Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08311/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/02/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR, EFEITO DO RECURSO, RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA, AIM, LEI Nº 62/2011, DE 12/12
Sumário:I. O recurso da decisão proferida no âmbito de providência cautelar tem efeito meramente devolutivo, à luz do disposto no nº 2 do artº 143º do CPTA.

II. Não é finalidade própria do incidente de impugnação da Resolução Fundamentada, apreciar a atuação da Administração em abstrato ou quando essa atuação nem sequer tenha ocorrido, mas apenas quando haja sido praticado algum ato de execução.

III. Tendo presente os fundamentos aduzidos por uma das correntes jurisprudenciais anteriores neste Tribunal e sobretudo, na 1ª instância, reiterada após a entrada da Lei nº 62/2011, de 12/12 e ainda:
i) a redação dada pelo artº 4º da Lei nº 62/2011, de 12/12 aos artºs. 19º nº 8, 25º nºs 2 e 3 e 179º nº 2 do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo D.L. n.º 176/2006, de 30/08;
ii) que o artº 9º nº 1 da Lei nº 62/2011 atribuiu-lhes natureza interpretativa;
iii) que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do nº 1 do artº 13º do CC,
é de recusar a adoção das providências cautelares de suspensão de eficácia de ato de Autorização de Introdução no Mercado de medicamento genérico e de intimação à abstenção de fixação do PVP, com fundamento na violação do direitos de propriedade industrial.

IV. Na concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamento genérico, não existe o dever de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência.

V. Tal resulta, quer do Estatuto do Medicamento, quer do ordenamento jurídico comunitário, os quais rejeitam a possibilidade de na concessão de AIM as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

H. L……… A/S, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 21/06/2011 que, no âmbito do processo cautelar por si movido contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação e a Contrainteressada, O…… C……., indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed e de intimação da DGAE, na pessoa do MEI a abster-se de, enquanto a Patente ....... e o CCP estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa, absolvendo as entidades requeridas do pedido.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 824 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. Uma vez que o presente recurso se reporta a uma decisão de não decretamento das medidas cautelares requeridas, deverá ter efeito suspensivo, nos termos do artigo 143.° n.° 1 do CPTA.

B. A decisão que indeferiu a impugnação da Resolução Fundamentada aplicou erradamente o artigo 128.° do CPTA aos presentes autos, já que o Tribunal a quo podia escrutinar os respetivos fundamentos ao abrigo do n.° 3 dessa mesma disposição legal, independentemente da existência de atos de execução (indevida).

C. As razões constantes da Resolução Fundamentada deverão ser consideradas inadmissíveis.

D. A lista dos factos considerados provados pela sentença recorrida deve ser alargada, de modo a incluir na mesma os factos alegados pela Recorrente nos artigos 8.° a 19.° (inclusive), 21.°, 22.°, 24.°, 28.°, 29.°, 30.° a 36.° 38.° a 41.° (inclusive), 43.°, 48.°, 49.º, 51.°, 52.°, 55.°, 104.° e 105.° a 107.º (inclusive) do Requerimento Inicial, incluindo que:

(i) “Ao tempo da prioridade da PT 90 845 (14 de junho de 1989) e da prioridade invocada nessa patente (14 de junho de 1988), o Escitalopram nunca tinha sido sintetizado ou divulgado de modo a ser explorado por um especialista na matéria, o mesmo acontecendo com o processo mencionado na patente para obter esse produto”.

(ii) “O Escitalopram Orion contém o Escitalopram como princípio ativo, que é preparado pelo processo descrito na PT 90 845, protegido pelo CCP 152”.

E. Caso o Tribunal ad quem assim não entenda, no que se refere a qualquer um dos factos acima indicados, então deve decidir sobre os mesmos nos termos do artigo 149.° n.° 2 do CPC, ou, no caso de entender não ser aplicável esta disposição, deve revogar a decisão recorrida e ordenar a descida do processo à Primeira Instância, para este prosseguir nos termos do disposto no artigo 712.°, n.° 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.° do CPTA.

F. Uma vez que o presente processo cautelar é de natureza conservatória, deve considerar-se o requisito do fumus non malus iuris previsto no artigo 120.° n.° 1 b) do CPTA suficiente e que se encontra verificado no presente caso, facto que foi ignorado pelo Tribunal a quo, violando, pois a referida norma.

G. O presente processo cautelar poderia e deveria, pois, ter sido decretado, visto que se não demonstrou qualquer facto ou se alegou qualquer razão de direito que tornasse manifesta a falta de fundamento da ação principal ou que determinasse que a mesma não pudesse ser apreciada no seu mérito.

H. Se o Tribunal a quo tivesse corretamente identificado a questão legal em discussão, teria concluído que o requisito do fumus bonus iuris exigido no artigo 120.° n.° 1 a) do CPTA também se verifica no presente caso.

