Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1412/10.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/22/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRS / MAIS-VALIAS
VALOR DE REALIZAÇÃO
44º CIRS
Sumário:I - Apenas podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a categoria de rendimentos do tipo empresariais e profissionais, de capitais ou prediais.
II – No caso em análise, o bem vendido em 2005 é precisamente o mesmo, ou seja, com a mesma natureza, que o bem adquirido em momento anterior. A Recorrente adquiriu um prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400 m2, e vendeu esse mesmo bem.
III - Nem as diligências efectuadas no âmbito de um pedido de licenciamento (concluído já após a venda), nem a revogação do contrato de arrendamento com a inerente compensação ao inquilino, constituem actos que inequivocamente correspondam ao desenvolvimento de uma actividade comercial, ainda que esporádica.
IV - A pretensão de um qualquer proprietário de valorizar um bem pertencente ao seu património pode ser – e será, na maior parte dos casos – uma medida habitual e elementar na normal gestão do património de cada um, sem que daí se possa retirar, sem dúvidas, o exercício de uma actividade comercial, de mediação entre a oferta e a procura.
V - No caso, a AT considerou, para efeitos de fixação do valor de realização relativo à venda efectuada, o montante de € …., valor este resultante da avaliação efectuada já após a alienação na vigência do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Com fundamento no artigo 44º, nº 2 do CIRS, foi desconsiderado o montante da contraprestação paga pela transmissão do prédio, tal como consta da escritura pública, de € 850.000,00.
VI - Nos termos do artigo 73º da LGT “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
VII - A circunstância de, anteriormente ao aditamento do artigo 44º do CIRS, operado pela Lei nº 82-E/2014 de 31/12/14, a lei não prever expressamente a possibilidade daquela prova, de modo a ilidir a presunção contida no nº2 do artigo 44º, ou seja, impossibilitando o contribuinte de provar que o valor de realização foi inferior ao VPT, torna a norma de incidência correspondente ao do nº 2 do artigo 44 do CIRS, quando aplicada sem tal possibilidade, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13º e 103º, nº1 da CRP), assim se desaplicando ao caso concreto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA e MARIA ..., inconformadas com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida - mantendo na ordem jurídica a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2005 e anulando os respectivos juros compensatórios - vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Nas suas alegações, a Recorrente, Fazenda Pública, formula, a final, as seguintes conclusões:

i. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, na parte relativa à liquidação de juros compensatórios, por vício de falta de fundamentação, deduzida por MARIA ..., contribuinte fiscal n.º ..., na sequência da formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou relativamente à liquidação de IRS do ano de 2005, no valor de €380.660,04.

ii. Refere a douta sentença que “não há referência alguma à taxa ou taxas aplicadas na liquidação dos juros; não há referência alguma às datas que foram consideradas como sendo as do início e do termo do prazo de contagem desses juros.”

iii. E concluiu a mesma que “o acto impugnado enferma de vício de forma, por falta de fundamentação, no que concerne à liquidação de juros compensatórios .”

iv. É inquestionável que a liquidação de juros compensatórios, como acto tributário que é, está sujeita a fundamentação. Na verdade, a fundamentação é um dos elementos constitutivos do acto administrativo tributário, acarretando a sua falta, obscuridade, contradição ou insuficiência a anulabilidade do acto. Cfr. artigos 125.º e 135.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

v. Neste seguimento é Jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores que a mínima fundamentação exigível em matéria de actos de liquidação de juros compensatórios, terá de ser constituída pela indicação da quantia sobre que incidem os juros, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa aplicada.

vi. Aquando da notificação à Impugnante da demonstração da liquidação da nota de cobrança de IRS (Cfr Doc 1 da Petição Inicial), na data de 28/09/2009, sob o registo dos CTT n.º RY488720915PT, foi também enviada, sob o registo dos CTT n.º RY488733636PT, a notificação da demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios.

vii. Ora, a notificação da demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios notificada à impugnante evidência claramente o período de tributação, o período de cálculo, incluído o n.º de dias, o montante principal da prestação, taxa aplicável e o valor final dos mesmos.

viii. No entanto o Impugnante apenas alegou no artigo 19.º da sua Petição Inicial, a alegada falta de fundamentação dos juros compensatórios, ou seja, nem indicou ou fez referência se seria a constante da notificação da demonstração da liquidação da nota de cobrança de IRS (registo dos CTT n.º RY488720915PT) ou da demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios (registo dos CTT n.º RY488733636PT).

ix. Neste sentido, com o devido respeito, foi dado a conhecer a notificação da demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios a fundamentação exigível e reconhecida pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, ou seja, o montante de imposto sobre o qual incidem os juros, a taxa ou taxas aplicáveis e o período da sua contagem.

x. Assim sendo e após tudo o que foi dito, podemos concluir que a actuação da Administração Tributária não foi mais do que dar cumprimento aos preceitos legais em vigor à data e a sua actuação no estrito cumprimento dos mesmos.

xi. Ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao cingir-se apenas ao constante da notificação da demonstração da liquidação da nota de cobrança de IRS (Cfr. registo dos CTT n.º RY488720915PT).

xii. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a actuação da Administração Tributária deu cumprimento ao dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários concretizado no artigo 77.º da LGT, face à notificação da demonstração de liquidação dos respectivos juros compensatórios (Cfr. registo dos CTT n.º RY488733636PT).

xiii. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova, de erro de interpretação de lei.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossa Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça.


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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito deste recurso.

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Por sua vez, nas alegações do recurso interposto por Maria ..., foram formuladas as seguintes conclusões:

a) Em 27 de Outubro de 2005, a Recorrente vendeu à sociedade “...- Empreendimentos Imobiliários S.A.”, o prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400 m2, sito na Rua do ..., freguesia de ... (...) concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número 303 e inscrito na respectiva ... sob o artigo provisório P2423.

b) O prédio em causa foi vendido pelo preço de €850.000 (oitocentos e cinquenta mil euros).

c) No dia 26 de Outubro de 2005, foi liquidado, no Serviço de Finanças de ..., o Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, no valor de €55.250,00.

d) O valor patrimonial do imóvel, à data da venda, ou seja, 27 de Outubro de 2005, era de €70.785,41.

e) O imóvel em causa foi adquirido, na proporção de 1/3 por herança, em Maio de 1981, sendo os restantes 2/3 adquiridos por compra, celebrada a favor da Recorrente, em 11 de Março de 1999, pelo preço de €174.579,26.

f) O imóvel, já após a venda, em 20 de Maio de 2006, foi reavaliado pelo Serviço de Finanças de ..., tendo sido alterado o seu valor patrimonial, para €2.872.930,00.

g) Antes de 2004, quer a própria Recorrente, quer a Sociedade ..., como representante daquela, actuavam para obter o licenciamento do terreno de ....

h) Em 12 de Fevereiro de 2003, a Sociedade “...- Empreendimentos Imobiliários Lda”, como representante da Recorrente e proprietária do terreno, apresentou à Câmara Municipal de ... o projecto de licenciamento para a Rua do ..., desenvolvendo o “estudo já sujeito a apreciação em pedido de informação prévia (Proc-º. Nº 555-INPR-680/02) deferido através do ofício nº 15 582, de 27 de Setembro de 2002”.

i) Em 27 de Setembro de 2002, pelo ofício nº 15.582, relativo ao procº nº 555- INPR-680/02, a Câmara Municipal de ... aprovou a viabilidade construtiva para um edifício de habitação, comércio e serviços para o terreno supra referido da Rua do ..., que era propriedade da Recorrente, resposta que foi notificada à sua representante, a sociedade .... Lda.

j) Em 6 de Setembro de 2002, a Câmara Municipal de ... comunicou à Recorrente o deferimento do requerimento nº 3583/02, em que fora requerida a viabilidade de construção no terreno da Rua ..., acima referido.

k) No dia 27 de Maio de 2005, foi celebrado entre a Recorrente, como 1ª outorgante, a empresa “... e Filhos, Lda.”, como segunda outorgante e a “...- Empreendimentos Imobiliários Lda.”, como terceira outorgante, um contrato de revogação de arrendamento que a “... e Filhos Lda.” mantinha em parte do terreno supra referido, propriedade da Recorrente.

