Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:639/12.1 BELRS
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
ÓNUS DA PROVA 
Sumário:I - A fundamentação de toda e qualquer decisão administrativa, fundamentação maior ou menor conforme o caso concreto, simples ou complexa consoante o caso concreto, implica sempre, naturalmente, um discurso justificativo assente em raciocínios fundamentadores e explicativos.

II - E, por isso, tais raciocínios fundamentadores e explicativos, que existem em toda a atividade humana intelectiva, devem ser exteriorizados em todos os tipos de atos administrativos potencialmente lesivos. Muito à semelhança do que conduziu, para a função jurisdicional, à seguinte disposição legal do CPC: na fundamentação (…) declara quais os factos (…), analisando criticamente as provas (artigo 607º/4).

III - Só é possível ao tribunal fiscalizar essa ponderação se os raciocínios em que ela consistiu forem exteriorizados. Sem isto não há verdadeira fundamentação do ato administrativo; quando muito haverá um simulacro daquilo que é exigido pela CRP e pelo CPA em sede de fundamentação.

IV - A violação do dever de fundamentação dos atos administrativos é um dos mais importantes e frequentes vícios de forma do ato administrativo. Está em causa (i) possibilitar e (ii) incentivar (iii) o autocontrolo e (iv) o heterocontrolo da legalidade e juridicidade da atividade administrativa.

V - O heterocontrolo da atividsade administrativa pública implica a utilização de critérios jurídicos, da experiência comum e também eventualmente da prova pericial. Só assim é possível encontrar o desvio de poder, o erro, a coação, a inconstitucionalidade, a desproporção, a irrazoabilidade.

VI – No âmbito do 17º/1-b)-d)-g) e do artigo 21º/a)-b) da Portaria 799-B/2000, está em causa a regularidade contabilística a cargo do particular, bem como a normalidade das despesas a financiar pelo FSE.

VII – Em tal caso, a A.P. não tem o ónus (rectius, a necessidade) de provar que os serviços faturados e apresentados para cofinanciamento público não existiram.

VIII - É que a carga da prova, o encargo da prova ou o “ónus da prova” (isto é, a indicação pelo direito objetivo de qual será a parte que, normalmente, suportará as consequências desfavoráveis decorrentes de não se provar no processo uma factualidade que, segundo as normas de direito substantivo, é favorável aos interesses dessa parte - cf. artigos 411º, 413º e 414º do CPC e artigos 342º e 343º do CC), cabe nesse caso ao autor interessado na obtenção do apoio financeiro europeu.

IX – Assim, sendo a existência de despesas como elegíveis pelo FSE um facto constitutivo da posição jurídica ativa da autora, a esta cabia o chamado ónus da prova, ou seja, era da autora o encargo conveniente de provar que as despesas consideradas não elegíveis para apoio pelo FSE, de facto, se verificaram.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

N...... E......... – CONSULTORES ………………….., Lda., intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ação administrativa especial contra

MINISTÉRIO DA SOLIDARIEDADE, EMPREGO E SEGURANÇA SOCIAL.

A pretensão formulada foi a seguinte:

- Anulação do despacho do Exmo. Senhor Gestor do PORLVT n.º 6/ERLVT/2011, de 29/09/2011.

Por sentença de 22-07-2015, o referido tribunal veio a prolatar a decisão ora recorrida, absolvendo réu do pedido.

*

Inconformado com tal decisão, a autora interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1ª- A douta sentença Reclamada é nula por omissão de pronuncia.

- Na verdade, a mesma sentença não se pronuncia sobre a invocada falta de fundamentação do ato recorrido ou sobre o erro dos pressupostos, limitando-se a fazer-lhe escassas menções de cariz meramente formal;

3ª - A omissão de pronúncia, para além de violadora do preceituado no art. 94º, n.º 1, e 95º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, é geradora, como é sabido, de nulidade da sentença ex vi do preceituado no art. 668º, n.º 1, al. d), do CPC, in casu aplicável por força do disposto no art. 1º do CPTA.

4ª – Em consequência, dever-se-á, em conferência, anular-se a sentença ora em crise e, concomitantemente, anular o ato administrativo impugnado com fundamento nos vícios de que o mesmo padece, nomeadamente de falta de fundamentação do ato e de erro nos pressupostos, tal-qual se alega no petitório;

5ª – Acresce que a Reclamante alegou, em sede de petitório, haver sido preterida a formalidade de prévia audiência do interessado, já que lhe não foram transmitidos os elementos bastantes para a pronúncia;

6ª – Na douta decisão Reclamada entende-se que, efetivamente, não se mostra cumprida “de forma correta” a injunção legal, mas que, não obstante, o conteúdo do novo ato não seria diverso do ato impugnado, pelo que a omissão não teria carácter invalidante.

