Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11572/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/06/2016
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA – TAXA DE RECURSOS HÍDRICOS
Sumário:I – A competência material para apreciar e decidir se são devidas as quantias emitidas por concessionária da exploração e gestão de sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento referentes à taxa de recursos hídricos a que aludem os artigos 20º, 21º e 22º do DL n.º 97/2008, de 11 de Junho e o artigo 82º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro pertence aos tribunais tributários e não aos tribunais administrativos.

II - A circunstância de o réu não ter suscitado a questão da incompetência em razão da matéria na sua contestação, apenas o tendo feito em momento posterior, não obsta à apreciação de tal questão em sede de despacho-saneador em face da natureza de ordem pública da questão da competência dos tribunais que impõe o seu conhecimento oficioso enquanto não houver sentença transitada em julgado sobre o fundo da causa, nos termos do disposto nos artigos 13º do CPTA e 97º nº 1 do CPC novo.

III- Se coexistem formalmente um “acto administrativo” e um “acto tributário”, o efeito prático da declaração da incompetência material do tribunal administrativo quanto a este último é o de manter-se na ordem jurídica, o que se traduz na sindicabilidade de um genuíno acto de autoridade produtor de ofensa de um interesse particular mas pelos meios próprios em adequados.

IV -Carece o tribunal administrativo de competência para alterar o eventualmente “decidido” quanto ao(s) tributo(s) mencionado(s) nos ajuizado(s) documento(s), quer quanto aos elementos pessoais e objectivos de incidência fiscal, quer quanto à quantificação perante a mais que certa formação do “caso resolvido”, o qual, é apanágio das decisões administrativas e tributárias logo que se verifique nos termos da lei, a sua insusceptibilidade de impugnação, cumpridos e esgotados todos os trâmites legais atrás citados, na consideração de que a intangibilidade do caso resolvido é princípio legal e constitucional em vigor, pelo que é irrevogável, tornando a(s) dívida(s) tributária(s) certa(s), líquida(s) e exigível(eis), sendo o(s) documento(s) que as menciona(m) título(s) exequível(eis).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I- RELATÓRIO

ÁGUAS ………………, S.A. intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco uma acção administrativa comum contra o MUNICÍPIO DO FUNDÃO, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia global de €803.196,84, sendo €793.504, 57, relativos aos serviços contratados de abastecimento de água e de recolha de efluentes [descriminados na p.i.] e €9.692,27, a título de juros de mora vencidos até 22.06.2010.
Alegou, para o efeito, que no âmbito da sua actividade comercial - por concessão da exploração e gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para o consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, de que Município do Fundão é um dos utilizadores - contratou com o R., o fornecimento de água e a recolha de efluentes, tendo sido prestados ao R. os serviços contratados, mas que findo o prazo de vencimento o pagamento devido não foi efectuado.
Citado o Réu contestou, por impugnação e por excepção, por excepção suscitou a questão da incompetência absoluta (em razão da matéria) do Tribunal, a preterição do Tribunal Arbitral e a violação da convenção de arbitragem.
A Autora replicou pugnando pela improcedência das excepções suscitadas e pela condenação do Réu no peticionado em sede de r.i..
No despacho saneador de 20.03.2014 [prolatado em sede de audiência prévia a que alude o artigo 591º do NCPC] a Mº juiz a que julgou improcedente a excepção de incompetência material dos tribunais administrativos para conhecerem do pedido formulado na acção.
Inconformado com o assim decidido veio o MUNICÍPIO DO FUNDÃO interpôs o presente recurso autónomo, com subida em separado, ao abrigo do disposto nos artigos 644º nº 2 alínea b) e 645º nº 2 do NCPC, apresentando, nas suas alegações as seguintes conclusões:
«1.O despacho saneador ora recorrido viola o disposto nos artigos. 212°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos. 1°, n° 1, 4°, n° 1, al. a), 44°, n° 1,e 49°, todos do ETAF.
2. Pelas razões ora alegadas a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, faz, ao decidir como decidiu, com todo o respeito se refere, uma interpretação errada do estipulado no artigo 77° n°2 e 80° da lei n°58/2005 de 29/12 (Lei da Água), do artigo 5° e 14° do Decreto lei n°97/2008 de 11/06 e dos pontos B.1.2 e B.1.3 do despacho n°484/2009 do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no Diário da República, 2° série de 8/01/2009.
3. A questão que se coloca com o presente recurso é a de saber se o Tribunal Administrativo é competente para decidir o pedido de condenação do R. a pagar à A. a Taxa de Recursos Hídricos e respectivos juros
4. A cobrança dos valores reclamados a título de taxa de recursos hídricos, adiante designada por TRH, e respectivos juros de mora, pressupõe a apreciação de normas de direito fiscal substantivo, o que determina a incompetência do Tribunal a quo em razão da matéria.
5. Pelo que nesta parte dos autos, estamos no âmbito de uma relação jurídica de natureza tributária ou fiscal pois implica a discussão e interpretação de normas de natureza fiscal e que se situam no domínio da actividade tributária;
6. E para a qual são competentes os Tribunais Tributários, nos termos conjugados dos arts.212°, n° 3 da Constituição da República Portuguesa, e nos arts.1°, n°1, 4°, n° 1, al. a), 44°, n° 1, e 49°, todos do ETAF.
7. Sendo, em consequência, incompetente em razão da matéria, para dirimir esta questão o presente Tribunal Administrativo de Castelo Branco, e sendo, em consequência, inidónea para tanto o presente meio processual utilizado - a acção administrativa comum.
8. O artigo 212° nº3 da CRP dispõe que " compete ao tribunais (...) fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes da relações jurídicas (...) fiscais"
9. O artigo 212° n°3 da CRP tem concretização legal no n°1 do artigo.° do ETAF, segundo o qual " os tribunais da jurisdição (...) fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas (...)fiscais"
10. A TRH encontra-se disciplinada pela lei n°58/2005 de 29/12( Lei da Água), pelo Decreto lei n°97/2008 de 11/06 e pelo despacho n°484/2009 do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no Diário da República , 2ª série de 8/01/2009.
11. O artigo 77° nº2 da Lei da Água determina que estão sujeitos ao pagamento de TRH todos os utilizadores dos recursos hídricos que utilizem bens do domínio público e todos os utilizadores de recursos hídricos públicos ou particulares que beneficiem de prestações públicas que lhes proporcionem vantagens ou que envolvam a realização de despesas públicas.
12. O artigo 5° do decreto-lei 97/2008 de 11/06, determina que todas as pessoas, singulares ou colectivas, que efectuem as utilizações do domínio público hídrico descritas no artigo 4° do referido diploma são sujeitos passivos da TRH, devendo repercutir o valor da taxa no consumidor final.
13. A base tributável encontra-se definida no artigo 77° da Lei da Água, dispondo o artigo 80° que a taxa é cobrada pelas autoridades licenciadoras aquando da emissão dos títulos de utilização privativa
14. Por seu turno o artigo 14° do decreto-lei 97/2008 de 11/06, determina que a liquidação compete à ARH,
15. E o artigo 16° n°4 dispõe que o pagamento é feito empregando todos os meios genericamente previstos na LGT.
16. O ponto B.1.2 do despacho 484/2009 determina que as entidades gestoras dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento de águas residuais devem repercutir a TRH, que pagaram à ARH, nos Municípios utilizadores dos serviços, sendo a forma de repercussão disciplinada no ponto B.1.3 do referido despacho.
17. face ao quadro legal que rege a liquidação, pagamento e repercussão da TRH, salvo melhor opinião e respeito por opinião contrária, a conclusão só pode ser a de que na apreciação do pedido de pagamento da TRH o Tribunal é chamado a interpretar e aplicar normas de direito tributário por forma a dirimir um litígio que emerge do exercício da função tributária da administração pública.
18. No caso dos autos o objecto do litígio que o tribunal administrativo foi convocado a dirimir e decidir reconduz-se a apurar se são legalmente devidas e exigíveis da R. as quantias facturadas enquanto valores respeitantes à parcela reportada à recuperação do valor pago pela A. com os encargos legais obrigatórios, nomeadamente e no caso, com a taxa de recursos hídricos (cfr. Arts 20, 21, 22.°, do DL 97/08 e 82.° do lei n°58/05)
19. Em discussão nos presentes autos está , assim, o reflexo directo da relação jurídica fiscal que se estabeleceu e estabelece entre a ARH competente e a aqui A. - com a liquidação e pagamento anual da taxa de recursos hídricos cujo montante pago "adiantado" a concessionária tem o direito a ser ressarcida.
20. Pelo que, o que está efectivamente em causa e é pedido prende-se, entre o mais, com o não pagamento duma parcela inserida nas facturas emitidas e que é relativa à cobrança da taxa de recursos hídricos.
21. Pelo que a causa de pedir e o pedido não se enquadram no domínio da responsabilidade fundada no incumprimento do contrato de concessão enquanto fonte duma relação jurídica administrativa, Mas antes,
22. Numa decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da actividade tributária.
23. Assim conclui-se que o pedido de condenação do R. dos montantes relativos à TRH, alegadamente devida e não paga, acrescida de juros moratórios, inscreve-se no âmbito de uma relação jurídico tributária,
24. Pelo que a competência para a sua apreciação pertence aos tribunais tributários e não aos tribunais administrativos.
25. Pelo que terá, como é de inteira justiça, ser declarada a incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco materialmente incompetente para conhecer o pedido relativo à TRH, absolvendo-se o R. da instância
26. Declarando-se competente para dirimir e conhecer este pedido os Tribunais Tributários.
Termos em que, sempre com o douto suprimento do V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho saneador na parte ora recorrida, tudo como é de inteira e liminar JUSTIÇA».

