por ter faltado à realização da prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos, não está já no procedimento, pelo que não pode aproveitar da classificação do anterior concurso, por as normas em vigor o não preverem.

Alega ainda a A. que o CEJ lhe comunicou que, ainda que faltasse às provas escritas, poderia manter-se no concurso com a nota obtida no concurso de 2014.

Após a data de interposição da acção juntou aos autos um documento elaborado pelo R., onde este dá resposta às questões colocadas com mais frequência («FAQ´s»), em que se refere que, mesmo no caso de exclusão dos candidatos no procedimento concursal de 2016, os mesmos serão graduados em função da classificação final obtida no concurso anterior, ao abrigo do n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro.

Como resulta do exposto, tal prática não se mostra conforme com as normas acima indicadas e não as pode revogar. A isso se opõe o princípio da legalidade, que deve prevalecer, sob pena de se perpetuar a apontada violação.

Acresce que a A. se limita a alegar que obteve informação oral, confirmada através do documento do R. que obteve posteriormente e que contém as respostas às perguntas mais frequentes sobre o procedimento, de que, ainda que faltasse às provas escritas, sempre aproveitaria da graduação que lhe conferia a classificação obtida no concurso anterior. Mas não indica qualquer situação concreta em que tal tenha ocorrido, quer no procedimento concursal de 2016, quer em procedimentos anteriores e que já se encontre consolidada no ordenamento jurídico. Isto é, desconhece-se se através da referida prática alguma vez foi admitido algum candidato que se encontrasse na situação da A., o que obsta a que através do princípio da igualdade esta possa obter tutela para a sua pretensão.

Assim, há que concluir que a eventual prática de actos ilegais não confere aos interessados o direito de exigir a prática de novos actos (ilegais) para situações de facto semelhantes – cfr. os acórdãos do STA de 14/12/2000 e de 05/04/2001, processos n.º 046607 e n.º 046609, respectivamente, in www.dgsi.pt.

A A. apresentou-se à realização das provas por sua iniciativa. Tal não lhe foi imposto pelo R., o qual nunca se opôs a que a A. exercesse o direito de dispensa à realização das provas que lhe é concedido pelo n.º 6 do art.º 28.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro.

Participou no procedimento concursal em condições de igualdade e com as mesmas oportunidades dos restantes candidatos.

A lei pode estabelecer pressupostos que condicionem o acesso ao exercício da profissão, como seja a submissão dos candidatos a provas de conhecimento realizadas no âmbito de um procedimento de selecção.

No caso, a realização de tais provas a que a A. se submeteu voluntariamente, respeitam o princípio da proibição do excesso, por se mostrarem necessárias, exigíveis e proporcionais em função da natureza do procedimento em causa. Não constituem qualquer discriminação constitucionalmente ilegítima e respeitam a regra constitucional do concurso como meio de recrutamento e selecção prevista no n.º 2 do art.º 47.º da CRP, invocado pela A., pelo que não se verifica qualquer dos vícios por esta invocados. Veja-se, sobre a questão e em especial, as anotações VIII a XIII ao referido art.º 47.º, efectuadas por Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra Editora, 4ª ed., págs. 658 e segs..

Como se depreende da leitura da sentença, o Mmo. juiz a quo atendeu ao art. 21.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento interno do CEJ (regulamento n.º 339/2009, alterado e republicado – Aviso n.º 4887/2014, in DR-II, n.º 71, de 10 de Abril de 2014), para concluir que: “os candidatos aptos que, por falta de vaga, não tenham sido admitidos a frequentar o curso teórico- prático de admissão à magistratura, podem candidatar-se à frequência do curso imediato com a classificação que já detêm e exercer o direito à dispensa de realização de novas provas até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso. // Caso optem por prestar provas no último dos concursos em causa, são graduados na posição que lhe conferir a classificação mais elevada que obtiverem nos dois concursos, desde que fiquem aptos.

A questão, porém, não se centra na aplicação limitada que foi feita da norma regulamentar. De acordo com o art. 21.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento interno do CEJ, no caso de os candidatos aptos mas não habilitados no concurso anterior, prestarem provas no concurso seguinte e ficarem aptos, são graduados nesse concurso de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos. O que pressupõe, obviamente, que tenham ficado “aptos” em ambos os concursos. E de acordo com o disposto no art. 24.º, n.º 2, al.s a) e b) da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, que aprova o regime jurídico do ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do CEJ, os candidatos são excluídos quando tenham classificação final inferior a 10 valores em qualquer das provas de conhecimentos que integram a fase escrita e a fase oral ou quando faltem injustificadamente. Logo, um candidato excluído não é um candidato “apto” e logo não poderá beneficiar da regra segundo a qual “são graduados na posição que lhe conferir a classificação mais elevada que obtiverem nos dois concursos, desde que fiquem aptos.” A esse a tese do Recorrido e o entendimento do tribunal recorrido.