I. A questão jurídica que se coloca nos presentes autos é a de saber se um ato administrativo que concede uma autorização de comercialização de um medicamento que irá violar uma patente válida e em vigor – como foi provado – é inválido porque ilegal e, por isso, deve ser anulado pelo tribunal, se for concedido pelo Infarmed.

J. O princípio da imparcialidade da Administração, na sua dimensão objetiva, significa que o Infarmed deverá ponderar todas as circunstâncias relevantes para a decisão, nomeadamente a existência de direitos de propriedade industrial.

K. A norma do art. 25.° do Estatuto do Medicamente será inconstitucional, por falta de proteção mínima adequada de um direito fundamental, se for interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o Infarmed a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento da existência de violação de patente procedimentalmente comprovada.

L. As AIMs impugnadas devem ser anuladas ou declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135.° e 133.°, n.° 2 c) e d) do CPA, respetivamente, uma vez que levantam barreiras administrativas referentes à exploração pela Contra-Interessada do processo protegido pela Patente, cuja consequência será permitir a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias – o direito de propriedade industrial da Recorrente –, o qual beneficia do regime constante do art. 17.° da Constituição) e, em consequência, violando os arts. 18.°, 62.° e 266.° da Constituição, sendo o seu único efeito útil a viabilização de uma prática criminosa por terceiros.

M. As AIMs são ilegais por violação do disposto nos artigos 100º e ss. do CPA, uma vez que não foi dada oportunidade à Recorrente para se pronunciar no procedimento de AIM do Escitalopram Orion apesar do seu óbvio estatuto legal de interessada.

N. Se o MEID/DGAE autorizar os PVPs, tais autorizações serão, pelas razões referidas na conclusão L., anuláveis ou nulas ao abrigo dos arts. 135.° e 133.°, n.° 2, al. c) e) do CPA.

O. O requisito do periculum in mora constante do n.° 1 do art. 120.° do CPTA verifica-se no caso presente porque o indeferimento do presente processo cautelar não só irá criar uma situação de facto consumado, como os danos invocados pela Recorrente enquadram-se no previsto no artigo 120.° do CPTA. Sustentar o contrário consubstanciaria uma violação do art. 120.° do CPTA, bem como do princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural previsto no artigo 566.° do Código Civil.

P. Contrariamente ao decidido pela Sentença recorrida, a concessão de uma AIM configura a decisão central no procedimento administrativo tendente à comercialização de um medicamento, o que é suficiente para justificar um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado que tornará inútil a ação principal, apenas evitável com o deferimento do presente processo cautelar.

Q. Mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência, mediante a aplicação correta do princípio da teoria da causalidade adequada, causará à Recorrente – tal como exige a al. b) do n.° 1 do art. 120.° do CPTA –, danos imateriais de reparação difícil ou mesmo impossível, porquanto a comercialização do Escitalopram Orion irá implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo que constitui o conteúdo essencial do direito de propriedade industrial de que é titular, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

R. A ponderação de prejuízos constante no n.° 2 do artigo 120.° do CPTA é favorável à concessão da providência à Recorrente, uma vez que o Infarmed e a Contra-Interessada não alegou quaisquer danos específicos que para os mesmos decorressem do deferimento do processo cautelar e, mesmo que tais danos tivessem sido alegados e se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, considerando que o que está em causa é a violação de um direito fundamental de natureza análoga.”.

Termina pedindo que deve ser dado provimento ao recurso, com efeito suspensivo, devendo a sentença recorrida ser revogada e a decisão que indeferiu a impugnação da Resolução Fundamentada ser substituída por outra que considere improcedentes as razões em que se fundamenta essa Resolução.


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Foi atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso, por despacho de fls. 1021-1022.

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A Contrainteressada contra-alegou, formulando 47 conclusões (algumas com vários pontos), as quais, atenta a sua prolixidade, ora se dão por reproduzidas.

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O Infarmed contra-alegou, pedindo que seja negado provimento ao recurso e seja confirmada a sentença, assim concluindo:

Nos termos do artigo 143.°/2 do CPTA, os recursos de providências cautelares têm sempre efeito devolutivo.

Na presente demanda, a ora Recorrente deduziu uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de atos de concessão de AIMs referentes aos medicamentos genéricos com os princípios ativos “Escitalopram”, tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal ao quo.

In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adoção da mencionada providência cautelar.

É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios.

Da factualidade dada como provada resulta que as AIMs são atos insuscetíveis de lesar os direitos de propriedade industrial da Recorrente.

Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efetiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à entidade administrativa dirimir.

Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.° do CPA.

Ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do art. 62° da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir atos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado.

Bem andou o douto Tribunal a quo ao julgar não verificada a previsão do artigo 120.°/1/a) do CPTA, já que é manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.

