Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1888/17.1BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2018
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
FINS DO PROCEDIMENTO
Sumário:I – O procedimento, instruído pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendente a determinar se o requerente de protecção internacional preenche os requisitos consagrados na Lei nº Lei nº 27/2008, de 30/06, alterada e republicada pela Lei nº 26/2014, de 05/05, deve ser orientado no sentido de indagar os motivos que levaram o requerente a formular tal pretensão.

II – Não tendo sido o requerente questionado quanto aos referidos motivos, mas apenas quanto à sua identificação e idade, sendo as declarações do requerente omissas quanto aos mesmos, constata-se uma deficiente instrução do procedimento, determinante da anulação do acto impugnado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

Lumbuenadio ……….. recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 10 de Outubro de 2017, que julgou improcedente acção de impugnação de despacho proferido pela Directora Nacional do SEF, em 31 de Maio de 2017, que considerou infundados os pedidos de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, formulados pelo recorrente.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“I - O presente recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal "a quo" em 10 de Outubro de 2017, a qual julgou improcedente a acção interposta pelo aqui Recorrente.

II - A douta sentença que se recorre não fez um correto enquadramento jurídico dos factos alegados pelo ora Recorrente, tendo até, de uma forma algo simplista, não se pronunciado sobre todos os factos alegados e as questões colocadas na petição inicial, não as enquadrando como factos provados/não provados.

III - Limitando-se simplesmente a dar como provados os factos alegados em sede do Processo Administrativo (P.A.), que serviram de base ao Despacho proferido pela Directora Nacional do SEF.

IV- Deste modo, a douta sentença recorrida enferma de vício, atendendo à manifesta falta de fundamentação e análise da matéria de facto invocada pelo Recorrente por não apresentar as razões determinantes para a decisão proferida, nomeadamente ao nível da matéria de facto dada como provada.

V - Com efeito o Tribunal "a quo" não apreciou nem sindicou devidamente, factos que se demonstrariam como fundamentais para a boa decisão da causa e apuramento da verdade material dos factos.

VI - Não fazendo qualquer juízo apreciativo dos factos aduzidos pelo Recorrente na Petição Inicial, limitando-se a dar como provado toda a factualidade aduzida no P.A..

VII - Desde logo, o douto Tribunal "a quo" ignora, os factos relativos à séria realidade do país originário do Recorrente, mormente a realidade política e antidemocrática que se vive na República Democrática do Congo.

VIII - Foi totalmente ignorado o facto do Recorrente ter sido barbaramente agredido pelo facto de se opor ao Governo vigente na República Democrática do Congo, uma vez que segundo o Tribunal "a quo" o mesmo teria que apresentar factos mais concretos e detalhados, baseados em prova documental, de forma a provar o alegado.

IX - Não foi igualmente tido em conta que o Recorrente faz parte de um partido político de oposição, sendo apenas referido que pode até não ocupar algum cargo de relevância que faça com que o mesmo seja efectivamente perseguido, mais uma vez descarando o douto Tribunal "a quo" a realidade política na República Democrática do Congo.

X - Desde que faça parte da oposição política o mesmo é considerado como inimigo do Governo e automaticamente perseguido na sociedade e principalmente pelos entes policiais.

XI - Sendo que o Tribunal "a quo" apenas se fundamentou nas supostas contradições existentes nas declarações do Recorrente perante o SEF.

XII - Não resulta provado que o mesmo não tenha a idade que alega.

XIII - Em resultado de tais participações políticas, nos anos de 2015 e 2016, o aqui Recorrente foi referenciado pelas autoridades congolesas, tendo sido detido pelas mesmas e, até mesmo agredido, com tanta violência que o Recorrente teve de ser internado no hospital local durantes vários dias, visando a cura dos graves ferimentos.

XIV - O que é prática regular na República Democrática do Congo, ao contrário da acepção do Tribunal "a quo" que infundadamente vem referir que o Recorrente não faz prova do cargo político que ocupa e que caso seja de menor importância a deslocação para outro local do país seria suficiente.

XV - Tal demonstra um total desconhecimento da realidade política presente na República Democrática do Congo pelo Tribunal "a quo", uma vez que independentemente do cargo que ocupem, todos os associados ou simpatizantes da oposição, após serem referenciados são perseguidos em todo o território.