A questão surge sim a jusante e tem que ser recolocada.

Dispõe o art. 28.º do Regime jurídico do ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do CEJ, aprovado pela da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, com as alterações do introduzidas pela Lei n.º 60/2011, de 28 de Novembro e pela Lei n.º 45/2013, de 3 de Julho, o seguinte:


Artigo 28.º

Habilitação para a frequência do curso teórico-prático


1 — Ficam habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato os candidatos aprovados, por ordem de graduação, até ao preenchimento do total das vagas em concurso, com respeito pelas respetivas quotas de ingresso.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, a falta de candidatos aprovados para o preenchimento das vagas respeitantes a uma das quotas de ingresso não impede o preenchimento do total das vagas em concurso através do recurso aos candidatos aprovados por outra via de admissão.

3 — Com a afixação das listas de graduação previstas no artigo 26.º são indicados os candidatos habilitados.

4 — Mediante requerimento, o candidato habilitado nos termos do disposto nos números anteriores pode, excecionalmente, ser autorizado pelo diretor do CEJ a ingressar em curso teórico-prático posterior àquele a que o concurso dá ingresso, por motivos especiais e razoavelmente atendíveis, e por uma única vez.

5 — No caso referido no número anterior, é admitido à frequência do curso teórico-prático imediato o candidato seguinte, de acordo com a graduação, aplicando-se subsidiariamente, quando não exista outro candidato, o disposto no n.º 2.

6 — Os candidatos aptos que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este.

Interessa-nos os n.ºs 1 e 6 deste artigo. O n.º 1 importa para preencher os conceitos de “candidato habilitado” e de “candidato aprovado” e o n.º 6 para compreender o tatbestand da norma especial nele contida.

Assim, são considerados “candidatos habilitados”, os candidatos aprovados que obtenham colocação, por ordem de graduação, até ao preenchimento do total das vagas em concurso, com respeito pelas respectivas quotas de ingresso.

E de acordo com aquele n.º 6, os candidatos aptos e que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este último. Sendo que, naturalmente, os candidatos aptos a que se refere este n.º 6, são os “candidatos aprovados” para a frequência do curso teórico-prático e não os auditores aptos, pois esses já tiveram que frequentar o 1.º ciclo da formação. Ou seja, o termo “apto”, no seu sentido jurídico próprio, tem por referência e só é possível de aplicar aos auditores de justiça – e não aos candidatos ao curso -, como se retira dos art.s 46.º, n.º 5, 47.º, n.º 1, 54.º, n.º 5, e 55.º, n.º 2, do Regime aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro. É esta a única interpretação possível de efectuar, evidenciada pelo elemento sistemático.

Pelo que uma primeira premissa de análise podemos já dar como estabelecida: de acordo com a lei (aquele n.º 6, do art. 28.º do Regime jurídico), os candidatos aprovados e que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte e ficam graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este último.

Assim, os únicos pressupostos previstos pela norma legal para a graduação conjunta são:

i) a aprovação no concurso imediatamente anterior; e

ii) a ausência de vagas que tenha impedido o candidato de ficar habilitado.

Nenhum outro pressuposto aplicativo do regime ou requisito do seu exercício vêm previstos na norma em causa.

Nessa perspectiva, o n.º 6 daquele artigo 28.° estabelece um direito que assiste a todos os candidatos que tenham ficado aprovados num concurso para a frequência de um curso teórico-prático de formação de magistrados, sendo que a única condição admissível para o seu exercício – requisito - é a declaração de opção pelo mesmo. O que de resto vem previsto no n.º 1 do artigo 21.° do Regulamento Interno do CEJ, quando estabelece que: “Os candidatos aptos mas não habilitados que pretendam exercer o direito à dispensa de prestação de provas conferido pelo n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, devem declará-lo até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso imediatamente seguinte, sem prejuízo de poderem candidatar-se a este e ser graduados conjuntamente com os candidatos que neste ficarem aptos”.