10ª Como se conclui na douta sentença recorrida, não se verifica igualmente o pressuposto periculum in mora, visto que inexiste um fundado receio de facto consumado ou da verificação da produção de prejuízos de difícil reparação.

11ª A Recorrente não fez prova do periculum in mora, prova essa que se diga ser impossível, visto que os prejuízos que invoca não resultam diretamente dos atos administrativos cuja suspensão se requer, mas antes da efetiva comercialização dos medicamentos.

12ª A verificarem-se prejuízos, estes seriam sempre decorrentes da comercialização e não da concessão de ATM, não existindo qualquer nexo de causalidade entre aqueles e os atos de concessão de AIM.

13ª Neste sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2008, que perfilhou a tese que defende a inexistência de qualquer causalidade adequada entre os atos de AIM e os eventuais prejuízos invocados pela Recorrente.

14ª Ainda que a Recorrente tivesse logrado provar qualquer prejuízo com a concessão das AIMs, o que não se verificou, sempre seria de entender que prevaleceria o interesse público, aplicando-se in casu o disposto no artigo 120.°/2 do CPTA.

15ª Em suma, e não se verificando in totum, no caso sub judice, os requisitos necessários para a concessão da providência cautelar requerida, deve ser julgado improcedente o recurso da Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida.

16ª O único incidente processual previsto e regulado nos termos do artigo 128.° é o tendente à declaração de ineficácia de atos de execução indevida, seja por não ter sido emitida resolução fundamentada, seja porque o tribunal julgou improcedentes as razões em que a mesma se fundamentou.

17ª Atendendo a que a Recorrente não identificou quaisquer atos de execução indevida no âmbito do procedimento em causa na presente providência cautelar, não pode o tribunal apreciar a se o mérito da resolução fundamentada emitida pela entidade administrativa, devendo ser julgado, em consequência, improcedente o recurso da Recorrente.”.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 1137).

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Sobre o parecer emitido, pronunciou-se a Contrainteressada (cfr. fls. 1146 e segs.), requerendo a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide e a Recorrente (a fls. 1168 e segs.), concluindo como nas alegações no recurso, reiterando o pedido de que o recurso seja julgado procedente.

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O Infarmed veio a juízo, nos termos do artº 8º do CPTA (a fls. 1219), invocar, em súmula, que a norma interpretativa resultante da Lei nº 62/2011 deve ser tida em consideração na decisão a proferir, requerimento em relação ao qual se pronunciaram a Recorrente (fls. 1229) e o Ministério da Economia e do Emprego (fls. 1274).

A Recorrente pronunciou-se ainda sobre o teor do requerimento apresentado pelo Ministério da Economia e do Emprego (cfr. fls. 1287).


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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, às seguintes:

1. efeito do recurso [conclusão A)]

2. erro de direito quanto à aplicação do artº 128º do CPTA em relação à impugnação da Resolução Fundamentada [conclusões B) e C)];

3. erro de julgamento de facto [conclusões D) e E)];

4. erro de julgamento de direito quanto ao não decretamento das providências cautelares de suspensão de eficácia de ato de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos concedidos pelo Infarmed e de intimação da DGAE, na pessoa do MEI, a abster-se de, enquanto a Patente ....... e o CCP estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa [conclusões F), G), H), I), J), K), L), M), N), O), P), Q) e R)].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1) A H. L…………., A/S, é titular da patente n.° ………, pedida em 14.6.1989 e concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial por despacho de 12.5.1994 - publicado em 30.11.1994 no Boletim da Propriedade Industrial -, a qual já se encontra caducada, com a epígrafe “Processo para a preparação de novos enantiómetros do citalopram e de composições farmacêuticas que os contêm” (cfr. Doc. 1, junto com a petição inicial).

2) Dá-se aqui por integralmente reproduzida a Descrição da patente de invenção n.° ......., constante de fls. 139 a 156, dos autos em suporte de papel, a que pertencem as demais folhas a citar, sem menção de origem.

3) Nos termos do Certificado Complementar de Proteção n.° 152, concedido por despacho de 15.9.2003, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – publicado em 27.2.2004 no Boletim da Propriedade Industrial -, o produto abrangido é a C……., o qual se encontra protegido na patente base n.° ......., com início de vigência em 15.6.2009 e termo de vigência em 15.6.2014 (cfr. Docs. 1 e 3, juntos com a petição inicial).

4) Por despacho de 31.1.2011, do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Infarmed, foi concedida à contrainteressada autorização para introdução no mercado dos seguintes medicamentos que contêm Escitalopram como substância ativa:

- Escitalopram Orion (5 mg) comprimidos revestidos por película;

- Escitalopram Orion (10 mg) comprimidos revestidos por película;

- Escitalopram Orion (15 mg) comprimidos revestidos por película;

- Escitalopram Orion (20 mg) comprimidos revestidos por película (cfr. fls. 48, do processo instrutor junto pelo Infarmed, Doc. 12, junto a petição inicial, e fls. 603 a 610).

