Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:502/07.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores: ACADEMIA MILITAR
REGULAMENTO DE EXECUÇÃO
Sumário:I - Se não há Administração sem lei, também não há poder normativo da Administração sem lei.
II – O regulamento (hoje definido no artigo 135º do CPA) é sempre pós-legislativo. São, por isso, inconstitucionais os regulamentos sem credencial legislativa prévia.
III – No caso em apreço, da Portaria nº 425/91, estamos perante um regulamento administrativo indispensável à (boa) aplicação prática do prévio Estatuto da Academia Militar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – RELATÓRIO
R…………… interpôs em 22-02-2007 no TAC de Lisboa a presente ação administrativa especial contra o M........ N......
A pretensão formulada foi a seguinte:
- A declaração de nulidade ou a anulação do despacho do General Chefe do EME... (“C.E.M.E.”), de 15 de novembro de 2006, que, na sequência da eliminação por opção própria do A. da frequência da Academia Militar (“A.M.”), determinou o pagamento de uma indemnização no valor de EUR 147.620,08.
- Caso assim não se entenda, que seja reduzido o valor da indemnização reclamada no despacho suprarreferido.
Após a discussão da causa, o TAC decidiu em 25-07-2017 o seguinte:
- Anular o ato impugnado apenas na parte que concerne aos pagamentos de fardamento relativos a bens de cerimónia e a propinas.
*
Inconformado com tal decisão, o autor interpôs em 04-10-2017 o presente recurso de apelação, aqui chegado em março do corrente ano, formulando na sua alegação as seguintes longas conclusões:
1)O presente recurso vem interposto da Sentença proferida em 25 de julho de 2017 pela Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa ("TAC Lisboa"), que julgou parcialmente procedente o pedido de anulação do Despacho de 28 de maio de 2007, proferido pelo CEME, que determinou o pagamento de uma "indemnização" ao Estado no valor de € 147.405,05, nos termos do n.o 2 do art. 170.º do RAM.
2)Se o Recorrente pode admitir que, em consequência do seu pedido de eliminação do CFO de 1998, fossem ponderados no cálculo da indemnização prevista no n.º 2 do art.º 170.º do RAM os custos e despesas com publicações de apoio de ensino, propinas e outras despesas diretamente relacionadas com a formação académica do recorrente, já o mesmo não acontece relativamente às remunerações, às despesas com alimentação e alojamento e às despesas com fardamento.
3)Com efeito, o Estatuto da AM, aprovado pelo Decreto-Lei n.0 302/88, de 2 de setembro, reconheceu o direito de os alunos dos CFO pedirem a sua eliminação dos mesmos, por iniciativa própria (cf. Art. 24).
4)Na mesma norma e relativamente a todas as causas que poderiam conduzir à eliminação da frequência, previu-se que as "as condições de eliminação da frequência (seriam) pormenorizadas no Regulamento da AM”.
5)No art.º 164.º do RAM, aprovado pela Portaria n.º 425/91, de 24 de maio, no seguimento e em obediência ao previsto no Estatuto da AM, confirmou­ se que a eliminação de frequência por opção própria era um direito que assistia aos alunos dos CFO, em qualquer altura do curso, incluindo na fase do tirocínio.
6)Previa-se também ali, que o aluno que o fizesse, deveria pagar uma indemnização à "Fazenda Nacional" fixada no RAM.
7)No art.º 170.º do RAM dizia-se que o montante da indemnização a pagar seria fixada, sob proposta do comandante, pelo CEME e seria calculada "com base nas remunerações e abonos percebidos pelos alunos durante a sua permanência na AM, incluindo os custos de alimentação, do aloja­ mento, do fardamento, das publicações de apoio de ensino e outros que tenham sido suportados pelo Estado”.
8)O Recorrente foi admitido no concurso aberto pelo aviso nº 11 877/98, publicado no DR, série II, n.0 169, para frequentar o CFO na especialidade de saúde militar.
9)Com aquela admissão o Recorrente passou a ter o estatuto de militar e ficou sujeito aos direitos e deveres gerais dos militares, bem como às leis e regulamentos militares, designadamente ao RAM e, particularmente, aos deveres e disciplina previstos designadamente no art.º 138º do RAM (internato obrigatório).
10)O CFO que o Recorrente frequentou tinha duas componentes, a da licenciatura em medicina e a da formação militar, sendo a primeira ministrada pela Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Médicas, e a segunda pela AM.
11)Durante o CFO os superiores hierárquicos do Recorrente sempre disseram aos alunos que frequentavam medicina, que não teriam problemas na escolha da especialidade, porque tratando-se do primeiro curso haveria lugares no quadro suficientes para satisfazer as pretensões de todos os alunos.
12)A AM, já na fase final do CFO, 2004/ 2005, último ano letivo, solicitou aos alunos que indicassem as suas escolhas quanto à especialidade, o que o Recorrente fez, tendo indicado como sua única opção a especialidade de ortopedia, que sabia também ser, por razões óbvias, uma das especialidades com interesse para a Instituição Militar.
13)Em maio de 2005, o CEME emite um despacho sobre a metodologia a ser seguida para o preenchimento de vagas de especialidade pelos alunos que frequentavam o 6.º ano da faculdade de Ciências Médicas no ano de 2004/ 2005.
14)De acordo com aquele despacho nada impedia que o Recorrente viesse a integrar o quadro militar na especialidade de ortopedista, que era a opção que havia comunicado e que lhe tinha sido dito estar em linha com os interesses da Instituição Militar.
15)O Recorrente obteve aprovação no CFO, quer na componente licenciatura em medicina, quer na componente militar, tendo iniciado a fase de tirocínio.
16)Surpreendentemente e contra tudo o que havia sido transmitido até então pela AM e pelos superiores hierárquicos do Recorrente, o CEME revogou o despacho de maio de 2005 e proferiu um novo despacho sobre a metodologia a usar no preenchimento de vagas de especialidade pelos alunos do CFO que o Recorrente frequentou, que inviabilizaram e impossibilitavam ao Recorrente a sua integração nos quadros, como médico ortopedista.
17)Perante esta situação o Recorrente que havia já optado por aquela especialidade, não tinha alternativa, para poder seguir a sua vocação como médico ortopedista, a requerer a sua eliminação, o que fez, assim que tomou conhecimento de que não lhe era possível prosseguir na carreira.
18)Esse pedido foi aceite, mas o CEME por Despacho de 28 de maio de 2007 - o despacho impugnado -, veio pedir ao Recorrente o pagamento de uma indemnização no montante de € 147 405, 05, composta pelas seguintes parcelas: Vencimentos, alimentação, fardamento e propinas.
19)Contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, o Despacho impugnado deveria ter sido anulado na parte em que incluiu no cálculo da indemnização prevista no n.º 2 do art.º 107 do RAM, a totalidade dos vencimentos auferidos pelo Recorrente, desde a sua admissão, em 1998, até novembro de 2005, assim como a totalidade das despesas com alimentação.
20)Com efeito, caso o n. º2 do art.º 170.º do RAM seja interpretado como exigindo aos alunos do CFO a reposição, pela via de indemnização, de todos os vencimentos auferidos e de todos os custos suportados pela AM com a alimentação do aluno/militar, aquela norma teria de se considerar inconstitucional, nos termos dos nºs 6 e 7 (anterior n. º5) do art.º 112.º da CRP.
21)O RAM é um regulamento de execução do Estatuto da AM, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 302/88, pelo que apenas podia pormenorizar as ma­ térias que naquele não estivessem suficientemente reguladas, ou cuja regulamentação ali lhe fossem confiadas.
22)O Estatuto da AM, no seu art.o 24.º reconhece aos alunos dos CFO o direito de pediram a eliminação da frequência, por iniciativa própria, sem prejuízo de poderem ter de pagar uma indemnização compensatória e equitativa ao Estado, não uma indemnização correspondente ao reembolso cego de to­ dos os custos e despesas suportados pela AM com o aluno, incluindo aí a repetição dos vencimentos que auferiram enquanto militares.
23)Isto quer dizer que a norma em causa do RAM, interpretada e aplicada da forma que o despacho impugnado o fez e também a sentença recorrida, seria inconstitucional, por inovatória, relativamente à sua lei habilitante.
24)Acresce que a sentença recorrida deve ainda ser revogada, por o despacho impugnado estar ferido dos vícios de violação de lei, e, no limite, no que não se concede, também dever ser anulado por abuso de direito.
