Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1569/15.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/29/2017
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA CONTESTAÇÃO E PRÁTICA DE ACTO INÚTIL; CONHECIMENTO DE FACTOS NÃO ALEGADOS NA CONTESTAÇÃO
Sumário:I. O juiz não tem de proferir despacho a ordenar a notificação da Impugnante para se pronunciar sobre excepção suscitada na contestação quando a unidade orgânica já procedeu, oficiosamente, a essa notificação, e a Impugnante pronunciou-se trazendo aos autos a sua perspectiva dos factos e do direito, sob pena da prática de acto inútil proibido por lei (art.130.º do CPC);
II. O juiz pode proferir decisão quanto à caducidade do direito de acção com base em factos diversos dos alegados pela Fazenda Pública na contestação, pois estamos perante excepção peremptória, de conhecimento oficioso, sendo lícito ao juiz conhecer de todos os factos relevantes para o conhecimento da excepção, ainda que não alegados pelas partes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

H..., SA, NIPC 501.299.947, com os demais sinais vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria que julgou improcedente a Impugnação Judicial da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, referente ao exercício de 2010 e respectivos compensatórios, no montante de 67.776,82€.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
I. “Veio a Senhora Representante da Fazenda Pública arguir a excepção da caducidade do direito de impugnação da liquidação de IRC em apreço nos autos,
II. Invocando, em suma, que a notificação da decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa se verificou em 26.06.2015,
III. E que, como tal, o prazo de impugnação, de 3 meses, terminou às 24 horas do dia 26.09.2015,
IV. Concluindo e pugnando pela intempestividade da apresentação da impugnação em 02.10.2015, conforme data aposta na petição inicial.
V. Notificada da contestação, oficiosamente pela Secretaria e sem prolação de despacho judicial a ordená-la, veio ainda assim a impugnante, ora recorrente, responder à excepção, tendo alegado, em suma, que havia sido notificada da acima mencionada decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa em 30.06.2015,
VI. Tendo então juntado cópia da dita notificação, na qual se encontrava aposto carimbo com menção da indicada data de 30.06.2015,
VII. E sublinhado que a impugnação havia sido remetida via postal em 01.10.2016,
VIII. Tendo então indicado o respectivo registo postal ...,
IX. Através do qual, e com recurso à página internet www. ctt.pt, consta a aceitação da remessa do correspondente expediente postal em 01.10.2016 e a correspondente entrega em 02.10.2016,
X. Concluindo e pugnando então pela tempestividade da apresentação da impugnação.
XI. Não obstante ter sido reconhecido na D. sentença recorrida a apresentação da impugnação em 01.10.2016 (facto provado C),
XII. Foi ainda dado como provado que o aviso de recepção postal da notificação da decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa terá ocorrido em 29.06.2016,
XIII. Ou seja, na data manuscrita no correspondente aviso postal de fls. 101 do Processo Instrutor,
XIV. Daí resultando que o prazo de 3 meses estipulado no artigo 102.º do CPTT, contado os termos do artigo 279.º, ai. c) do CC, ex vi artigo 20.º, n.º 1 do CPTT, havia terminado em 30.09.2015,
XV. E, consequentemente, que a apresentação da impugnação em 01.10.2015 seria intempestiva, pela caducidade do respectivo direito, nos termos do disposto no artigo 576.0, n.0 3 do CPC, ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT.
XVI. Consultada a página internet dos CTT em www.ctt. pt, com a referência postal RF 1304 2666 O PT que consta mencionado aviso postal de fls. 101 do Processo Administrativo, resulta a informação "OBJETO NÃO ENCONTRADO".
XVII. Perante esta factualidade e esta dinâmica processual, suscita a recorrente três questões:

1. Poderia o Tribunal a quo conhecer da excepção da caducidade sem antes proferir despacho judicial a ordenar a notificação da impugnante para se pronunciar?