A Recorrida contra-alegou sem, no entanto, formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

O DMMP junto deste tribunal foi notificado para os termos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, mas nada disse.


*

2. FUNDAMENTAÇÃO

O despacho recorrido (no segmento abrangido pelo presente recurso) é do seguinte teor:

(…) Desde logo, mostra-se suscitada nos autos a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal em razão da matéria, a qual, a proceder, obsta ao conhecimento do pedido, importando a absolvição da instância.—

— Ora, nos termos do art.212°, n°3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) (na redacção dada pela 7ª revisão constitucional), compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações administrativas e fiscais.—

— Em sentido idêntico, o art. 1°. n°1. do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) dispõe que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm competência para administrar a justiça nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.—

— Ora, de acordo com o art.49°, n°1, alínea al.a), ponto iv), do ETAF, compete aos tribunais tributários conhecer das acções de impugnação dos actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.

— Tal dispositivo normativo delimita residualmente a competência material dos tribunais tributários face aos tribunais administrativos, peio que, na falta de outra disposição que especialmente atribua essa competência aos tribunais tributários, a questão da competência material radicará em saber o que se entende por questão fiscal para efeitos deste dispositivo.—

— E, como bem se afirma, no douto Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 11de Março de 1997 [in Boletim do Ministério da Justiça, nº405, p 364]. "...o conceito de questão fiscal tem oscilado jurisprudencialmente entre uma tese restritiva, em que é limitada às questões que é margem de resoluções autoritárias da Administração que imponham aos cidadãos o pagamento de quaisquer prestações pecuniárias com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos, e uma tese ampliativa, que destaca o seu caracter funcional e entende que o conceito deve abranger iodas as questões cuja resolução exige a interpretação e aplicação de quaisquer disposições de direito fiscal, desde que se situe no campo da actividade tributária do Estado —

— Vejamos, então,—

—No douto Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 06 de Janeiro de 1993 (Recurso n,° 26.369) [in AP DR. de 26 de Setembro de 1996, p 4793], considerou-se que seriam questões fiscais as que se correlacionariam com a actividade ou função tributária do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surgiam em virtude do exercício daquelas funções que a elas se encontrariam objectivamente conexas ou ideologicamente subordinadas, desde que tais questões fossem decididas por aquelas entidades que a norma individualiza e identifica e sejam desencadeadas pelo fim de realizar receitas públicas,—

—Da mesma forma, no douto Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 03 de Novembro de 1994 (Recurso nº34.575) [in AP DR. de 18 de Abril de 1997 p 7647], considerou-se que questões fiscais seriam as resultantes de imposições autoritárias que postulavam aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem ã obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos, como também das que os dispensassem ou isentassem delas (benefícios fiscais) ou "...numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes u interpretação e aplicação de normas de direito fiscal em suma, ao regime legal dos tributos.-. ''.---

— Mais, o douto Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 14 de Maio de 1997 (Recurso n°.36.943) [in AP DR, de 18 de Abril de 2000, p 1215],fixou o entendimento, segundo o qual. "… sempre que se questione a legalidade da exigência de tributo ou do seu montante, quer autonomamente, quer como condição aposta a um acto de licenciamento administrativo, estamos perante uma "questão fiscal" cujo conhecimento compete exclusivamente aos tribunais fiscais.. ".—

—De notar que o douto Acórdão do Plenário do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de Outubro de 2003 (Recurso n ° 0937/03.) [In AP DR. de 05 de Maio de 2004. p 14], tomou posição no seguinte sentido: "...para efeitos da determinação de competência dos tribunais tributários e nos termos dos artº 51 nº 3 e 62 nº1 al. e) do ETAF, deve entender-se por "questões fiscais" tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de ioda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores como também das que as dispensem ou isentem ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos.. ". Neste aresto consagra-se não só a tese ampliativa, mas especifica-se que para o âmbito das "questões fiscais" não é relevante o autor do acto.—

—Mais, no douto Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Outubro de 2004 (Recurso n.° 47.836) [in AP DR, de 13 de Junho de 2005. p 1361], decidiu-se que "...a parte de um acto em que se decide que a concessionária de exploração de jogo de fortuna ou azar não poderá deduzir à receita bruta de uma máquina de jogo o valor de um determinado prémio, visando produzir efeitos apenas a nível do imposto especial de jogo de que a concessionária é sujeito passivo, nos termos do disposto no art. 84º n°1, do Decreto-Lei nº422/89, de 2 de Dezembro, constitui acto administrativo respeitante a questão fiscal, para efeitos do artigo 41º, nº1, alínea b), do E T.A.F de 1984, […] A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado frequentemente sobre o conceito de questão fiscal, para efeitos da delimitação de competência entre tribunais fiscais e tribunais administrativos Nessa jurisprudência desenham-se, em linhas gerais, duas teses essenciais - numa delas, constitui uma questão fiscal “toda a que emerge de resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do ente respectivo", admitindo-se, por vezes a sua extensão ao "conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas: [...] - noutra linha, entende-se, mais amplamente, que "é questão fiscal a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública. [...] Destas duas teses, a segunda é a que está mais em sintonia com a razão de ser da repartição de competência em razão da matéria entre os vários tipos de tribunais, que assenta, essencialmente, em procurar incrementar a melhoria da qualidade das decisões judiciais, que se crê ser um corolário natural da especialização. Por isso, valendo esta razão de ser da repartição de competência sempre que esteja em causa a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo e a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública, deverá adoptar-se esta segunda tese . ".—

—Sufragando a jurisprudência supra citada, conclui-se que estamos perante "questão fiscal" para efeitos do disposto no artº49.°, n°1, alínea a), ponto iv), do ETAF, (i) quando tenha por objecto uma imposição autoritária que postule aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos, ou da sua dispensa ou isenção (ou seja, incide sobre acto tributário); (ii) quando, tratando-se de um acto com uma dimensão administrativa e outra tributária nos termos sobreditos, o tribunal é chamado a resolver a título principal um litígio que tenha por objecto a sua dimensão tributária (o acto não tem natureza exclusivamente tributária mas a questão a resolver respeita à parte do mesmo em que é regulada unia questão com essa natureza); ou (iii) quando a questão a resolver (tenha ou não por objecto um acto tributário nos termos sobreditos) respeite à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública.—

