Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10286/13
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/26/2013
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:IMPUGNAÇÃO NOS TERMOS DA LEI N.º 27/2008, DE 30.06
JUIZ SINGULAR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DIREITO DE ASILO
Sumário:I- Da Lei n.º 27/2008, de 30.06, não deriva nenhuma exigência da impugnação ai prevista ser julgada em tribunal de formação de três juízes. E essa exigência também não resulta nem da tramitação que está estabelecida no CPTA para a acção administrativa especial, nem da indicada para a intimação para defesa dos direitos, liberdades e garantias. Isto porque, o CPTA prevê normas relativas à tramitação dos processos, não normas de competência. Essas normas, de competência, estão previstas no ETAF, designadamente no artigo 40º deste Estatuto.
II- Por aplicação da regra geral do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, os tribunais administrativos de círculo «funcionam com juiz singular, a cada juiz competindo o julgamento de facto e de direito, dos processos que lhe forem distribuídos».
III- Tal regra do julgamento por juiz singular só não ocorre, nos termos do artigo 40º, n.º 2, do ETAF, nas acções administrativas comuns, que sigam o processo ordinário, quando as partes requeiram o tribunal colectivo (cf. artigo 646º, n.º 1, do CPC), mas desde que não haja gravação de prova, e nos termos do artigo 40º, n.º 3, do ETAF, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, em que o julgamento é feito, não em tribunal colectivo, mas em formação de três juízes.
IV- Estando-se frente a uma acção de impugnação prevista na Lei n.º 27/2008, de 30.06, acção urgente que se distingue do outro meio processual previsto nos artigos 46º e ss. do CPTA – a acção administrativa especial- aplicar-se-á a esta acção a regra geral constante do artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não a regra especial indicada no artigo 40º, n.º 3, do ETAF. Assim, não é aqui aplicável a jurisprudência do Pleno do STA, do Ac. n.º 420/12, de 05.06.2012.
V- Se o A. e Recorrente não invocou factos suficientes que comprovem que fosse pessoalmente e fundadamente alvo de perseguição, ou de ameaças graves em consequência da sua actividade politica, não lhe é aplicável a protecção conferida pelo artigo 3º, n.º1, da Lei n.º 27/2008, de 30.06.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a presente acção, na qual se impugnava o despacho de 17.12.2012, do Director Nacional Adjunto (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que indeferiu o pedido de asilo formulado pelo ora Recorrente. Mais se pedia, para ser condenado o R. a deferir esse pedido.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: «

».

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

A EMMP emitiu parecer a fls. 112 a 114, pronunciando-se pela rejeição do recurso, por haver lugar a reclamação para a conferência.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

Os Factos

Na 1º instância foram dados por assentes, por provados, os seguintes factos, que ora não vêm impugnados:

A)           O Autor chegou ao Aeroporto Internacional de Lisboa, no dia 17 de Dezembro de 2012, proveniente de Bissau, com bilhete de avião para o percurso Bissau-Lisboa (cf. documentos de fls. 14, e seguintes, do processo administrativo).

B)            Identificou-se como sendo ... , apresentando o Passaporte comum da República da Guiné Conacri n.º R0508978, emitido em 02.11.2012, válido até 01.11.2017, e autorização de residência belga (cf. documentos de fls. 12, e seguintes, do processo administrativo).

C) Aquando do controlo documental, foi interceptado por suspeita de fazer uso de documento falso/falsificado/contrafeito (cf. documento de fls.18, do processo administrativo).

D)           Os documentos apresentados pelo Autor foram analisados pela Unidade de Identificação e Peritagem Documental do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que elaborou o Relatório de análise documental n.º 440/2012, que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. documento de fls. 24/25, do processo administrativo).

E)            Por despacho de 17 de Dezembro de 2012, foi-lhe recusada a entrada em território nacional "por não ser portador de documento de viagem válido (passaporte falsificado por aposição de visto Schengen contrafeito) e por não se portador de visto para formalizar a entrada em Portugal/Espaço Schengen ou outro documento que o substitua (autorização de residência belga contrafeita), nos termos dos art.s 32° n. º l - al. A, 9° e l0° da lei 23/2007 de 04/07, alterada e republicada pela lei 29/2012, de 09.08 - cf. documento de fls. 14/17, do processo administrativo.