2. Ainda que se admitisse que, face à notificação da contestação promovida oficiosamente pela Secretaria e à pronuncia da impugnante, poderia o Tribunal a quo conhecer da excepção da caducidade assente em pressupostos de facto diferentes dos que haviam sido invocados pela Senhora Representante da Fazenda Pública?

3. Verificando-se fundada dúvida quanto à data em que terá ocorrido a notificação do acto impugnado, poderia o Tribunal a quo dar como assente a data manuscrita no respectivo aviso postal, sem antes ouvir as partes, dando-lhes oportunidade de apresentar e/ou requerer outras diligências probatórias complementares com vista à dissipação da dúvida?

XVIII. Com todo o devido e merecido respeito, a resposta às três questões acima enunciadas deverá ser dada pela negativa. Senão vejamos,
XIX. No que respeita à primeira questão, o entendimento jurisprudencial dominante tem ido no sentido de considerar que a norma do artigo 113.º, n 2 do CPTT não tem paralelo com a norma do artigo 502.º do CPC de 1961 - e, por decorrência, do actual artigo 3.º, n.º 4 do Novo CPC - na medida em que não se destina a permitir a defesa de todas as excepções dilat6rias e peremptórias arguidas na contestação, mas tão só às alegadas pela Fazenda Pública e que possam obstar ao conhecimento do pedido, audição essa precedida de competente despacho judicial que o determine (neste sentido, entre outros, Ac. STA de 25.09.2009 e Ac. TCAS de 26.06.2014, ambos em www.dgsi.pt).
XX. E certo que, in casu, a impugnante, uma vez notificada da contestação, tomou posição sobre a excepção, alegando - de resto de forma assumidamente simplista - que havia sido notificada, de facto, em 30.06.2015 - ao invés do dia 26.06.2015 indicado pela Senhora Representante da Fazenda Pública - e que a sua impugnação havia sido remetida via postal, de facto, em 01.10.2015.
XXI. Face a esta tomada de posição, ficaria o Tribunal a quo legitimado a omitir a prolação de despacho que ordenasse, expressamente, a notificação da impugnante para se pronunciar sobre a excepção da caducidade arguida pela Senhora Representante da Fazenda Pública na sua contestação?
XXII. in casu, e com todo o devido e merecido respeito, não poderia o Tribunal quo ter omitido tal promoção. Por três ordens de razão:
XXIII. Em primeiro lugar, pela divergência de pressupostos de facto entre os Invocados pela Senhora Representante da Fazenda Pública e os que vieram a ser considerados na D. decisão recorrida, Isto no que respeita à data da notificação da decisão impugnada. Relembremos, a Fazenda Pública alega ter a notificação ocorrido em 26.06 .2015, sendo que na D. decisão recorrida, foi considerado o dia 29.06.2015. A impugnante pugna pelo dia 30.06.2015. Tendo o Tribunal a quo decidido a matéria de excepção assente em facto diverso daquele que havia sido invocado pela Fazenda Nacional, o julgamento do facto assente B) - assinatura do aviso de recepção em 29.06.2015 - e a decorrente consequência de direito - a intempestividade da impugnação - surgem como uma verdadeira decisão surpresa, em violação do princípio do contraditório assegurado, além do mais, pelo artigo 3.º do CPC, não tendo sequer sido dada oportunidade às partes de apresentar ou requerer diligências probatórias que, porventura, pudessem afastar a presunção resultante do manuscrito do respectivo aviso de recepção.