Ou seja, de acordo com a parte final da norma regulamentar, em obediência ao princípio da igualdade e não discriminação e de modo a não cercear o seu direito de acesso e escolha de profissão – não poderiam ficar inibidos de concorrer por terem obtido aprovação em concurso anterior -, aqueles candidatos aprovados em concurso anterior e que não tenham ficado habilitados no mesmo por ausência de vaga, podem também candidatar-se ao concurso imediatamente seguinte. Naturalmente, esta regra tem como escopo a obtenção de uma melhoria de nota por parte daqueles candidatos. Neste caso, o candidato será graduado conjuntamente com os outros candidatos aprovados, considerando a sua melhor classificação.

Mas os candidatos aprovados mas não habilitados no concurso imediatamente anterior, podem igualmente optar pela não realização de novas provas. Nesse caso, concorrem com a classificação naquele obtida e são graduados conjuntamente com os outros candidatos aprovados, considerando aquela classificação.

Tudo isto são situações que se inscrevem no previsto no art. 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2011, de 28 de Novembro e pela Lei n.º 45/2013, de 3 de Julho, concretamente nos seus n.ºs 1 e 6. Por um lado, salvaguarda-se a possibilidade de dispensa de realização de provas e, por outro lado, garante-se a possibilidade de candidatura a concurso com vista à obtenção de uma melhor classificação.

O busílis da questão está quando o candidato se candidata, declara que pretende realizar as provas e não obtém nota superior a 10 ou falta injustificadamente. É esse o caso da ora Recorrente.

Já sabemos o que diz o art. 21.º do Regulamento interno do CEJ:


Artigo 21.º

Candidatos aptos mas não habilitados no concurso imediatamente anterior


1 — Os candidatos aptos mas não habilitados que pretendam exercer o direito à dispensa de prestação de provas conferido pelo n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, devem declará –lo até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso imediatamente seguinte, sem prejuízo de poderem candidatar -se a este e ser graduados conjuntamente com os candidatos que neste ficarem aptos.

2 — No caso de se candidatarem nos termos do número anterior e ficarem aptos, os candidatos são graduados no concurso seguinte de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos.

(…)

Assim, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 21.º do Regulamento, no caso de os candidatos aprovados em concurso anterior se candidatarem e ficarem aptos, são graduados no concurso seguinte de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos. Mas e se não ficarem aptos?

O entendimento do Recorrido, ao qual a sentença recorrida aderiu, é de que no caso de um candidato se apresentar no concurso seguinte, para poder ser graduado com a classificação final mais elevada, por via do n.º 2 do artigo 21.º do Regulamento, terá o mesmo que ser um candidato aprovado neste concurso e se assim não suceder, o candidato fica abrangido pelos motivos de exclusão previstos no artigo 24.º da Lei n.º 2/2008. Concluiu o Mmo. juiz a quo que “a possibilidade da A. poder aproveitar da nota do concurso de 2014, ficou pendente da comparência às provas do concurso de 2016, a que se propôs e do resultado destas, exigindo o n.º 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ que tivesse ficado apta. Tendo sido excluída por ter faltado à realização da prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos, não está já no procedimento, pelo que não pode aproveitar da classificação do anterior concurso, por as normas em vigor o não preverem.

Como já se disse, o problema não está na aplicação individualizada da norma regulamentar citada; o problema reside na sua validade aplicativa, quando interpretada no sentido de conter uma verdadeira preclusão do direito à ordenação pela classificação obtida pelo candidato no concurso anterior.

Vejamos.

O regulamento em causa é, nesta parte, um regulamento de execução, na medida em que vem estabelecer regras para aplicação ou actuação do preceito legal de referência. A norma regulamentar vem emprestar o instrumento necessário à boa execução da lei (cfr., a este propósito, Jorge Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, 1987, pp. 51-61).

Enquanto regulamento, subordinado à lei, “as suas normas não devem desrespeitar as normas e princípios de direito que lhe são superiores. Não podem, nomeadamente, modificar, suspender, derrogar ou revogar as normas e princípios constitucionais, as normas e princípios de direito internacional vigentes na ordem interna, os actos legislativos e os «princípios» jurídicos” (idem, p. 175).

Por outro lado, a norma regulamentar executiva tem um nexo substancial que a une à lei e nessa medida o seu conteúdo tem de ser predeterminado pela norma ou conjunto de normas executadas (cfr. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, 1987, p. 253).