F)            Na mesma data, o Autor, representado por advogado, apresentou pedido de asilo ao Estado português (cf. documento de fls. 35, do processo administrativo).

G) No dia 19 de Dezembro de 2012, no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa, foi ouvido quanto aos fundamentos do pedido de asilo, tendo sido elaborado o "Auto de Declarações  de fls. 4 a 8, do processo administrativo, do qual se extrai o seguinte:

(Omissis)

J) Por despacho de 21 de Dezembro de 2012, o Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, colhendo a Informação n.º 726/GAR/12, de 19 de Dezembro de 2012, referida na Alínea anterior, indeferiu o pedido de asilo formulado pelo Autor e decidiu não admitir o pedido para efeitos de concessão de autorização de residência por razões humanitárias (cf. documento de fls. 55, do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

K)           O despacho do Director Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de 21 de Dezembro de 2012, foi comunicado ao Autor em 21 de Dezembro de 2012 (cf. documento de fls. 64, do processo administrativo, que aqui se dá por integralmente reproduzido) .

O Direito

Da questão prévia da admissibilidade do recurso

Invocou a EMMP a inadmissibilidade do recurso, por no caso haver lugar a reclamação para a conferência, por a causa ter sido decidida por juiz singular, numa acção que corre como acção administrativa especial, que tem o valor de €30.000,01, sem a invocação dos poderes do artigo 27º, n.º1, alínea i) do CPTA.

Porém, os presentes autos referem-se a uma acção apresentada nos termos da Lei n.º 27/2008, de 30.06, nomeadamente a uma impugnação judicial, que vem prevista no artigo 22º dessa lei.

Essa impugnação não tem a sua tramitação expressamente regulada naquela lei, que apenas determina os prazos da decisão judicial, de 8 dias, e no artigo 84º, o seu carácter urgente (cf. também os artigos 25º, 30º e 37º da Lei n.º 27/2008, de 30.06 e 36º do CPTA).

Ou seja, esta impugnação não é uma acção administrativa especial (que vem prevista nos artigos 46º e ss. do CPTA; cf. ainda o artigo 35º do CPTA).

Trata-se, antes, de um processo urgente, que pode ter uma tramitação própria, determinada pelo juiz, que se pretende simples e muito célere. Face à ressalva do artigo 36º do CPTA, aplica-se aqui o n.º 2 desse artigo.

Na falta de uma regulamentação especial no Título IV do CPTA para esta acção, porque em causa está a impugnação de um acto administrativo, seria de aplicar, subsidiariamente, a tramitação prevista nos artigos 46º e ss. do CPTA, por decorrência do artigo 46º, ns.º 1 e 2, alínea a) e b) desse código.

Mas esta acção não é confundível com uma acção administrativa especial, que o não é. Pode apenas seguir o procedimento para aquela previsto, mas com as adaptações necessárias à sua urgência, por se estar a impugnar um acto administrativo e a tramitação da acção administrativa especial ser a acção-regra para uma impugnação deste tipo.

Acontece, que no uso dos seus poderes de adequação formal, o juiz relator, por despacho de fls. 33, determinou que se adoptasse, não a tramitação da acção administrativa especial, mas a tramitação prevista no artigo 110º do CPTA, para a intimação para defesa dos direitos, liberdades e garantias.

Assim, passou a presente acção a incluir uma contestação, após a qual o juiz decidiu de imediato, sem mais articulados.

Ora, dos indicados artigos da Lei n.º 27/2008, de 30.06, não deriva nenhuma exigência da acção ser julgada em tribunal de formação de três juízes. E essa exigência também não resulta nem da tramitação que está estabelecida no CPTA para a acção administrativa especial, nem da indicada para a intimação para defesa dos direitos, liberdades e garantias. Obviamente, porque o CPTA prevê normas relativas à tramitação dos processos, não normas de competência. Essas normas, de competência, estão previstas no ETAF, designadamente no artigo 40º deste Estatuto.

E por aplicação da regra geral do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, os tribunais administrativos de círculo «funcionam com juiz singular, a cada juiz competindo o julgamento de facto e de direito, dos processos que lhe forem distribuídos» (cf. em sentido idêntico o artigo 46º, n.º1, do ETAF, para os processos tributários).