25)A primeira norma violada pelo despacho impugnado foi o próprio n. º2 do art. 170º do RAM, uma vez que nem na letra do mesmo nem na sua interpretação integrada com as demais normas da Lei habilitante e do próprio RAM, permitiam ao CEME incluir no cálculo da indemnização ali prevista a repetição da totalidade dos vencimentos auferidos pelo Recorrente desde a sua admissão, em 1998, até novembro de 2015, nem a totalidade dos custos com alimentação.
26)Por outro lado, o Despacho impugnado, contrariamente ao que foi entendido pela sentença recorrida, quando incluiu, cegamente, no cálculo da indemnização a totalidade dos vencimentos e a totalidade dos custos com a alimentação do Recorrente, também violou os princípios da proporcionalidade (art. 7º do CPA), da justiça e da razoabilidade (art. 8º do CPA), da boa-fé (art.º 11.º do CPA), da irrepetição dos salários/vencimentos e o art. 59º nº 1 al. a) da CRP.
27)A todas as violações de lei atrás apontadas acresce a violação das regras gerais para o cálculo de indemnizações, previstas nos art. 483º e ss., 562.º e ss., do Código Civil, não se podendo esquecer que o Recorrente mais não fez do que exercer um direito que a lei lhe confere.
28)Por fim, e atendendo às circunstâncias em que o Recorrente pediu a sua eliminação o despacho impugnado deve ainda ser anulado por abuso de direito (art. 334º do Código Civil).
29)Por tudo quanto acima alegado deve ser revogada a sentença recorrida e anulado o Despacho impugnado.
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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. Vieira De Andrade, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROVADOS
1
Ao abrigo da Portaria n.º 162/99, de 10 de março, em 29 de julho de 1999, a Academia Militar, ora AM, e a Universidade Nova de Lisboa, celebraram Protocolo com a finalidade de ministrar as unidades curriculares da licenciatura em Medicina e a formação militar complementar aos alunos da AM destinados ao quadro especial de medicina dos quadros permanentes do Exército – cfr. Aviso n.º 253/2000, publicado em Diário da República (“DR”), n.º 5/2000, Série II, de 07 de janeiro de 2000;
2
Segundo o Protocolo referido no ponto antecedente, a formação conducente ao grau de licenciado em Medicina seria integralmente assegurada pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e a formação militar complementar da licenciatura em Medicina seria integralmente assegurada pela AM – cfr., novamente, Aviso n.º 253/2000, publicado em DR, n.º 5/2000, Série II, de 07 de janeiro de 2000;
3
No concurso de admissão de alunos à AM de 1998 foi incluído o curso de Medicina, na especialidade de Saúde Militar – cfr. Aviso n.º 11 877/2000, publicado em DR, n.º 169/1998, Série II, de 24 de julho de 1998;
4
Em 2 de Outubro de 1998, R….., ora A., ingressou no C.F.O. do ano letivo de 1998/1999, sendo aumentado ao corpo de alunos da AM – facto admitido por acordo das partes;
5
No âmbito do curso mencionado no ponto que antecede, o A. frequentou o C.F.M. Complementar da Licenciatura em Medicina – Saúde Militar, da AM, bem como o C.L.M., da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa que, no seu conjunto e obtido aproveitamento, o habilitariam a ingressar nos quadros permanentes das armas e serviços do E….. – facto admitido por acordo das partes;
6
Em 2 de Outubro de 1998, concluída a prova de aptidão militar, o então Diretor de Ensino e Subcomandante da AM, B… S……………….., assegurou que, sendo aqueles alunos os primeiros a licenciarem-se em Saúde Militar pela AM, teriam a possibilidade de escolher, porquanto teriam a vantagem de ter os quadros abertos e um leque muito alargado de especialidades – facto admitido por acordo das partes;
7
Durante o ano letivo de 1998/1999, o então Tenente Coronel Médico E…………, Diretor do Curso de Saúde e docente de Introdução à Anatomia e Fisiologia, afirmou repetidamente que os alunos daquele curso eram pioneiros e que, estando os quadros vazios, poderiam escolher as especialidades que quisessem – facto admitido por acordo das partes;
8
Também o então Tenente Coronel Médico J…………, Diretor do Curso nos anos letivos de 1999/2000 e 2000/2001, nas reuniões normalmente realizadas às quartas-feiras em que repetidamente se abordava a questão das especialidades, sempre afirmou que seria preferível que tudo estivesse estipulado aquando da admissão, mas que, sendo tantas as necessidades do serviço de saúde, não iriam ter problemas – facto admitido por acordo das partes;
9
Sobre o mesmo assunto, o então Tenente Coronel Médico M…………., Diretor do Curso no ano letivo de 2001/2002, afirmou que, faltando ainda muito tempo, tudo correria bem – facto admitido por acordo das partes;
10
No ano letivo de 2002/2003, no contexto de uma visita dos alunos ao Hospital Militar Principal, estando presente o então Major General Médico J…………., Diretor do Serviço de Saúde, foi pelo mesmo referido, para exemplificar a amplitude do leque de opções, que pedissem Pediatria ou Cirurgia Cardio-Torácica, mas que haveria vagas de Cirurgia Geral, Ortopedia, Anestesia, Medicina Interna, Psiquiatria, Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Gastroenterologia, Neurologia, Pneumologia, Clínica Geral – facto admitido por acordo das partes;
11
No ano letivo de 2004/2005, o então Tenente Coronel Médico P……………, Diretor do Curso, solicitou e recebeu dos alunos uma lista das duas primeiras opções de cada um para conjugar com o levantamento das especialidades mais carenciadas nos hospitais militares que fora encarregado de realizar – facto admitido por acordo das partes;
12
Em 21 de Abril de 2005, em visita do então Tenente General R…………, Comandante da Academia Militar, ao Hospital Militar, onde decorriam os estágios de Cirurgia Geral e Medicina Interna, a que se seguiu um almoço em que também estiveram presentes o Diretor do Serviço de Saúde, o Diretor do Hospital Militar Principal, Major General Médico D………., e o Diretor do Curso, foi expressamente referido aos alunos que as especialidades pretendidas por estes, constantes da lista referida no artigo anterior, se enquadravam perfeitamente nas necessidades do Exército e que, para tratar da questão, estava agendada uma reunião com o Diretor do Serviço de Saúde – facto admitido por acordo das partes;
13
Sucede que, na sequência da referida reunião, em que participaram o Diretor do Curso, o Diretor e o Subdiretor do Serviço de Saúde, o então Coronel Médico M……….. e o então Tenente Coronel J……….. Caetano, ignorando a lista das necessidades pedida aos hospitais militares, terá ficado decidido abrirem apenas um número limitado de vagas, incluindo o preenchimento obrigatório de duas para cada uma das especialidades de Anestesiologia, Cirurgia Geral, Medicina Interna e Psiquiatria – facto admitido por acordo das partes;
14
Em 11 de Maio de 2005, foi elaborada a Informação n.º …, da Direção dos S.S.C.L.E de Saúde do Comando da Logística do Exercito, que indica o modo de fixação de vagas de especialidades médicas para os alunos oficiais do 6.º ano do curso de medicina da AM e que refere, no parágrafo do ponto 3., que “os alunos de Medicina da AM têm sido repetidamente informados de que o Exército, para o cumprimento da sua Missão, necessita especialmente de oficiais médicos com as especialidades referidas anteriormente” – cfr. fls. 45 a 48 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
15
Por despacho de 16 de maio de 2005, do Chefe do EME..., exarado na informação acima mencionada, foram fixadas as vagas de especialidades médicas para os oficiais alunos que frequentaram o 6.º ano da Faculdade de Ciências Médicas no ano de 2004/2005, prevendo-se neste despacho, em relação aos quatro alunos (25%) melhor classificados que seriam tidas em conta as suas preferências relativamente a urna lista alargada de especialidades com interesse funcional (anexo B);
em relação aos restantes dez alunos (75%), era imposto o preenchimento prévio de oito vagas correspondentes a necessidades de serviço (duas vagas em Anestesiologia, duas vagas em Cirurgia Geral, duas vagas em Medicina Interna e duas vagas em Psiquiatria), após o que seriam tidas em conta as suas preferências relativamente a uma lista restrita de especialidades com interesse fundamental (anexo C);
os alunos em causa eram classificados quanto às unidades curriculares dos planos de estudos da Licenciatura em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e da Formação Militar Complementar da AM – cfr. fls. 45 a 63 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
16
Em 20 de Outubro de 2005, foi proferido despacho pelo Chefe de EME..., o qual tem o seguinte teor (parcial):