—Ora, nos termos do art.6.° do Decreto-Lei n°379/93, de 5 de Novembro - que permite o acesso de capitais privados às actividades económicas de captação, tratamento e rejeição de efluentes e recolha e tratamento de resíduos sólidos - a exploração e a gestão dos sistemas municipais pode ser directamente efectuada pelos respectivos municípios e associações de municípios ou atribuída, em regime de concessão, a entidade pública ou privada de natureza empresarial, bem como a associação de utilizadores. E por força do disposto no art, 407°, n,° 2, do Código dos Contratos Públicos (CCP), a concessão de serviço público é o contrato pelo qual o co-contratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob a sua responsabilidade, uma actividade de serviço público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, directamente, pelo contraente público.—

— Assim, à concessionária é conferido o direito de fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, nos termos do art.13°, n°2 do D.L. n°379/93.—

—Ora, é administrativo o contrato cujo objecto respeite ao conteúdo da função administrativa e se traduz, em regra, em prestações referentes ao funcionamento de serviços públicos, ao exercício de actividades públicas, à gestão de coisas públicas, ao provimento de agentes públicos ou à utilização de fundos públicos. Em alternativa, se o objecto não for nenhum destes, o contrato só será administrativo se visar um fim de utilidade pública –[vide, para maiores desenvolvimentos, FREITAS DO AMARAL, in "Apreciação da dissertação de doutoramento do Lic j M Sérvulo Correia Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos"].—

—Desta forma, o contrato celebrado entre a Autora e o Município, na medida em que se refere ao funcionamento de serviços públicos deve ter-se como administrativo, pelo que as relações emergentes desse contrato constituem relações jurídicas administrativas, cujos litígios delas resultantes devem ser dirimidas pelos Tribunais Administrativos. Contudo, uma vez que este Tribunal é um Tribunal Administrativo e Fiscal, funcionando segundo competências especializadas [cfr. 10º e 3 , nºs 3 e 4 do Decreto-Lei nº325/2003 de 29 de Dezembro (Decreto-Lei Complementar ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais)], importa determinar se a competência pertence ao Tribuna! em matéria fiscal ou ao Tribuna! em matéria administrativa.—

— Perscrutando a petição inicial e atendendo ao seu petitório, constata-se que a Autora formula um pedido de condenação do Réu no pagamento do montante de € 892.929,95 devido pelos serviços de abastecimento de água e de recolha de efluentes prestados pela Autora ao Réu, acrescido de juros de mora, Sendo que tal pretensão se funda na celebração de um contrato de fornecimento e de um contraio de recolha entre as partes, tendo alegado que o Réu não pagou, no devido prazo, diversas facturas respeitantes ao valor devido por serviços efectivamente prestados pela Autora apurado com base nas tarifas devidas por esses serviços, acrescido do valor referente à sua repercussão da taxa de recursos hídricos - quantias que reclama através da presente acção. À pretensão da Autora contrapõe o Réu, na sua contestação, arguindo que não aceita como correctas as medições realizadas pela Autora, uma vez que não tem a certeza de que os valores constantes das facturas são os valores reais consumidos, já que os contadores instalados pela Autora não estão calibrados, nunca foram aferidos nem certificados por uma entidade independente e deviam ser verificados mês a mês, o que não acontece.
—Ora, a contraprestação devida pelo Réu integra também a taxa de recurso hídricos, ou seja, estamos perante uma prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas. Contudo, a questão que o Tribunal é chamado a resolver prende-se com saber se a Autora prestou os serviços contratados (fornecimento de água e recolha de efluentes) e se, por isso, o Réu tem de pagar a contraprestação desses serviços, sendo que para se eximir ao pagamento desta o Réu contrapõe diversos fundamentos, pelo que estamos perante um acto com uma dimensão administrativa e outra tributária em que o tribunal é chamado a resolver a título principal um litígio que tem por objecto a sua dimensão administrativa. Ou seja, não está em causa a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, mas tão só saber se a Autora prestou os serviços prestados e nos valores por ela medidos e se; por isso, tem a haver de Réu a respectiva contraprestação, constituindo litígio na sua dimensão administrativa, não sendo o Tribunal convocado a resolver questão fiscal.—
— Assim, as relações emergentes daqueles contratos constituem relações jurídicas administrativas, cujo litígio em concreto deve ser dirimido pelos Tribunais Administrativos, sendo competente, in casu, o Tribunal Administrativo de Círculo de Castelo Branco e idóneo o meio processual empregue pela Autora.—
— Finalmente, faz-se notar que, quanto à constitucionalidade da taxa de recursos hídricos, a Secção do Contencioso Administrativo do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, no seu douto Acórdão, de 06 de Junho de 2013 [proferido no âmbito do Processo nº08573/12], já se pronunciou em sentido positivo, a saber: quanto ao alegado "...erro de direito, porqu[anto] esta taxa de recursos hídricos (v. arts. 78º e 66º da Lei 58/2005 e 4º do DL 97/2008- Regime Económico e Financeiro dos Recursos Hídricos)não seria uma taxa, mas sim contribuição especial de financiamento de serviços públicos, com inconstitucionalidade orgânica, por violação da precedência de lei (concluímos assim a partir da alegação do recurso e das conclusões) e por violação do art. 165º-1-i) da CRP
A Constituição da República Portuguesa condiciona as matérias relativas à criação de impostos à obediência estrita do princípio da legalidade.
Nos termos do artigo 165º, n.º 1 alínea i) da CRP, a criação de impostos é matéria contida na reserva relativa de competência da Assembleia da República. Só a Assembleia da República tem o poder próprio e autónomo para criar impostos, embora, em alternativa a usar esse poder diretamente, ela possa autorizar o Governo a fazê-lo.
Assim, de acordo com o citado preceito constitucional, os impostos (cada imposto particular) só podem ser criados pela Assembleia da República ou pelo Governo, desde que este esteja para o efeito previamente munido da indispensável autorização daquela.
O Governo, sem autorização da Assembleia da República, um Município, um Instituto Público, outra qualquer entidade não podem criar impostos. E se os criarem, eles serão inconstitucionais, ninguém sendo obrigado a pagá-los (cf. art. 103º, n.º 3 da CRP).
Inversamente, em relação às taxas, a reserva relativa de competência da Assembleia da República abrange apenas o seu regime geral (cf. CRP, art. 165º, n.º 1, alínea i), in fine), não tendo a criação de cada taxa específica que ser aprovada pela Assembleia da República ou pelo Governo com autorização daquela.
Deste distinto regime de submissão ao princípio constitucional da legalidade resulta a importância da distinção entre o imposto e a taxa. Perante cada tributo particular há que averiguar a sua natureza substancial, para aferir da regularidade formal do seu processo criação e, consequentemente, da sua viabilidade na ordem jurídico-constitucional vigente. Há que averiguar se quem criou o tributo tinha competência e legitimidade para o fazer. Se não tinha, o tributo em causa não valerá na ordem jurídica portuguesa.
Em termos essenciais, pode dizer-se que o imposto se distingue da taxa, porque aquele é unilateral e esta bilateral.
Com efeito, ao contrário do imposto, que não confere a quem o paga o direito a nenhuma contrapartida direta e imediata, sinalagmaticamente ligada a esse pagamento, a taxa é sempre a contrapartida individualizada de algo que se recebe em troca, seja um serviço concretamente prestado, seja a utilização de um bem do domínio público, seja a remoção do limite legal ao exercício de determinada atividade (cfr. art. 4º, n.º 2 da LGT).
Note-se bem, a taxa não tem que ter carácter voluntário. O serviço prestado ao particular que está na sua origem pode não ser por este desejado. O particular pode mesmo não apreciar ou até abominar o serviço que lhe é prestado. Mas se há um serviço individualmente prestado, aquilo que se paga por esse serviço é uma taxa.
A taxa não se distingue do imposto por ser voluntária; distingue-se por ser bilateral.
Entre a taxa paga e a contrapartida recebida não tem que existir uma exata equivalência económica, mas uma mera equivalência jurídica.
Em qualquer caso, porém, a medida da taxa tem que assentar na sua proporcionalidade em relação ao benefício específico proporcionado pelo serviço prestado ou ao custo suportado pela comunidade com a utilização do bem do domínio público ou a remoção do limite legal ao exercício da atividade do particular. Nunca em função da capacidade contributiva revelada por quem a paga. Este é, de resto, um índice seguro de qualificação dos tributos. Se a um serviço essencialmente idêntico correspondem contrapartidas diferenciadas em função da diferente capacidade contributiva revelada, então estaremos perante um imposto, não perante uma taxa. Foi por esta via que certos emolumentos notariais que antigamente eram pagos em função da capacidade contributiva revelada pelos valores dos atos praticados e não em função do valor do serviço prestado (cf. SOUSA FRANCO, Finanças Públicas…, 2ª ed., 1988, pp. 491 ss; os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 555/98 e 63/99).
Ora, esta taxa de recursos hídricos, criada por lei da A.R. (art. 78º da Lei 58/2005) é, de facto, uma taxa (v. art. 4º-2 da LGT) e não um imposto ou contribuição (v. art. 4º-1-3 da LGT), atento o teor das normas acabadas de referir e de transcrever (arts. 4º-b)-e) do DL 97/2008 e 66º-2 da Lei da Água cit.). Ou seja, ela é um equivalente jurídico relacionado com o impacte negativo da atividade autorizada nos recursos hídricos, com a descarga direta ou indireta de efluentes sobre os recursos hídricos suscetível de causar impacte significativo e com a utilização de águas, qualquer que seja a sua natureza ou regime legal, sujeitas a planeamento e gestão públicos, suscetível de causar impacte significativo.
Não está, assim, sujeita ao art. 165º-1-i) da CRP, sendo ainda certo que não existe ainda um “regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”. Seja como for, esta taxa de recursos hídricos foi criada por lei do Parlamento e resulta sobretudo da Diretiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, «no contexto da qual as noções do utilizador -pagador e do poluidor -pagador ocupam lugar de destaque. Podendo dizer -se por isso que a tributação dos recursos hídricos constitui, hoje em dia, uma exigência do direito comunitário, é verdade que a taxa que agora se introduz resulta também da evolução autónoma do direito tributário nacional, que progressivamente se tem vindo a alargar dos aproveitamentos mais tradicionais dos recursos hídricos, ligados à utilização do domínio público e às infra -estruturas hidráulicas, já presentes na legislação anterior sobre a matéria, a aproveitamentos diferentes, associados agora a preocupações mais recentes de natureza ambiental» (in preâmbulo do DL 97/2008), disponível para consulta on line www. dgsi.pt).