Tal regra do julgamento por juiz singular só não ocorre, nos termos do artigo 40º, n.º 2, do ETAF, nas acções administrativas comuns, que sigam o processo ordinário, quando as partes requeiram o tribunal colectivo (cf. artigo 646º, n.º 1, do CPC), mas desde que não haja gravação de prova, e nos termos do artigo 40º, n.º 3, do ETAF, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, em que o julgamento é feito, não em tribunal colectivo, mas em formação de três juízes.

Aparentemente, o CPTA, no artigo 40º do ETAF, para além do funcionamento do tribunal com juiz singular e em colectivo, figuras que tem paralelo na jurisdição cível, criou uma figura apenas para o contencioso administrativo, e unicamente para as acções administrativas especiais, no n.º 3 daquele artigo 40º, relativa a uma formação de três juízes.

Nas palavras de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, «Esta formação corresponde a um órgão colegial, que decide em conferência, quer a fixação dos factos materiais da causa quer a solução jurídica aplicável, funcionando como juiz relator aquele a quem o processo tenha sido distribuído. (…) A formação de três juízes não se confunde com o tribunal colectivo, que apenas intervém na acção administrativa comum que siga a forma de processo ordinário, para o julgamento da matéria de facto, quando qualquer das partes o requeira e não haja lugar a gravação da prova, e com os poderes que lhe são fixados para o processo civil (artigos 40º, n.º2, do ETAF e 42º, n.º2, do CPTA e 105º e segs. Da LOFTJ» (in, do Autor, Dicionário de Contencioso Administrativo, Livraria Almedina, Coimbra, 2006, págs. 274 a 276; cf. também págs. 672 a 674).

Na realidade, da conjugação dos artigos 40º, n.º 2, do ETAF, 35º, 42º, do CPTA e 646º, n.º 1, do CPC, o tribunal colectivo que está previsto para a acção administrativa comum, visa o julgamento da matéria de facto, mas é inadmissível para todos os casos previstos no artigo 646º, n.º 2, do CPC, designadamente nas «acções em que todas as provas, produzidas antes do inicio da audiência final, hajam sido registadas ou reduzidas a escrito» (cf. alínea b) do n.º2, do artigo 646º do CPC). Ou seja, nas acções administrativas comuns é inadmissível a intervenção do colectivo quando a prova da matéria de facto se faça apenas com base em prova documental, não havendo, nessa medida, lugar à audiência de julgamento, por não haver mais prova, nomeadamente por não haver prova testemunhal a produzir. Acresce, que conforme o n.º 3 do artigo 42º do CPTA, «mesmo quando intervenha o tribunal colectivo», «a sentença é proferida pelo juiz do processo» e não pelo tribunal colectivo, que apenas tem de proceder ao julgamento da matéria de facto (nos termos do artigo 40º, n.º2, do ETAF; cf. a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 216, anotação 2 ao artigo 42º do CPTA).

Ora, de forma completamente diversa, o ETAF e o CPTA, parecem ter criado aquela formação de três juízes, apenas para as acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, que de forma diferente do tribunal colectivo previsto no CPC, julgará da matéria de facto e de direito. De forma totalmente diversa da prevista para o tribunal colectivo em processo civil, a indicada formação de três juízes, intervém no julgamento da matéria de facto mesmo quando «todas as provas, produzidas antes do início da audiência final, hajam sido registadas ou reduzidas a escrito» (cf. alínea b) do n.º2, do artigo 646º do CPC). Igualmente, essa formação pode ser convocada para intervir numa audiência pública, prevista nos termos artigo 91º do CPTA, visando-se a discussão oral da matéria de facto, que pode ser toda ela documental, audiência essa que não tem paralelo no processo civil, que como acima assinalamos, não admite que se realize uma audiência de julgamento com a intervenção do tribunal colectivo, para produzir apenas prova documental. Por último, é também diferente o papel da formação de três juízes, já que procede ao julgamento de direito, enquanto no processo civil, o tribunal colectivo apenas tem de proceder ao julgamento da matéria de facto e já não ao de direito (cf. artigos 40º, ns.º 2 e 3, do ETAF, 35º, n.º2, 42º, n.º3, 91º, 92º, do CPTA e 646º do CPC).

