Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1907/16.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CESSAÇÃO DE FUNÇÕES
SUBSÍDIO DE LAVAGEM
Sumário:I - Não existe qualquer fundamento na lei para fazer cessar as funções de motorista do ora autor, no sentido de perder aquela categoria profissional e respetiva vaga, salvo os casos excecionais tipificados no DL nº 503/99; e
II - Resulta claro dos cits. artigos 15º e 19º/1 do DL 503/99 que o acidentado tem direito a ser remunerado exatamente como se estivesse a trabalhar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – RELATÓRIO
R…, residente na Rua P…., n.º 26, …, interpôs no TAC de Lisboa a presente ação administrativa ao abrigo do DL nº 503/99 contra o M…..
A pretensão formulada foi a seguinte:
- A declaração de nulidade ou a anulabilidade do ato que lhe determinou a cessação das suas funções de motorista;
- A condenação da Entidade Demandada a pagar ao A. o “subsídio de lavagem” e
- A condenação da Entidade Demandada a pagar ao A., desde novembro de 2010, o valor de € 3.024,70.
Após a discussão da causa, o TAC decidiu o seguinte:
- anula-se o ato impugnado e condena-se a Entidade Demandada nos pedidos.
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Inconformado com tal decisão, o réu interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
a) O Recorrido intentou ação administrativa em 29.08.2016, no qual pretende entre outras coisas, que lhe seja pago o subsídio de lavagem que lhe foi retirado em novembro de 2010. A inércia do Recorrido no exercício do direito de ação que a ordem jurídica lhe conferia, vide artigo 58º do CPTA, implicou a extinção desse direito, devendo, por isso, ser julgada procedente a invocada exceção de caducidade (insuprível), absolvendo-se a …da instância, pelo que decidiu mal o Tribunal a quo.
b) O Tribunal a quo decidiu igualmente mal, ao ter concluído que o Recorrido foi despedido da carreira de guarda prisional, quando tão só o ato impugnado de 30/06/2016 determinou fundamentadamente a cessação como guarda motorista do estabelecimento prisional de Alcoentre, por não ter condições para o exercício efetivo daquelas funções.
c) Concluindo-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo está ferida de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
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O recorrido não contra-alegou.
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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cfr. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROVADOS segundo o tribunal a quo
1) Em 17/03/2008, o A., no exercício das suas funções de motorista junto do Estabelecimento Prisional de Alcoentre sofreu um acidente de viação de onde resultou traumatismo da cervical por chicotada, com extensão com parestesias para as duas mãos (cfr. acordo e Doc. n.º 11, junto com a P.I.);
2) Desde 17/03/2008, na sequência do acidente referido na alínea anterior, que o a. se encontra ausente do exercício das suas funções, com base em acidente de serviço (cfr. acordo e Docs n.º 4 a 13, junto com a P.I.);
3) Resulta do Doc. n.º 1 junto com a P.I., o seguinte:



(Texto no original)

4) Resulta dos Docs n.ºs 15 a 20, juntos com a P.I. que em outubro de 2009, dezembro de 2009, março de 2010, maio de 2010, julho de 2010, e setembro de 2010, foi abonado ao Requerente subsídio de lavagem no valor de € 43,21 e que o mesmo descontou para a CGA o valor de € 18, 62, sob a rúbrica “Abonos de carácter permanente”;
5) Resulta do Doc. n.º 21 junto com a P.I., designadamente, o seguinte:
(Texto no original)


6) Em 22/06/2016, foi emitida Informação n.º DSS/159/16 da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
(Texto no original)
(
(cfr. Doc. n.º 14, junto com a P.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);

7) A Informação referida na alínea anterior mereceu Parecer de concordância com o seguinte teor:
(Texto no original)
(Texto no original)
(Texto no original)


(cfr. Doc. n.º 14, junto com a P.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);

8) Em 30/06/2016 pelo Subdiretor Geral da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais foi proferido despacho com o seguinte teor:
(Texto no original)

(cfr. Doc. n.º 14, junto com a P.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);

9) Em 11/07/2016 foi enviado ao Requerente ofício com a referência 04365, para notificação do despacho, parecer e Informação referidos nas alíneas anteriores com o seguinte teor:
(Texto no original)


(cfr. Doc. n.º 14, junto com a P.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);

10) Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos 4 a 13, juntos com a P.I.;
11) A presente ação foi apresentada neste Tribunal em 26/08/2016, pelo registo do correio (cfr. SITAF).
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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO
São as seguintes as questões a resolver contra a decisão recorrida:
- Erro de direito quanto à cumulação de pedidos e à não verificação da caducidade do direito de ação (artigo 58º do CPTA);
- Erro de direito quanto a o autor ter sido despedido e quanto a ter direito ao subsídio de lavagem.
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1 – Sobre o erro de direito quanto à cumulação de pedidos e à não verificação da caducidade do direito de ação (artigo 58º do CPTA)
O TAC entendeu o seguinte:
“Invoca nesta sede a Entidade Demandada que o A. pretende que lhe seja pago o subsídio de lavagem que lhe foi retirado em novembro de 2010 e, tendo a presente ação sido apresentada neste Tribunal em 29/08/2009, há muito que se encontra ultrapassado o prazo de três meses previsto.
Vejamos.