5) Em 10 de março de 2011, o Conselho Diretivo do Infarmed, IP, proferiu a resolução que consta de fls. 547 a 550, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde é referido nomeadamente o seguinte:

“1. O 1NFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (INFARMED, I.P.), foi citado a 4 de março de 2011, no âmbito do processo cautelar que corre seus termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.° 573/11.2 BELSB, e que tem por objeto autorizações de introdução no mercado de medicamentos genéricos com o princípio ativo Escitalopram, concedidos à O……… C……… em 31 de janeiro de 2011:

(...)

Pelo exposto, ao abrigo do n.° 1 do art. 128° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Conselho Diretivo do INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., resolve reconhecer que o deferimento da execução do(s) ato(s) de concessão da(s) autorização(ões) de introdução no mercado do(s) medicamento(s) supra identificados, praticado(s) pelo Conselho Diretivo do INFARMED, IP, seria gravemente prejudicial para o interesse público e determina o prosseguimento da sua execução”.

6) Em 16.4.2007, a ora requerente apresentou ao Infarmed um pedido de prestação de informações relativas a pedidos de AIMs pendentes referentes a medicamentos contendo Escitalopram como substância ativa, tendo requerido a emissão de certidões e informado de que era titular de direitos de propriedade industrial em relação ao Escitalopram decorrentes da PT ....... (cfr. Doc. n.° 13, junto com a petição inicial).

7) Em 26.6.2007 a ora requerente peticionou ao Infarmed que fosse reconhecida enquanto interessada nos procedimentos de AIM de Escitalopram em curso e que lhe fossem garantidos todos os direitos inerentes a essa qualidade, incluindo o direito de audiência prévia, previsto nos arts. 100° e ss., do CPA (cfr. Doc. n.° 15, junto com a petição inicial).

8) Em 28 de fevereiro de 2011 foi apresentada neste tribunal a petição inicial relativa ao presente processo cautelar (cfr. fis. 1 e 2).

9) Em 28 de abril de 2011 foi intentada a ação principal, na qual são formulados os seguintes pedidos:

- declaração de nulidade ou anulação — ou ser ordenado o diferimento da sua eficácia até à data de caducidade da patente PT ....... e respetivo CCP 152, que termina em 15.6.2014 - do ato de AIM descrito em 4);

- intimação do Infarmed a não autorizar ou não realizar a transferência da titularidade da AIM concedida pelo despacho descrito em 4) à contrainteressada durante o período da vigência da patente PT ....... e respetivo CCP 152, que termina em 15.6.2014;

- condenação da DGAE, na pessoa do MEI, a abster-se de, enquanto a patente PT ....... e extensão do seu âmbito de proteção garantida pelo CCP 152 se encontrar em vigor, emitir os PVPs requeridos ou a requerer pela contrainteressada ou a abster-se de emitir os referidos atos sem suspender a sua eficácia que termina com a caducidade do CCP 152 (15.6.214) relativamente aos medicamentos descritos em 4) (cfr. proc. n.° 1122/11.2 BELSB).”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Efeito do recurso [conclusão A)]

Sustenta a recorrente que o presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos do nº 1 do artº 143º do CPTA, não sendo aplicável o nº 2 do mesmo preceito, por aquele se aplicar a decisões que neguem a adoção de providências cautelares.

A questão suscitada pela recorrente tem merecido resposta divergente neste Tribunal de recurso, existindo arestos no sentido defendido pela recorrente e, simultaneamente, em sentido divergente.

No nº 1 do artº 143º do CPTA, o legislador atribuiu o efeito suspensivo regra ao recurso jurisdicional.

Contudo, no nº 2 do mesmo preceito, previu situações a que atribuiu diferente efeito, o efeito meramente devolutivo, designadamente, aos recursos interpostos de decisões proferidas no âmbito de intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias e no âmbito de processos cautelares.

Quando o legislador se referiu a “decisões respeitantes à adoção de providências cautelares”, pretendeu abranger todas as decisões proferidas no âmbito de tal forma de processo e, por isso, quer quando se adote, quer quando se rejeite, a providência cautelar requerida.

Estas decisões são todos os tipos de decisões que podem ser adotadas em providências cautelares, como sejam as que concedem ou deneguem providências cautelares” – cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, inComentário ao CPTA”, 3ª ed. revista, 2010, pág. 941.

No mesmo sentido, vide, de entre outros, os Acórdãos deste Tribunal, de 14/4/2005, proc. nº 618/05, de 11/6/2007, proc. nº 2167/06) e de 30/11/2011, proc. 08023/11.