l) Nos termos deste contrato de revogação do arrendamento, a Recorrente, na qualidade de proprietária do terreno da Rua ..., em ..., assegurou a recuperação da posse do prédio arrendado e de parte do terreno de sua propriedade e em troca obrigou-se a entregar ao arrendatário uma loja no edifício a construir no terreno propriedade da primeira outorgante, com a área de 1138,20 m2 no piso 1 e oito lugares de estacionamento vedado, no piso – 2, que representava um elevado custo para a mesma (cláusula 3-1 do contrato de revogação).

m) Nos termos do mesmo contrato de revogação do arrendamento e recuperação da posse do terreno, a ora Recorrente obrigou-se ainda a requerer o licenciamento da construção, de molde a que as fracções a conceder a este segundo outorgante, obtivessem da Câmara Municipal de ..., uma licença de utilização autónoma em relação ao resto do empreendimento (cláusula 3ª nº 3 do contrato de revogação).

n) No presente caso, não há lugar a tributação de imposto de mais-valias do valor da contraprestação recebida pela venda do imóvel, ou seja, dos €850.000, contrariamente ao que decidiu a Administração Fiscal, com violação do disposto no artº 10º, nº1, al. a) do CIRS.

o) Como se dispõe nos artigos 1º, nº 1º, 9º, nº 1º al. a) e 10º, nº 1 al. a) do CIRS, só são tributáveis a título de mais-valias os rendimentos efectivamente auferidos pelo contribuinte, que resultaram de incrementos patrimoniais, nomeadamente da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, desde que não devam ser considerados rendimentos de outras categorias tributáveis para efeitos de IRS.

p) No caso vertente, como se demonstrou cabalmente neste processo, tinha sido aprovado, em 2002, para aquele terreno, através de múltiplas diligências levadas a cabo pela sua proprietária, directamente e/ou através da sua representante, a sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários Lda.”, um projecto de viabilidade construtiva, pela Câmara Municipal de ..., nos termos do qual fora aprovada a implantação no referido terreno urbano de um edifício com 1.756,00 m2 e com área bruta de construção de 12.407,m2.

q) A Recorrente desenvolveu durante vários anos actividades e incorreu em custos avultosos, nomeadamente o pagamento de €250,000, para libertar o terreno da posse do seu arrendatário “... e Filhos Lda.”, destinadas a fazer aprovar a urbanização e loteamento do referido terreno junto da Câmara Municipal de ..., apresentando projectos de construção, com os inerentes e elevados custos, realizados directamente e através de uma empresa comercial, sua representante a “... – Empreendimentos Imobiliários Lda.", com sede na Rua ... nº 110, em Lisboa.

r) Decorrendo a valorização do imóvel do esforço, actividade, trabalho e custos da sua proprietária, quer directamente, quer através da empresa sua representante, nunca tal valorização poderia ser tributada em mais-valias, como foi decidido pela Administração Fiscal, por não se tratar de um incremento patrimonial inesperado e trazido pelo vento e sem qualquer relação com as actividades desenvolvidas pela proprietária do terreno, pelo que não configura uma valorização tributável em mais-valias, nos termos do disposto no artigo 10, nº 1, al. a), artigo 1º e 9º, nº 1º do CIRS, como por erro de facto e de direito se considerou no processo de liquidação do imposto, o que determina a nulidade do acto de liquidação do imposto.

s) Ainda que se entenda que o rendimento derivado da venda do imóvel deva ser tributado em mais-valias, com desrespeito aliás do disposto no artigo 10º, nº 1, al. a) do CIRS, hipótese que se coloca para meros efeitos de raciocínio e sem conceder, então a Administração Fiscal errou na interpretação e aplicação que realizou dos artigos 44, nº 1, al. f) e nº 2 do CIRS ao considerar a base tributável das mais–valias e ao fazer a liquidação do imposto, como se demonstrará, tendo feito destas disposições uma interpretação e aplicação materialmente inconstitucional que este Tribunal não pode aceitar.

t) A Administração Fiscal nem sequer atentou na manifesta desproporcionalidade e injustiça, determinante de clara inconstitucionalidade resultante de exigir à Recorrente o pagamento de mais-valias superiores ao preço que esta recebeu pela venda do terreno!

u) Sendo inquestionável que a tributação em IRS, seja qual for a sua origem, só pode recair sobre rendimentos efectivamente auferidos pelas pessoas singulares, quer nos termos cristalinos do disposto no artigo 1º do CIRS, quer do artigo 104º, nº 1º da Constituição da República Portuguesa, o facto de a Administração Fiscal ter desconsiderado por completo o preço de venda do imóvel para efeitos de avaliação e tributação das mais-valias – único valor que a Recorrente recebeu em contrapartida da venda daquele terreno – e ter considerado, para esse efeito, um valor que a Recorrente nunca recebeu e que desconhece aliás como foi encontrado, de € 1.915.286,67 (respeitante a 2/3 do valor de € 2.872.930,00, valor de actualização do terreno, para efeitos de IMI, determinado em data muito posterior à da venda) impõe necessariamente que a liquidação do IRS, no que respeita a este valor seja nula, por não se basear num rendimento recebido efectivamente pela Recorrente e assim violar manifestamente o disposto nos artigos 1º do CIRS e 104º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

v) O valor de realização a considerar para o efeito de apurar a eventual existência de mais-valias, decorrentes da venda do referido imóvel, não pode ir além do valor da venda, ou seja os €850.000,00, que configura um valor superior ao valor patrimonial que o imóvel tinha para a Administração Fiscal no momento da venda e que era de €70.785,41, e que serviu de base à liquidação do IMT, em 26 de Outubro de 2005, conforme o disposto no artigo 44º, nº 1, al. f) e nº 2 do Código do CIRS.

w) A interpretação e aplicação que a Administração Fiscal fez do disposto no artigo 44º, nº 1, al. f) e do nº 2 do Código do I.R.S., determinando um valor de mais- valias superior ao valor de venda recebido pela Recorrente, traduz uma interpretação e aplicação violenta e materialmente inconstitucional destes preceitos do Código do IRS, por contrária aos princípios da tributação do rendimento efectivo do contribuinte e da capacidade contributiva do mesmo, contidos no artigo 104º, nº 1 da C.R.P., bem como uma violação do princípios gerais da proporcionalidade e da justiça constantes do artigo 266º, nº 2º da Constituição da República Portuguesa, que realizam uma interpretação e aplicação materialmente inconstitucional daqueles preceitos do artigo 44º, nº 1, al. f) e nº 2º do C.I.R.S., que este Tribunal não pode aplicar.

x) A Administração Fiscal desconsiderou completamente o preço de venda do imóvel, para efeitos de tributação das mais-valias – único valor que a Recorrente recebeu em contrapartida da venda daquele terreno – e considerou, para esse efeito, um valor que a Recorrente nunca recebeu e que desconhece aliás como foi encontrado, de € 1.915.286,67 (respeitante a 2/3 do valor de € 2 872 930,00, valor de actualização do terreno, para efeitos de IMI, determinado em data muito posterior à da venda) e num processo administrativo a que a Recorrente é totalmente alheia.

y) A ter-se tomado em consideração para a liquidação do imposto uma avaliação do imóvel, estranha à Recorrente e à contraprestação recebida por esta, e apurada em data posterior à da venda do mesmo, então estão a aplicar-se à Recorrente, de modo retroactivo, normas relativas à incidência do imposto, o que não é legal e constitucionalmente admissível, e determina que se estão a aplicar disposições viciadas de inconstitucionalidade material, por ofenderem o princípio da não retroactividade do imposto, constante do artigo 103º, nº 3º da Constituição da República, o que configura um novo fundamento de nulidade da liquidação.

z) O que significa afinal que a interpretação e aplicação que a Administração Tributária fez do artigo 44º, nº 1, al. f) e nº 2º do C.I.R.S. está eivada de inconstitucionalidade material, por desrespeitar também o princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei fiscal, previsto no artigo 103º, nº 3 da C.R.P., ao determinar a aplicação ao contribuinte de um valor patrimonial do imóvel calculado depois de ele o ter vendido, de já não ser sua propriedade e sem o ter ouvido sequer, cuja determinação lhe é absolutamente alheia.