- Nos termos e pelos fundamentos expostos, não podem deixar de improceder as excepções invocadas.
Por conseguinte
Este Tribunal é competente em razão da jurisdição, da matéria, da hierarquia e do território (…)».

*

3- MOTIVAÇÃO DE DIREITO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelas recorrentes, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida no despacho-saneador de 08/04/2014, proferido pela Mmª Juiz do Tribunal a quo em sede de audiência prévia a que alude o artigo 591º do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) pela qual julgou improcedente a excepção de incompetência material dos tribunais administrativos para conhecerem do pedido formulado na acção (que havia sido suscitada pelo recorrente, réu na acção, defendendo que a mesma pertence aos tribunais tributários em face da natureza fiscal da questão em dissídio) e assim declarou o tribunal (administrativo) competente em razão da matéria, incorreu em erro de julgamento, por a competência em razão da matéria pertencer aos tribunais tributários em face da natureza fiscal da questão a decidir.
Essa questão já foi tratada abundante e profundamente em diversos processos julgados deste TCAS em que pontifica o acórdão de 12-03-2015, tirado no recurso nº11684/14 - CA- 2º JUÍZO e subscrito pelos adjuntos desta formação em que se expende a seguinte fundamentação que, data venia, se transcreve e à qual se adere e sem quaisquer reservas por corresponder à melhor solução jurídica que quadra ao caso posto ao escrutínio judicial:
“Nos termos do artigo 13º do CPTA “o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
E nos termos do artigo 97º nº 1 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013), ex vi do artigo 1º do CPTA a incompetência absoluta “deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.”
O artigo 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, define o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em função dos litígios emergentes das “relações jurídicas administrativas e fiscais” à luz do disposto no nº 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa que determina que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
À luz daqueles normativos o critério de determinação da jurisdição competente é o critério material da relação jurídica subjacente ao litígio.
Para além dos demais tribunais superiores, são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal os Tribunais Administrativos de Circulo e os Tribunais Tributários, os quais podem funcionar agregados, adotando, nesse caso, a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal, conforme resulta do disposto no artigo 9º do ETAF.
Conforme dispõe o nº 1 do artigo 44º do ETAF é da competência dos Tribunais Administrativos de Circulo conhecer, em primeira instância, de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa (com exceção daqueles cuja competência, em primeiro grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores).
E em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 49º do ETAF (na versão anterior às alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, em vigor à data em que a ação foi instaurada) é da competência dos Tribunais Tributários conhecer, entre o demais:
“a) Das ações de impugnação:
i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos;
ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos actos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma;
iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;
iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;
b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;
c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;
d) Dos incidentes, embargos de terceiro, verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;
e) Dos seguintes pedidos:
i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas de âmbito regional ou local, emitidas em matéria fiscal;
ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;
iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;
iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e às normas referidas na subalínea i) desta alínea;
v) De execução das suas decisões;
vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;
f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.”
Nos termos do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respetivo Estatuto, o Tribunal Administrativo de Círculo e o Tribunal Tributário de Castelo Branco funcionam de forma agregada com a designação de Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, mantendo-se a separação da competência para a apreciação dos litígios em função da matéria em causa de cada um daqueles tribunais.
A Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (vulgo Lei da Água) prevê no seu artigo 68º nº 8 que em “contrapartida da utilização do domínio público hídrico é devida uma taxa de recursos hídricos por força da utilização dominial, do impacte efetivo ou potencial de atividade concessionada, no estado das massas de águas”.
E no artigo 78º, sob a epígrafe de “taxa de recursos hídricos” que a “taxa de recursos hídricos (TRH) tem como bases de incidência objetiva separadas: a) A utilização privativa de bens do domínio público hídrico, tendo em atenção o montante do bem público utilizado e o valor económico desse bem; b) As atividades suscetíveis de causarem um impacte negativo significativo no estado de qualidade ou quantidade de água, internalizando os custos ambientais associados a tal impacte e à respetiva recuperação” (nº 1) e que a “utilização de obras de regularização de águas superficiais e subterrâneas realizadas pelo Estado constitui também base de incidência objetiva da TRH, proporcionando a amortização do investimento e a cobertura dos respetivos custos de exploração e conservação, devendo ser progressivamente substituída por uma tarifa cobrada pelo correspondente serviço de água” (nº 2).
Dispõe ainda o seu artigo 80º nº 1 que a “taxa é cobrada pelas autoridades licenciadoras, quando da emissão dos títulos de utilização que lhe der origem e periodicamente, nos termos fixados por estes títulos”.
E o seu artigo 82º que o “regime de tarifas a praticar pelos serviços públicos de águas visa os seguintes objetivos: a) Assegurar tendencialmente e em prazo razoável a recuperação do investimento inicial e de eventuais novos investimentos de expansão, modernização e substituição, deduzidos da percentagem das comparticipações e subsídios a fundo perdido; b) Assegurar a manutenção, reparação e renovação de todos os bens e equipamentos afetos ao serviço e o pagamento de outros encargos obrigatórios, onde se inclui nomeadamente a taxa de recursos hídricos; c) Assegurar a eficácia dos serviços num quadro de eficiência da utilização dos recursos necessários e tendo em atenção a existência de receitas não provenientes de tarifas” (nº 1), sendo que o “regime de tarifas a praticar pelas empresas concessionárias de serviços públicos de águas obedece aos critérios do n.º 1, visando ainda assegurar o equilíbrio económico-financeiro da concessão e uma adequada remuneração dos capitais próprios da concessionária, nos termos do respetivo contrato de concessão, e o cumprimento dos critérios definidos nas bases legais aplicáveis e das orientações definidas pelas entidades reguladoras” (nº 2).
O DL n.º 97/2008, de 11 de Junho veio, na decorrência daquela Lei nº 58/2005 (Lei da Água), estabelecer o regime económico e financeiro dos recursos hídricos previsto pela Lei n.º 58/2005, “disciplinando a taxa de recursos hídricos, as tarifas dos serviços públicos de águas e os contratos-programa em matéria de gestão dos recursos hídricos ” (cfr. artigo 1º).