(Texto no Original)

- cfr. fls. 64 e 65 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

17
O anexo A ao despacho do Chefe de EME..., de 20 de outubro de 2005, tem o seguinte teor:

(Quadro no Original)

- cfr. fls. 66 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

18
O anexo B ao despacho do Chefe de E.M.E., de 20 de outubro de 2005, tem o seguinte teor:

(Quadro no Original)

- cfr. fls. 67 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
19
Em 11 de Novembro de 2005, o A. apresentou requerimento dirigido ao Tenente General Comandante da AM, solicitando que autorizasse a sua eliminação da frequência do Tirocínio do Curso do Serviço de Saúde- Medicina/Exército da AM, nos termos do artigo 164.º do RAM, fundamentando, para o que por ora releva, que aquando da entrada na AM nada lhe tinha sido dito quanto às regras de escolha da especialidade, bem como que quando foram solicitadas quais as respetivas vocações, sempre havia indicado, apenas, a especialidade de Ortopedia – cfr. fls. 68 a 70 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
20
O requerimento mencionado no ponto que antecede foi deferido por despacho de 14 de novembro de 2005 do Comandante da AM, ficando sujeito ao pagamento de uma indemnização à F...... N........, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do RAM – cfr. fls. 71 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
21
Em 29 de Março de 2006, o Chefe do EME... proferiu o seguinte despacho (teor parcial):