XXIV. Em segundo lugar, da informação documental dos autos, já resultava uma fundada dúvida sobre a verdadeira data da notificação. A Fazenda Pública pugna pela data de 26.06.2015, desconhecendo-se aliás com que base. A impugnante pugna pela data de 30.06.2015, naturalmente fazendo fé nos seus serviços administrativos que recepcionaram a notificação e que nela apuseram um carimbo de recepção com a data de 30.06.2015. Do aviso postal consta, a manuscrito, a data de 29 .06.2015. Da consulta do objecto postal na página internet dos CTT correspondente à notificação em crise consta a indicação "objecto não encontrado "Sendo certo que a presunção estabelecida pelo artigo 39.0, n.0 3 do CPPT poderá ser ilidida pela impugnante - as declarações emitidas pelos serviços postais não podem gozar, evidentemente, de fé pública inabalável -, a que acresce a fundada dúvida resultante dos elementos documentais dos autos, sempre teria que ter sido dada oportunidade à Impugnante de se pronunciar em concreto sobre a questão e de apresentar e/ou promover competentes diligências probatórias, além do mais, por respeito à salvaguarda da adequação constitucional dos mecanismos de notificação, em consideração ao disposto no artigo 268.º, n.º 3 da CRP.
XXV. Em terceiro lugar e, por último - last but not the least - tendo em consideração a gravíssima consequência decorrente do julgamento da matéria de facto relativa à efectiva data da notificação da decisão impugnada - a saber, nem mais nem menos do que a possibilidade de ver jurisdicionalmente escrutinada a decisão de fundo substantiva - o Tribunal a quo sempre deveria ter, prévia e expressamente, promovido a notificação às partes para se pronunciarem e apresentarem e/ou requererem as diligências probatórias que entendessem como pertinentes, sob pena de violação, além do mais, dos princípios constitucionais, da proporcionalidade ínsito ao Estado de Direito Democrático, da proibição da indefesa e da tutela jurisdicional efectiva de actos administrativos potencialmente lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, consagrados respectivamente pelos artigos 2.º, 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa.
XXVI. De tal forma que as normas dos artigos 39.º, n.º 3 e 102.º, n.º 1 do CPPT sempre seriam inconstitucionais, por violação dos acima indicados princípios constitucionais, da proporcionalidade ínsito ao Estado de Direito Democrático, da proibição da indefesa e da tutela jurisdicional efectiva de actos administrativos potencialmente lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, consagrados respectiva­ mente pelos artigos 2.º, 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa, se interpretados no sentido de que, ocorrendo fundadas dúvidas sobre a efectiva data da notificação do acto impugnado, o Tribunal possa decidir em conformidade com as declarações expressas no respectivo registo postal, sem prévia e expressamente, mediante despacho judicial, dar oportunidade ao impugnante de se pronunciar e apresentar e/ou requerer diligências probatórias complementares que possam iludir a presunção decorrente do mesmo registo postal.
XXVII. Nesta medida, e com todo o devido e merecido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao dar como assente o facto provado B) - «O aviso de recepção mencionado na alínea que antecede foi assinado a 29-6-2015 (cf. fls. 101 do processo administrativo em apenso)» - e na consequente subsunção dos factos ao direito, da qual resultou a verificação da caducidade do direito de impugnação e, na prática, a impossibilidade da impugnante em aceder à tutela jurisdicional da questão de fundo, sem que antes tenha promovido, de forma expressa, a pronuncia sobre os factos concretos - repete-se, diferentes dos invocados pela Fazenda Pública - em que assentou tal decisão.