E ali estatuiu, em termos de “incidência objetiva”, que a “taxa de recursos hídricos incide sobre as seguintes utilizações dos recursos hídricos: a) A utilização privativa de águas do domínio público hídrico do Estado; b) A descarga, direta ou indireta, de efluentes sobre os recursos hídricos, suscetível de causar impacte significativo; c) A extração de materiais inertes do domínio público hídrico do Estado; d) A ocupação de terrenos ou planos de água do domínio público hídrico do Estado; e) A utilização de águas, qualquer que seja a sua natureza ou regime legal, sujeitas a planeamento e gestão públicos, suscetível de causar impacte significativo” (cfr. artigo 4º).
E em termos de “incidência subjetiva”, que são “sujeitos passivos da taxa de recursos hídricos todas as pessoas, singulares ou coletivas, que realizem as utilizações referidas no artigo anterior estando, ou devendo estar, para o efeito munidas dos necessários títulos de utilização” (cfr. artigo 5º nº 1), sendo que quando “a taxa não seja devida pelo utilizador final dos recursos hídricos, deve o sujeito passivo repercutir sobre o utilizador final o encargo económico que ela representa, juntamente com os preços ou tarifas que pratique” (nº 2).
Dispondo ainda no seu artigo 14º que a “liquidação da taxa de recursos hídricos compete às ARH, devendo estas emitir para o efeito a correspondente nota de liquidação ” (nº 1), a qual sempre que o título de utilização possua validade igual ou superior a um ano “é feita até ao termo do mês de janeiro do ano seguinte àquele a que a taxa respeite” (nº 2), mas se tal título de utilização possua validade inferior a um ano “a liquidação da taxa de recursos hídricos é prévia à emissão do próprio título” (nº 3).
Preceituando o seu artigo 16º a respeito do seu pagamento que sempre “que o título de utilização possua validade igual ou superior a um ano, o pagamento da taxa de recursos hídricos é feito até ao termo do mês de fevereiro do ano seguinte àquele a que a taxa respeite” (nº 1) e se o título de utilização possuir validade inferior a um ano “o pagamento da taxa de recursos hídricos é prévio à emissão do próprio título” (nº 3), sendo que o “pagamento da taxa de recursos hídricos pode ser feito empregando todos os meios genericamente previstos pela Lei Geral Tributária, nomeadamente a moeda corrente, o cheque, o débito em conta, a transferência bancária ou o vale postal, devendo ser realizado por débito em conta sempre que o sujeito passivo constitua pessoa coletiva e o título possua validade igual ou superior a um ano” (nº 4).
Por seu turno no seu artigo 20º dispõe-se que estão “sujeitos ao regime de tarifas todos os utilizadores dos serviços públicos de águas, independentemente da forma de gestão que neles seja adotada”.
Sendo que por força do seu artigo 21º o “regime de tarifas aplicável aos serviços públicos de águas está subordinado aos princípios genericamente estabelecidos pela Lei da Água e pelo presente diploma, devendo permitir a recuperação dos custos associados à provisão destes serviços, em condições de eficiência e mediante a diferenciação contabilística das componentes referidas na alínea zz) do artigo 4.º da Lei da Água, garantir a transparência na formação da tarifa a pagar pelos utilizadores e assegurar o equilíbrio económico e financeiro de cada serviço prestado pelas entidades gestoras”.
Estipulando ainda o seu artigo 22º nº 3 que o “regime tarifário deve ser estruturado de forma que assegure o pagamento dos demais encargos obrigatórios por lei, nomeadamente da taxa de recursos hídricos e das taxas devidas a entidades reguladoras”.
Feito este périplo, importa chamar à colação o que já foi decidido em situações em tudo semelhantes à que é trazida no presente recurso, quer quanto ao respetivo quadro factual, quer quando ao quadro normativo aplicável, nos Acórdãos do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. n.º 02750/10.4BEPRT; de 13/01/2012, Proc. n.º 00844/11.8BEPRT, de 02/03/2012, Proc. n.º 02223/11.8BEPRT; de 11/01/2013, Proc. n.º 00858/09.8BEPRT e de 25/01/2013, Proc. nº 00377/10.0BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcan, no sentido de a competência material para apreciar e decidir se são devidas as quantias emitidas por concessionária da exploração e gestão de sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento referentes à taxa de recursos hídricos a que aludem os artigos 20º, 21º e 22º do DL n.º 97/2008, de 11 de Junho e o artigo 82º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro pertencer aos tribunais tributários e não aos tribunais administrativos.
Entendimento que subscrevemos e relativamente ao qual não existem motivos para nos afastarmos na situação presente.
Sendo que o Supremo Tribunal Administrativo recusou de modo reiterado através, designadamente, dos seus Acórdãos de 20/06/2013, Proc. 01017/13; de 25/10/2013, Proc. 01408/13 e de 06/02/2014, Proc. 094/14, in www.dgsi.pt/jsta, os recursos de revista (artigo 150º do CPTA) interpostos por entender que as decisões pelas quais foi considerado que para conhecer de litígio sobre a taxa de recursos hídricos são os tribunais tributários não versa sobre questão de especial dificuldade jurídica nem apresenta peculiar relevância social, não se justificando a admissão de revista.
Importando evidenciar que na situação dos autos a questão em dissídio, relativamente à qual o recorrente manifestou discordância, interpondo, nessa parte, e só nessa, o presente recurso, é tão só a de saber se os tribunais administrativos são os competentes em razão da matéria para conhecer o pedido formulado pela autora na ação no que tange aos valores (considerados devidos, no entender da autora, mas que o réu contesta e discute) referentes à taxa de recursos hídricos imputados nas faturas emitidas pela autora na decorrência dos contratos, de fornecimento e de recolha, celebrados em 15/09/2000 entre autora e réu (juntos sob Doc.s nº 3 e nº 4 com a Petição Inicial), cujo pagamento é pretendido. Valores que são descriminados nos artigos 30º, 34º, 38º, 42º, 46º e 50º da Petição Inicial. Não pondo em causa que no que respeita aos demais valores contantes das faturas emitidas, os tribunais materialmente competentes são os tribunais administrativos.
Ora tal como já se expendeu nos supra citados arestos, a tal respeito, deve entender-se por “questão fiscal”, de harmonia com a jurisprudência firmada pelo STA, “aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos”. Sendo assim “questão fiscal” aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respetivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in, “Direito Fiscal”, 2.ª edição, pág. 366). Ou, por outras palavras, está-se perante “questão fiscal” “quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas” (vide, Acórdão do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. 02750/10.4BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcan).
Como é dito no Acórdão do TCA Norte de 13/05/2011, Proc. 534/09.1BEBRG (inédito, mas citado e transcrito, em parte, no Acórdão daquele mesmo Tribunal de 13/01/2012, Proc. 00844/11.8BEBRG, in, www.dgsi.pt/jtcan) “O contrato de fornecimento contínuo um contrato administrativo [al. g) do n.º 2 do art. 178.º do CPA] e estando em causa o incumprimento de obrigações dele emergentes, facilmente se percebe que a questão se enquadra no âmbito de uma relação jurídica administrativa e não de uma relação jurídica fiscal. O litígio não é relativo a uma “questão fiscal”, na tese ampliativa defendida pela jurisprudência, segunda a qual questões fiscais são “as que exigem a interpretação e aplicação de quaisquer normas de Direito Fiscal substantivo ou adjetivo para a resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública” (cfr. Ac. do Pleno do STA de 12.11.2009, proc. n.