(Texto no Original)

- cfr. fls. 35 a 42 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
22
O ofício que deu a conhecer ao A. o despacho supra mencionado vinha acompanhado de uma “C.... de N........”, onde se refere, designadamente, que “o pagamento da referida quantia poderá ser efetuado no prazo de 30 dias (…), de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 42º do Decreto -Lei n.º 155/92, de 28Jul.” – cfr. fls. 34 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
23
Em 14 de Dezembro de 2006, o A. apresentou reclamação do despacho referido no ponto 21 supra junto do Chefe do EME... e requereu a relevação da reposição ao General Comandante da AM – cfr. fls. 132 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas, sendo, também, expressamente admitido por acordo das partes (cfr. artigo 5.º da petição inicial e 37.º da contestação);
24
Em 06 de Março de 2007 foi elaborada a Informação n.º …/2007, a qual tem o seguinte teor:

(Texto no Original)

- cfr. fls. 134 a 137 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
25
Em 7 de Março de 2007, o Chefe do E.M.E. revogou o despacho n.º …/CEME/….., de 29 de março de 2006, e decidiu o seguinte:

(Texto no Original)

- cfr. fls. 133 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
26
Ulteriormente, o A. foi pessoalmente notificado para efeitos de audiência prévia – facto confessado pelo A. (cfr. artigo 20.º do requerimento para o prosseguimento do processo, a fls. 120 e seguintes dos autos em suporte físico);
27
Em 13 de Abril de 2007, o A. enviou uma carta ao Gabinete do Chefe do E.M.E. – cfr. fls. 138 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
28
Em 16 de Abril de 2007, o A. requereu a junção de procuração ao processo relativo à elaboração do novo despacho – cfr. fls. 156 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
29
Em 28 de Maio de 2007, o Chefe do EME... proferiu o seguinte despacho:

(Texto no Original)

cfr. fls. 139 e 140 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
30
O documento anexo referido no despacho mencionado no ponto que antecede tem o seguinte teor (parcial):
(…)

(Quadro no Original)

(…)

Anexo A

(Quadro no Original)
- cfr. fls. 66 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;

18
O anexo B ao despacho do Chefe de Estado-Maior do Exército, de 20 de outubro de 2005, tem o seguinte teor:

(Texto no Original)
- cfr. fls. 67 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
19
Em 11 de Novembro de 2005, o A. apresentou requerimento dirigido ao Tenente General Comandante da AM, solicitando que autorizasse a sua eliminação da frequência do Tirocínio do Curso do Serviço de Saúde- Medicina/Exército da AM, nos termos do artigo 164.º do RAM, fundamentando, para o que por ora releva, que aquando da entrada na AM nada lhe tinha sido dito quanto às regras de escolha da especialidade, bem como que quando foram solicitadas quais as respetivas vocações, sempre havia indicado, apenas, a especialidade de Ortopedia – cfr. fls. 68 a 70 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
20
O requerimento mencionado no ponto que antecede foi deferido por despacho de 14 de novembro de 2005 do Comandante da AM, ficando sujeito ao pagamento de uma indemnização à Fazenda Nacional, nos termos do n.º 1 do artigo 170.º do RAM – cfr. fls. 71 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
21
Em 29 de Março de 2006, o Chefe do Estado-Maior do Exército proferiu o seguinte despacho (teor parcial):

(Texto no Original)

- cfr. fls. 35 a 42 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
22
O ofício que deu a conhecer ao A. o despacho supra mencionado vinha acompanhado de uma “Certidão de Notificação”, onde se refere, designadamente, que “o pagamento da referida quantia poderá ser efetuado no prazo de 30 dias (…), de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 42º do Decreto -Lei n.º 155/92, de 28Jul.” – cfr. fls. 34 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
23
Em 14 de Dezembro de 2006, o A. apresentou reclamação do despacho referido no ponto 21 supra junto do Chefe do Estado-Maior do Exército e requereu a relevação da reposição ao General Comandante da AM – cfr. fls. 132 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas, sendo, também, expressamente admitido por acordo das partes (cfr. artigo 5.º da petição inicial e 37.º da contestação);
24
Em 06 de Março de 2007 foi elaborada a Informação n.º 31/2007, a qual tem o seguinte teor:

(Texto no Original)

- cfr. fls. 134 a 137 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
25
Em 7 de Março de 2007, o Chefe do E.M.E. revogou o despacho n.º …/CEME/2006, de 29 de março de 2006, e decidiu o seguinte:

(Texto no Original)

- cfr. fls. 133 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
26
Ulteriormente, o A. foi pessoalmente notificado para efeitos de audiência prévia – facto confessado pelo A. (cfr. artigo 20.º do requerimento para o prosseguimento do processo, a fls. 120 e seguintes dos autos em suporte físico);
27
Em 13 de Abril de 2007, o A. enviou uma carta ao Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército – cfr. fls. 138 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
28
Em 16 de Abril de 2007, o A. requereu a junção de procuração ao processo relativo à elaboração do novo despacho – cfr. fls. 156 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
29
Em 28 de Maio de 2007, o Chefe do Estado-Maior do Exército proferiu o seguinte despacho:

(Texto no Original)

cfr. fls. 139 e 140 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
30
O documento anexo referido no despacho mencionado no ponto que antecede tem o seguinte teor (parcial):
(…)
(Quadro no Original)
(…)
Anexo A
(Quadro no Original)
(…)

Anexo D
(Quadro no Original)
(…)
(Texto no Original)
– cfr. fls. 141 a 155 dos autos em suporte físico e fls. 56 a 60 dos autos do PA apenso, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas;
31
Os custos com artigos do uniforme de cerimónia mencionados no Anexo C do ponto antecedente foram integralmente suportados pelo A., quer por pagamento fracionado descontado nas remunerações, quer por pagamento do remanescente após a exclusão do curso – facto admitido por acordo das partes;
32
O valor das propinas a pagar pelos alunos da Licenciatura em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da UNL, nos anos de 1998 a 2005, ao abrigo do Protocolo mencionado no ponto 1 supra foi o seguinte:
(Quadro no Original)