Por conseguinte, quer àquela formação de três juízes, quer ao julgamento de facto e de direito que à mesma incumbe, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal, não são aplicáveis as regras previstas no processo civil para a intervenção do tribunal colectivo e para a discussão e julgamento da matéria de facto em audiência de julgamento, salvo na estrita medida em que não estejam reguladas no ETAF e CPTA e possam ser subsidiariamente aplicáveis (cf. artigo 35º, n.º2, do CPTA). Consequentemente, não lhes pode ser aplicável subsidiariamente o estipulado no artigo 646º do CPA, para a formação do tribunal colectivo e para o julgamento da matéria de facto, pois tais determinações contendem directamente com o determinado no ETAF e CPTA. Nestes, prevê-se, para as acções administrativas especiais, a constituição de um tribunal formado três juízes, que não se confunde com o tribunal colectivo referido no CPC e que apenas opera nas acções administrativas comuns. No CPTA, prevê-se uma audiência pública, que inexiste e nunca poderia ocorrer num processo civil e que o julgamento pela formação de três juízes se faça de forma totalmente diferente daquela que incumbe ao tribunal colectivo, já que a indicada formação de três juízes julga de facto e de direito. E o julgamento de facto da formação de três juízes, intervém mesmo quando a prova seja apenas documental e não se realize qualquer audiência pública, nem qualquer audiência de discussão e com a apreciação da prova testemunhal.

Em termos práticos, a formação de três juízes e a audiência a realizar com a intervenção dessa formação só se assemelha à prevista no CPC, quando na acção administrativa especial se produza prova testemunhal. E só nesses casos há que fazer a aplicação subsidiária do CPC, com relação à tramitação processual a seguir, relativamente à qual o CPTA é omisso, porquanto, no que se refere à natureza do tribunal colectivo e às regras de competência para a sua formação e julgamento, as disposições do CPC são inaplicáveis, já que totalmente diversas das previstas no ETAF e CPTA para a acção administrativa especial.

Pelo exposto, as regras que o ETAF e o CPTA criaram para a acção administrativa especial e para a competência da indicada formação de três juízes, são regras únicas, apenas aplicáveis a este tipo de acção, que não se alargam aos demais meios processuais e designadamente aos urgentes, mesmo que na sua tramitação sigam o rito estabelecido para aquelas. A regra da competência do julgamento nos tribunais administrativos, tal como nos tributários, é a do juiz singular (cf. artigo 40º, n.º 1 e 46º, n.º1do ETAF). Essa competência apenas é afastada em duas formas de processo, na acção administrativa comum, nos casos em que se lhe apliquem as regras do processo civil relativas ao tribunal colectivo e na acção administrativa especial, quando deva ser julgada pela formação de três juízes.

Em suma, estando-se aqui frente a uma acção de impugnação prevista na Lei n.º 27/2008, de 30.06, acção urgente que se distingue do outro meio processual previsto nos artigos 46º e ss. do CPTA – a acção administrativa especial – e que no caso nem sequer seguiu a tramitação da acção administrativa especial, mas antes a de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, aplicar-se-á a esta acção a regra geral constante do artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não a regra especial indicada no artigo 40º, n.º 3, do ETAF.

Assim, não é aqui aplicável a jurisprudência do Pleno do STA, do Ac. n.º 420/12, de 05.06.2012.

Isto porque, como acima se referiu, se considera que a esta acção, de impugnação, tal como vem prevista na Lei n.º 27/2008, de 30.06, se aplica a regra geral do artigo 40º, n.º 1, do ETAF e não a regra especial contida no n.º 3 daquele preceito. A regra de competência que é expressamente prevista na lei para o caso em apreço é a prevista no artigo 40º, n.º 1, do ETAF. Nas regras de tramitação previstas no CPTA, não se regula a competência do tribunal. Essa regulação é feita unicamente no artigo 40º do ETAF.

Consequentemente, não há que invocar nesta acção os poderes que são conferidos ao relator, nos termos do artigo 27º do CPTA, e nomeadamente o conferido na alínea i) do n.º 1, daquele artigo.