7ª – A verdade, porém, é que a douta decisão Reclamada não refere porque motivo o novo ato teria necessariamente conteúdo idêntico ao ato primitivo…

8ª – Ora, a omissão da formalidade – essencial – de prévia audiência inquina irremediavelmente o ato praticado, o qual, pelo exposto, deveria ter sido anulado por este Tribunal; Ao decidir diferentemente, a sentença sub judice violou as normas constantes dos arts. 8º e 100º do CPA e 267º, nº 5, da Constituição da República.

9ª – Impõe-se, pois, a anulação da decisão da primeira instância e, bem assim, do ato impugnado com fundamento na preterição da diligência assinalada;

10ª – A decisão prolatada viola, pois, as disposições constantes dos seguintes normativos: art. 20º, n.º 1, da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de setembro (aplicável ao caso vertente por força do estipulado no art. 31º do Decreto-Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15 de setembro), art. 3º, n.º 2 do Regulamento CE Euratom n.º 2988/1995, de 18/12, arts. 94º, n.º 1, e 95º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, arts. 8º e 100º do CPA e 267º, nº 5, da Constituição da República, arts. 125º do CPA e art. 268º, n.º 3, da Constituição e arts. 135º e 136º do CPA.

*

O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1) Ao contrário do defendido pela Recorrente, não existe qualquer omissão de pronúncia, já que se pronunciou o tribunal na douta sentença proferida sobre todas as questões submetidas à sua apreciação

2) Pelo que, deu a Mmª Juiza do tribunal a quo, pleno cumprimento ao disposto nos artigos 94.º, n.0 1, e 95.0, n.ºs 1 e 2, ambos do CPTA ex vi art.º 668.0, n.º 1, alínea d), do CPC/1961 [atual art.º 615.º, n.º 1, alínea d)].

3) A fundamentação do ato administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão; é contextual quando se integra no próprio ato e dela é contemporânea; é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o referido iter cognoscitivo· valorativo da decisão; é congruente quando a decisão surge como a conclusão lógica e necessária de tais razões.

4) ln casu, consta do relatório de auditoria n.º 5.4/20/AVER /12/05 os elementos de facto e de direito que conduziram à proposta de redução de financiamento, sem necessidade de se justificar mais do que aí se encontra inserto sob pena de se incorrer em fundamentação da própria fundamentação.

5) o principio geral de direito que se exprime pela fórmula latina "utile per inutile non vitiatur", principio que também tem merecido outras formulações e designações (como a de principio da inoperância dos vícios, a de principio anti-formalista, a de principio da economia dos atos públicos e a de principio do aproveitamento do ato administrativo), vem sendo reconhecido quanto à sua existência e relevância pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, admitindo-se o seu operar em certas e determinadas circunstâncias.

6) Tal principio habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração [seja por ilegalidades formais ou materiais], mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar, com inteira segurança, que a representação errónea dos factos ou do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa, nomeadamente, ou porque não afetou as ponderações ou as opções compreendidas (efetuadas ou potenciais) nesse espaço discricionário, ou porque subsistem fundamentos exatos bastantes para suportar a validade do ato [v.g., derivados da natureza vinculada dos atos praticados conforme à lei], ou seja ainda porque inexiste em concreto utilidade prática e efetiva para o impugnante do operar daquela anulação visto os vícios existentes não inquinarem a substância do conteúdo da decisão administrativa em questão não possuindo a anulação qualquer sentido ou alcance.

7) Comprovado e demonstrado que as ilegalidades cometidas não influenciam os resultados do ato impugnado, por não dar lugar à alteração dos fundamentos num novo ato a praticar, tornam-se as mesmas irrelevantes ou inoperantes para efeitos de anulação do ato recorrido.

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O magistrado do M.P. junto deste tribunal foi notificado para se pronunciar em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como previsto no nº 1 do art. 146º.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

*

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito (1) que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 - FACTOS PROVADOS segundo o tribunal recorrido

A.

A candidatou-se à realização de uma ação de formação a financiar pelo Estado Português e Fundo Social Europeu (acordo das partes);

B.

Pelo ofício n.º 5901/EGA-LVT, de 12 de dezembro de 2003, a A. foi notificada da decisão de aprovação do Plano de Formação 2003/2004 - Medida 3.2 - Ação – Tipo 3215 – Pedido de Financiamento n.º 3009 (cf. fls. 66 e segs. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C.

Em 23 de Dezembro de 2003, a A. remeteu o respetivo Termo de Aceitação (cf. fls. 73 e segs. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D.