Porque o presente recurso é interposto de uma sentença que indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia e de intimação à abstenção de conduta, a norma aplicável é a do nº 2 do referido artº 143º do CPTA, pelo que, o efeito do recurso é o meramente devolutivo, tal como bem fixou o Tribunal a quo.

Portanto, deve manter-se o efeito atribuído ao recurso, o efeito meramente devolutivo.

2. Erro de direito quanto à aplicação do artº 128º do CPTA quanto à impugnação da Resolução Fundamentada [conclusões B) e C)]

Alega a recorrente que a decisão que indeferiu a impugnação da Resolução Fundamentada aplicou erradamente o artº 128º do CPTA, por entender que o Tribunal a quo podia escrutinar os respetivos fundamentos ao abrigo dessa disposição legal, independentemente da existência de atos de execução indevida, devendo as razões constantes da Resolução Fundamentada ser consideradas inadmissíveis.

Extrai-se o seguinte da decisão proferida sobre a impugnação da Resolução Fundamentada:

Um dos argumentos invocados pelo Infarmed para a improcedência do presente incidente, e com razão, reside na circunstância da requerente não indicar qualquer ato que repute de execução indevida.

Com efeito, do disposto no art. 128° n.°s 3 a 6, do CPTA, decorre que o tribunal só pode apreciar as razões em que assenta a resolução fundamentada no âmbito de incidente deduzido para declaração de ineficácia de atos de execução indevida.

Com efeito, e como explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, págs. 649 a 652, “Ao abrigo da resolução fundamentada, a Administração vai poder executar o ato e poderá continuar a fazê-lo até ao momento em que o tribunal porventura julgue infundada a resolução, no âmbito de um eventual incidente de declaração de ineficácia dos atos praticados ao abrigo da resolução (...)“ (sublinhado nosso).

Também neste sentido se decidiu no Ac. do TCA Norte de 4.10.2007, proc. n.° 01312/05.2 BEBRG-C, onde se refere nomeadamente que “Dúvidas não temos que o incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida não comporta na sua letra e finalidade a impugnação em termos de no mesmo se obter a declaração de invalidade da resolução à luz das ilegalidades assacadas à mesma tal como resultaria no contexto de pretensão formulada numa ação administrativa especial, pelo que no âmbito deste incidente toda a crítica que a “resolução fundamentada” possa merecer deverá ter como fim a obtenção duma declaração de ineficácia dos atos de execução (...)“ (sublinhado nosso).

Bem como no Ac. do TCA Sul de 7.5.2009, proc. n.° 04996/09, onde se escreveu que, “Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à recorrente, conforme decorre da doutrina e jurisprudência invocada no despacho jurisdicionalmente recorrido, decorrendo efetivamente do disposto nos n.°s 3 e 6 do art° 128° do CPTA, que não vindo requerida a declaração de ineficácia de atos de execução indevida do despacho suspendo, como é o caso, não é possível apreciar a legalidade da resolução fundamentada proferida, não servindo o presente incidente processual deduzido de meio para obter tal apreciação/declaração como se de uma ação administrativa especial dirigida contra tal resolução se tratasse.”.

Aliás, a redação do n.° 3 do art. 128°, do CPTA, apenas permite esta conclusão, ou seja, de que a apreciação das razões em que assenta a resolução fundamentada só pode ser efetuada no âmbito do incidente de declaração de ineficácia dos atos praticados ao abrigo da resolução, pois aí se estatui que:

“Considera-se indevida a execução quando (...) o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta” (sombreado e sublinhado nossos).

Como se explica no Ac. do TCA Sul de 3.3.2011, proc. n.° 06970/10, “A lei não prevê que se peça a vã ou mera apreciação dos “motivos” da “resolução”. E a economia processual justifica-o: só vale a pena apreciar os motivos concretos da “resolução fundamentada” se houver desrespeito pela regra ope legis constante do n° 1 do art. 128°, ou seja, se se prosseguir ou tiver prosseguido na execução do ato administrativo.

Seria perda de tempo gastar os meios dos tribunais para apenas aferir o teor das ditas resoluções. Note-se que, mesmo que o tribunal o pudesse fazer e o fizesse, posteriores atos de execução poderiam na mesma surgir de facto, criando a necessidade de se ir de novo ao juiz cautelar.

Não existe, assim, no CPTA o incidente de declaração da improcedência das razões concretas invocadas na “resolução fundamentada” prevista no art. 128° do CPTA.”.

A recorrente sustenta o recurso num entendimento que não tem o apoio na lei, já que não é finalidade própria do incidente de impugnação da Resolução Fundamentada, apreciar a atuação da Administração em abstrato ou quando essa atuação nem sequer tenha ocorrido, por nenhum ato ou operação material ter sido praticado na pendência da lide cautelar, mas apenas quando haja sido praticado algum ato de execução do ato suspendendo, o que não consiste o caso.