XVI - E mesmo que assim não fosse, o Tribunal "a quo" refere como solução a mudança de região ou até de país para Angola, o que é uma clara violação do direito à liberdade do aqui Recorrente.

XVII - O Recorrente deveria ter o direito a habitar livremente onde quisesse na República Democrática do Congo e se por motivos políticos não pode viver na cidade que pretende por ser perseguido, nada garante que em outra cidade do mesmo país esteja seguro, nem o Tribunal "a quo" pode garantir a segurança do Recorrente com a simples mudança de cidade.

XVIII - Não sendo a situação do aqui Recorrente, caso único, visto que, desde o ano de 2015 e até à presente data, vários têm sido os relatos de situações de violência, confrontos e até mesmo de mortes na República Democrática do Congo contra os opositores do actual regime político.

XIX - Constituindo tais situações, factos públicos e notórios, uma vez que são acontecimentos noticiados tanto a nível nacional como internacional.

XX - Atento, sobretudo, às dificuldades financeiras do ora Recorrente, o mesmo viu-se obrigado a recorrer a uma rede clandestina de migração, visando a sua saída da República Democrática do Congo de forma segura e sem que as autoridades detectassem e impedissem a fuga de um opositor, neste contexto, o Recorrente permaneceu em Angola por tempo indeterminado, até lhe ter sido facultado um passaporte angolano, visto que, sendo cidadão congolês, nunca conseguiria obter, em Angola, um qualquer tipo de visto de saída daquele país, uma vez que os mesmos são obrigatoriamente requeridos no país de origem, factos estes que o Recorrente nunca escondeu nas suas declarações perante as mais diversas entidades.

XXI - Assim, de Angola, uma vez mais por não se encontrar em segurança, o Recorrente, com o auxílio e por indicação de uma pessoa cuja identidade detalhada desconhece mas pertencente à mencionada rede, e com um passaporte por ela fornecido, foi conduzido à Embaixada de Portugal em Luanda, onde lhe foi concedido um visto de curta duração de entrada em Portugal.

XXII - Deste modo, o aqui Recorrente viajou para Portugal no dia 27 de Setembro de 2016, tendo, neste mesmo dia, viajado para a Bélgica, país onde solicitou, a 04 de Outubro de 2016, protecção internacional, desde logo pelo facto de ter familiares a viver naquele país, por não existir qualquer barreira linguística significante e, não menos importante, pela ligação histórica entre os dois países.

XXIII - Neste sentido, foi o aqui Recorrente notificado para prestar declarações perante o Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (GAR), o que fez a 19 de abril de 2017.

XXIV - De acordo com a referida proposta, o pedido de protecção internacional do aqui Recorrente foi considerado "infundado, por se enquadrar nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/08 de 30 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05 de maio, pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3° da Lei citada.", acepção que o Tribunal "a quo" aceitou infundadamente.

XXV - Decisão essa ao qual o Tribunal "a quo" assumiu a sua total concordância na douta sentença que ora se recorre.

XXVI - Assim, dispõe a alínea c) do nº 1 do artigo 19°, que "O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de protecção."

XXVII - Ora salvo o devido respeito, tal fundamentação não nos parece viável uma vez que das declarações prestadas pelo ora Recorrente, não se pode concluir que as mesmas sejam "incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis", visto que o aqui Recorrente respondeu a tudo o que lhe foi solicitado, com a verdade que conhece.

XXVIII - Assim, atento ao teor das declarações prestadas pelo Recorrente em resultado das questões colocadas pelo examinador, não se poderá concluir que as mesmas se mostram contraditórias ou, até mesmo, inverosímeis.

XIXX - Bem como a natureza dos factos impede que o Recorrente comprove e detalhe com maior precisão os mesmos, ao contrário da exigência do Tribunal "a quo".

XXX - Mais cabendo evidenciar que, ainda que quanto às questões relacionadas com o passaporte angolano e com a pessoa que acompanhou o Recorrente na viagem para Portugal se possa, hipoteticamente, perceber a dificuldade de o Estado Português em confirmar a veracidade de tais factos, mas que nada importam para a decisão da presente demanda.