Ora, in casu, o Requerente peticiona a declaração de nulidade ou anulação do ato administrativo que lhe determinou a cessação das funções de motorista e, bem assim, a condenação da Entidade Demandada a pagar-lhe o subsídio de lavagem vencido entre novembro de 2010 e agosto de 2016, no montante de € 3.024,70 e os vincendos.
Resulta, assim, que no que concerne ao pedido de condenação ao pagamento do subsídio de lavagem, estamos perante um pedido condenatório (embora cumulado com um pedido anulatório) e não um pedido anulatório ao qual não é aplicável o prazo de impugnação previsto nos art.ºs 58º e 59º, ambos do C.P.T.A. invocado pela Entidade Demandada.
Termos em que se julga improcedente a presente ação. (quereria dizer “exceção”)”.

Ora, embora a alegação de recurso não seja particularmente clara neste ponto, a verdade é que a cumulação de pedidos formulada, atrás exposta, encontra abrigo no artigo 4º/2-a) do CPTA.
Quanto à exceção de caducidade do direito de ação, havendo aqui 1 pedido anulatório e 2 pedidos condenatórios em pagamentos não indemnizatórios, temos de atender ao previsto nos artigos 37º, 38º, 58º e 59º do CPTA.
Não há nenhum pedido enquadrável no âmbito a que se refere o artigo 69º do CPTA. Os pedidos condenatórios são apenas da espécie prevista no artigo 4º/2-a) do CPTA.
Portanto, o autor foi notificado do ato administrativo de 30-06-2016 em 14-07-2016 e intentou este processo em 26-08-2016.
Quer isto dizer que nunca seria possível defender a tese defendida pelo réu, pois o prazo de 3 meses, previsto no artigo 58º/1-b) do CPTA, nunca poderia ter sido violado atendendo à data do ato e à da p.i.
É, pois, manifesto que o R e recorrente não tinha e não tem razão.

2 – Sobre o erro de direito quanto a o autor ter sido despedido pelo ato administrativo de 30-06-2016 e quanto a ter direito ao subsídio de lavagem eliminado em tal despacho
O TAC entendeu o seguinte:
“O regime legal que regula o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública está contido no D.L. 503/99 de 20 de novembro.
Nos termos do art.º 3º do citado diploma legal considera-se acidente de serviço o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública (al. b) e incapacidade temporária absoluta a situação que se traduz na impossibilidade permanente do trabalhador para o exercício das suas funções habituais ou de todo e qualquer trabalho (al. m)).
In casu, resulta da factualidade assente que em 17/03/2008, o A., no exercício das suas funções de motorista junto do Estabelecimento Prisional de Alcoentre sofreu um acidente de viação de onde resultou traumatismo da cervical por chicotada, com extensão com parestesias para as duas mãos, encontrando-se, por essa razão e desde tal data, ausente do serviço, com base em acidente de serviço (cfr. als- A) e B) do probatório).
Mais resulta da Informação n.º DSS/159/16 “que não é previsível a data do regresso do A. ao serviço (o qual não deve ocorrer nos tempos mais próximos)” (cfr. al F) do probatório), ou seja, a própria Entidade Demandada reconhece que o A. padece de uma incapacidade temporária para o serviço por tempo indeterminado (sublinhado nosso).
Dito por outras palavras, a própria Entidade Demandada reconhece que a limitação do A., decorrente do acidente de serviço de que foi vítima é duradoura.”.