Assim, encontra-se corretamente enquadrada e decidida a questão sob recurso, alicerçada na jurisprudência dos Tribunais superiores, sem com ela patentear divergência.

Termos em que improcedem as conclusões do recurso em análise.

3. Erro de julgamento de facto [conclusões D) e E)]

Segundo a recorrente a lista dos factos considerados provados pela sentença recorrida deve ser alargada, de modo a incluir os factos alegados no requerimento inicial, nos artigos 8º a 19º, 21º, 22º, 24º, 28º a 36º, 38º a 41º, 43º, 48º, 49º, 51º, 52º, 55º, 104º e 105º a 107º.

Vejamos.

Analisados cada um dos artigos mencionados pela recorrente verifica-se que os mesmos embora contenham matéria de facto, não relevam para decisão a proferir.

Está em causa um processo de natureza cautelar, onde o conhecimento de facto e de direito é de natureza sumária e perfunctório, onde não é finalidade conhecer e decidir sobre cada uma das causas de pedir invocadas como fundamento da ilegalidade dos atos impugnados, mas apenas decidir do pedido de decretamento das providências requeridas à luz dos critérios de adoção, previstos no artº 120º do CPTA.

Além do mais, a matéria a que respeitam os autos não é inédita nos Tribunais portugueses, tendo, inclusivamente, sido objeto de inúmeras decisões deste Tribunal, quer em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12/12, quer já depois da sua vigência na ordem jurídica.

Todo o exposto, permite-nos dizer, seguramente, da irrelevância da factualidade constante nos citados artigos do requerimento inicial para a concreta decisão judicial a proferir.

Pelo que, improcedem as conclusões do recurso, ora alvo de análise.

4. Erro de julgamento de direito quanto ao não decretamento das providências cautelares de suspensão de eficácia de ato de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos concedidos pelo Infarmed e de intimação da DGAE, na pessoa do MEI, a abster-se de, enquanto a Patente ....... e o CCP estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa [conclusões F), G), H), I), J), K), L), M), N), O), P), Q) e R)]

A recorrente veio a juízo recorrer da sentença recorrida com fundamento no erro de julgamento de direito em que incorreu ao denegar as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed e intimação à abstenção de fixação do PVP.

Conforme decorre do requerimento inicial e da própria alegação do recurso jurisdicional interposto, a recorrente fundamentou o seu pedido nos direitos que emergem da patente nº ....... e do CCP, de que é titular, bem como nas obrigações que sobre o Estado e sobre os seus órgãos recaem, de não praticar atos que tenham por objeto a infração dos direitos resultantes dessa patente, pelo que, a questão em causa nos presentes autos é a de saber se um ato administrativo que concede uma autorização de comercialização de um genérico irá violar uma patente válida, sendo inválido porque ilegal (por violar direitos de propriedade industrial) e, por conseguinte, se for concedido deve ser anulado pelo tribunal.

A sentença recorrida indeferiu as providências requeridas com fundamento na não verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, decisão que a recorrente não aceita.

A recorrente discorda da decisão proferida, com fundamento, em que um ato administrativo de concessão de AIM a um medicamento, é um ato que viabiliza juridicamente a atividade de comercialização de um medicamento genérico, que irá violar uma patente válida e em vigor, os direitos de exclusivo emergentes da titularidade de uma patente e a violação de normas constitucionais, nomeadamente, os artºs. 62º e 266º, que visam a proteção de um direito fundamental – os direitos de propriedade industrial da recorrente emergentes da patente.

Mais invoca que da emissão da AIM resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade à ação, assim como prejuízos de difícil reparação.

De imediato se deve dizer ser de manter, na íntegra, a sentença sob recurso, por não proceder o erro de julgamento de direito que contra ela vem assacada.

Em 12/12/2011 foi publicada a Lei nº 62/2011, que entrou em vigor cinco dias após a sua publicação (nos termos do artº 5º nº 2 do CC e artº 2º nº 2 da Lei nº 74/98, de 11/11), ou seja, em 17/12/2011.

Estabeleceu a Lei nº 62/2011, que “cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 182/2009, de 7 de agosto, 64/2010, de 9 de junho, e 106-A/2010, de 1 de outubro, e pela Lei n.º 25/2011, de 16 de junho, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 106-A/2010, de 1 de outubro” (cfr. artº 1º), no seu artº 9º, nº 1, referente a “Disposições transitórias”, o seguinte:

1 – A redação dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.”.

Para tanto, prevê-se no nº 8 do artº 19º do D.L. n.º 176/2006, de 30/08, que aprova o Estatuto do Medicamento, que: “A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs 1 a 6 e as exigências práticas daí decorrentes, incluindo a correspondente concessão de autorização prevista no artigo 14.º, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de proteção de medicamentos.”.