º 0366/09). Ora, a ação respeita ao cumprimento de um contrato administrativo, não envolvendo diretamente a interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situem no campo da atividade tributária. Pretende-se apenas o pagamento de dívidas resultantes do não cumprimento pontual do contrato. Como vimos, a ação não tem por objeto um ato tributário ou o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal, mas a satisfação de um crédito emergente de um contrato administrativo. Mas, mesmo que se pretenda avançar pela distinção entre taxa e preço, sempre se dirá que a contrapartida exigida na ação consubstancia um preço devido pela prestação de um serviço público. À primeira vista, como o preço pago pela prestação do serviço público de fornecimento de água é um serviço que por essência pertence à titularidade do Estado, e portanto não pode ser objeto de oferta e procura, dir-se-á que tem as caraterísticas de taxa. Marcello Caetano, escrevia que “o preço pago pelas prestações fornecidas pelos serviços públicos geridos diretamente por pessoas coletivas de direito público tem a natureza jurídica de taxa e nessa qualidade está sujeito ao regime de cobrança das receitas fiscais” (cfr. Manual de Direito Administrativo, Vol. II, pág. 1061 - sobre a distinção entre taxa e preço, cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito fiscal, 1974, pág. 53 e ss.; Sousa Franco, Manual de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, Lisboa, 1974, pág. 760, Teixeira Ribeiro, Finanças Públicas, pág. 262). Acontece que, no caso dos autos, a tarifa não regula as relações contratuais entre o Município e os consumidores, mas sim as relações entre o concessionário e o Município. Nesta relação, a tarifa tem por finalidade remunerar o concessionário pelos serviços contratados, assumindo assim a natureza de preço. Quando um serviço público é concedido, a tarifa é a principal fonte de retribuição do concessionário, mesmo que não chegue a cobrir o custo de produção (preço político). Marcello Caetano, dizia que a tarifa desempenha uma dupla função: “nas relações entre o concessionário e o público, a de regular o preço das prestações do serviço; nas relações entre concedente e concessionário, a de regular os termos em que aquele consente a este a remuneração da sua iniciativa e dos seus capitais” (Manual ob. cit. pág. 1100). Basta ler a legislação ao abrigo da qual foram celebrados os contratos de concessão e de fornecimento de água, para se qualificar a contrapartida do Município como um preço. A atividade de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas, é uma atividade económica que, nos sistemas multimunicipais, pode ser concessionada pelo Estado a empresas cujo capital seja maioritariamente subscrito por entidades do setor público, nomeadamente autarquias locais (…). O regime jurídico de exploração e gestão dos sistemas multimunicipais e municipais dessa atividade consta do DL n.º 379/93, do DL n.º 319/94 (relativo ao abastecimento de água para consumo público) e do DL n.º 162/96 (relativo à recolha, tratamento e rejeição de efluentes). Os sistemas multimunicipais, aqueles que servem pelo menos dois municípios e exigem um investimento efetuado predominantemente pelo Estado (n.º 2 do art. 1.º da Lei n.º 88-A/97), são sistemas em «alta», ou seja, que funcionam a montante da distribuição de água ou a jusante da coleta e tratamento de efluentes e resíduos sólidos e que apenas podem ser criados e concedidos por decreto-lei (n.º 1 do art. 3.º do DL n.º 379/93). Os municípios que os utilizam são obrigados a proceder à ligação dos seus sistemas municipais a esses sistemas e à criação das condições para uma boa harmonização entre ambos os sistemas. Por isso, regra geral, a distribuição de água para consumo público e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes é efetuada a coberto de duas relações contratuais: contrato de concessão entre o Estado e uma empresa de capitais maioritariamente públicos e um contrato de fornecimento entre o concessionário e os utilizadores (n.º 2 do art. 2.º do DL 379/93 e art. 5.º do DL n.º 319/94). O contrato de concessão é um contrato administrativo celebrado segundo as bases anexas ao DL 319/94 e que dele fazem parte integrante. No que aqui interessa, que é a qualificação da obrigação peticionada como taxa ou preço, o artigo 5.º do DL n.º 379/93 prescreve que o decreto-lei que estabelece a concessão deve prever a remuneração do investimento e a aprovação pelo Estado das tarifas a cobrar. As Bases XIII e XIV do contrato de concessão, que fazem parte integrante do DL n.º 319/94, regulam sobre o financiamento da concessionária e sobre os critérios para a fixação das tarifas: a primeira, considera fonte de financiamento as receitas provenientes das tarifas cobradas; e a segunda, considera que as tarifas são “fixadas por forma a assegurar a proteção dos interesses dos utilizadores, a gestão eficiente do sistema, o equilíbrio económico-financeiro da concessão e as condições necessárias para a qualidade do serviço”, devendo assegurar a amortização dos investimentos iniciais e posteriores, a manutenção, reparação e renovação dos equipamentos, a adequada remuneração dos capitais próprios da concessionária e atender ao nível de custos necessários para uma gestão eficiente dos sistemas. (…). As tarifas fixadas pelo Estado indicam o valor de cada metro cúbico de água fornecida pela concessionária ao utilizador. Através de contratos de fornecimento, os municípios utilizadores do sistema intermunicipal contratam um determinado volume de água medido à entrada dos reservatórios de chegada de cada utilizador, o qual é faturado com a periodicidade mensal (Base XXVIII e XXXI). Como se vê, nas relações entre concessionária e município utilizador, as tarifas visam cobrir os gastos de exploração e de equipamento do serviço público de fornecimento de água aos municípios, e portanto, apesar de aprovadas pelo concedente, assumem a natureza de preço fixo. Os utilizadores pagam à concessionária o volume de água e de efluentes contratado, calculando-se cada metro cúbito em função de uma tarifa de preços pré-fixada pela concedente. Ora, se o litígio está centrado no volume de água que a recorrida recebeu e não pagou e no volume de efluentes que entregou e não pagou, então o que está em causa é uma relação jurídica administrativa e não uma questão fiscal».
Sendo que a respeito da apreciação, em torno da questão se saber quais os tribunais competentes em razão da matéria para apreciarem e decidirem a questão de saber se são devidos os montantes respeitantes à taxa de recursos hídricos, vertidos nas faturas emitidas pela concessionária de sistema multimunicipal, é dito no Acórdão do TCA Norte de 13/01/2012, Proc. 00844/11.8BEBRG, in, www.dgsi.pt/jtcan, o seguinte: “A discussão da questão em presença, até pelos fundamentos aduzidos em sede de pretensão e articulado de oposição, passa pela aferição da legalidade e bondade de interpretação e aplicação de normas de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração, já que o que materialmente está em causa prende-se com o assegurar, através da faturação efetuada, do pagamento dos encargos tidos pela A. com a taxa de recursos hídricos por si devida e liquidada no quadro da relação jurídica fiscal que se estabeleceu entre a ARH e A. [no âmbito da incidência/sujeição subjetiva e objetiva à liquidação e pagamento da taxa recursos hídricos por parte da A. àquele ente público - cfr. arts. 68.º e 80.º da Lei n.º 58/05, 04.º, 05.º, 14.º e 16.º do DL n.º 97/08]. O objeto do litígio que o tribunal administrativo foi convocado a dirimir e decidir reconduz-se a apurar se são legalmente devidos e exigíveis da R. as quantias faturadas enquanto valores respeitantes a parcela reportada à recuperação do valor pago pela A. com os encargos legais obrigatórios, nomeadamente e no caso, com a taxa de recursos hídricos [cfr. arts. 20.º, 21.º e 22.º do DL n.º 97/08 e 82.º da Lei n.