aa) No caso vertente, e como atrás tivemos ocasião de considerar, uma outra interpretação do artigo 44º, nº 2º do C.I.R.S., errada aliás por contrariar a própria interpretação sistemática do C.I.R.S., como foi feita pela Administração Tributária, está em desconformidade com os artigos 104º, nº 1 e 103º, nº 3 da C.R.P. e com o princípio da igualdade também de assento Constitucional (artigo 13º), estando portanto eivada de inconstitucionalidade material e sendo inaplicável por este Tribunal.

bb) A Recorrente é inteiramente alheia ao novo valor patrimonial para efeitos de IMI que foi atribuído ao imóvel, não tendo tido qualquer intervenção no processo de fixação desse novo valor patrimonial, donde resulta que tal valor nunca poderá produzir quaisquer efeitos em relação a ela, de acordo com o princípio do Estado de Direito Democrático ínsito no artigo 2º da C.R.P. e no artigo 268º, nº 3º da CRP, pois ninguém pode ser prejudicado por uma actuação da Administração Pública sem ter sido ouvido antes da prática do acto e sem ter podido intervir no respectivo processo administrativo.

cc) Não pode deixar de considerar-se que encontrando-se provado e aceite pela Administração Fiscal que o preço de venda do imóvel foi de € 850.000, só 2/3 deste valor poderia ser tomado em consideração como eventual valor de realização para cálculo das mais-valias, ou seja, €566.666, nos termos do disposto no artigo 44º, nº 1, al. f) e nº 2º do CIRS, aplicado em conformidade com o disposto na CRP, nos artigos 104º, nº 1, 103º, nº 3, 266º, nº 2 e 13º, devendo ser esta interpretação conforme à Constituição da República que este Tribunal deverá realizar.

dd) Ainda que houvesse lugar ao pagamento de mais-valias relativamente a 2/3 do valor do terreno, vendido em 27 de Outubro de 2005, o que não se aceita nem concede, nesse caso, o valor de realização a considerar para o efeito de apurar as eventuais mais-valias só poderia ser o valor da venda, ou seja os € 850.000,00, que configurava um valor superior ao valor patrimonial que o imóvel tinha para a Administração Fiscal no momento da venda e que era de € 70.785,41, e que serviu de base à liquidação do IMT, em 26 de Outubro de 2005, tudo de acordo com o disposto no artigo 44º, nº 1, al. f) e nº 2 do Código do CIRS, interpretados de acordo com o exigido sistematicamente pelo CIRS e de acordo com os princípios constitucionais já referidos.

ee) Face ao exposto, que não poderá ser outra a decisão deste Tribunal que não seja a de declarar procedente, por provado, o presente recurso, decretando a nulidade da liquidação das mais-valias e do IRS referente ao ano de 2005, liquidado à ora Recorrente.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão que considerou manter na ordem jurídica o acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2005, liquidado à Recorrente.


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Não foram produzidas contra-alegações com relação a este recurso.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no qual concluiu no sentido do não provimento de ambos os recursos.

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Colhidos os vistos, vem o processo submetido à Secção de Contencioso Tributário para julgamento.


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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A - Por partilha de herança, em maio de 1981, por óbito de Duarte ..., foi transmitido à Impugnante 1/3 do prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400 m2, sito na Rua do ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 303 e inscrito na respetiva ... sob o artigo provisório P2423 – cfr. fls. 141 a 151 do processo administrativo tributário apenso (PAT) que aqui se dão por reproduzidas.

B - Por escritura pública lavrada a 11.03.1999 no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, a Impugnante adquiriu, por compra e venda, 2/3 do imóvel identificado em A) pelo preço de € 174.579,26 – cfr. fls. 141 a 151 PAT que aqui se dão por reproduzidas.

C - A sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.” apresentou junto da Câmara Municipal de ... o projeto de Licenciamento relativo ao empreendimento misto de habitação, comércio e serviços, sito na Rua ..., ... – cfr. doc. 8 junto com a Petição Inicial (P.I.).

D - Por ofício n.º 15582, de 27.09.2002, a Câmara Municipal de ..., na sequência do pedido mencionado em C), informou a “... Empreendimentos Imobiliários S.A.” sobre a viabilidade construtiva para um edifício de habitação, comércio e serviços para o terreno em apreço – cfr. doc. 9 junto com a P.I.

E - Em 02.02.2004 a Impugnante constituiu sua procuradora a sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.” para a representar junto de quaisquer entidades públicas ou privadas, Conservatórias de Registo Predial, Repartições de Finanças e Câmara Municipais, para em relação ao imóvel identificado em A) assinar quaisquer requerimentos, pedidos de construção para obter licenças de construção para o imóvel e para intentar ou prosseguir quaisquer ações relativas à posse do imóvel – cfr. de fls. 73 a 76 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.

F - Em 27.05.2005 foi celebrado entre a Impugnante, como primeira outorgante; a sociedade “... e Filhos, Lda.”, como segunda outorgante e a sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.”, como terceira outorgante, um contrato de revogação de arrendamento que a “... e Filhos, Lda.” mantinha em parte do terreno – cfr. doc. 6 junto com a P.I..

G - No termos do contrato de revogação do arrendamento, a Impugnante, na sua qualidade de proprietária, assegurou a recuperação da posse do prédio arrendado e de parte do terreno de sua propriedade e em troca obrigou-se a entregar ao arrendatário uma loja no edifício a construir no terreno, com a área de 1138,20 m2 no piso 1 e oito lugares de estacionamento vedado no piso 2 – cfr. doc. 6 junto com a P.I..

H - A Impugnante obrigou-se ainda a requerer o licenciamento da construção, de molde a que as frações a conceder obtivessem da Câmara Municipal de ... uma licença de utilização autónoma em relação ao resto do empreendimento – cfr. doc. 6 junto com a P.I.

I - Por escritura pública celebrada em 27.10.2005 a Impugnante vendeu à sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.” pelo valor de € 850.000,00 o prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400m2, sito na Rua do ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 303 e inscrito na respetiva ... sob o artigo provisório P2423, com o valor patrimonial de € 70.785,41 – cfr. doc. 6 junto com a P.I.

J - No dia 26.10.2005, e em relação à transmissão identificada em I), foi liquidado no Serviço de Finanças de ... o Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis, no valor de € 55.250,00 – cfr. doc. 4 junto com a P.I.

K - Em 20.05.2006, em resultado da 2.ª avaliação efetuada na sequência de reclamação apresentada por “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.” ao mesmo imóvel foi fixado o valor patrimonial tributário de € 2.872.930,00, ao invés do valor de € 3.777.610,00 resultante da 1.ª avaliação – cfr. fls. 70 a 73 do PAT.

L - A Impugnante não apresentou a declaração de IRS referente ao ano de 2005 –por acordo.

M - A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção com o objetivo da análise dos rendimentos resultantes da alienação de imoveis, na sequência da qual foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, do qual se destaca o seguinte:

«[…]

Foi constatado que um terço do prédio foi transmitido ao sujeito passivo por partilha de herança em Maio de 1981, por morte de Duarte ..., conforme Termo de Declaração que se anexa (anexo 3).

De acordo com os dados obtidos através do Serviço de Finanças de Oeiras 2, onde foi elaborado o termo de declaração de acordo com o artigo 59.º e 60.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações, foi atribuído um valor matricial correspondente a um terço do prédio, de € 359,13.

Relativamente aos restantes dois terços, estes foram adquiridos em 11 de Março de 1999, conforme escritura celebrada no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, no valor de € 174.579.26, que se encontra no anexo 4.

Consultada a base de dados disponível nestes serviços, constatou-se que, na medida em que o imóvel foi alienado na vigência do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, foi este sujeito a avaliação, tendo sido apurado um valor patrimonial de € 2.872.930,00. (anexo 5)

Assim, verifica-se que foram adquiridos 2/3 do imóvel acima descrito, após 1989/01/01, sendo os rendimentos de mais valias resultantes da sua transmissão sujeitos a tributação, nos termos do artigo 9.º e artigo 10.º, ambos do CIRS.