– cfr. fls. 322 dos autos em suporte físico, para as quais se remete e que se dão por integralmente reproduzidas.
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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO
[1] Considerando que o sistema jurídico relativo à atividade de administração pública, isto é, à atividade orientada primacialmente para os interesses públicos e o bem comum (como definido pela lei fundamental e pela legislação infraconstitucional); [2] considerando que a atividade de administração pública tem como características (i) ser uma atividade de conformação social ativa, (ii) através de medidas concretas que, (iii) orientadas pelo interesse geral e (iv) suportadas por dinheiros públicos, (v) se destinam à regulação de casos individuais e à materialização de determinados projetos de interesse geral nos termos da lei (cf. H. Maurer, Derecho Administrativo, Parte General, trad. da 17ª ed. de 2009, Marcial Pons, Madrid, 2011, § 1.-marg. 6 a 12, e § 8.-marg. 8; Marcelo Rebelo De Sousa/A.S.M., D. Adm. Geral, I, § 2 – margem 8; Paulo Otero, Manual de D. Adm., I, pp. 64 ss; Mário Aroso De Almeida, T.G.D.A., 3ª ed., Primeira Parte, pp. 17 e 41; J. C. Vieira De Andrade, Lições de Direito Administrativo, na Introdução, nº 3.4; A Justiça Adm., Lições, 15ª ed., capítulo III, nº 1 e nº 2), ou seja, [3] considerando que o Direito administrativo é um meio de servir o fim prático de um governo efetivo desejado pelos cidadãos; concluímos que o princípio (fundamental) democrático, o princípio (fundamental) do juiz à lei e o princípio geral da prossecução do interesse geral ou bem comum são as principais diretrizes do método jurídico que se retira, i.a., das regras constantes dos artigos 9º(1) a 11º do CC para, do modo menos subjetivo possível, se atribuir os corretos significados jurídicos aos enunciados linguísticos que constituem as fontes de Direito administrativo(2). Dessa forma metodologicamente correta poderá o tribunal fazer valer o princípio fundamental da juridicidade administrativa (primazia da lei sobre todos os atos de administração pública; a lei como o pressuposto de toda a atividade de administração pública; vinculação particularmente intensa da atividade administrativa à legislação oriunda da reserva de lei parlamentar; bem comum e interesse público como razão de ser e único fim da atividade de administração pública; princípio geral da limitação da discricionariedade administrativa; ausência de presunção de legalidade da atividade administrativa; princípio fundamental da tutela jurisdicional plena e efetiva), no quadro de um Estado de Direito em que o poder legislativo assenta na legitimidade democrática e em que os poderes do Estado estão racionalmente divididos.
Passemos, assim, à análise do recurso.
São as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão recorrida:
1 - erro de julgamento de direito: tendo em conta o artigo 24º do Estatuto da Academia Militar - E.A.M. (DL nº 302/88) e os artigos 138º, 164º e 170º do Regulamento da Academia Militar - R.A.M. (Portaria nº 425/91), tendo ainda presente o artigo 112º/6/7 da CRP, o ato administrativo impugnado (que aceitou a autoeliminarão do autor da frequência do Tirocínio do Curso do Serviço de Saúde-Medicina/Exército da AM, nos termos do artigo 164.º do RAM e fixou a indemnização a pagar pelo autor ao Estado-MDN) não deveria incluir indemnização a pagar pelo autor, ou, pelo menos, as remunerações, as despesas de alimentação, de alojamento e de fardamento; até porque o artigo 164º/in fine da Portaria, um regulamento de execução, seria inconstitucional por ser inovador;
2 - Erro de julgamento de direito: violação da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade (quanto ao quantum da indemnização, que deveria ser nulo ou então reduzido a 50%), abuso do direito (artigo 334º CC) e do artigo 59º/1-a) da CRP.
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1 – Sobre o 1º erro de julgamento de direito invocado: tendo em conta o artigo 24º do Estatuto da Academia Militar de 1988 - E.A.M. (DL nº 302/88) e os artigos 138º, 164º e 170º do Regulamento da Academia Militar de 1991 - R.A.M. (Portaria nº 425/91), e tendo ainda presente o artigo 112º/6/7 da CRP, o ato administrativo impugnado (que aceitou a autoeliminarão do autor da frequência do Tirocínio do Curso do Serviço de Saúde-Medicina/Exército da AM, nos termos do artigo 164.º do RAM e fixou a indemnização a pagar pelo autor ao Estado-MDN) não deveria incluir indemnização a pagar pelo autor, ou, pelo menos, as remunerações, as despesas de alimentação, de alojamento e de fardamento; até porque o artigo 164º/in fine da Portaria nº 425/91, um regulamento de execução, seria inconstitucional por ser inovador em relação ao DL nº 302/88
1.1.
Como já relatámos, a sentença deu alguma razão ao autor, mas no essencial deu razão ao réu.
Para tal invocou que:
-A Portaria cit. não é inconstitucional, pois não viola nenhuma das vertentes do princípio constitucional fundamental da legalidade;
-Estando o réu vinculado a cumprir os artigos 18º, 20º, 22º/1/2, 23º/2, 24º/3 e 27º/1 do R.A.M. (invocando o Ac. do TCAS no p. nº 07331/11 e o Ac. do STA no p. nº 01003/13), só poderia fixar a indemnização como o fez, sem atender a uma tese de justa causa por parte do autor, salvo, quanto ao montante, nas partes em que o TAC deu razão ao autor;
-Os factos provados, nomeadamente 6 a 18, não alicerçam má fé e violação do princípio da confiança legítima por parte do réu.
1.2.
Por se tratarem de disposições legais avulsas, transcrevamos os textos legislativos cits.: artigos 18º, 20º, 22º, 23º, 24º e 27º do Estatuto da Academia Militar de 1988; artigos 138º, 163º, 164º e 170º do Regulamento da Academia Militar de 1991.
Do Estatuto da Academia Militar de 1988 (DL nº 302/88):
Artigo 18º
Forma de recrutamento
1 - O recrutamento de professores militares e de instrutores civis é feito por concurso ou, eventualmente, por convite ou escolha, nas condições que, para cada caso, forem estabelecidas pelo Regulamento da AM.
2 - O recrutamento de instrutores militares é feito por escolha.