- lI -

Sempre com o devido respeito, a D. decisão recorrida violou, além do mais, as seguintes disposições legais:

a) Disposições conjugadas dos artigos 39.º, o 3 e 102.º, n.º 1do CPPT;


b) Disposições conjugadas dos artigos 113.º, n.º 2 do CPPT e 3.º, n.º 4 do CPC;

c) Artigos 2.º, 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa


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Em suma,



Deverá o presente recurso proceder e, consequentemente, serem anulados os termos processuais subsequentes ao momento em que a promoção da Impugnante para se pronunciar sobre a data aposta no registo postal correspondente à notificação do acto Impugnado e sobre as respectivas consequências de direito deveria ter ocorrido e não ocorreu e, ainda consequente, ser determinada a anulação da D. sentença recorrida, nos termos do disposto nos artigos 195.º do CPC e 98.º, n.º 3 do CPPT.

ASSIM FARÁ ESSE VENERANDO TRIBUNAL A COSTUMADA JUSJIÇA!”

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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:

_ Aferir se o tribunal a quo poderia ter conhecido da excepção da caducidade do direito de acção sem antes proferir despacho judicial a ordenar a notificação da impugnante se pronunciar;
_ Aferir se o tribunal a quo poderia se ter conhecido da excepção da caducidade assente em pressupostos de facto diferentes dos que haviam sido invocados pela Representante da Fazenda Pública;
_ Aferir se o tribunal a quo poderia ter dado como provado a data manuscrita no respectivo aviso de recepção, sem antes ouvir as partes, dando-lhes oportunidade de apresentar e/ou requerer outras diligências probatórias complementares com vista à dissipação da dúvida.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:

A) “A 1-6-2015 foi emitido pela Direcção de Finanças de Leiria, o Oficio sob registo e aviso de recepção, dirigido à ora Impugnante, com o seguinte conteúdo:
Assunto: Notificação final de Reclamação Graciosa
Exmo. Sr.
Fica, por este meio, notificado, de que, por despacho do Chefe da Divisão da Justiça Tributária, de 1.06.2015, no uso de delegação de competências, foi a reclamação acima mencionada indeferida, podendo do mesmo reagir no prazo e nos termos que a seguir se indicam: (..)
Deduzir Impugnação Judicial, por petição dirigida ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, a apresentar no Serviço de Finanças do seu domicilio fiscal ou no Tribunal Administrativo e Fiscal competente, no prazo de 3 meses a contar da assinatura do aviso de recepção, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 102..º ambos do Código de Procedimento (...) cf. fls. 98 do processo administrativo em apenso;

B) O aviso de recepção mencionado na alínea que antecede foi assinado a 29- 6-2015 (cf. fls. 101do processo administrativo em apenso);

C) Em 1-10-2015 foi enviado pela Impugnante, sob registo postal n.e. ..., a presente Impugnação a este Tribunal (cf. fls. 1dos autos).
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A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, das informações oficiais constantes dos autos, designadamente do Processo Administrativo em apenso. Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”
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Com base na factualidade supra exposta, a Meritíssima Juíza do TAF de Leiria julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e consequentemente, absolveu a Fazenda Pública do pedido, considerando, em síntese, que a impugnante foi notificada do acto de indeferimento da reclamação graciosa em 29/06/2015 (data da assinatura do aviso de recepção) e que a p.i. considera-se apresentada em 01/01/2015 (data do registo postal de remessa ao tribunal), e nessa medida encontra-se ultrapassado o prazo de 3 meses previsto no art. 102.º, n.º 1 do CPPT para a apresentação da impugnação judicial, que terminou em 30/09/2015.

A Recorrente não se conforma com o decidido, identificando três questões a serem decididas enquanto fundamento do recurso (pontos 1 a 3 da conclusão XVII).

No que diz respeito à primeira questão, a de saber se o tribunal a quo poderia ter conhecido da excepção da caducidade do direito de acção sem antes proferir despacho judicial a ordenar a notificação da impugnante se pronunciar, essa questão formulada reconduz-se à invocação de uma nulidade processual, por violação do art. 113.º, n.º 2 do CPC.

Quanto à segunda questão invocada pela Recorrente consiste, em suma, em aferir se a decisão recorrida enferma de excesso de pronúncia (art. 125.º do CPPT) por se ter conhecido da excepção da caducidade assente em pressupostos de facto diferentes dos que haviam sido invocados pela Representante da Fazenda Pública.

Relativamente à terceira questão suscitada pela Recorrente, esta assenta na tese de que se verifica fundada dúvida quanto à data em que terá ocorrido a notificação do acto impugnado, e por conseguinte, o tribunal a quo não poderia ter dado como provado a data manuscrita no respectivo aviso de recepção sem antes ouvir as partes dando-lhes oportunidade de apresentar e/ou requerer outras diligências probatórias complementares com vista à dissipação da dúvida, ou seja, o invocado reconduz-se à violação do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC).