[…]

Relativamente à alienação do imóvel descrito no ponto III 1.2, o valor de realização, e de acordo com o artigo 44º do CIRS, tratando-se de bens imóveis, será considerado, quando superior, o valor que serviu de base para efeitos de liquidação de IMT, que no caso em apreço o novo valor de realização será de € 1.915.286,67 (2/3 * 2.872.930,00). Valor este correspondente a dois terços do bem adquirido no ponto III.1.2, após a vigência do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

O valor de aquisição, de acordo com o nº 1 do artigo 46º, considera-se o valor que teve por base o cálculo do imposto municipal de SISA, no valor de € 174.579,26, que corresponde ao valor de aquisição dos dois terços do imóvel em análise no ano de 1999, conforme já anteriormente descrito.

De acordo com o artigo 50º do mesmo código, o coeficiente de desvalorização da moeda para efeitos de correcção monetária, de forma a corrigir o valor de aquisição sobre o imóvel será de 1,18 (portaria n.º 488/05, de 20 de Maio).

Refira-se que, para efeitos de apuramento do rendimento colectável em IRS o saldo respeitante aos rendimentos qualificados como de mais-valias) é apenas considerado em 50% do seu valor, conforme dispõe o n.º 2, do artigo 43.º do CIRS.

Deste modo, e através dos elementos apurados anteriormente e tendo presente a fórmula de calculo da Mais Valia Fiscal (MVF = [VR - (VA x Coef) - Encargos]), conforme disposto na alínea a) n.º 4 do artigo 10.º do CIRS, o valor apurado sujeito a tributação (em 50%) é calculado da seguinte forma:
REALIZAÇAOVALOR DE AQUISIÇAOMAIS VALIA FISCAL
DATAVALORDATACOEFVALORVALOR
2005/101.915.286,67€1969/031,18174.579,26€854.641,57€
MVF= [1. 915.286,67€ - (17 4.579,26€*1,18)]*50% = 854641,57€»

– cfr. fls. 141 a 151 PAT que aqui se dão por reproduzidas.

N - Ato impugnado: Em 21.09.2009 a Administração Tributária procedeu à elaboração da declaração oficiosa de IRS relativa aos rendimentos do ano de 2005, da qual resultou a liquidação n.º 20095004880421, da mesma data, no valor de € 380.660,04, sendo € 336.679,55 de imposto e € 43.980,49 de juros compensatórios, que considerou um rendimento global de € 859.083,57 – cfr. doc. 1 junto com a P.I..

O - A Impugnante desenvolveu várias diligências junto da Câmara Municipal da ... destinadas a aprovar a urbanização e loteamento do terreno – depoimento das testemunhas Martim Mayer e Miguel Pardal e docs. de fls. 161 a 210 e 221 a 334 dos autos.

P - A petição inicial que deu origem à presente impugnação foi apresentada por fax dirigido ao Serviço de Finanças de Faro em 07.04.2011 – cfr. fls. 4 dos autos.

Factos não provados

Não existem outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe dar como provados ou não provados.

Motivação

A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, e bem assim com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados. Relativamente à prova testemunhal produzida, relevou para prova do facto levado à alínea O) considerando que o depoimento prestado se mostrou objetivo e isento.

2.2. De direito

Como antes deixámos dito, vêm-nos dirigidos dois recursos jurisdicionais.

O recurso interposto pela Fazenda Pública versa sobre a liquidação de juros compensatórios, acto este que foi anulado com fundamento na falta de fundamentação legalmente imposta.

O recurso interposto pela Impugnante, Maria ..., tem por objecto a sentença na parte que lhe foi desfavorável, ou seja, na parte em que manteve na ordem jurídica a liquidação adicional de IRS.

Assim sendo, como é lógico, iniciaremos a presente análise pelo recurso interposto pela Recorrente, Maria ..., uma vez que, na hipótese de este recurso lograr provimento, fica inelutavelmente prejudicada a apreciação do recurso interposto pela Fazenda Publica.

Vejamos, então.

A impugnante, Maria ..., contestou a liquidação de IRS, do ano de 2005, emitida na sequência de acção de inspecção, invocando, em síntese, o seguinte: (i) vício de violação de lei por ofensa dos artigos 10.º, n.º 1, al. a), 44.º, n.º l, al. f) e n.º 2, ambos do Código do IRS; (ii) vício de violação de lei por ofensa dos artigos 266.º, n.º 2 e 104.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e (iii) vício de forma por falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios.

Como já acima dissemos, a sentença recorrida julgou a impugnação judicial parcialmente procedente, anulando a liquidação de juros compensatórios e mantendo a liquidação de IRS.

Para assim concluir, quanto ao imposto contestado, o TAF de Sintra alinhou, naquilo que para aqui releva, o seguinte discurso argumentativo, tendo para o efeito convocado o quadro legal que considerou aplicável [alínea a) do n.º 1 e alínea a) do nº4, do artigo 10.º, n.º 1 do artigo 43.º, alínea a) do n.º 1 do artigoº 51.º, artigo 44.º, nºs 1, alínea a) e j) e 2 e artigo 46º, todos do CIRS e, bem assim, o artigo 15.º do DL n.º 287/2003, de 12 de Novembro]:

“Em face do enquadramento legal exposto e da factualidade provada, resulta evidente que a avaliação do prédio cuja venda deu origem às mais valias objeto de tributação em sede de IRS foi efetuada em cumprimento do disposto no acima transcrito artigo 15.º do DL n.º 287/2003, de 12 de novembro, não sendo legítima a alegação da Impugnante quando diz que desconhece como foi encontrado o valor patrimonial tributário do prédio, quando é certo, de acordo com o provado em K), que foi a sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.”, que a Impugnante constituiu sua procuradora 02.02.2004 – cfr. al. E) do probatório –, quem requereu a 2.ª avaliação.

E mais, de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 44.º do CIRS, também acima transcrito, quando esteja em causa a transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, como é o caso, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT, sendo certo que, relativamente à avaliação a que se refere o n.º 1 do art.º 15 do DL n.º 287/2003, de 12 de novembro, resulta ainda do regime transitório plasmado na al. a) do n.º 1 do art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 que [o] IMT relativo aos prédios cujo valor patrimonial tributário tenha sido determinado nos termos do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, e enquanto não for efetuada a avaliação geral da propriedade imobiliária, nos termos previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no CIMT, nos termos seguintes:

a) O imposto relativo aos prédios urbanos é provisoriamente liquidado pelo valor constante do acto ou do contrato ou pelo valor patrimonial tributário inscrito na ... à data da liquidação, consoante o que for maior, sendo a liquidação corrigida oficiosamente, sendo caso disso, logo que se torne definitivo o valor da avaliação a levar a efeito nos termos previstos no n.º 1 do artigo 15.º do presente diploma, relativamente a todas as primeiras transmissões que ocorrerem após a entrada em vigor do CIMT.

Ora, estando em causa a liquidação do IRS, como decorre do disposto no n.º 1, do art.º 15.º, conjugado com a alínea a) do n.º 1, do art.º 27.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, tendo o prédio sido objeto de transmissão onerosa após 1 de janeiro de 2004, o valor da avaliação realizada após essa transmissão releva, não só para efeitos do IMI e do IMT (este liquidado provisoriamente, como decorre do mencionado preceito legal), como também para efeitos de determinação do ganho resultante do valor de realização. É a única interpretação que pode retirar-se da interpretação conjugada dos artigos 15.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, al. a), ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, com o n.º 2 do artigo 44.° do CIRS. Ou seja, a tributação em IRS, no respeita aos rendimentos da categoria G, há de ser efetuada com base no valor patrimonial definitivo que serviu de base à liquidação (definitiva) de IMT.

Por isso, bem andou a AT ao considerar o valor patrimonial que resultou da avaliação efetuada nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro ( € 1.915 285,67, correspondente a 2/3 do VPT total do prédio) para o cálculo de mais valias referente à alienação onerosa ocorrida no ano de 2005 (neste sentido vide Acórdãos do TCA Sul de 09.04.2013, proc. n.º 06052/12, e de 09.11.2011, proc. n.º 04603/11, disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).