Pelo ofício n.º 588/EGA-LVT/2006, de 1 de março de 2006, a A. foi notificada da decisão de suspensão de pagamentos no âmbito do pedido de financiamento em apreço, com os fundamentos constantes das Informações n.°s 15/EGA-LVT, de 16 de janeiro 2006 e 10/EAT/06, de 29 de fevereiro de 2006, que se anexaram (cf. fls. 710 e segs. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E.

Dá-se por integralmente reproduzido o teor da Informação n.° 15/EGA-LVT, de 16 de janeiro 2006, junta com ofício referido na letra anterior, com o seguinte teor essencial (cf. fls. 515 e segs. do PA apenso):

(…)

«Texto no original»

F.

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do ofício do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE) n.º 534/UCT/05, de 23 de novembro de 2005, junto com a informação referida na letra anterior, com o seguinte teor essencial (cf. fls. 727 e segs. do PA apenso):

«Texto no original»

G.

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do relatório final que resultou da ação de auditoria do IGFSE à A., traduzida no processo n.º 5.4/20/AVER/12/05, constante de fls. 739 e segs., designadamente as conclusões constantes de fls. 838 e segs. do PA apenso, juntas com o ofício referido na letra anterior, com o seguinte teor essencial:

(…)

«Texto no original»

H.

A A. apresentou requerimento de 26 de fevereiro de 2007, dirigido ao Presidente do IGFSE, em que invoca, entre o mais, o seguinte:

“Em agosto de 2006, recebemos finalmente, o famigerado relatório. Apresentámos todas as contestações a esse e a todos os que nos foram chegando e que certamente o IGFSE já conhece, esperando também que entretanto, e de acordo com o que solicitámos, já tenham sido ouvidas pessoas intervenientes no desenvolvimento do processo, cujas declarações julgamos importantes para o esclarecimento da situação”; “se é certo que no relatório se afirma inequivocamente que «a efetividade da formação ou a qualidade das ações de formação lecionadas pela N...... E........., não foi nunca posta em causa», o certo é que V.Exas. se propõem elaborar uma participação ao IQF”; “solicitamos a V. Exa que se digne informar-nos se às pessoas a quem tem sido enviado o relatório eivado de grosseiras inverdades e insinuações torpes e caluniosas, foram também enviadas as nossas contestações” (cf. fls. 715 e segs. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I.

A A. apresentou “reclamação”, de 20 de Março de 2007, dirigida ao Gestor do Programa Operacional da Região de Lisboa e Vale do Tejo (PORLVT), pedindo a revogação da decisão de suspensão de pagamentos referida na letra D supra, com base em preterição da sua audiência prévia e em falta fundamentação e, bem assim, em que “não praticou qualquer facto censurável ou contrário às normas e princípios aplicáveis”, “impugnando expressamente a veracidade das alegações, não concretizadas, constantes das informações incorporadas no ato”, nos termos constantes de fls. 720 e segs. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

J.

Pelo ofício n.º 14/EGA-LVT/2010, de 14 de julho de 2010, a A. foi notificada da proposta de redução do financiamento no âmbito do pedido de pagamento de saldo final, com o seguinte teor essencial (cf. fls. 1151 e segs. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“Dando cumprimento ao preceituado no Artigo 100.º do Código de Procedimento Administrativo, informam-se V.Ex.as. de que o vosso pedido de pagamento de saldo final enferma de deficiências suscetíveis de conduzir à redução do custo total apresentado. A redução dos apoios é proposta nos montantes referidos no documento anexo (Mapa de Análise Financeira), que aqui se dá por integralmente reproduzido, e pelo(s) fundamento(s) seguinte(s): Existência de custos não elegíveis nas rubricas 4. Preparação, Desenvolvimento e Acompanhamento das Ações e 5. Rendas, Alugueres e Amortizações, no montante global de € 59.148,15, nos termos das conclusões do relatório de Auditoria do IGFSE (processo n.º 5.4/20/AVER/12/05). Assim ficam V.Ex.as por este meio notificados para, querendo, no prazo de 10 dias a contar da receção do presente ofício, dizerem por escrito o que se lhes oferecer, findo o qual se têm por aceites os argumentos aqui reproduzidos e por justa a decisão de redução do financiamento consequente. Mais se comunica que, para esse efeito, poderão V.Ex.as. proceder à consulta do processo na Rua de Xabregas, n.º 52, 1949-003 Lisboa, das 9 às 12.30h e das 14 às 17.30h.”

K.