Aliás, esses poderes não foram também invocados na sentença recorrida. Dos autos resulta que o presente processo, após distribuição ao juiz titular, foi tramitado também por juiz singular e assim foi decidido, sem que se determinasse em momento algum que os autos seriam julgados de facto e de direito em formação de três juízes, ou sem que se invocasse que o julgamento ocorreria pelo relator do processo ao abrigo dos poderes indicados no artigo 27º do CPTA.

O n.º 3 do artigo 40º, n.º 1, do ETAF está pensado unicamente para as acções administrativas especiais e não para o restante contencioso urgente, que se exige com um rito muito simples e célere, como é o caso de uma acção de impugnação nos termos Lei n.º 27/2008, de 30.06, que pode exigir uma decisão judicial em 72 horas (cf. artigo 25º da Lei n.º 27/2008, de 30.06).

Nesta acções de impugnação ao abrigo da Lei n.º 27/2008, de 30.06, à dissemelhança do que acontece nas acções administrativas especiais, o processo quer-se «simplificado e abreviado do modus procedendi», concedendo-se ao juiz, em ordem a alcançar aquele fito, «poderes especiais de conformação do procedimento, assumindo-se como um gestor do processo, como «Master of the Rolls» - discricionariedade in procedendo» (in Isabel Celeste M. Fonseca, Processo temporalmente justo e urgência, Contributo para a autonomização da categoria da tutela jurisdicional de urgência na Justiça administrativa, Coimbra Editora, 2009, Coimbra, págs. 944 e 945; cf. ainda págs. 946 a 950).

Considera-se, em suma, que para todos os processos urgentes o legislador do CPTA previu como regra o julgamento por juiz singular – conforme o artigo 40º, n.º1, do ETAF -, mas não pensou a indicada regra de competência em termos imperativos, abrindo uma válvula de segurança face à novidade do Código e aos novos juízes, permitindo que mesmo nestes processos urgentes, em situações de especial complexidade, à semelhança do que se consignou para as acções administrativas especiais, o julgamento se pudesse fazer em tribunal plural.

Em conclusão, a presente acção, em regra, deve ser julgada, de facto e de direito, por juiz singular, designadamente pelo juiz titular do processo, tal como haja resultado da distribuição, nos termos do artigo 40º, n.º 1, do ETAF, não sendo imediatamente aplicável a esta acção, a regra especial de competência, estabelecida no n.º 3 daquele artigo 40º, dirigida às acções administrativas especiais de valor superior à alçada do tribunal.

Portanto, da decisão proferida, porque o não foi no âmbito dos poderes do relator, conforme artigo 27º do CPTA, mas sim no âmbito dos poderes próprios de um juiz singular, há recurso directo para este TCAS e não reclamação para a conferência.

Do mérito do recurso

Pela sentença recorrida foi julgada improcedente a presente acção, na qual se impugnava o despacho de 17.12.2012, do DN Adjunto do SEF, que indeferiu o pedido de asilo formulado pelo ora Recorrente. Pede-se ainda para ser condenado o R. a deferir esse pedido

Alega o Recorrente, que a decisão recorrida errou porque a sua situação é enquadrável no artigo 7º, n.º 2, alínea c), da Lei de Asilo, por estar a ser perseguido, por razões politicas, ou, se assim não se entendesse, por não lhe ter sido concedida a protecção subsidiária de autorização de residência, por motivos humanitários.

Nas alegações do recurso, mas sem levar às conclusões, o Recorrente alega, ainda, a nulidade da decisão proferida, por não se ter pronunciado sobre «todas e cada uma das alíneas do n.º 2 do artº 18º da lei n.º 27/2008 de 30 de Junho» e por não ter considerado que o acto impugnado padecia de falta de fundamentação e de erro nos pressupostos de facto, por défice de instrução. Porém, porque o Recorrente não levou tais alegações às conclusões do recurso, e este delimita-se pelas respectivas conclusões, quanto a estas invocações, apenas feitas nas alegações do recurso, não nos poderemos agora pronunciar.

Na decisão sindicada fundamenta-se a improcedência do pedido, nomeadamente, escrevendo-se o seguinte: «No caso dos  autos, o  interessado  não alegou  quaisquer  factos  que  motivassem  actos objectivos de natureza persecutória contra a sua pessoa em consequência de actividades exercidas em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, nem invocou quaisquer factos que traduzam um receio de perseguição em virtude da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, objectivo, concreto e direccionado contra a sua pessoa, conforme exigido pelo artigo 3.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho. Também não alegou quaisquer factos indiciadores de uma das situações contempladas no artigo 7.º,  da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.