º 58/05]. Em discussão nos autos está, assim, o reflexo direto da relação jurídica fiscal que se estabeleceu e estabelece entre a ARH competente e a aqui A. [com a liquidação e pagamento anual da taxa de recursos hídricos cujo montante pago “adiantado” a concessionária tem o direito a ser ressarcida]. Nada tem que ver com um alegado incumprimento de obrigações decorrentes ou emergentes do contrato de fornecimento de água para consumo humano por parte da R. relativamente ao pagamento à A. do preço de tal fornecimento no prazo de 60 dias a contar da data de emissão das respetivas faturas. O litígio não se insere, por conseguinte, estritamente nas relações entre a concessionária e o utilizador, pedindo aquela o pagamento das quantias devidas pelo fornecimento de água a que estava obrigada por força daquele contrato de fornecimento. É que o diferendo não está centrado no volume e preço de água que a recorrida recebeu e não pagou. O que está efetivamente em causa e é pedido prende-se unicamente com o não pagamento duma parcela inserida nas faturas emitidas e que é a relativa à cobrança da taxa de recursos hídricos, pelo que a causa de pedir e o pedido não se enquadram no domínio da responsabilidade fundada no incumprimento do contrato de concessão, enquanto fonte duma relação jurídica administrativa, mas antes numa decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da atividade tributária.” E mais à frente naquele aresto é dito o seguinte: “Colhido e aqui reiterado o entendimento acabado de reproduzir, com plena valia para a decisão da questão em discussão, temos apenas como parcialmente procedente o recurso jurisdicional que se mostra dirigido já que tão-só na vertente do pedido que recai sobre os juros de mora alegadamente devidos pelo atraso no pagamento dos fornecimento/consumos de água de Setembro de 2010 nos situamos, de harmonia com a fundamentação aduzida no ponto antecedente, no quadro da relação jurídica contratual administrativa para a qual aquele TAF goza de competência em razão da matéria. Com efeito, apenas e só nesse âmbito estamos em presença de alegada responsabilidade decorrente de incumprimento de obrigações insertas no contrato de concessão, envolvendo litígio entre a concessionária e o utilizador quanto às relações dele emergentes. Naquele restrito quadro do pedido/pretensão o diferendo está centrado no volume/preço de água que a recorrida recebeu e que alegadamente não pagou tempestivamente, o que se consubstancia numa relação jurídica administrativa. Já o invés importa caracterizar e considerar quanto a todo o demais pedido e objeto de pretensão formulado nos autos pela A., aqui recorrente, porquanto em consonância com o entendimento atrás expendido nos situamos no quadro estamos no âmbito de relação jurídica tributária visto que o litígio não se insere estritamente nas relações entre a concessionária e o utilizador em que aquela pede a esta o pagamento de quantia devida pelo fornecimento de água a que estava obrigada por força daquele contrato de fornecimento e que não foi pago ou não o foi tempestivamente. O que efetivamente está em causa e é pedido naquele segmento reconduz-se unicamente ao não pagamento duma parcela inserida nas faturas emitidas relativa à cobrança da taxa de recursos hídricos, pelo que a causa de pedir e o pedido nesse domínio não se enquadra na responsabilidade fundada no incumprimento do contrato de concessão, enquanto fonte duma relação jurídica administrativa, mas antes numa decorrência de relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da atividade tributária, impondo-se neste âmbito a manutenção do julgado aqui sindicado.”
Na situação dos autos temos precisamente em discussão, entre os valores vertidos nas faturas emitidas pela autora na decorrência dos contratos, de fornecimento e de recolha, celebrados (…) entre autora e réu Município, discriminadas na sua petição inicial, para cujo pagamento pede a condenação do Município (…)- vide alínea a) do pedido formulado a final da petição inicial), os que são referentes à taxa de recursos hídricos imputados naquelas mesmas faturas. Valores que são descriminados (…) da Petição Inicial.
No despacho-saneador (…) a Mmª Juiz do Tribunal a quo considerou aquele tribunal materialmente competente in totum para conhecer e decidir a causa.
Não pode todavia manter-se tal decisão, pelos fundamentos já constantes nos arestos citados, aqui igualmente válidos. Com efeito, no que tange aos valores referentes à taxa de recursos hídricos imputados naquelas mesmas faturas, peticionados pela autora e por ela descriminados (…), e respetivos juros de mora, tem que concluir-se, por se tratar de questão fiscal saber se os mesmo são ou não devidos pelo Município réu, de litígio a dirimir pelos tribunais tributários.
Apenas cabendo aos tribunais administrativos decidir, por sim, nessa parte respeitar a questão atinente a eventual incumprimento contratual, a questão de saber se são devidos os demais montantes peticionados pela autora. Pelo que apenas nesta parte, e para tal efeito, deve manter-se o decidido (que ademais não foi objeto de impugnação no presente recurso).
Já quanto à questão de saber se são devidos os valores referentes à taxa de recursos hídricos, por a mesma respeitar a questão fiscal, emergindo de relação jurídica tributária, deveria a Mmª Juiz do Tribunal a quo ter considerado aquele tribunal materialmente incompetente para a apreciar e decidir, declarando competentes para o efeito os tribunais tributários. Não pode, pois, manter-se o decidido, nesta parte, merecendo provimento o recurso. O que implica que deva ser, nessa parte, revogada a decisão objeto do presente recurso. Ainda que tal não conduza à absolvição do réu da instância, como propugna o recorrente, que se mantém, prosseguindo o processo para conhecimento do mérito da pretensão no que respeita à parte relativamente à qual o tribunal administrativo é o materialmente competente, apenas obstando a que aquele tribunal aprecie o mérito da pretensão na parte relativamente à qual não detém competência, por a mesma pertencer aos tribunais tributários.
Importando, porque em tempo, referir que a circunstância de o réu, aqui recorrente, não ter suscitado a questão da incompetência em razão da matéria na sua contestação, mas apenas em articulado posterior, não obstava à apreciação de tal questão em sede de despacho-saneador, como sucedeu, em face da natureza de ordem pública da questão da competência dos tribunais, que impõe o seu conhecimento oficioso enquanto não houver sentença transitada em julgado sobre o fundo da causa, nos termos do disposto nos artigos 13º do CPTA e 97º nº 1 do CPC novo.”
Em reforço desta profunda e consistente fundamentação elaborada pela Srª Juíza Relatora, Drª Helena Canelas, adita-se que, na senda, ainda em redor do velho conceito de acto administrativo, construído pelo Prof. Marcello Caetano no «Manual de Direito Administrativo» 9ª ed., 1970, págs. 428 e 431, «Acto executório é o acto administrativo que obriga por si e cuja execução coerciva imediata a lei permite independentemente de sentença judicial.»
Ora, o acto de liquidação (de tributos) é o acto administrativo, definitivo e executório do órgão de administração que, no exercício de um poder público e com o objectivo de arrecadar quantias relativas a direitos e outras imposições cuja cobrança lhe é legalmente cometida, aplique a taxa legal do respectivo imposto à matéria colectável, tendo por pressuposto e fundamento a existência do facto gerador do mesmo.
No seu «Conceito e Natureza do Acto Tributário», págs. 89 e segs., o Prof. Alberto Xavier concebe o acto tributário de liquidação como o acto de aplicação de uma norma tributária material praticado por um órgão da Administração, definindo no caso concreto a existência e o quantitativo da prestação tributária individual.
Para Cardoso da Costa in «Curso...», 1970, pág. 397, aquele é o acto que encerra o processo administrativo fiscal e que define o conteúdo das posições jurídicas do estado e do contribuinte, concretizando para o primeiro o direito a receber uma prestação pecuniária de certo montante e, para o segundo, o dever de a prestar.
A ser assim, o acto de liquidação (tendo em vista o tributo dos autos) é um acto unilateral, definitivo e executório que fixa o tributo a pagar pelo contribuinte ao Estado e a função tributária consistirá na aplicação da lei aos factos nela tipificados e na declaração dos direitos daí decorrentes, sendo que a definitividade de tal acto quanto à fixação dos direitos existe independentemente da sua eventual revisão ou impugnação.