Acresce que, como bem alegou a Fazenda Pública nos autos, os custos suportados pela Autora com a valorização do prédio, nomeadamente no que se refere às diligências relacionadas com operações loteamento e outras tendentes à obtenção de licença de construção, não servem de fundamento à exclusão de tributação prevista al.a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, apenas podendo relevar para efeitos de determinação do valor de aquisição nos termos da al. a) do art.º 51.º, por determinação do art.º 43.º, n.º 1, ambos Código do IRS, do CIRS. No entanto, não é nesse sentido que vem a alegação da Impugnante para concluir com o pedido de declaração de nulidade da liquidação, não cabendo, por isso, ao Tribunal, sob pena de excesso de pronúncia, conhecer dessas eventuais despesas e da sua relevância na determinação do valor de aquisição do prédio alienado em 2005.

Concluindo, a Administração Tributária atuou em estrita obediência ao direito instituído, respeitando a opção do legislador em termos do regime transitório previsto no Decreto-Lei n.º 287/2003, fazendo uma correta interpretação e aplicação do mesmo.

Acresce que o regime em apreço não contende com o princípio da capacidade contributiva, desde logo porque permite que as despesas relacionadas com a valorização do imóvel sejam tidas em consideração na determinação do valor de aquisição, que deduz ao valor da realização, e depois porque leva em consideração um valor que é determinado de acordo com critérios objetivos que tendem a fazer coincidir o VPT apurado com o verdadeiro valor de mercado do prédio. Por outro lado, e em termos do respeito pelo princípio da igualdade, de que o princípio da capacidade contributiva é expressão, não faria sentido que a nova avaliação efetuada nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 relevasse para efeitos da determinação do IMT provisoriamente liquidado ao adquirente do prédio e não relevasse para efeitos do cálculo das mais valias resultantes da alienação no que se refere ao vendedor, considerando que o ato do qual resultam os diversos deveres tributários é o mesmo.

Refira-se, assim, que não surgem minimamente beliscados os princípios da boa fé, da proporcionalidade ou da justiça previstos na CRP, com consagração ao nível da lei ordinária porquanto, e sem necessidade de elaborados considerandos, à data da transmissão as normas legais que impunham a avaliação do imóvel que levou à determinação de um VPT superior àquele que foi o preço de venda, bem como os efeitos dessa avaliação nas transmissões operadas a partir de 01.01.2004, encontravam se já plenamente vigentes, permitindo à ora Impugnante tomar consciência da possibilidade de alteração do valor de realização em função da avaliação que viesse a ser efetuada.

Conclui-se, de tudo quanto se expôs, que o valor de realização a considerar para efeitos de liquidação de IRS, no que às mais valias se refere, não poderia ser o declarado na escritura de compra e venda, sobre o qual foi liquidado, provisoriamente, o IMT relativo ao ato, mas antes o valor patrimonial tributário que veio a ser determinado na avaliação decorrente dessa alienação, por ser superior.

Na medida do exposto, a liquidação oficiosa de IRS relativa ao ano de 2005 não padece de ilegalidade decorrente de erro nos pressupostos de facto, nem tão pouco de errónea aplicação ou interpretação do direito aplicável por parte da Administração Tributária”.

É contra o assim decidido, em todas as vertentes, que se insurge a Recorrente, Maria ....

Desde logo, (i) insiste que os rendimentos em causa não deveriam ter sido qualificados como sendo de mais-valias, por ser evidente que a valorização do imóvel decorreu do esforço, actividade, trabalho e custos da sua proprietária, quer directamente, quer através da empresa sua representante. Assim sendo, sublinha a Recorrente, nunca aqui se poderia conceber “um incremento patrimonial inesperado e trazido pelo vento e sem qualquer relação com as actividades desenvolvidas pela proprietária do terreno”.

Por outro lado, (ii) defende a Recorrente que, mesmo a entender-se que se trata de rendimentos resultantes de mais-valias, não é legalmente aceitável “o pagamento de mais-valias superiores ao preço que esta recebeu pela venda do terreno”, mais salientando que “a tributação em IRS, (…), só pode recair sobre rendimentos efectivamente auferidos pelas pessoas singulares, quer nos termos cristalinos do disposto no artigo 1º do CIRS, quer do artigo 104º, nº 1º da Constituição da República Portuguesa”. Para a Recorrente, não é constitucionalmente aceitável “o facto de a Administração Fiscal ter desconsiderado (…) o preço de venda do imóvel para efeitos de avaliação e tributação das mais-valias – único valor que a Recorrente recebeu em contrapartida da venda daquele terreno – e ter considerado, para esse efeito, um valor que a Recorrente nunca recebeu (…) de € 1.915.286,67 (respeitante a 2/3 do valor de € 2.872.930,00, valor de actualização do terreno, para efeitos de IMI, determinado em data muito posterior à da venda)”. Nesta perspectiva, a “interpretação e aplicação que a Administração Fiscal fez do disposto no artigo 44º, nº 1, al. f) e do nº 2 do Código do I.R.S., determinando um valor de mais- valias superior ao valor de venda recebido pela Recorrente, traduz uma interpretação e aplicação violenta e materialmente inconstitucional destes preceitos do Código do IRS, por contrária aos princípios da tributação do rendimento efectivo do contribuinte e da capacidade contributiva do mesmo, contidos no artigo 104º, nº 1 da C.R.P., bem como uma violação do princípios gerais da proporcionalidade e da justiça constantes do artigo 266º, nº 2º da Constituição da República Portuguesa, que realizam uma interpretação e aplicação materialmente inconstitucional daqueles preceitos do artigo 44º, nº 1, al. f) e nº 2º do C.I.R.S., que este Tribunal não pode aplicar”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito, começando pela questão aqui equacionada sob a designação (i).

Sobre este vector invocado em sede de impugnação, o TAF de Sintra limitou-se a considerar que “os custos suportados pela Autora com a valorização do prédio, nomeadamente no que se refere às diligências relacionadas com operações loteamento e outras tendentes à obtenção de licença de construção, não servem de fundamento à exclusão de tributação prevista al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, apenas podendo relevar para efeitos de determinação do valor de aquisição nos termos da al. a) do art.º 51.º, por determinação do art.º 43.º, n.º 1, ambos Código do IRS, do CIRS”. Para mais, segundo o Tribunal a quo, sob a invocação da possibilidade de incorrer em excesso de pronúncia, nem sequer se poderia colocar a questão de conhecer dessas eventuais despesas e da sua relevância na determinação do valor de aquisição do prédio alienado em 2005.

Como se vê, a questão da qualificação dos ganhos obtidos com a venda do imóvel a que se refere a alínea I) dos factos provados não mereceu grande desenvolvimento por parte do Tribunal de 1ª instância, limitando-se o mesmo a considerar que as apontadas diligências levadas a cabo pela Autora “não servem de fundamento à exclusão de tributação prevista al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS”.

Como se viu, a Recorrente insiste na ilegalidade da correcção efectuada pela A.T, no pressuposto da incorrecta qualificação dos ganhos obtidos com a venda efectuada em 2005, a que se reporta a alínea I do probatório – a Impugnante vendeu à sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.”, pelo valor de € 850.000,00 o prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400m2, sito na Rua do ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 303 e inscrito na respectiva ... sob o artigo provisório P2423, com o valor patrimonial de € 70.785,41.

Para a Recorrente, os ganhos em causa não podem ser qualificados como rendimentos de mais-valias e, pese embora nunca o diga expressamente, percebe-se (até por exclusão de partes) que a Recorrente entende que os ganhos obtidos são resultantes de uma actividade comercial, enquadráveis na categoria B de IRS.

Vejamos, então, com vista a concluir sobre a qualificação a dar aos rendimentos auferidos pela impugnante: se são rendimentos da Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais ou se, pelo contrário, são rendimentos da Categoria G - Incrementos patrimoniais (mais-valias).