Quanto aos fundamentos  do pedido, o Autor disse que é simpatizante  do partido UFDG(Union  Force  Democratic  Guinée),  mas  não  é  membro  do  partido;  aquando  das  eleições presidenciais  na Guiné Conacri, em Maio/Junho de 201 O, andou pelas aldeias  a sensibilizar  a população; o candidato  do outro partido, Alpha Conde (RPG - Rassemblement  Peuple Guiné), ganhou as eleições; um indivíduo de Mamou ligado ao Presidente Alpha Conde pediu-lhe para sensibilizar os jovens para votarem no partido do Presidente nas eleições legislativas, que não sabe quando irão realizar-se, embora tenha ouvido dizer serão em 12 de Maio de 2013; tendo recusado, o referido indivíduo disse-lhe que se viesse a ter algum problema ainda poderia complicar mais a sua vida; em  Maio de 2012,  num jogo  de futebol que organizou (para além  de ser vendedor, organiza torneios de futebol) houve conflito entre as equipas e a assistência; tendo alguns país dos jovens feridos apresentado queixa junto da polícia/gardarmerie, no dia seguinte a polícia apareceu quando estava  num vídeo clube a assistir a um jogo  de futebol  e levou-o para a esquadra; aí apareceu  o  referido indivíduo e  disse-lhe  com  tom  sarcástico:  "eu  não te  disse  que  irias ter problemas?!"; permaneceu na esquadra durante um mês; todos os dias era relembrado que estava ali por não ter aceite sensibilizar os jovens; saiu da prisão em 02 de Fevereiro de 2012, porque os jovens dos clubes juntaram algum dinheiro para pagar aos polícias; uma noite quando regressava a casa, vindo  de  uma boite às  04h da manhã, foi apanhado  numa fiscalização  da polícia, que controlava a estrada entre Conacry - Mamou e Bamako (Mali), tendo sido preso e levado para a mesma esquadra,  onde  lhe disseram  que  não podia dizer  que era a própria polícia que fazia ataques  para tirar  os  pertences  das  pessoas  e  libertaram-no;  contou  à  população  e  houve  uma revolta; atacaram a esquadra e agrediram os polícias que ameaçaram matá-lo, por ter contado dos ataques; em Junho de 2012, foi para Bissau; com ajuda de um indivíduo para quem trabalhou em Bissau, de nome ... , saiu de Bissau, por causa da insegurança que aí existe, e veio para Portugal; esse indíviduo de nome ...  arranjou-lhe os documentos com que viajou e algum dinheiro (cf. Alínea G), dos Factos Assentes).

Não tendo o Autor, sobre quem impende o ónus da alegação e da prova dos factos em que se baseia a pretensão, referido qualquer envolvimento  pessoal em actividades  exercidas  em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, que motivassem quaisquer actos objectivos de natureza persecutória contra a sua pessoa, ou invocado quaisquer factos que traduzam um receio de perseguição em virtude  da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, objectivo, concreto e direccionado contra a sua pessoa, não se vislumbrando uma razão  humanitária fundada  para que não regresse à Guiné Conacri (o próprio Autor declarou que depois das eleições de 201O, continuou a fazer a sua vida normalmente, trabalhava. organizava torneios de futebol, frequentava estabelecimentos de diversão noctuma. não tendo sequer equacionado a possibilidade de se fixar noutra zona do país ou solicitado protecção às autoridades da Guiné-Bissau, país onde alegadamente viveu cerca de seis meses, depois de ter saído da Guiné Conacri - cf. Alínea G), dos Factos Assentes), temos de concordar com a Entidade Demandada quando defende que se verificam  as causas de inadmissibilidade  das alíneas b), e c), do n.º 2, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, aplicáveis às situações previstas no artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, ex vi artigo 34.º, do mesmo diploma legal

Acresce que o Autor não apresentou qualquer documento de identificação, nem alegou quaisquer factos que justifiquem a sua ausência, sendo que, à chegada ao Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, identificou-se como sendo ... , apresentando um passaporte falsificado por aposição de visto Schengen contrafeito e uma autorização de residência belga contrafeita, para além de que o seu relato revela, também, algumas contradições, nomeadamente quanto à data em que alegadamente surgiram os problemas que o levaram a abandonar a Guiné Conacri (cf. Alíneas A) a E) e G), dos Factos Assentes).