Adiante-se, desde já, que não assiste qualquer razão à Recorrente quanto aos fundamentos invocados nos pontos 1 a 3 da conclusão XVII, como infra se fundamentará.

Relativamente à primeira questão, e pese embora a Recorrente cite dois acórdãos em abono da sua tese, a verdade é que as circunstâncias concretas do caso em apreço afastam a aplicação daquela jurisprudência, não se verificando qualquer nulidade processual.

Com efeito, no caso dos autos, como aliás a própria Recorrente reconhece, pese embora não tenha havido prolação de despacho judicial a ordenar a notificação da Impugnante para se pronunciar sobre a excepção suscitada na contestação, a verdade é que a unidade orgânica procedeu à notificação oficiosa da contestação, bem como da apensação do processo administrativo aos autos, e na sequência dessa notificação a Impugnante veio defender-se da excepção, trazendo aos autos a sua perspectiva dos factos e do direito.

Ou seja, à Impugnante efectivamente se pronunciou sobre a excepção suscitada, pelo que, sempre consubstanciaria a prática de acto inútil (proibido por lei – cfr. art.130.º do CPC) a notificação da parte se pronunciar novamente.

Ademais, naquele momento em que efectivamente se pronunciou sobre a excepção estava em condições de o fazer pois poderia consultar o processo administrativo (cuja apensação lhe foi notificada) e analisar todos os documentos que ali constavam, designadamente a fls. 100 o ofício de remessa da correspondência no qual se encontrava aposto o carimbo datado de 26/06/2015 (data referida na contestação da Fazenda Pública), e a fls. 101 o original do aviso de recepção devidamente assinado por “C...” e com data manuscrita de 29/06/2015, data essa, aliás, que coincide com a data que se encontra aposta através de carimbo dos CTT, pelo que, não se vê como poderia haver dúvida na data que se encontra manuscrita, uma vez que se encontra em plena consonância com a que consta do carimbo dos CTT aposto no mesmo documento.

Portanto, a tese da Recorrente de que haveria divergências fácticas que justificavam a prolação de despacho pela Meritíssima Juíza para a ouvir novamente, sob pena de violação do princípio do contraditório (conclusão XXIII) não colhe, pois as divergências nas teses de facto apresentadas pelas partes não releva para o conhecimento da presente excepção, uma vez que do processo administrativo constam documentos que constituem meios de prova idóneos e inequívocos que conduzem à prova dos factos relevantes para o seu conhecimento, pelo que não se verifica qualquer nulidade processual, improcedendo as conclusões XIX a XXIII.

Por outro lado, e quanto à segunda questão, resulta claro que não se verifica qualquer excesso de pronúncia da Meritíssima Juíza do TAF de Leiria, pois não releva que a Fazenda Pública não tenha alegado todos os factos, pois estamos perante uma excepção de conhecimento oficioso, e portanto, é lícito ao juiz conhecer de todos os factos relevantes, ainda que não alegados pelas partes.

Com efeito, dispõe o n.º 1 do art. 125.º do CPPT constitui causa de nulidade da sentença “a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

“Verifica-se a nulidade da sentença por excesso de pronúncia se nesta se conhece questão que não foi suscitada nem é do conhecimento oficioso (art. 125.º, n.º 1, do CPPT)” – Acórdão do STA de 06/08/2014, proc. n.º 0742/14.

Importa sublinhar que o excesso de pronúncia refere-se a questões e não a argumentos, pois quanto a argumentos o tribunal não está limitado pelos invocados pelas partes, podendo utilizar os que entender, para apreciar questões que tenham sido suscitadas (nesse sentido, vide, Ac. do STA de 17/09/2014, proc. n.º 0936/14, e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 366).

Haverá também excesso de pronúncia “se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vício não invocado” (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. II, 6ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2011, anotação 5 ao art. 123º, pp. 318 e 319; e anotação 12 ao art. 125º, p. 366, e Acórdão do STA, de 28/1/2015, proc. n.º 01879/13).