Por sua vez, os nºs 2 e 3 do artº 25º do citado diploma, dispõem que: “o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º” e “para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos”.

Por último, o nº 2 do artº 179º do Estatuto do Medicamento, estatui que “a autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial”.

Assim, tendo presente a redação dos citados normativos, que o nº 1 do artº 9º da Lei nº 62/2011, de 12/12, atribui-lhes natureza interpretativa e que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do nº 1 do artº 13º do CC, não pode ser outra a decisão deste Tribunal ad quem senão a que mantenha a sentença recorrida, denegando procedência ao presente recurso jurisdicional.

Interpretando a referida Lei nº 62/2011, de 12/12 à luz da jurisprudência expendida por este Tribunal nos processos nºs. 8055/11, de 10 de novembro de 2011, 8121/11 de 17 de novembro de 2011 e nºs. 8258/11, 8312/11 e 8355/11, todos de 19 de janeiro de 2012, que espelham não só uma das correntes jurisprudenciais anteriormente existentes neste Tribunal e, essencialmente, na 1ª instância, como também a plenitude da visão deste Tribunal de recurso após a entrada em vigor da nova Lei, decidindo julgar improcedentes os recursos interpostos pelas titulares das patentes em casos muito similares, fazendo uso do disposto no nº 5 do artº 713º do CPC, subsidiariamente aplicável aos recursos ordinários de decisões jurisdicionais dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do artº 140º do CPTA, remetemos a fundamentação do presente Acórdão para a daqueles Acórdãos, designadamente, nºs. 8055/11 e 8312/11, de que juntamos cópias.

Deste modo, em face do todo que antecede, designadamente, pelas razões aduzidas nos citados arestos, aqui inteiramente aplicáveis, improcedem in totum as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida, a qual se mantém nos seus exatos termos.


*

Pelo exposto, será de julgar improcedente o recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos.

*


Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:
I. O recurso da decisão proferida no âmbito de providência cautelar tem efeito meramente devolutivo, à luz do disposto no nº 2 do artº 143º do CPTA.
II. Não é finalidade própria do incidente de impugnação da Resolução Fundamentada, apreciar a atuação da Administração em abstrato ou quando essa atuação nem sequer tenha ocorrido, mas apenas quando haja sido praticado algum ato de execução.

III. Tendo presente os fundamentos aduzidos por uma das correntes jurisprudenciais anteriores neste Tribunal e sobretudo, na 1ª instância, reiterada após a entrada da Lei nº 62/2011, de 12/12 e ainda:

i) a redação dada pelo artº 4º da Lei nº 62/2011, de 12/12 aos artºs. 19º nº 8, 25º nºs 2 e 3 e 179º nº 2 do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo D.L. n.º 176/2006, de 30/08;

ii) que o artº 9º nº 1 da Lei nº 62/2011 atribuiu-lhes natureza interpretativa;

iii) que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, nos termos do nº 1 do artº 13º do CC,

é de recusar a adoção das providências cautelares de suspensão de eficácia de ato de Autorização de Introdução no Mercado de medicamento genérico e de intimação à abstenção de fixação do PVP, com fundamento na violação do direitos de propriedade industrial.

IV. Na concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamento genérico, não existe o dever de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência.

V. Tal resulta, quer do Estatuto do Medicamento, quer do ordenamento jurídico comunitário, os quais rejeitam a possibilidade de na concessão de AIM as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos) Concordo com a decisão mas por fundamentação distinta, que segue.

Com a entrada em vigor da Lei 62/2011 de 12.12, lei interpretativa por declaração expressa no texto do citado diploma, foram introduzidas alterações de natureza substantiva ao DL 176/06 de 30.08 que se referem especificamente, por via ablativa, aos pressupostos da competência concreta na matéria legalmente confiada ao Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP para efeitos de prática de actos de AIM e de registo de AIM atribuída em procedimento europeu, bem como da Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE) em matéria de actos de aprovação dos PVP.

Dispõe o artº13° n° l CC que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, o que significa que contém em si um comando de retroactividade, cujos reflexos esclarecedores sobre o ponto duvidoso fundado nas divergências sustentadas pela interpretação doutrinal, se hão-de fazer sentir sobe os casos que ainda se encontrem em aberto.