Artigo 20º
Direitos e deveres do pessoal docente da AM
Os direitos e deveres a que estará sujeito o pessoal docente serão estabelecidos no Regulamento da AM.

Artigo 22º
Admissão aos cursos de formação de oficias
1 - A admissão de alunos para a frequência de cursos de formação de oficiais é feita através de concurso documental e de prestação de provas, nos moldes preconizados no Regulamento da AM.
2 - No que se refere a habilitações literárias, o regime de admissão aos cursos de formação de oficiais é idêntico ao que estiver definido para os estabelecimentos oficiais de ensino universitário, sem prejuízo das exigências específicas inerentes à natureza militar dos referidos cursos.
3 - São condições gerais de admissão:
a) Ser cidadão português, de origem;
b) Ter bom comportamento moral e civil;
c) Ter as habilitações literárias exigidas para inscrição no concurso de admissão:
d) Possuir a robustez física indispensável ao exercício da profissão militar;
e) Ficar aprovado nas provas do concurso de admissão e ser selecionado para preenchimento das vagas abertas para cada concurso.
4 - As condições de admissão aos cursos de formação de oficiais são pormenorizadas no Regulamento da AM.

Artigo 23º
Frequência dos cursos de formação de oficiais
1 - Os candidatos admitidos são matriculados na AM e inscritos no ano e no curso a que se referir o concurso e, seguidamente, aumentados ao efetivo do Corpo de Alunos, adquirindo a condição de alunos da AM
2 - Estes alunos ficam sujeitos à legislação militar e aos regimes escolar, de vida interna e de administração estabelecidos no Regulamento da AM para os alunos dos cursos de formação de oficiais.
3 - Aos alunos da AM é aplicado um regime disciplinar especial.

Artigo 24º
Condições de eliminação de frequência
1 - Os alunos dos cursos de formação de oficiais são eliminados da frequência por:
a) Opção própria;
b) Falta de aptidão militar;
c) Motivos disciplinares;
d) Falta de aproveitamento escolar:
e) Incapacidade física.
2 - A eliminação da frequência é da exclusiva competência do Comando da AM.
3 - As condições de eliminação da frequência são pormenorizadas no Regulamento da AM.

Artigo 27º
Regulamento e quadro de pessoal
1 - O Regulamento da AM, contendo as disposições necessárias ao desenvolvimento da orgânica e seu funcionamento, será publicado por portaria do Ministro da Defesa Nacional, mediante proposta do Chefe do EME...
2 - O quadro de pessoal militar e civil da AM será aprovado por portaria conjunta dos Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, mediante proposta do Chefe do EME....

Do Regulamento da Academia Militar de 1991 (Portaria nº 425/91):
Artigo 138º
Internato obrigatório
1 - Os alunos dos CFO estão sujeitos, durante a frequência dos cursos, ao regime de internato, tendo a obrigação de comparecer com pontualidade e devidamente uniformizados às aulas, atividades, provas e trabalhos de natureza escolar, aos atos de serviço para que forem escalados, às formaturas e refeições e pernoitar na AM.
2 - Pode ser concedido o regime de externato noturno, que corresponde a dispensa permanente de pernoita, a alunos tirocinantes ou outros que o requeiram por razões justificadas, durante períodos bem definidos e sem prejuízo de permanecer garantido o alojamento do aluno caso cesse inopinadamente, por quaisquer razões, a concessão deste regime.
3 - As condições de internato são detalhadas em normas próprias, designadas por instruções de serviço interno (ISI), aprovadas por despacho do comandante da AM, mediante proposta do comandante do CAL.

Artigo 163º
Condições de eliminação
1 - Os alunos dos cursos de formação de oficiais são eliminados da frequência da AM nas seguintes condições:
a) Por opção própria;
b) Por falta de aptidão militar;
c) Por motivos disciplinares;
d) Por falta de aproveitamento escolar;
e) Por incapacidade física;
f) Por condições especiais de eliminação.
2 - A eliminação da frequência é da exclusiva competência do comandante da AM e é definitiva.

Artigo 164º
Eliminação por opção própria
A eliminação de frequência por opção própria é um direito que assiste aos alunos dos CFO, em qualquer altura da frequência do seu curso, incluindo tirocínio, devendo, para o efeito, proceder ao pagamento das indemnizações à Fazenda Nacional fixadas neste Regulamento.

Artigo 170º
Indemnizações
1 - Os alunos dos CFO, eliminados da frequência da AM ficam obrigados a indemnizar a Fazenda Nacional, no montante a estabelecer pelo CEME, sob proposta do comandante para cada aluno que seja eliminado.
2 - A indemnização referida é calculada com base nas remunerações e abonos percebidos pelos alunos durante a sua permanência na AM, incluindo os custos da alimentação, do alojamento, do fardamento, das publicações de apoio de ensino e outros que tenham sido suportados pelo Estado.
3 - Está isento do pagamento de indemnização o aluno eliminado da frequência:
a) Por opção própria, nos termos do artigo 164.º deste Regulamento, desde que o requeira durante o 1.º ano de frequência da AM;
b) Por falta de aproveitamento escolar, nos termos do artigo 167.º deste Regulamento, durante os três primeiros anos do curso que frequenta na AM;
c) Por incapacidade física, nos termos do artigo 168.º deste Regulamento;
d) Por motivo de óbito, nos termos do artigo 169.º deste Regulamento.

Vejamos, ainda, o artigo 112º da CRP, invocado pelo recorrente:
6. Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes.
7. Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão.