Em 29 de Julho de 2010, a A. veio apresentar requerimento dirigido ao Coordenador da Intervenção, considerando, entre o mais, que em lado algum das conclusões do relatório proferido no âmbito do processo n.º 5.4/20/AVER/12/05 e referido na letra G supra se faz menção a qualquer redução de financiamento no âmbito do presente procedimento e muito menos que tal redução se deverá cifrar no montante assinalado e que “por ser assim, a Requerente encontra-se ipso facto impedida de se pronunciar sobre um projeto de ato administrativo cuja fundamentação, de facto e de direito, desconhece em absoluto”, pedindo a sua notificação dos elementos omitidos, a saber: “a) Identificação dos concretos custos que se pretendem qualificar como não elegíveis; b) Fundamentos de direito da anunciada decisão de redução”, nos termos constantes do doc. junto com a p. i. a fls. 53 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

L.

Pelo ofício n.º 12/EGA-LVT/2011, de 13 de dezembro de 2011, a A. foi notificada da decisão de aprovação do pedido de pagamento de saldo final, com redução do financiamento, com o seguinte teor essencial (cf. fls. 1149 e segs. do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“Ao abrigo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27/2000, de 16 de Maio, conjugada com o disposto na alínea e), do n.º 1, do artigo 29.°, do Decreto-Lei n.º 54-A/2000, de 7 de Abril e na alínea a), do artigo 7.°, do Decreto Regulamentar n.º 12-A/2000, de 15 de Setembro e das competências delegadas pelo Despacho n.º 10.055/2005 (2.ª Série), de sua Excelência o Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, de 15 de Abril, publicada no Diário da República, n.º 87, em 5 de Maio, ficam V. Exas. notificados da Decisão do Gestor do PORLVT N.° 6/ERLVT/2011, de 2011/09/29 que aprovou o vosso Pedido de Pagamento do Saldo Final relativo ao B supramencionado, pelos montantes que em seguida se indicam: FINANCIAMENTO PÚBLICO: 229.210,20 €, Contribuição do F.S.E. 143.256,38 € Contribuição Pública Nacional 85.953,82 €, CUSTO TOTAL: 229.210,20 €. Os valores suprarreferidos resultam da redução do custo total apresentado, pelos montantes e com os motivos expostos no nosso Oficio N.º 14/EGA-LVT/2010, de 2010/07/14 e documento anexo, bem como no Parecer Técnico, agora junto, que mereceu Despacho de Concordância do Gestor do PORLVT e que se dão por integralmente reproduzidos, não sanando as razões invocadas, por V/ Exas., as deficiências já comunicadas na Proposta de Redução de Financiamento.

M.

Dá-se por integralmente reproduzido o teor do parecer junto com o ofício referido na letra anterior e constante de fls. 1170 e segs. do PA apenso, do qual consta, entre o mais o seguinte: “importa agora decidir sobre as reclamações apresentadas pela N...... E.........”; “assim, tendo presente os factos relatados no relatório de auditoria do IGFSE, os quais se verificaram também nos pedidos de financiamento no âmbito do PORLVT, tendo presente que não pendem sobre os pedidos de financiamento em causa eventuais providências cautelares, uma vez que só agora foram dados a conhecer estes factos à entidade, propõe-se que não sejam de considerar os argumentos apresentados pelo beneficiário, mantendo-se as decisões propostas”;

N.

A p. i. da presente ação deu entrada em juízo em 14 de março de 2012 (cf. carimbo aposto na p. i., a fl. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

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II.2 - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Tendo presentes as conclusões da alegação do recurso e tendo presente a factualidade apurada, cumpre-nos apreciar o seguinte contra a decisão jurisdicional recorrida:

1 – Erro de julgamento quanto à invocada violação do direito da autora à audiência prévia dos interessados e incorreta aplicação da figura do “aproveitamento do ato administrativo”;

2 – Erro de julgamento quanto à invocada violação do direito subjetivo público da autora a uma fundamentação suficiente do ato administrativo impugnado, pois que o relatório para onde o ato administrativo se remete tem uma proposta diferente da decisão adotada;

3 – Ainda que assim não fosse, erro de julgamento quanto ao invocado erro sobre os pressupostos do ato administrativo, com referência aos artigos 17º e 21º da Portaria nº 799-B/2000, pois não se afirma que o serviço faturado não foi prestado ou outra ilegalidade e não se demonstrou que as despesas apresentadas pela autora ao FSE não existiram; é uma omissão de pronúncia.

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Passemos, assim, à análise do mérito do recurso.

1 – Sobre o erro de julgamento quanto à invocada violação do direito da autora à audiência prévia dos interessados e incorreta aplicação da figura do “aproveitamento do ato administrativo”

1.1.

A autora candidatou-se a apoios do FSE em 2003.

Em 2006 houve uma suspensão dos pagamentos à autora.

Em 2010 ocorreu uma proposta do réu para reduzir o apoio financeiro à autora.