Ou seja, na fonte interpretada "(..) a regra já existente continua[r] a valer naquela ordem jurídica, mas com uma alteração no seu título. Neste caso o título era primeiro a lei interpretada agora é a lei interpretada mais a lei interpretativa. O domínio de aplicação da regra mantém-se pois tal qual, apenas se esclarecendo que ela vale com o sentido que resulta da fonte interpretativa (..)", sendo que "(..) a lei portuguesa (art° 13/1) estabelece que ficam salvos os efeitos já produzidos pelo cumprimente da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de natureza análoga (..) pela lei interpretativa, podemos dizer que esta abrange todos os casos que se encontrarem ainda em aberto, que comandem ainda as actuações das partes, mas que deixa de fora as situações consumadas, cuja eficácia se extinguiu e persistem só nos efeitos definitivamente produzidos. (..)" (1)

Do ponto de vista adjectivo, as alterações substantivas decorrentes da Lei 62/2311 de 12.12, contendem directamente com os pressupostos das providências cautelares requeridas e, consequentemente, no modo de apreciação e na decisão dos casos concretos presentes em juízo,, isto porque, em sede administrativa, o requisito cautelar da aparência do bom direito requer a emissão de um juízo positivo sobre o fumus boni iuris propriamente dito e, também, sobre a probabilidade da ilegalidade da actuação administrativa.

O que significa que a apreciação do fumus boni iuris se estende à aparência de ilegalidade da actuação administrativa, alegada pela parte interessada no decretamento da providência como lesiva do direito que lhe assiste.

Importam ao caso as alterações ao DL 176/06 de 30.08 que seguem, desde logo aos artºs 25° e 179°, a que foram aditados, inovatoriamente, o n°2, com a seguinte redacção:

• "25°/2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos cê propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n° 4 do art° 18°."

• "179°/2 - A autorização ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial."

Em sede de disposições transitórias, o artº9° n°l da Lei 62/2011 dispõe como segue

• "A redacção dada pela presente lei aos art°s. 19°, 25a e 179° do Dec Lei 176/2006 de 30.08, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa."

O "artigo anterior", ou seja, o art° 8° n°s. l, 2, 3 e 4 da Lei 62/2011 no tocante aos actos de autorização de PVP, tem a seguinte redacção:

•"l - A decisão de autorização do P W do medicamento tem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial."

•"2 - A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos."

•"3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial."

•"4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou

revogada com fundamento na existência de eventuais direitos dfc propriedade

industrial."

A nova injunção dos arts. 25° nº 2 e 179° n° 2 DL 176/06 introduzida pela Lei 62/2011 de 12.12, com natureza interpretativa veio fixar com carácter inovatório o âmbito de competência do Infarmed -Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP em matéria de AIM de nedicamentos genéricos e de actos de registo de AIM de medicamento genérico concedida em procedimento europeu, acarretando a de perda de valor interpretativo e consequente carácter de solução plausível em direito do entendimento até aqui sustentado de que, perante a alegação comprovada no procedimento "(…) da existência de um obstáculo jurídico à eficácia do acto de autorização o INFARMED não pode ignorar a intervenção e a prova fornecida (..) sabendo que, face à existência de uma patente sobre aquele produto, está a contribuir para a viabilização ou, pelo menos, aumenta decisivamente o perigo de viabilização de uma actividade ilícita e criminosa, ofensiva do direito subjectivo de terceiro que impõe, no mínimo, um dever de consideração e o consequente dever de ponderação do direito subjectivo em perigo. (..)

(..) [a] norma do art° 25° do EM será inconstitucional, por falta de protecção mínima adequada de um direito fundamental, se for interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o INFARMED a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento de existência de violação de patente procedimentalmente comprovada - tal como seria inconstitucional a produção de efeitos contrários à patente (.-)" (2)

E o mesmo ocorre na vertente respeitante à competência da Direcção Geral das Actividades Económicas (DGAE) em matéria de actos de aprovação dos PVP de medicamentos genéricos ex vi art° 8º e 9° n° l in fine da Lei 62/2011 de 12.12.

Pelo que vem de ser dito e concretizando, deixou de ter sustentação jurídica a título de solução plausível em direito o entendimento sufragado e supra referido, central para julgar verificado o pressuposto da aparência do bom direito (fumus boni iuris) na vertente da provável ilegalidade da actuação administrativa traduzida (i) na emissão do acto de AIM de medicamento genérico na pendência do período de exclusividade da comercialização do medicamente de referência, (ii) na fixação de PVP sobre os medicamentos genéricos, bem como (iii) nos actos de registo de AIM de medicamentos genéricos concedida em procedimento europeu, nos termos suscitados pelo Requerente cautelar.

O que implica a improcedência de todas as providências cautelares intentadas pelos titulares de direitos de patente/CCP sobre os concretos medicamentos de referência em face de AIM, pvp ou actos de registo dos alegados correspondentes medicamentos genéricos, com fundamento na falta do requisito da boa aparência do direito.

Lisboa, 02.02.2012

(Cristina dos Santos)

(1) Oliveira Ascensão, O Direito - introdução á teoria geral, Fundação Calouste Gulbenkian/21 edição/1980, págs.l98,440e443.

(2) Vieira de Andrade, A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos, in RLJ n° 3953, Ano 138, Nov/Dez/2008.


(António Paulo Vasconcelos)