Tal circunstancialismo abala a credibilidade das declarações prestadas pelo Autor, desde logo quanto à sua identidade e nacionalidade. Os factos alegados pelo requerente de asilo e de autorização de residência por razões humanitárias não têm necessariamente de ser comprovados. No entanto, devem apresentar um grau de verosimilhança que leve a admitir a sua credibilidade. O benefício da dúvida deve ser concedido quando exista manifesta dificuldade de prova dos factos invocados e documentos  apresentados  pelo requerente  de  asilo/autorização  de  residência por razões humanitárias, designadamente para prova da respectiva identidade e nacionalidade, desde que as declarações prestadas pareçam credíveis, o que não sucede no caso.

Assim,  o  acto  impugnado  não  merece  qualquer  censura  também  no  que  respeita  à verificação da causa de inadmissibilidade prevista na alínea e), do n.0 2, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho ("por o requerente ter induzido em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ..."), igualmente aplicável às situações previstas no artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, por força do disposto no artigo 34.º, do mesmo diploma legal.

Não podendo determinar, com um grau razoável de certeza, a identidade e nacionalidade do Autor, fica prejudicada a análise da actual situação na Guiné Conacri, para efeitos do disposto no artigo 7.º, da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, sendo certo que, como já anteriormente referimos, o Autor, sobre quem impende o ónus da alegação e da prova dos factos em que se baseia a pretensão, não alegou quaisquer factos indiciadores de uma das situações contempladas neste preceito legal, resultando das suas declarações que, depois das eleições presidenciais, em 2010, continuou a fazer a sua vida normalmente, não tendo sequer equacionado a possibilidade de se fixar noutra zona do país (cf. Alínea G), dos Factos Assentes), para além de que, como também já anteriormente referimos, não solicitou protecção internacional às autoridades da Guiné-Bissau, país onde alegadamente viveu cerca de seis meses, depois de ter saído da Guiné Conacri, susceptível de ser qualificado como país terceiro seguro na acepção da alínea d}- ii do n.º 2 do art.º 19º da Lei n.º 27 /08, de 30 de Junho, como também se refere na fundamentação do acto impugnado..»

Ora, esta fundamentação está totalmente correcta.

Na realidade, face aos factos provados, verifica-se, que nem na decorrência do procedimento administrativo nem neste processo, o A. e Recorrente alegou que estava individualmente sujeito a perseguições, ou a ameaças, ou que tinha o receio de vir a ser perseguido pelos motivos referidos naquele artigo 3º, n.º1, da Lei n.º 27/2008, de 30.06.

A simpatia pelo UFDG, ou as alegadas acções de sensibilização, por ter uma motorizada, a favor de um partido de que nem sequer é membro e a sua detenção após um conflito do qual resultaram feridos, nos torneios de futebol que organizava, não pode ser considerada como uma situação que implica a perseguição efectiva. Igualmente, das alegações do Recorrente não resulta certo que a sua detenção apenas ocorreu por razões politicas.

Portanto, o A. e Recorrente não invocou factos suficientes (nem tais factos resultam dos autos), que comprovem que fosse pessoalmente e fundadamente alvo de perseguição, ou de ameaças graves em consequência da sua actividade politica.

Quanto ao seu receio individual, não é mais que isso, um receio, que não está suportado com alegações concretas e circunstanciadas que justifiquem a existência de qualquer perseguição.

Face aos factos trazidos aos autos, não deriva ainda que o Recorrente tenha apresentado nenhuma prova do que invocou, podendo tê-la recolhido e apresentado, pois disse que já tinha contactado com o seu anterior chefe, ... , que foi quem «tratou» da sua vinda para Portugal e com a sua irmã em Mamou.

Diversamente a uma situação de perseguição efectiva por razões políticas, diz o Recorrente que após as eleições de 2010 manteve o seu estilo de vida, dentro da sua normalidade, apesar de ter indicado, de forma contraditória, que em 2012, por causa dessas eleições, passou a sofrer as alegadas ameaças. Inquirido porque é que não optou por fugir para outra cidade, de forma desconexa com o anteriormente relatado, disse ser porque «os militares» «durante a noite apanham os da etnia peule», que é a sua.