Em 29-09-2011 o réu decidiu aprovar o pagamento do saldo final com uma redução dos montantes (por haver despesas não elegíveis para o apoio do FSE). É o ato administrativo impugnado neste processo.

1.2.

Nesta primeira questão a resolver, o TAC entendeu que o dever de audiência prévia, como está previsto nos artigos 100º ss do CPA/1991, foi cumprido, invocando para tal os factos provados sob H, I, K, L e M.

Além disso ou apesar disso, o TAC também considerou ser de aplicar o princípio jurídico do “aproveitamento do ato administrativo”.

Vejamos.

1.3.

Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (artigo 100º/1 do CPA).

A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado (artigo 101º/2 do CPA).

Ora, lendo bem os factos provados sob F, G, J e L, compreende-se que a autora interpretou mal o que lhe foi notificado e que não há divergências no montante de redução de financiamento decidido.

Com efeito, embora a sentença não o tenha explicado, o valor de 59.148,15 euros é referido desde 2005 pela IGFSE como montante não elegível, quanto ao projeto B9 (vd. auditoria, processo nº 5.4/20…). Consta dos factos sob F, G, J e L.

A eventual confusão e aparente diferença de montantes, por causa do valor de 53.688,15 euros referido nas recomendações que constam do facto sob G, assenta no olvidar que tal montante é referido como hipótese para o caso de não se acolher o que consta do relatório da IGFSE e (citando) “sem prejuízo dos montantes não elegíveis identificados pelo Gestor”, relatório que aí (facto G) obtém o acordo de quem faz as recomendações posteriores.

Portanto, o ato administrativo impugnado, de 2011, ao remeter para o ofício de 14 de julho de 2010, está a referir-se ao valor de 59.148,15 euros apurado em 2005.

Assim, concluímos que o dever previsto nos artigos 100º e 101º do CPA não foi defraudado ou ludibriado.

1.4.

Queda, assim, relevância à muito breve utilização, não fundada e imotivada utilização pelo TAC da figura do aproveitamento do ato administrativo, imposta por razões de racionalidade e economia de procedimentos (cf. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação…, 1991, pp. 315 ss; Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., p. 179; ISABEL C FONSECA, Tramitação e formalidade…, in CJA, nº 100, p. 93). O que, aliás, foi paradoxal na sentença, porque a Sra. juiza considerou não ter havido violação do direito da autora à audiência prévia.

1.5.

Conclui-se, portanto, que a recorrente não tem razão nesta questão.

2 – Sobre o erro de julgamento quanto à invocada violação do direito subjetivo público da autora a uma fundamentação suficiente do ato administrativo impugnado, pois que o relatório para onde o ato administrativo se remete tem uma proposta diferente da decisão adotada

2.1.

A fundamentação expressa dos atos administrativos é um imperativo constitucional (artigo 268º/3 da Constituição; cfr. GOMES CANOTILHO/V.M., Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4ª ed., no comentário ao artigo 268º; PAULO OTERO, D. do Procedimento Adm., I, 2016, pág. 579).

Há, na fundamentação imposta pelo nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, (i) um propósito argumentativo da coerência do discurso justificativo e (ii) um propósito garantístico da sua controlabilidade; por isso, não são admissíveis justificações obscuras ou tautológicas por parte do decisor administrativo; por isso, exige-se lógica e transparência na fundamentação, numa exigência de obediência à verdade material.

Trata-se, portanto, de uma garantia constitucional fundamental, de tipo procedimental, consagrada expressamente no cit. nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, e não de uma mera formalidade sem substância. Garante valores essenciais numa democracia que prossiga a tutela jurisdicional efetiva: transparência, rigor, verdade, autocontrolo e heterocontrolo pleno (cfr. assim o Ponto B do Acórdão do TJCE de 20-03-1959, Nold c. Alta Autoridade, Processo nº 18/57, in RJC, págs. 114-115).

A fundamentação de toda e qualquer decisão administrativa, fundamentação maior ou menor conforme o caso concreto, simples ou complexa consoante o caso concreto, implica sempre, naturalmente, um discurso justificativo assente em raciocínios fundamentadores e explicativos. E, por isso, tais raciocínios fundamentadores e explicativos, que existem em toda a atividade humana intelectiva, devem ser exteriorizados em todos os tipos de atos administrativos potencialmente lesivos. Muito à semelhança do que conduziu, para a função jurisdicional, à seguinte disposição legal do CPC: na fundamentação (…) declara quais os factos (…), analisando criticamente as provas (artigo 607º/4).