Como referido pela Recorrente, as normas regulamentares que contrariarem um acto legislativo são inválidas, por violação do princípio da legalidade, na vertente da preferência de lei (cfr. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, 2016, p. 169). Nesse sentido dispõe expressamente o art. 143.º, n.º 1, do CPTA, quando estabelece que: “[s]ão inválidos os regulamentos que sejam desconformes com a Constituição, a lei e os princípios gerais de direito administrativo ou que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia.

Donde, a norma regulamentar em causa, sob pena da sua invalidade, tem necessariamente que se conter nos limites da lei habilitante, a qual serve igualmente de guia e de bitola para a interpretação a fazer na sua aplicação.

Posto isto, retomando a premissa de análise primeiramente fixada, temos que de acordo com o n.º 6 do art. 28.º da Lei, os candidatos aprovados e que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte e ficam graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este último. Como se disse, os únicos pressupostos previstos pela norma legal para a graduação conjunta são: i) a aprovação no concurso imediatamente anterior e ii) a ausência de vagas que tenha impedido o candidato de ficar habilitado.

Assim, a interpretação efectuada pelo ora Recorrido não respeita a norma legal de referência e introduz, por via da leitura que faz da norma contida no art. 21.º, n.º 2, do Regulamento Interno do CEJ, um pressuposto normativo – tatbstand ou previsão do facto jurídico - que a lei primária e habilitante não previu, associando-lhe uma determinada consequência jurídica – estatuição da norma -, a qual também não existe na norma executada. Com efeito, pretende o Recorrido introduzir uma situação-tipo não prevista na norma primária e que é a necessidade de aprovação dos candidatos no concurso seguinte, no caso de estes pretenderem prestar provas nesse concurso, com prejuízo da classificação obtida no concurso imediatamente anterior. Tal constitui uma interpretação contra legem, pois em nenhuma norma ou segmento normativo do Regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, se excepciona ou sequer menciona tal situação.

Sendo que, de resto, a previsão dessa situação sempre teria que consubstanciar norma de natureza excepcional, pois que a faculdade de os candidatos se apresentarem a novo concurso constitui um direito que lhe está genericamente conferido e a faculdade de dispensa de prestar provas no concurso imediatamente seguinte e de ficarem graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este, constitui norma especial (do regime do concurso). E assim sendo a previsão dessa situação-regra excepcional está claramente fora do âmbito da norma regulamentar secundária.

Em face do exposto, tem que concluir-se que a sentença em apreço merece a censura que lhe vem dirigida, não se podendo manter na ordem jurídica.

Pelo que procede o recurso.

Conhecendo em substituição, ao que nada obsta, pois a matéria de facto fixada é suficiente para a decisão da causa, nenhum outro facto importando provar, e sendo que as posições das partes se encontram exaustivamente plasmadas nos autos, é nosso entendimento que a norma habilitante, contida na lei apenas prevê, para efeitos de graduação conjunta com os demais candidatos no concurso seguinte, a aprovação no concurso imediatamente anterior e a ausência no mesmo de vagas que tenha impedido o candidato de ficar habilitado.

De acordo com esta vinculação ao texto da lei, a fórmula regulamentar vertida no art. 21.º, n.º 2, do Regulamento interno do CEJ, não autoriza a conclusão de que para o candidato poder ser graduado com a classificação obtida no concurso anterior, onde ficou aprovado mas não habilitado por ausência de vaga, e apresentando-se a prestar provas no concurso imediatamente seguinte, terá o mesmo que ser um candidato aprovado neste concurso. Donde, não ser legalmente admissível a interpretação feita pelo ora Recorrido e questionada nos autos, a qual levou à não admissão da candidata Ana ………………… no 4.º curso de formação inicial para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais, cuja abertura foi publicitada por Aviso publicado no D.R., II Série, n.º 30, de 12 de Fevereiro de 2016,

Aliás, não deixa de ser sintomático do sentido interpretativo a extrair da conjugação das normas que vimos de apreciar que quer a informação oral prestada pelos serviços administrativos do Recorrido, como provado em g) do probatório, quer a resposta divulgada no site do Centro de Estudos Judiciários às FAQ’s, tal como provado em r) supra, sejam convergentes na afirmação de que o candidato excluído no concurso seguinte “ficará, então, graduado neste, em função da classificação final obtida no concurso anterior, ao abrigo do n.º 6 do artigo 28.” Efectivamente é isso que se retira do citado art. 28.º, n.º 6.