A caducidade do direito de acção é uma excepção peremptória de conhecimento oficioso: “I - O prazo de dedução de impugnação judicial é um prazo de caducidade, peremptório, e de conhecimento oficioso. II - Deduzida fora de prazo, a impugnação judicial deverá ser alvo de indeferimento liminar. III - Verificada a extemporaneidade da petição, em fase não inicial do processo, impõe-se ao juiz a absolvição do réu do pedido (equivalente à improcedência da acção).” - Ac. do STA de 27/05/2009, rec. n.º 076/09.

In casu, conforme supra exposto, não se verifica qualquer excesso de pronúncia na medida em que estamos perante uma excepção, cujo conhecimento é ex officio.

Por outro lado, importa ainda sublinhar que da simples análise do processo administrativo se torna claro que a data referida na contestação pela Representante da Fazenda Pública (26/06/2015) diz respeito à data de remessa do ofício, mas a que deve ser considerada pelo tribunal para efeitos da data em que se considera efectuada a notificação é a data da assinatura do aviso de recepção (cfr. art. 39.º, n.º 3 do CPPT).

Aliás, a data da assinatura do aviso de recepção é assumida na contestação como a data relevante, pelo que não se verifica qualquer decisão surpresa, e muito menos se vê que diligências probatórias poderia a Recorrente requerer e apresentar quando a data da assinatura do aviso de recepção é inequívoca pois é coincidente a data manuscrita com a que consta do carimbo dos CTT.

Da simples consulta do processo administrativo, que de resto poderia ter sido efectuada pela Recorrente porque devidamente notificado da sua apensação, resultam todos os factos relevantes para o conhecimento da excepção, e por conseguinte também por esta razão improcede a conclusão XXVII das alegações de recurso, pois em momento algum foi colocado em causa o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, dispondo o Recorrente da possibilidade de aceder a todos os meios de prova que suportaram a decisão recorrida.

No que diz respeito à menção “recebido 30/06/2015” aposta no documento junto pela Impugnante no momento em que se pronuncia sobre a excepção, não tem a relevância probatória pretendida, pois constitui um carimbo que é aposto nos serviços administrativos da própria impugnante, ou seja é um documento interno, cuja força probatória não afasta a presunção do n.º 3 do art. 39.º do CPPT. De igual modo, as datas alegadas pela Recorrente constantes do site dos CTT também não poderão relevar, pois resulta do próprio aviso de recepção uma outra data que é coincidente com a data manuscrita, ou seja, os meios probatórios existentes no processo são suficientes e inequívocos para a prova do facto do ponto 2, dispensando a realização de qualquer outra diligência probatória, não se verificando qualquer erro de julgamento de facto.

Em suma, os documentos juntos ao processo administrativo, cuja apensação foi devidamente notificada à Recorrente, são inequívocos, não suscitando qualquer dúvida, e muito menos fundada, sendo manifestamente desnecessária quaisquer outras diligências probatórias, ponderando os fundamentos invocados pela Recorrente quer no exercício do contraditório antes da decisão, quer em sede do presente recurso, pelo que também improcede a conclusão XXIV das alegações de recurso, não havendo qualquer fundada dúvida como afirma a Recorrente, e por essa razão, não havia justificação razoável para diligências probatórias adicionais, e por conseguinte, face às circunstâncias concretas, não se vislumbra qualquer violação do n.º 3 do art. 268º da CRP, nem dos demais princípios e normativos constitucionais invocados pela Recorrente nas suas conclusões XXV, XXVI e XXVII.

Do exposto, resulta claro e inequívoco que bem andou o tribunal a quo a dar como provado o ponto 2 da matéria de facto, face à prova constante do processo administrativo.

Em suma, improcedem in totum, os fundamentos do recurso.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 29 de Junho de 2017.

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Cristina Flora

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Cremilde Abreu Miranda

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Joaquim Condesso