Depois, invocando e transcrevendo um acórdão do TJUE, entendeu:
“Ora, in casu, resulta que o A. se encontra desde 17/03/2008 ausente do serviço, na sequência de um acidente de serviço, no exercício das suas funções de motorista, não sendo previsível a data do seu regresso (cfr. a própria Entidade Demandada refere na Informação n.º DSS/159/16 – al. F) do probatório), situação essa, aliás, corroborada pela prova documental trazida aos autos, sob os documentos 4 a 13, juntos com a P.I. (cfr. al. J) da factualidade assente)
Pelo que, vislumbra o Tribunal que a limitação do A. é duradoura.
E, nessa medida, na senda do douto aresto supra citado, o ato de cessação das funções de motorista, ora impugnado, é ilícito por violação do princípio da não discriminação, do direito à proteção contra os despedimentos ilícitos, do direito às condições de trabalho justas e equitativas, do direito de acesso às prestações de segurança social e do direito à proteção da saúde consagrados, respetivamente, no artigo 21.°, n.°1, nos artigos 30.°, 31.°, 34.°, n. 1, e 35.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000/C 364/01) e por ofensa da Diretiva 2000/78.
No tocante ao subsídio de lavagem, resulta do probatório que até setembro de 2010, foi abonado ao Requerente o mesmo no valor de € 43,21.
Neste conspecto prescreve o art.º 15º do D.L. 503/99, de 2º de novembro, sob a epígrafe “Direito à remuneração e outras regalias” que “No período de faltas ao serviço, em resultado de acidente, o trabalhador mantém o direito à remuneração, incluindo os suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social, e ao subsídio de refeição”
Prescreve, por sua vez, o Artigo 19.º do citado diploma legal
“Faltas ao serviço
1-As faltas ao serviço, resultantes de incapacidade temporária absoluta motivadas por acidente, são consideradas como exercício efetivo de funções, não implicando, em caso algum, a perda de quaisquer direitos ou regalias (…)” (sublinhado nosso)
Donde, constituindo o subsídio de lavagem um suplemento remuneratório, devido ao A. por referência ao exercício das funções de motorista, em virtude de ocupar tal posto de trabalho e enquanto perdurar o exercício de funções efetivo ou como tal considerado em lei (cfr. art.º 159º n.º 1, 2 e 4 da Lei n.º 35/14, de 20 de Junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sublinhado nosso), nos termos concatenados dos supra citados art.º 15º e 19 do D.L. 503/99, de 2º de Novembro, tem o mesmo carácter permanente.
Com efeito, outra solução não vislumbra o Tribunal para o facto de a Entidade Demandada ter pago o subsídio em causa ao A. até outubro de 2010 (ou seja, até dois anos após o acidente em serviço, quando o A. já se encontrava ausente do mesmo por incapacidade temporária) e sobre o mesmo ter efetuado descontos.
E, nessa medida, é o mesmo devido ao A.”.

Ora, é verdade que a sentença errou quando considerou ter aqui ocorrido um despedimento, apesar de muito ter escrito e transcrito sobre isso.
O que ocorreu foi a decisão de fazer cessar as funções de motorista do ora autor, sob o pressuposto de tal ser necessário para ter vaga para alguém que exerça tal atividade de modo real.
Mas já não errou no essencial: (i) ser ilegal, por falta de fundamento jurídico algum, a cessação das funções naqueles termos e (ii) ser devido o subsídio mensal de lavagem.
Com efeito:
(i) não existe qualquer fundamento na lei para fazer cessar as funções do ora autor, no sentido de perder aquela categoria profissional e respetiva vaga, salvo os casos excecionais tipificados no DL nº 503/99; e
(ii) resulta claro dos cits. artigos 15º e 19º/1 do DL 503/99 que o acidentado tem direito a ser remunerado exatamente como se estivesse a trabalhar.
Assim, sendo certo que tal subsídio mensal se reporta à lavagem e manutenção regular da viatura, é igualmente certo que tinha caráter normal ou regular em termos do período mensal. Nem que fossem uma ou duas vezes por mês as vezes em que o autor cuidasse do carro naqueles termos.
Pelo que o autor tem direito a receber tal subsídio.
Nesta parte também, o ato administrativo é ilegal, anulável (artigo 163º/1 CPA).
2.1.
Cumpre, ainda, referir algo de estranho, eventualmente ilegal e certamente prejudicial para as duas partes processuais, tendo presente que esta situação dura há mais de 10 anos: não se percebe por que motivo a entidade pública empregadora e ou o superior hierárquico do aqui recorrente não terão cumprido o demais previsto no DL nº 503/99, nomeadamente o previsto nos importantes artigos 4º, 5º (2 - O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma. 3 - Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma), 9º, 11º, 19º/4 (No caso de a ausência ao serviço por motivo de acidente exceder 90 dias consecutivos, é promovida, pela entidade empregadora, a apresentação do sinistrado a exame de junta médica com competência para justificar as faltas subsequentes, sem prejuízo da possibilidade de verificação do seu estado de saúde pela mesma junta, sempre que a entidade empregadora o julgue conveniente), 21º e 44º. É que, pela “normalidade das coisas” e de acordo com tal diploma legal, o autor já estaria aposentado ou a trabalhar.
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III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, com diferente fundamentação, negar provimento ao recurso, mantendo a anulação do despacho de 30-06-2016 ora impugnado.
Custas do recurso a cargo do recorrente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 19-04-2018