Por outro lado, terá que aceitar-se o argumento da Recorrente, vertido no parecer jurídico junto, e situando a questão estritamente ao nível do principio da justiça e da razoabilidade da actuação administrativa (e não ao nível do princípio da igualdade), segundo o qual: “Esta solução interpretativa, agora adotada pelo CEJ, não se afigura conforme com os princípios da justiça e da razoabilidade consagrados no artigo 8.° do CPA - A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valoraç3es próprias do exercício da função administrativa - sempre aplicáveis a toda a atividade administratìva. Veja-se, a propósito, que todos os candidatos que optaram por não realizar as provas de novo ficaram automaticamente graduados - ao contrário dos Consulentes, que procuraram ir atrás de uma classificação mais meritória, com o esforço adicional a todos os níveis que é inerente. Esta situação de facto não é, como se afigura fácil de entender, compatível com uma ideia razoável de justiça”.

De igual modo, e procurando uma ainda uma justificação normativa que impusesse a não admissão de candidatos com as condições da ora Recorrente, não se vê como a solução preconizada pelo Recorrido fosse susceptível de melhor prosseguir o interesse público, por via da sustentação da tese de que os candidatos habilitados seriam os melhores classificados e, portanto, também os mais bem preparados e (tendencialmente) mais aptos para a função a desempenhar. É que nos termos da lei sempre a candidata em causa se poderia candidatar ab initio ao concurso com a classificação obtida no concurso imediatamente anterior. E de acordo com essa classificação ficaria habilitada, portanto melhor graduada que outros candidatos.

Pelo exposto, procedendo o vício de violação de lei, terá que condenar-se o Centro de Estudos Judiciários a graduar a Autora e ora Recorrente no 4.º curso de formação inicial para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais, na posição que lhe corresponder por consideração da nota de 13,325 valores, obtida no concurso anterior (aviso publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 30, de 12.02.2014), com as inerentes consequências ao nível da sua graduação final.

Considerando que os autos evidenciam (consulta do SITAF) a frequência do curso pela ora Recorrente, a título provisório, na sequência de providência cautelar decretada, também as notações que lhe hajam sido atribuídas terão que considerar-se plenamente válidas, constituindo tal a mera decorrência jurídica – uma destas - dos efeitos constitutivos do decidido, ao nível da definição da situação jurídica subjectiva da ora Recorrente. De igual modo, terá a classificação obtida, a ter existido, que relevar para as demais fases formativas, o que constitui mera execução do julgado.

Por fim, deverá considerar-se que o objecto do processo é a pretensão do interessado, no caso da Autora e ora Recorrente, e não o acto impugnado de homologação das listas de graduação ao 4.º Curso de formação inicial de magistrados para os tribunais administrativos e fiscais. Como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha: “[r]esulta, pois, das disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 2, e 71.º, n.º 1, que o objeto da ação de condenação é a posição subjectiva de conteúdo pretensivo que o autor invoca” (cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., 2017, p. 455). É a pronúncia condenatória que importa e é esta aquela a que o tribunal se terá que ater, como supra efectuado.



III. Conclusões

Sumariando:

i) De acordo com o art. 28.º, n.º 6, da Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2011, de 28 de Novembro e pela Lei n.º 45/2013, de 3 de Julho, que define o regime de ingresso nas magistraturas, de formação inicial e contínua de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários, os candidatos aprovados no concurso anterior, mas não habilitados para a frequência do curso teórico-prático, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este último.

ii) A fórmula regulamentar vertida no art. 21.º, n.º 2, do Regulamento interno do CEJ, não autoriza a conclusão de que para o candidato poder ser graduado com a classificação obtida no concurso anterior, onde ficou aprovado mas não habilitado por ausência de vaga, apresentando-se a prestar provas no concurso imediatamente seguinte, terá o mesmo que ser um candidato aprovado neste concurso.

iii) Tal constitui uma interpretação contra legem ao introduzir uma situação-tipo e respectiva cominação não previstas na norma primária habilitante.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; em substituição,

- Condenar o Centro de Estudos Judiciários, ora Recorrido, a graduar a Autora, ora Recorrente, no 4.º curso de formação inicial para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais, na posição que lhe corresponder por consideração da nota de 13,325 valores, obtida no concurso anterior e com que ficou habilitada, com as legais consequências.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias.

Lisboa, 19 de Outubro de 2017

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Pedro Marchão Marques

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Helena Canelas

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Cristina Santos