A liquidação traduz-se, pois, numa declaração de vontade da Administração, através dos seus órgãos competentes, no sentido de exercer o seu direito concretizado na exigência de um determinado imposto. Deste modo, ela traduz-se em uma das fases que a relação jurídica de imposto comporta a qual, regulando-se por regras e princípios próprios, conserva a sua autonomia em relação às demais, designadamente quanto à cobrança.
A declaração de direitos tributários, depende unicamente das formalidades estabelecidas nas leis de tributação, e de entre essas formalidades sobressaem necessariamente a descrição dos elementos, materiais e pessoais, que em cada caso concreto integram o facto, ou seja, a situação da vida social enquadrável na moldura criada pelo legislador.
Donde que e tendo-se por pacificamente aceite que a liquidação não é constitutiva de direitos, mas tão só um acto declarativo, pois se trata de uma resolução final que define a situação jurídica da Administração ou dos particulares e só elas são contenciosamente recorríveis/impugnáveis, tal pressupõe, à luz do princípio da “plena jurisdição”, um alargamento dos poderes do juiz administrativo, de modo a permitir uma mais eficaz fiscalização da juridicidade da actuação administrativa e uma protecção mais efectiva dos direitos e interesses dos particulares deixando aquele, como propugna Garcia de Enrerría, de ser «um impassível revisor da legalidade» para servir a justiça material do caso.
Tendo presentes estes postulados, logo se vê que a justiça material o é alcançável com a decisão que julga o tribunal administrativo incompetente em razão da matéria pois se co-existem formalmente um “acto administrativo” e um “acto tributário”, o efeito prático da declaração da incompetência material do tribunal administrativo quanto a este último é o de a manter-se na ordem jurídica, o que se traduz na sindicabilidade de um genuíno acto de autoridade produtor de ofensa de um interesse particular mas pelos meios próprios em adequados.
É que o artº99º do CPPT consagra a garantia do recurso contencioso/impugnação judicial com fundamento em ilegalidade, o que vale por dizer, que esses meios processuais de que se fala e que estavam ao alcance do contribuinte, não se destinam a controlar o mérito ou a oportunidade da acção administrativa, mas, fundamentalmente e em sentido amplo, a sindicar a violação da lei. O que não quer dizer que a ilegalidade seja a única fonte invalidante do acto administrativo pois, como refere Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pág.285/286, são também fontes de invalidade do acto a sua ilicitude e os vícios da vontade.
Assim, os actos definitivos são as resoluções finais que definem a situação jurídica da Administração ou dos particulares e só elas são contenciosamente recorríveis/impugnáveis.
Cremos que se verifica uma situação dessas no que concerne à liquidação dos tributos no mesmo documento de outras verbas a que os serviços procederam naturalmente com base nas normas de incidência tributária que teriam de constar em Regulamento das taxas e outros tributos que aparecem discriminados nas facturas.
Por esse prisma, essa(s) liquidação(ões) são um acto administrativo definitivo, e constitui «caso resolvido» porque contém uma declaração de vontade que cria uma situação jurídica definitiva e, á míngua de inimpugnabilidade diferenciada e própria, tornaram as dívida(s) tributária(s) certa(s), líquida(s) e exigível(eis) e o(s) documento(s) que a(s) menciona(m) título(s) exequível(eis).
Como expendem Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua CRP Anotada, Coimbra, 3ª ed., 1993, p. 939, «Nestes casos – o-(...) acto procedimental (...) se torna acto decisório através do acto conclusivo do procedimento”.
No mesmo sentido se pronuncia o Tribunal Constitucional, designadamente no seu Acórdão nº 9/95, publicado no D.R., 2ª Série, de 22 de Março de 1995, onde se alude a uma «purificação do conceito» de acto administrativo contenciosamente impugnável, segundo a qual «O que a garantia constitucional da accionabilidade dos actos administrativos ilegais procura assegurar é que haja sempre a possibilidade de sindicar judicialmente, com fundamento na sua ilegalidade, todo e qualquer acto de autoridade que produz ofensa de situações juridicamente reconhecidas (isto é, que tenha efeitos externos)».
Dúvidas não sobram de que o acto tributário (liquidação dos tributos identificados nas facturas) representaram a última palavra da Administração Tributária sobre a matéria pois já não pode ser a decisão então tomada revista, revogada ou reformada na resolução final que vier a ser tomada no processo em causa.
E, como existia um acto da Administração que definia a situação jurídica tributária, causando uma lesão efectiva direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, assistia a este o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade.
Se não usou de qualquer desses meios, formou-se «caso resolvido» quanto a tal liquidação pois, como já se disse, a liquidação tributária é um acto administrativo definitivo e executório com vocação para, se não for contenciosamente impugnado com fundamento em qualquer ilegalidade, no prazo legal, se consolidar como caso administrativo resolvido.
Conseguintemente, o “caso resolvido” que se fez é também material, o que significa que o decidido tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro Tribunal ou qualquer autoridade possa definir em termos diferentes o direito aplicável à relação material litigada.
Seja como for, certo é que a eficácia do “caso resolvido” se limita às partes pelo que se pode concluir que com aquele se visa evitar não a colisão apenas teórica de decisões, mas a contradição prática dos julgados, ou seja, a existência de decisões concretamente incompatíveis.
Assim, a impossibilidade de apreciar nestes autos a questão da legalidade da(s) liquidação(ões) justifica-se, ainda, por haver nexo de prejudicialidade em relação à decisão já proferida e que não terá sido objecto de impugnação, em termos de se evitar a possibilidade de desencontros ou incoerências.
Também por estas razões, a adicionar às vertidas no douto acórdão cuja fundamentação se transcreveu supra, carece o tribunal administrativo de competência para alterar o eventualmente “decidido” quanto ao(s) tributo(s) mencionados nos ajuizados documentos, quer quanto aos elementos pessoais e objectivos de incidência fiscal, quer quanto á quantificação perante a mais que certa formação do “caso resolvido”, o qual, como já dito, é apanágio das decisões administrativas e tributárias logo que se verifique nos termos da lei, a sua insusceptibilidade de impugnação, cumpridos e esgotados todos os trâmites legais atrás citados, na consideração de que a intangibilidade do caso resolvido é princípio legal e constitucional em vigor, pelo que é irrevogável.
Também por estas razões, a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica.
*

4.- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a decisão proferida no despacho-saneador, no segmento recorrido, declarando-se incompetente em razão da matéria o tribunal administrativo de círculo de Castelo Branco para apreciar e decidir a pretensão na parte que respeita aos valores referentes à taxa de recursos hídricos e respetivos juros de mora, obstando assim ao conhecimento do mérito da pretensão nessa parte, prosseguindo os autos para conhecimento do mais, se a tanto na mais obstar.

Custas pelo recorrido.

*


Lisboa, 06 de Outubro de 2016

________________________________________________
José Gomes Correia


________________________________________________ António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos


________________________________________________
Pedro José Marchão Marques