1.3.
Comecemos pela CRP. É que, além de ser hoje pacífico que o poder regulamentar tem fundamento constitucional (GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional…, 7ª ed., p. 834), pode estar em causa, além do primado da lei em sentido negativo, a preferência ou primado de lei (cf. artigo 3º/2/3 da CRP), o sentido positivo, a precedência de lei (artigo 266º/2 da CRP). Ou mesmo a invasão das reservas de competência legislativa do parlamento.
Como se sabe, se não há Administração sem lei, também não há poder normativo da Administração sem lei (MÁRIO AROSO, T.G.D.A., 3ª ed., p. 155).
Ora, o regulamento (hoje definido no artigo 135º do CPA) é sempre pós-legislativo. São, por isso, inconstitucionais os regulamentos sem credencial legislativa prévia (cf. GOMES CANOTILHO/V.M., Constituição da República Portuguesa Anotada, II, 4ª ed., p. 73, e a jurisp. aí referida).
E são ilegais os regulamentos ou normas administrativas que desrespeitem uma lei, designadamente a lei habilitante.
Aquilo que é atacado pelo autor resulta do R.A.M. cit. Os cits. artigos 164º-in fine e 170º/1/2 do mesmo seriam inconstitucionais (ou ilegais), por irem além da natureza meramente executiva desse regulamento administrativo, imposta pelo DL cit. Os cits. artigos 164º-in fine e 170º/1/2 teriam inovado em relação ao DL cit.
Dizia o artigo 24º/3 do EAM:
- “As condições de eliminação da frequência são pormenorizadas no Regulamento da AM.”
Portanto o DL remeteu ali para um regulamento (externo e mediatamente operativo) “de execução de lei” (cf. artigo 112º/5/7-1ª parte da CRP), do subtipo “em sentido estrito”, isto é, um regulamento administrativo indispensável à (boa) aplicação prática do cit. DL (vd. ainda o artigo 199º/c) da CRP: “compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis”).
Não remeteu, logicamente (cf. artigo 112º/7 da CRP), para um regulamento independente, ou seja, para um regulamento que não visa executar ou aplicar uma certa lei, mas sim dinamizar a ordem jurídica em geral, disciplinando inicialmente certas relações sociais (cf. artigo 112º/5 da CRP) – cf. VIEIRA DE ANDRADE, Lições…, 2ª ed., pp. 119-120.
Será que o previsto na parte final do artigo 164º e nos nº 1 e 2 do artigo 170º do RMA se integram na figura de “execução de lei”? Ou será que integram a figura do regulamento independente (vd., hoje, o artigo 136º/3 do CPA)? Ou do regulamento complementar ou de desenvolvimento, aliás não admitido na CRP?
Vejamos, pois.
O significado do artigo 24º/3 do EAM cit., de acordo com o artigo 9º do CC, é o seguinte: competirá à A.P. “pormenorizar” (sic) as condições de eliminação (opção própria falta de aptidão militar, motivos disciplinares, falta de aproveitamento escolar, incapacidade física) da frequência dos alunos dos cursos de formação de oficiais.
Portanto, o artigo 24º/3 cit. refere-se a um mero regulamento de execução.
As condições, essas, já estavam previstas no nº 1 do artigo 24º do EAM, disposição legislativa: opção própria; falta de aptidão militar; motivos disciplinares; falta de aproveitamento escolar: incapacidade física.
Faltou pormenorizar no DL cada uma dessas 5 condições de eliminação da frequência dos alunos dos cursos de formação de oficiais. Isto caberia ao regulamento, por autorização legal.
Ora, pormenorizar aquelas 5 condições (opção própria, falta de aptidão militar, motivos disciplinares, falta de aproveitamento escolar, incapacidade física) já fixadas no DL não tem, à luz do artigo 9º do CC, o significado de estabelecer consequências financeiras e tributárias para a existência das condições e a sua pormenorização.
Tal pormenorização é, por ex., o que consta dos artigos 163º/2 e 164º/1ª parte do RMA cits. Mas não é a fixação de consequências, nomeadamente as cits. indemnizações. Isso não cabe na autorização legal constante do artigo 24º/3 cit.
É que condição significa requisito ou causa. E pormenor significa, em língua portuguesa, um elemento secundário ou um detalhe.
Assim, o teor da parte final do artigo 164º e dos nº 1 e 2 do artigo 170º do RMA não se refere a um «pormenor» daquelas «condições de eliminação da frequência do curso». Aqueles preceitos tratam, sim, de «consequências» da eliminação da frequência.
Pelo que a previsão das indemnizações cits., incluída ex novo na ordem jurídica pelos artigos 163º/2 e 164º/1ª parte do cit. regulamento, foi além do permitido ou autorizado pela lei habilitante (o EAM), assim se violando o princípio da legalidade.
O que consta dos artigos 163º/2 e 164º/1ª parte do RMA são, portanto, normas administrativas inválidas, ilegais.
Assim, o TAC não andou bem, ao considerar que a previsão ex novo de indemnizações equivalia a pormenorizar as cits. 5 condições de eliminação.
Pelo que se conclui que o ato administrativo impugnado na parte referente às indemnizações é anulável (artigo 135º do CPA/1991), por se fundar em normas administrativas ilegais (cf., assim, hoje, o artigo 143º/1 do CPA; e já antes JORGE MIRANDA, Manual…, VI, 3ª ed., p. 27; MÁRIO AROSO/C.C., Comentário…, 4ª ed., pp. 512 ss). O seu pressuposto de direito é ilegal.
Procede, portanto, esta questão essencial.