Importa, antes do mais, darmos conta do quadro legal que necessariamente deverá ser convocado para a resolução da questão que aqui nos ocupa, relembrando que estamos a considerar factos ocorridos no ano de 2005.

Assim, à data dos factos, previa o artigo 1º, nº1 do CIRS que:

1 - O imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de actos ilícitos, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos:

Categoria A - Rendimentos do trabalho dependente;

Categoria B - Rendimentos empresariais e profissionais;

Categoria E - Rendimentos de capitais.

Categoria F - Rendimentos prediais;

Categoria G - Incrementos patrimoniais;

Categoria H - Pensões.

Por sua vez, o artigo 3º, nº1, alínea a) e nº 2, alíneas c) e h) do CIRS, dispunha que:

1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:

a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;

(…)

2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:

(…)

c) As mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 43.º do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no n.º 1 do artigo 10.º, quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais;

(…)

h) Os provenientes da prática de actos isolados referentes a actividade abrangida na alínea a) do n.º 1;

Ainda com interesse para o caso em análise, dá-se conta do disposto no artigo 4º, nº1, alíneas a) e g) do CIRS, nos termos do qual:

1 - Consideram-se actividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:

a) Compra e venda;

(…)

g) Urbanísticas e exploração de loteamentos;

Por último, chama-se à colação o artigo 10º, nº1, alínea a) do CIRS, segundo o qual:

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

Aquilo que aqui nos ocupa, já o dissemos, é aferir da correcta qualificação de determinados rendimentos auferidos pela Recorrente como rendimentos da categoria G/ Incrementos patrimoniais/ mais-valias. Dito de outro modo, importará proceder à subsunção do circunstancialismo de facto apurado nas correspondentes normas de incidência, a fim de se concluir se os ganhos obtidos em resultado da venda ocorrida em 2005 têm carácter acidental ou fortuito ou, antes, se se integram numa actividade comercial, ainda que consistente num único acto isolado, por quem não exercia essa actividade.

E, a este propósito, uma nota é já possível realçar: apenas podem configurar mais-valias os ganhos que, além de tipificados, não reúnam condições, características, que os tornem passíveis de integrarem a categoria de rendimentos do tipo empresariais e profissionais, de capitais ou prediais.

Como afirmava Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 316., “Para que possamos ter mais-valias tributáveis autonomamente em IRS, temos de ter ganhos que resultem de uma alienação que não está integrada numa actividade comercial ou empresarial ou que, estando nela integrada, resulta da alienação de um bem que pertence ao activo imobilizado da empresa”.

Do mesmo modo, e como é habitual dizer-se a propósito de rendimentos derivados de mais-valias, “teria que tal rendimento ter um carácter meramente ocasional ou fortuito, ou, no dizer dos ingleses, “de ganhos trazidos pelo vento” (cfr. acórdão do TCA SUL, de 11/11/08, processo nº 02228/08).

Vejamos, então.

A expressão actos de comércio utilizada no artigo 2.º do Código Comercial tem um sentido muito amplo, correspondente ao conceito de facto jurídico mercantil lato sensu, no qual se englobam os factos jurídicos em sentido estrito ou factos naturais, os actos jurídicos ou factos humanos e, dentro destes, os negócios jurídicos - Cfr. neste sentido, Fernando Olavo, Direito Comercial, I, 2.ª Edição, pág. 61. .

Como se assinala no acórdão do TCA Sul, de 24/04/07 (processo nº 01717/07), “O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.

Como salienta o acórdão do STA, de 24/02/16, processo nº 580/15, “A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, firmada na vigência da contribuição industrial, mantém em face do IRS, neste particular, toda a actualidade ao indicar que o conceito de comércio adoptado pelo legislador fiscal não se identifica com o conceito jurídico-privado do Código Comercial, sendo um conceito próprio, de natureza económica onde se inscreve toda a actividade (ainda que expressa em um só acto) que tenha por fim objectivo um lucro, como se disse no Ac. do S.T.A., de 12/05/65, in Ap. Diário do Governo, de 01/03/66 e de 03/12/91 e 26/02/92, in Recs. 13.398 e 13.529). Aponta-se, ali que, desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma actividade económica (mesmo que expressa em um só acto) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma actividade comercial e, se existir a incorporação de novas utilidades no bem objecto da actividade em questão, haverá uma actividade industrial”.

Impõe-se, pois, que nos detenhamos sobre a factualidade assente para podermos concluir se os rendimentos obtidos com venda m.i em I) assumem uma natureza fortuita, caracterizadora dos ganhos de mais-valias ou se, antes, se inserem no desenvolvimento de uma actividade comercial, ainda que não habitual, levada a cabo com vista a dela retirar proventos económicos, numa perspectiva de lucro futuro.

Vejamos, então.

Por partilha de herança, em maio de 1981, foi transmitido à Impugnante 1/3 do prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400 m2, sito na Rua do ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 303 e inscrito na respetiva ... sob o artigo provisório P2423.

Por escritura pública lavrada em 11/03/99, a Impugnante adquiriu, por compra e venda, 2/3 do imóvel identificado no parágrafo anterior, pelo preço de € 174.579,26.

Portanto, desde 1999 o imóvel em causa é propriedade (plena) da Impugnante.

Por escritura pública celebrada em 27/10/05, a Impugnante vendeu à sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.” o prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400m2, antes identificado.

Quer isto dizer que, como se retira da análise dos pontos A), B) e I) dos factos provados, o bem vendido em 2005 é precisamente o mesmo, ou seja, com a mesma natureza, que o bem adquirido em momento anterior. A Recorrente adquiriu um prédio urbano composto por terreno urbanizado, com a área de 8 400 m2, e vendeu esse mesmo bem.

Ora, pretende a Recorrente que se retirem importantes consequências – em termos de qualificação dos rendimentos obtidos com a venda do prédio m.i em I) – da circunstância de, entre o momento em que a Impugnante adquiriu a propriedade plena do prédio, em 1999, e o momento em que o vendeu, em Outubro de 2005, ter sido desenvolvida, por si ou através da sua representante (a sociedade ...), uma actividade que, do seu ponto de vista, traduz uma intenção de valorizar o bem em causa, retirando aos ganhos obtidos a característica essencial dos rendimentos provenientes de mais-valias.

Ainda que este Tribunal alcance as razões da Recorrente, entendemos que, as especificidades do caso concreto, não permitem dar-lhe razão, ou seja, em nosso entendimento, a actividade desenvolvida por Maria ... (directamente ou através da ...), entre o momento da aquisição e o da venda, não encerra uma sucessão de actos que se possam subsumir a uma actividade comercial, ainda que esporádica.

Vejamos o que nos mostra a matéria de facto, a qual não foi impugnada.

Ora, extrai-se da matéria de facto que efectivamente a Impugnante iniciou, junto da Câmara Municipal, um pedido de licenciamento, ou seja, um pedido de controlo prévio aplicável à realização de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação e demolição de imóveis. No âmbito de tal procedimento, foram realizadas diversas diligências, tais como a apresentação do projecto de arquitectura e dos projectos de especialidade, como resulta da análise dos documentos a que reportam as fls. indicadas na alínea O) do probatório. Extrai-se do documento de fls. 178 junto aos autos que o projecto de arquitectura foi aprovado em Março de 2005, ou seja, em momento anterior à venda m.i em I) dos factos provados.

Por seu turno, dos documentos juntos aos autos pela Câmara Municipal, os quais se mostram indicados na alínea O) do probatório, retira-se que o despacho autorizando a emissão de alvará de obras teve lugar no final de Novembro de 2005, ou seja, em momento posterior à venda e, portanto, quando o proprietário do terreno já era a ... (cfr. fls. 181) e não a Impugnante, ora Recorrente.