O Recorrente também não apresentou nenhum documento verdadeiro, mas antes apresentou um documento falsificado, sem que adiantasse uma justificação plausível para essa conduta.

O seu relato não apresenta coerência nem é credível.

Assim, no caso sub judice, sem dúvida que terá de ficar arredada a aplicação do artigo 3º, n.º1, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, à situação do Recorrente.

Nos termos do artigo 3º, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, tem ainda direito à concessão de asilo, «os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual».

Por seu turno, também, nos termos artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, «É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave».

A jurisprudência do STA é unânime a defender que o receio de perseguição, pressuposto essencial do direito de asilo, tem de ser avaliado objectivamente, a partir de factos invocados, não bastando um receio subjectivo, um estado pessoal de inquietação ou medo (cf., entre muitos, os Acs. do STA de 07.05.1998, Proc. n.º 42793, de 02.02.1999 e Proc. n.º 43838, publicados em http://www.dgsi.pt/jsta).

Como se disse, no caso dos autos não resulta que o A. e Recorrente seja efectivamente perseguido e não possa regressar à Guiné, ou aí regressando corra o risco de sofrer ofensa grave.

Limitou-se o A. a alegar factos vagos relativos à sua simpatia pelo UFDG, à participação na campanha na sensibilização de jovens e a uma detenção na sequência de conflitos num jogo que organizou, que imputa a àquela ligação ao UFDG.

O relato do A. e Recorrente não é consistente. Também não apresenta o A. quaisquer elementos adicionais de prova, quando face ao seu relato lhe era possível apresentar.

Em suma, destes autos não resultam quaisquer factos concretos que permitam considerar que o A. tem razões fundadas para não poder regressar à Guiné, por existir um receio objectivo e fundado de perseguição.

Por conseguinte, foi correcta a decisão quando entendeu que o despacho impugnado ao não deferir o pedido de asilo do A. não violou os invocados preceitos legais.

Pede ainda o A. a condenação do R. a conceder-lhe autorização de residência por razões humanitárias e diz que a decisão recorrida ao assim não entender também errou.

Como acima se expôs, nos presentes autos não resulta que a situação do A. e Recorrente seja clara e manifestamente subsumível no regime subsidiário previsto no artigo 7º da Lei n.º 27/2008, de 30.06.

Sobre a situação da Guiné, remete-se entre muitos para os sites http//www.unhcr.org. e http://www.amnesty.org.uk. Não são reportadas na Guiné Conacri situações de perseguições por militares em relação a meros simpatizantes do UFDG. Neste país tem-se tentado estabilizar a ordem.

Acresce, que o preenchimento do conceito «razões humanitárias» constante do artigo 7º da Lei n.º 27/2008, de 30.06., encerra competências discricionárias, que só à Administração competem formular.

Ora, a sindicabilidade de actos em sede de competências discricionárias só tem lugar em situações de erro de facto, erro grosseiro ou manifesto.

O A. e Recorrente não arguiu a existência de tais erros, mas limitou-se a descrever os circunstancialismos político-económicos, o que, na sua óptica, justificavam o deferimento do pedido de autorização de residência por razões humanitárias.

Assim sendo, não é possível ao Tribunal fazer outra apreciação para além daquela que resulta da existência dos alegados erros de facto, grosseiros ou manifestos. Igualmente, porque o preenchimento do conceito «razões humanitárias» apenas compete à Administração, também nunca poderia proceder o pedido de condenação do R. a autorizar o A. a sua residência em Portugal por razões humanitárias, pois tal apreciação extravasa o foro jurídico (cf. neste sentido, entre muitos, os Acs. do STA de 14.06.2000, Proc. n.º 45635, de 26.10.2002, Proc. n.º 44848, de 07.02.2001, Proc. nº 44852, em http://www.dgsi.pt/jsta).

Pelo exposto, acordam em:

a) negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida

b) sem custas por delas estar isento o Recorrente.

Lisboa,    26/10/2013


(Sofia David)

(Carlos Araújo)

(Teresa de Sousa)