Só é possível ao tribunal fiscalizar essa ponderação se os raciocínios em que ela consistiu forem exteriorizados. Sem isto não há verdadeira fundamentação do ato administrativo; quando muito haverá um simulacro daquilo que é exigido pela CRP e pelo CPA em sede de fundamentação. E este simulacro, (i) encoberto pela óbvia “relatividade” do dever de fundamentação “in concreto” e (ii) misturado com uma errada aplicação do princípio da separação e interdependência dos poderes, serve, não raras vezes, para defraudar o exigido ao juiz na CRP.

Enfim, o direito subjetivo público à fundamentação expressa, clara, congruente e suficiente dos atos administrativos desfavoráveis ao cidadão significa que (1) a A.P. (para evitar o vício quanto aos pressupostos) tem o dever de justificar lógica e racionalmente, com factos e direito objetivo, a decisão adotada e (2), se utilizar alguma margem de livre decisão administrativa, a A.P. (para evitar o vício quanto ao próprio conteúdo em si ou quanto aos motivos, atendendo à CRP e aos fins da lei) tem ainda o dever de explicar a motivação da decisão predominantemente discricionária, rectius, não vinculada estritamente pela lei.

Neste segundo caso, o heterocontrolo é feito através da ativação (i) dos artigos 266º da CRP e 3º ss do CPA, (ii) das regras sobre atribuições e competências, (iii) das regras sobre procedimento e forma, (iv) da interpretação de conceitos indeterminados, (v) do controlo da verdade dos factos e (vi) do controlo da vontade livre da entidade decisora.

O heterocontrolo implica a utilização de critérios jurídicos, da experiencia comum e também eventualmente da prova pericial. Só assim é possível encontrar o desvio de poder, o erro, a coação, a inconstitucionalidade, a desproporção, a irrazoabilidade.

A sua violação é um dos mais importantes e frequentes vícios de forma do ato administrativo. Está em causa (i) possibilitar e (ii) incentivar (iii) o autocontrolo e (iv) o heterocontrolo da legalidade e juridicidade da atividade administrativa.

2.2.

Ora, no caso presente, a alegada insuficiência da fundamentação é apontada à questão analisada no ponto 1, isto é, à suposta remissão do ato administrativo para um documento com conclusões numéricas diferentes.

Já vimos, porém, que isso não ocorreu, de facto.

Além disso, como vimos, o relatório que serve de base ao administrativo, bem como este, tem a indicação do direito objetivo em que assenta o decidido.

Assim sendo, não há fundamentação insuficiente. Nem contraditória ou incongruente.

2.3.

Conclui-se, portanto, que a recorrente não tem razão nesta questão.

3 – (subsidiariamente) Sobre o erro de julgamento quanto ao invocado erro sobre os pressupostos do ato administrativo, com referência aos artigos 17º e 21º da Portaria nº 799-B/2000 (estabelece as normas procedimentais aplicáveis ao financiamento de ações com o apoio do Fundo Social Europeu), pois não se afirma que os serviços faturados não foram prestados, ou outra ilegalidade, e não se demonstrou que as despesas apresentadas pela autora ao FSE não existiram (seria uma omissão de pronúncia)

3.1.

Desde logo, cumpre afastar a qualificação desta questão como nulidade decisória de omissão de conhecimento de questão a resolver (cf. artigo 615º/1-d) do CPC atual). A recorrente fá-lo, mas incorretamente, pois a sentença abordou o tema, dizendo “Quanto ao invocado vício/erro sobre os pressupostos, a decisão impugnada mostra-se conforme ao regime legal aplicável, designadamente ao disposto nos artigos 17.º (Processo contabilístico) e 21.º (Redução do financiamento) da Portaria n.º 799-B/2000, de 20 de setembro. O R. limitou-se a dar cumprimento ao princípio da legalidade, determinando a redução de financiamento em face do que foi apurado de modo concreto e objetivo e que consta do relatório final que resultou da ação de auditoria do IGFSE à A. E, decisivamente, a A. não conseguiu demonstrar que os valores que foram considerados não elegíveis devam ser considerados elegíveis.”.

3.2.

Dispõe a Portaria cit.:

17.º Processo contabilístico

1 - As entidades titulares dos pedidos de financiamento, bem como as entidades associadas no caso de pedidos de financiamento relativos a planos integrados de formação, ficam obrigadas a:

a) Dispor de contabilidade organizada segundo o POC ou outro plano de contas sectorial, como é o caso do POCP aplicado à Administração Pública ou do sistema contabilístico aplicado às autarquias locais;

b) Utilizar um centro de custos por pedido de financiamento que permita a individualização dos respetivos custos, de acordo com as rubricas do pedido de pagamento de saldo;

c) No caso de custos comuns, identificar a chave de imputação ao centro de custos;

d) Na contabilização dos custos, respeitar os princípios e conceitos contabilísticos, critérios de valorimetria e método de custeio definidos no Plano Oficial de Contabilidade;