De salientar, também, que, em 27/05/05 foi celebrado entre a Impugnante, como primeira outorgante, a sociedade “... e Filhos, Lda.”, como segunda outorgante e a sociedade “... – Empreendimentos Imobiliários S.A.”, como terceira outorgante, um contrato de revogação de arrendamento que a “... e Filhos, Lda.” mantinha em parte do terreno e que, nos termos do contrato de revogação do arrendamento, a Impugnante, na sua qualidade de proprietária, assegurou a recuperação da posse do prédio arrendado e de parte do terreno de sua propriedade e em troca obrigou-se a entregar ao arrendatário uma loja no edifício a construir no terreno e diversos lugares de estacionamento. A Impugnante obrigou-se ainda a requerer o licenciamento da construção, de molde a que as fracções a conceder obtivessem da Câmara Municipal de ... uma licença de utilização autónoma em relação ao resto do empreendimento.

Ora, do nosso ponto de vista, nem as diligências efectuadas no âmbito de um pedido de licenciamento (sublinhe-se, concluído já após a venda), nem a revogação do contrato de arrendamento com a inerente compensação ao inquilino, constituem actos que inequivocamente correspondam ao desenvolvimento de uma actividade comercial, ainda que esporádica.

É evidente – e não se desconsidera - que toda esta actividade poderá ter como resultado a valorização do bem. Contudo, a pretensão de um qualquer proprietário de valorizar um bem pertencente ao seu património pode ser – e será na maior parte dos casos – uma medida habitual e elementar na normal gestão do património de cada um, sem que daí se possa retirar, sem dúvidas, o exercício de uma actividade comercial, de mediação entre a oferta e a procura.

Sublinhe-se – o que se afigura um elemento decisivo a considerar - que a Impugnante vendeu o prédio urbano em causa tal como o adquiriu, sem qualquer alteração/transformação. Não se vislumbra nos autos que, por parte da Impugnante, tenha havido uma actividade correspondente, por exemplo, ao loteamento e construção, actividades estas que já seriam subsumíveis ao exercício de uma actividade comercial.

Assim, o que flui dos autos é que, na realidade, a impugnante vendeu o terreno que adquiriu sem qualquer alteração, ainda que, em momento anterior à venda, tenha iniciado um procedimento de licenciamento. Por conseguinte, os respectivos ganhos terão de ser considerados como inesperados ou fortuitos e, por isso, mais-valias para efeitos de tributação em IRS – neste sentido, veja-se o acórdão deste TCA, de 11/11/08, processo nº 2228/08

Contrariamente ao que defende a Recorrente, em toda a actuação levada a cabo até à venda, não se evidencia inequivocamente uma actividade empresarial, ainda que não habitual, uma actividade de transformação de bens com vista à venda, desenvolvida com o fim da obtenção de lucro ou ganho e, por isso, de natureza comercial ou industrial.

Nesta linha de raciocínio, este primeiro vector do recurso terá que improceder, o que equivale a dizer que, em nosso entendimento, a AT não errou ao qualificar o rendimento em causa como proveniente de mais-valias e sujeitando-o a IRS enquanto tal, nos termos previstos no artigo 10º, nº 1, alínea a) do CIRS.


*

Passemos à segunda questão que nos vem colocada no recurso e que acima autonomizámos.

No essencial, está causa a discordância da Recorrente com a conclusão retirada na sentença no sentido de que “o valor de realização a considerar para efeitos de liquidação de IRS, no que às mais valias se refere, não poderia ser o declarado na escritura de compra e venda, sobre o qual foi liquidado, provisoriamente, o IMT relativo ao ato, mas antes o valor patrimonial tributário que veio a ser determinado na avaliação decorrente dessa alienação, por ser superior”.

Com efeito, para a Recorrente “ainda que houvesse lugar ao pagamento de mais-valias relativamente a 2/3 do valor do terreno, vendido em 27 de Outubro de 2005, (…), nesse caso, o valor de realização a considerar para o efeito de apurar as eventuais mais-valias só poderia ser o valor da venda, ou seja os € 850.000,00, que configurava um valor superior ao valor patrimonial que o imóvel tinha para a Administração Fiscal no momento da venda e que era de € 70.785,41, e que serviu de base à liquidação do IMT, em 26 de Outubro de 2005, tudo de acordo com o disposto no artigo 44º, nº 1, al. f) e nº 2 do Código do CIRS, interpretados de acordo com o exigido sistematicamente pelo CIRS e de acordo com os princípios constitucionais” da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento efectivo, da proporcionalidade e da justiça.

Vejamos, então, desde já se esclarecendo que passaremos a seguir de perto, transcrevendo, o recente acórdão do STA, de 08/11/17, proferido no processo nº 01108, cuja fundamentação, com as devidas adaptações ao caso concreto, nos permite chegar a uma decisão segura sobre a questão que nos ocupa. Na mesma linha jurisprudencial, pode ver-se, também, o acórdão do STA, de 11/10/17, proferido no processo nº 880/16.

Assim, e recuperando o acórdão primeiramente identificado, deve considerar-se que:

“(…)

O código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (C.I.M.I.) entrou em vigor em 01 Dezembro de 2004 e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (C.I.M.T.) em 01 Janeiro de 2004 cfr nºs 1 e 3 do artigo 32 do Decreto-Lei nº 278/2003 de 12 Novembro.

Antes vigorava o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CSISSD).

O Artigo 1º do CIRS ao definir a base do imposto estipula que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias que aí prevê e entre elas a categoria G.

O artigo 9º do CIRS considera como rendimentos da categoria G os incrementos patrimoniais desde que não considerados rendimentos de outras categorias e entre esses incrementos a ter em conta as mais valias que o artigo 10º nº 1 a) do mesmo diploma legal define como constituindo os ganhos obtidos e que não sendo rendimentos resultem entre outras situações da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis sendo que o ganho nos termos do nº 4 do mesmo preceito é constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição.

Nos termos do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 44 do CIRS para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, nos casos que não estejam compreendidos nas outras alíneas referidas nesse nº 1 tem-se como valor de realização o da respectiva contraprestação.

Mas o nº 2 deste mesmo artigo prescreve que no caso da alínea f), em que como se deixou dito se considera o valor da contraprestação como o da realização, prevalece o valor por que o bem foi considerado para efeitos de liquidação de I.M.T. ou não havendo lugar a esta liquidação o valor que devesse ser considerado se tal liquidação fosse devida. Desde que superior ao valor da contraprestação.

Neste caso é o valor considerado para efeitos de IMT a ter em conta na determinação das mais valias.

O artigo 12 do IMT, ínsito no capitulo III do CIMT que tem como epigrafe a determinação do valor tributável, prescreve que o IMT incidirá sobre o valor do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis consoante o que for maior prescrevendo o nº 2 que o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI.

Efectivamente o artigo 14 do CIMI determina por sua vez que o valor tributário dos prédios é determinado por avaliação.

O que aliás está em sintonia com o disposto no nº 3 do artigo 76 do CIMI na redacção vigente à data dos factos que assim dispunha:

1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado. (Redacção dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)

2 - A segunda avaliação é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo director de finanças em função da sua posição na lista organizada por ordem alfabética para esse efeito, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respectiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante. (Redação dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)

3 - Não obstante o disposto no número anterior, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efetua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo. (Redação pelo artigo 215.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

4 - Pelo pedido de segunda avaliação a que se refere o número anterior é devida pelo requerente uma taxa inicial, a fixar entre 7,5 e 30 unidades de conta, tendo em conta a complexidade da matéria. (Redação do artigo 6.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro; de acordo com o n.º 51.º da mesma Lei, a alteração operada pelo seu artigo 6.º tem natureza interpretativa)

5 - Para efeitos dos números anteriores, o valor patrimonial tributário considera-se distorcido quando é superior em mais de 15 % do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitectura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado. (Redação dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro).

No caso dos autos o recorrido consignou como preço de venda do prédio o de € 21.000,00 constante da escritura pública de venda e foi esse o valor constante da declaração de IRC, que a AT aceitou.

(…)

No caso dos autos não está em causa a legalidade da fixação do valor patrimonial tributário do prédio em causa.

O que está em causa é o facto de esse valor dever ser considerado como valor da realização, da transacção, para efeitos de apuramento de mais valia em sede de IRS como resulta do nº 2 do artigo 44 do CIRS e do artigo 76 /3 do CIMI.