2 – Sobre o erro de julgamento de direito: violação da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade (quanto ao quantum da indemnização, que deveria ser nulo ou então reduzido a 50%), abuso do direito (artigo 334º CC) e do artigo 59º/1-a) da CRP
A resposta dada à questão anterior torna irrelevante esta 2ª questão a resolver.
Porém, caso improcedesse a 1ª questão, seria de considerar improcedente esta 2ª questão.
Com efeito, (1º) o ato administrativo impugnado teria se limitado a cumprir um preceito normativo vinculativo (do RMA), sem margem de livre decisão administrativa, assim perdendo autonomia invalidante os demais princípios gerais da atividade administrativa além do princípio fundamental da vinculação da A.P. à lei, (2º) preceito normativo vinculativo (do RMA) ao qual não foi apontado vício de violação de lei com base em violação da proporcionalidade, da justiça ou da razoabilidade (quanto ao quantum da indemnização, que deveria ser nulo ou então reduzido a 50%), de abuso do direito (artigo 334º CC) ou da violação do artigo 59º/1-a) da CRP.
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III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte impugnada e, ao abrigo do artigo 149º do CPTA, anular o ato administrativo impugnado na parte em que se refere a indemnizações.
Custas a cargo do réu nos dois tribunais.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 14-06-2018
Paulo Pereira Gouveia - Relator

Catarina Jarmela


Maria da Conceição Silvestre


(1) A interpretação das disposições normativas não deve cingir-se à letra (ao elemento gramatical: 1º passo), devendo “reconstituir” a partir dos textos (letra como ponto de partida; “first/basic meaning”) o “pensamento legislativo” (pensamento da lei, “deep meaning”; espírito da lei), tendo sobretudo em conta a “unidade do sistema jurídico” (elemento lógico-sistemático, 2º passo, onde pontificam a Constituição, a hierarquia das normas, o princípio da igualdade e a ideia de coerência do sistema jurídico), as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” (elemento histórico-genético, 3º passo) e “as condições específicas do tempo em que é aplicada” (elemento lógico-teleológico atualista). Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete um significado que não tenha no elemento gramatical um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (ou seja, a disposição normativa (i), além de ser o ponto de partida da interpretação, é também (ii) um limite a cada um dos outros elementos). Na fixação do sentido e alcance das disposições normativas, o intérprete presumirá que o legislador (i) consagrou as soluções mais acertadas e (ii) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (são mais dois limites à atividade de interpretar os preceitos legais).
Munido do significado da fonte de Direito, isto é, da regra assim inferida da fonte nos termos impostos pelo importantíssimo artigo 9º do Código Civil (e/ou artigos 10º e 11º), o tribunal, para resolver o caso, fará então a subsunção da “situação real a resolver” na “previsão normativa” ou hipótese legal inferida. Depois de tal subsunção – em concreto - o tribunal passará à “estatuição” ou consequência jurídica, com o que resolverá o caso jurídico.

Note-se, porém, que os verdadeiros princípios jurídicos (também comandos ou normas), normalmente contrapostos às regras ou normas jurídicas em sentido estrito, não são, em bom rigor, aplicados pelos tribunais, mas sim apenas concretizados, ponderados e ou densificados para um caso concreto; os verdadeiros princípios jurídicos reclamam do tribunal a sua concretização e eventual ponderação ou sopesamento no âmbito de um caso concreto - de acordo com a “norma-regra metódica de controlo da proporcionalidade jurídica” - a fim de, racionalmente, o tribunal obter a regra jurídica que resolva o caso (sobre os princípios em geral, cf. RICCARDO GUASTINI, Distinguiendo. Estudios de Teoria y Metateoría del Derecho, trad., Gedisa Editorial, Barcelona, 1999, pp. 102 e 144 ss, Das Fontes às Normas, trad., Editora Quarteir Latin do Brasil, 2005, "Problemi di interpretazione", in: R. Guastini, Lefonti del Diritto e l'Interpretazione, Milan, 1993, cap. XXV, “A Sceptical View on Legal Interpretation”, in: Analisi e Diritto 2005, a cura di P. Comanducci e R. Guastini, Il realismo giuridico ridefinito”, in: Revus, 2013, http://revus.revues.org/2400, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, pp. 239-266, 301-308, 320-340, 371-372 e 419 ss, a síntese e sobretudo as indicações estrangeiras em A. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, VI, 2ª ed., pp. 57-59, JOSÉ LAMEGO, Elementos de Metodologia Jurídica, 2016, pp. 60-61, e MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL Editora, 2017, pp. 313-339 e 401 ss; sobre os princípios em Direito administrativo, cf. H. MAURER, Derecho Administrativo-Parte General, trad., 2011, Marcial Pons, pp. 116-117, PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, 2003, §6, §8, §9, §12 e §13, Manual de Direito Administrativo, I, 2013, pp. 432 ss, Direito do Procedimento Administrativo, I, 2016, capítulo 2º, MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., D. Adm. Geral, I, 3ª ed., Parte II, e VIEIRA DE ANDRADE, Lições de D. Adm., 2ª ed., pp. 41 ss; sobre os princípios em Direito constitucional, cf. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., pp. 1159-1255, JORGE MIRANDA, Manual… no título referente às Normas Constitucionais, KLAUS GÜNTHER, Der Sinnfür Angemessenheit. Anwendungsdiskurse in Moral und Recht, Suhrkamp, Frankfurt, 1988, ou a tradução em língua inglesa: The Sense of Appropiateness - Application Discourses in Morality and Law, State University of New York Press, Albany, 1993, “Ein normativer Begriff der Kohârenz für eine Theorie der juristischen Argumentation”, in: Rechstheorie, nº 20 (1989), págs. 163-190, LAURA CLÉRICO, El Examen de Proporcionalidad en el Derecho Constitucional, Eudeba, Buenos Aires, 2009, pp. 29-31, CARLOS BERNAL PULIDO, El Princípio de Proporcionalidad y Derechos Fundamentales, 3.ª ed., Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 2007, p. 593, e RICCARDO GUASTINI, “A propósito del neoconstitucoionalismo”, in: Gaceta Constitucional, nº 67, pp. 231 ss).

(2) Afinal, a linguagem e a argumentação jurídica, como a argumentação prática em geral, só são racionais se prestarem atenção aos factos e às realidades (“Practical reasoning is irrational unless it pays scrupulous attention to facts and realities”: cf. J. FINNIS, "Law as Fact and as Reason for Action: A Response to Robert Alexy on Law's 'Ideal Dimension'" (2014), in Notre Dame Law Scholl, Journal Articles, Paper 1065, online).