e) Organizar o arquivo de documentos de forma a garantir o acesso imediato aos documentos de suporte dos lançamentos;

f) Registar no rosto do original dos documentos o número de lançamento na contabilidade e a menção do seu financiamento através do FSE, indicando a designação da intervenção operacional, o número do pedido de financiamento e o correspondente valor imputado;

g) No caso de não constar nos documentos originais a indicação das contas movimentadas nas contabilidades geral e específica e a chave de imputação utilizada, em sede de auditoria e controlo a entidade fica obrigada a apresentar verbete produzido por software de contabilidade adequado onde constem essas referências;

h) Elaborar balancetes mensais com os respetivos movimentos do mês e o acumulado, segundo as rubricas referidas na alínea b), sem prejuízo dos requisitos adicionais que venham a ser estabelecidos em sede de regulamentação específica;

i) Elaborar mensalmente a listagem de todas as despesas pagas por rubrica do pedido de pagamento de saldo de onde constem, obrigatoriamente, o número de lançamento, a descrição da despesa, o tipo de documento, especificando sempre o documento de suporte da despesa e documento justificativo do seu pagamento, os números dos documentos, o valor do documento e o valor imputado ao pedido de financiamento, a data de emissão, a identificação ou denominação do fornecedor, do formando ou do trabalhador interno, quando aplicável, e o número de identificação fiscal.

2 - As entidades titulares dos pedidos de financiamento ficam obrigadas a elaborar a sua contabilidade específica sob a responsabilidade de um técnico oficial de contas (TOC).

3 - Quando as entidades titulares dos pedidos de financiamento sejam entidades da administração pública, a obrigação prevista no número anterior poderá ser assumida por um responsável financeiro no âmbito da administração pública, para tal designado pela entidade titular do pedido ou por entidade competente para o efeito.

4 - A aquisição de bens e serviços apenas pode ser justificada através de fatura e recibo ou documento de quitação fiscalmente aceite.

5 - As entidades titulares de pedidos de financiamento devem manter atualizada a contabilidade específica do projeto, não sendo admissível, em caso algum, atraso superior a 45 dias na sua organização.

6 - Os recibos, as faturas ou os documentos equivalentes fiscalmente aceites, bem como os documentos de suporte à imputação de custos internos, devem identificar claramente o respetivo bem ou serviço e a fórmula de cálculo do valor imputado ao pedido de financiamento.

7 - As entidades ficam obrigadas a dispor de um mecanismo que permita, em sede de saldo, a individualização dos custos do pedido de financiamento por curso, nos termos a definir pelo gestor da intervenção operacional.

8 - As entidades ficam obrigadas a, sempre que solicitadas, entregar ao gestor cópias dos documentos que integrem o processo contabilístico, sem prejuízo da confidencialidade exigível.

21.º Redução do financiamento

Os fundamentos para a redução do financiamento são os seguintes:

a) Falta de razoabilidade das despesas verificadas;

b) Consideração de valores superiores aos legalmente permitidos e aprovados ou não elegíveis;

c) Não consideração de receitas provenientes das ações no montante imputável a estas;

d) Não execução integral do pedido nos termos em que foi aprovado ou não cumprimento integral dos seus objetivos;

e) Não execução integral do pedido de financiamento aprovado para cada ano civil, no caso de projetos plurianuais, de acordo com o estabelecido no artigo 27.º, n.º 10, do Decreto Regulamentar 12-A/2000, de 15 de Setembro;

f) Recurso a formadores sem formação pedagógica certificada para o efeito;

g) Despesas relacionadas com contratos de prestações de serviços que não cumpram o disposto nos artigos 32.º e 33.º do Decreto Regulamentar 12-A/2000, de 15 de Setembro;

h) Despesas que não estejam justificadas através de fatura e recibo ou documento de quitação fiscalmente aceite;

i) Não cumprimento das normas relativas a informação e publicidade.

Ora, lendo a factualidade provada e respetivos documentos, conclui-se que o ato administrativo impugnado assenta essencialmente no seguinte:

- Incorreta contabilidade da autora, com utilização de conta-caixa,

- Movimentos não registados em nenhuma conta de depósito à ordem,

- Incorreção do mapa de amortizações e reintegrações,

- Existência de faturas cuja realidade retratada é impossível.

São imputações e irregularidades integráveis no artigo 17º/1-b)-d)-g) e no artigo 21º/a)-b) da Portaria 799-B/2000.

Por outro lado, a recorrente afirma que o réu é que tinha o ónus (rectius, a necessidade) de provar que os serviços faturados não existiram.