Entende a Fazenda Pública. Que o valor de realização que releva para efeitos de determinação do rendimento da categoria G do I.R.S., na alienação de bens imóveis, é o constante do contrato ou o que serviu de base à liquidação do I.M.T. ou, não havendo lugar a esta liquidação, o que devesse ser quando devida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 44.º do Código do I.R.S.

Sendo valor que prevalece, quando superior ao do contrato, o valor usado para a liquidação de I.M.T.

Resulta do entendimento da Fazenda Pública que o nº 2 do artigo 44 do CIRS contém, uma regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS não sendo passível de prova nos termos do artigo 31 – A do CIRS.

Mas não tem razão.

O nº 2 do art. 44º do CIRS, sendo uma verdadeira norma de incidência, deve ser interpretado no sentido de consagrar uma presunção “juris tantum” e não “juris et de jure”, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT),

E neste sentido é que com a reforma do IRS (aprovada pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12) foi incluída expressamente (nº 5 do art. 44º do CIRS) a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efectivo, alteração legislativa esta que contribui, de forma inequívoca e decisiva, para interpretar adequadamente o disposto naquele n° 2 do art. 44° do CIRS.

E sendo assim o facto de em sede de IMI o recorrido não ter sindicado o resultado da avaliação (demonstrando o seu excesso - art. 76°, n° 8 do CIMI), nem ter requerido a realização do procedimento de 2ª avaliação (nº 1 do art. 76° do CIMI) não implica que o valor patrimonial tributário do imóvel em causa se tenha consolidado na ordem jurídica como “caso resolvido”.

Esta relevância em sede de IMI não determina que o efeito ou força do caso resolvido releve de igual forma em sede de IRS.

A consideração do Valor Patrimonial Tributário nos termos do nº 2 do artigo 44 do CIRS traduz como acima já se disse uma mera presunção juris tantum ilidível. Nestes sentido aliás se pronunciou o Tribunal Constitucional. (cfr. o acórdão nº 211/2017, proferido em 02/05/2017, no proc. nº 285/15, da 3ª secção) que julgou inconstitucional, aliás, a norma contida no nº 2 do art. 44º do CIRS, “na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa”, sendo que para o Tribunal, quer se entenda “a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido.”

No caso dos autos tendo a liquidação adicional de IRS ocorrido em 2008 o recorrido limitou-se a juntar aos autos documento comprovativo da venda do prédio em causa pelo preço de 21 000.00 Cfr escritura pública de compra outorgada no cartório notarial de Valpaços em 02 07 2004 e a sua alienação foi declarada no IRS do ano de 2004 como anteriormente se disse e também em sede de IRC.

Mas bastará a mera junção da escritura pública para afastar a presunção legal de que goza a Fazenda? Entendemos que não.

O artigo 44 do CIRS ao estabelecer a ficção legal ou presunção da prevalência do valor patrimonial tributário nos casos em que o contribuinte indica como valor da realização um valor inferior a este não contende com a força probatória que o artigo 371 do CC atribui aos documentos autênticos na medida em que apenas põe em crise os factos que nele são atestados mas que não respeitam a factos praticados pela autoridade in casu o notário.

Mas porque se trata de norma de incidência a presunção só podendo ser juris tantum-artigo 73 da LGT a lei permite ao contribuinte provar que o valor da realização foi inferior ao aí previsto cfr nºs 5 a 7 do citado artigo.

Tal prova está sujeita a procedimento próprio, procedimento este regulado no artigo 139 do CIRC, com as necessárias adaptações.

Mas esta possibilidade só foi permitida com a entrada em vigor da Lei 82-E/ 2014 de 31 12 que aditou ao artigo 44 do CIRS os nºs 5 a 7.

Assim a norma de incidência contida no nº 2 do artigo 44 do CIRS antes da entrada em vigor da Lei 82-E /2014 de 31 12 na interpretação que a Fazenda Pública teve ao proceder à liquidação ora impugnada tem de considerar-se como refere o aresto do Tribunal Constitucional acima referido como inconstitucional por traduzir a consagração de uma presunção inilidível em violação dos artigos 13 e 18 da CRP e 5º nº 2 e 73 da LGT.

Neste sentido veja-se também o acórdão do STA de 11 10 2017 in processo 0880/16”.

Ora, como se percebe, a análise feita no acórdão transcrito é, com as adaptações necessárias às especificidades do caso concreto, aqui inteiramente aplicável.

Com efeito, à data dos factos aqui em análise, dispunha o artigo 44º, nº1, alínea f), do CIRS, que, em caso de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização o valor da respectiva contraprestação. Previa o nº 2 do mesmo preceito que, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.

Foi assim, com base neste quadro legal, que a AT considerou, para efeitos de fixação do valor de realização relativo à venda identificada em I) supra, o montante de € 2.872.930,00 (aliás e mais precisamente, de € 1.915.286,67, correspondente a 2/3 do prédio), valor este resultante da avaliação efectuada já após a alienação na vigência do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

Quer isto dizer, portanto, que, com fundamento no artigo 44º, nº 2 do CIRS, foi desconsiderado o montante da contraprestação paga pela transmissão do prédio a que se reporta a alínea I) dos factos provados, tal como consta da escritura pública, de € 850.000,00.

Ora, como a jurisprudência citada vem afirmando, considerando os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva, bem como o da tributação real dos rendimento, o nº 2 do artigo 44 do CIRS, ao preceituar que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, no caso de transmissões onerosas de bens imóveis, prevalecerão quando superiores os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos da liquidação de IMI, consagra, não uma presunção juris et de jure, mas antes uma presunção juris tantum.

E, como é incontroverso, nos termos do artigo 73º da LGT “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

Ora, com a entrada em vigor da Lei nº 82-E/2014 de 31/12/14, foram aditados ao artigo 44º do CIRS os nºs 5 a 7, preceitos estes que vieram prever a possibilidade de ser feita a prova de que o valor de realização foi inferior ao previsto no nº 2 do artigo 44º, seguindo o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC.

A circunstância de, anteriormente a tal aditamento, a lei não prever expressamente a possibilidade daquela prova, de modo a ilidir a presunção contida no nº2 do artigo 44º, ou seja, impossibilitando o contribuinte de provar que o valor de realização foi inferior ao VPT, torna a norma de incidência correspondente ao do nº 2 do artigo 44 do CIRS, quando aplicada sem tal possibilidade, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13º e 103º, nº1 da CRP), assim se desaplicando ao caso concreto.

Por conseguinte, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, há que concluir que a liquidação de IRS viola a lei, nos termos expostos e, como tal, não pode manter-se.

Portanto, há que conceder provimento ao recurso interposto pela Recorrente, Maria ..., e, em consequência, revogar a sentença recorrida que decidiu em contrário e, nesta linha, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação adicional de IRS contestada.

Face ao decidido, concluindo-se pela ilegalidade do imposto, segue-se a invalidade consequente dos juros compensatórios cuja liquidação visa compensar o Estado pelo atraso na liquidação do imposto devido.

Ora, no caso, não sendo devido o IRS – como se determinou – não são logicamente devidos juros compensatórios.

Face a esta conclusão, fica naturalmente prejudicado o conhecimento do recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública.


*

Impõe-se, ainda, analisar o que se segue, com respeito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é de € 380.660.00.

Seguiremos, na apreciação que se segue, o acórdão de 26/01/17, proferido no recurso nº 516/15.4 BELLE, deste TCA Sul.

Assim:

“(…) As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo aplicar-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.


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3 – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:

- conceder provimento ao recurso interposto pela Recorrente, Maria ..., e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação de IRS sindicada;

- julgar prejudicado, por inútil, o conhecimento do recurso interposto pela Fazenda Pública.

Condena-se a recorrida Fazenda Pública em custas, em ambas as instâncias, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça na instância de recurso, dado não ter produzido contra-alegações. Mais se ordena que se proceda à estruturação da conta de custas do presente processo, tendo em conta o máximo de € 275.000,00 fixado na Tabela I, anexa ao R.C.P., e desconsiderando-se o remanescente.

Lisboa, 22/02/18.


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Oportunamente, preste informação em resposta ao ofício de fls. 578.

Lisboa, 22/02/18


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Ana Pinhol)

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(Joaquim Condesso)