Ora, além de não ser essa a questão central da fundamentação do ato administrativo – pois ela está a montante – cumpre sublinhar, em sede do chamado ónus da prova (cf. precisamente ANSELMO DE CASTRO, DPCD, III, p. 350 ss; LEBRE DE FREITAS, Introdução…, 4ª ed., p. 41 ss; e, menos precisamente, CASTRO MENDES, DPC, II, p. 669; A. VARELA et al., Manual…, p. 450-451 e 455-457), o seguinte:

a) não se trata de um dever ou de uma obrigação processuais;

b) o chamado ónus da prova deveria modernamente chamar-se “encargo conveniente da prova”, podendo definir-se como a indicação pelo direito objetivo de qual será a parte que, normalmente, suportará as consequências desfavoráveis decorrentes de não se provar no processo uma factualidade que, segundo as normas de direito substantivo, é favorável aos interesses dessa parte (cf. artigos 411º, 413º e 414º do CPC e artigos 342º e 343º do CC);

c) equivale, pois, à conveniência de ter a iniciativa da prova dos factos-fundamento sujeitos ao ónus da alegação fáctica, num contexto em que dominam os artigos 411º, 413º e 414º do CPC;

d) trata-se, assim, de um ónus muito imperfeito, que condiciona o inquisitório e um ónus predominante de iniciativa da prova;

e) mais importante do que tal ónus imperfeito, é saber quais os factos concretos que importa provar, tendo por bússola as normas de direito substantivo aplicáveis ao litígio;

f) as regras legais (e, nalguns raros países, pretorianas) sobre a repartição geral do ónus objetivo da prova resultam de imperativos de lógica, racionalidade, normalidade, proporcionalidade e tutela jurisdicional efetiva, tendo presente as funções criadora, extintiva, modificativa ou bloqueadora das normas de direito substantivo presentes no litígio concreto; é o caso da conjunção normativa, dominante no mundo moderno democrático, que resulta do disposto nos artigos 342º/1/2 e 343º/1 do CC português, sem prejuízo de regras especiais ou específicas, ou mesmo sem prejuízo de uma repartição flexível ou dinâmica e excecional do risco da não prova dos factos-fundamento convenientes a cada interesse em jogo na lide.

E é neste contexto, tendo presente as funções criadora, extintiva, modificativa ou bloqueadora dos factos principais do litígio concreto, sintetizado na al. f) supra, que surge o correto entendimento de que, nas ações impugnatórias de ato administrativo, para efeitos dos artigos 342º e 343º do CC, “autor” deve ser entendido, nos casos normais, como “réu” e vice-versa. Só poderia ser assim, hoje (e antes), na perspetiva normativa-substantiva do CC, cujos artigos 342º e 343º não podem ser substituídos pela vontade do tribunal ou da doutrina.

Cf. assim: Ac. do TCA Sul de 19-05-2016, p. nº 12987/16; LEO ROSENBERG, Die Beweislast auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs und der Zivilprozeßordnung (2); La Carga de la Prueba, trad., 2ª ed., Editorial B de F, Montevideo, 2002; ROSENBERG/SCHWAB/GOTTWALD, Zivilprozeßrecht, 15.ª ed., Beck, Munique, 1993; ANSELMO DE CASTRO, ob. e pp. cits.; LEBRE DE FREITAS, ob. e pp. cits.; e ainda MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Sobre as regras…, in CJA, nº 20, pp. 38 ss; CARLOS CADILHA, A prova…, in CJA, nº 69, p. 49, e Dicionário do Contencioso Adm., pp. 427-428.

Assim sendo, como é, está claro que os pressupostos de facto do ato administrativo impugnado, reportados aos cits. artigos 17º e 21º, constam, como vimos supra, do ato administrativo e ficaram aqui demonstrados. Até porque, em boa verdade, a autora não os negou, sobrevalorizando os aspetos formais da fundamentação.

Além disto, sublinhe-se que, aqui, não cabia à A.P. o encargo da prova quanto à não existência das despesas não reconhecidas pela A.P.; é que, sendo a existência de tais despesas como elegíveis pelo FSE um facto constitutivo da posição jurídica ativa da autora, a esta cabia o chamado ónus da prova, ou seja, era da autora o encargo conveniente de provar que as despesas consideradas não elegíveis para apoio pelo FSE, de facto, se verificaram.

Isto, porém, não foi feito nesta ação.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, por motivação diferente do TAC, negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa,


(1)Tendo sempre presente que o Direito é uma ciência social especialmente condicionada pela linguagem.
(2) A edição que teve influência em Portugal e nas Américas foi a 3ª edição, Beck, Munique, de 1953. A última edição data de 1965 e foi a 5ª, já certamente conhecida de Antunes Varela e de Anselmo de Castro.


Paulo H. Pereira Gouveia - relator

Nuno Coutinho

José Gomes Correia