XXXI - No que respeita à identidade e à idade do aqui Recorrente, tal já não se compreende nem se considera aceitável, uma vez que, tendo em consideração a especificidade da presente situação e a especialidade da matéria aqui tratada e, visto que o Recorrente se fazia acompanhar de um documento denominado "Attestation de Perte de Piéces d l'dentite", sempre se deveria ter diligenciado junto das Entidades competentes, nomeadamente a Embaixada da República Democrática do Congo em Portugal, a verificação da fidúcia do valor documental.

XXXII - Neste sentido, mais cumpre referir que, tendo o Recorrente perdido os originais dos seus documentos de identificação, não lhe poderia ser exigido, a obtenção dos mesmos pelas vias disponíveis para o efeito, uma vez que, atendendo à sua situação precária, o mesmo não os conseguiria obter quer no país quer junto de qualquer instituição ligada à República Democrática do Congo, sujeitando-se a ser de imediato detido, agredido ou, até mesmo morto como, infelizmente, muitos o são.

XXXIII - Não se percebe que, no ponto 7 da decisão emitida pela Directora Nacional do SEF, intitulado "Da apreciação da admissibilidade do pedido de asilo", se refira que o aqui Recorrente, declarou "ter viajado para a Europa com o propósito de vir jogar futebol profissional'', bem como o Tribunal "a quo" ter também tido em consideração na sua fundamentação tal facto que mais não passa do que uma realidade retratada pelo SEF.

XXXIV - Faltando a fundamentação objectiva, quanto à formulação desta presunção, por parte do Tribunal "a quo", pelo que não se poderá deixar de referir que tal conclusão se revela meredianamente falsa, não sendo extraível de nenhuma das declarações prestadas pelo Recorrente.

XXXV - Se o Recorrente não contou qualquer versão dos factos, não se entende como é que o Tribunal "a quo" assumiu existir uma contradição.

XXXVI - Pelo que não se compreende, qual a razão que fundamenta o Tribunal "a quo" a conclusão de que os factos apresentados pelo Recorrente oferecem um cenário sem relevância para a matéria de asilo, uma vez que não consegue detalhar os factos apresentados, mas também não necessita, uma vez que a realidade política da República Democrática do Congo de per si é suficiente para assumir a veracidade dos factos alegados pelo Recorrente.

XXXVII - Neste contexto, também cabe sublinhar que se revela altamente reprovável a afirmação proferida na decisão de indeferimento do pedido de asilo, bem como pelo Tribunal "a quo", em que se refere que "quando a protecção do pais da nacionalidade está disponível e não existe nenhum fundamento (fundado receio) para recusá-la, é lícito concluir que o requerente não necessita de protecção internacional nem pode ser considerado um refugiado".

XXXVIII - Pelo que, atendendo ao supra exposto, estando em causa a garantia de direitos humanos, especialmente o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, deveria o examinador do GAR, na entrevista, ter recorrido aos meios necessários que visassem o apuramento dos factos e a obtenção da verdade material, pois só assim estaríamos perante uma decisão objectiva e justa.

XL - Tendo o Tribunal "a que" como base uma decisão que de per si não reunia todos os requisitos fundamentadores da mesma.

XLI - Não resta outra alternativa que não considerar que o ato administrativo emitido pela Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não se encontra em conformidade com a Lei, assim como a douta sentença proferida pelo Tribunal "a quo".

XLII - Pelo que o presente recurso deve ser considerado procedente, sendo a douta decisão proferida pelo Tribunal "a quo" reformulada, no sentido da Administração ser condenada a admitir e a instruir o pedido de protecção internacional do aqui Recorrente tendo em vista a sua concessão.

XLIII - Ou, caso assim não se entenda, subsidariamente e sem prescindir, deverá ser a Administração condenada a admitir e instruir o presente processo, tendo em vista o deferimento do pedido de protecção subsidiária previsto no artigo 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 26/2014, de 05 de Maio.

XLIV - Pois o pedido de protecção internacional (pedido de asilo) apresentado pelo ora Recorrente, em nome próprio, é regulado pelo disposto na Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho, através da redacção dada pela Lei n.º 26/2014, de 05 de Maio.

XLV - Estabelece o número 1 do artigo 3.º do citado diploma legal que "É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. "

XLVI - De acordo com o artigo 5.º do mesmo diploma legal são actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo, nomeadamente e entre outros: Actos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual.

XLVII - Já o número 1 do artigo 6.º estabelece quem são os agentes de perseguição, ou seja, aqueles que podem cometer actos de perseguição que justifiquem a concessão de asilo: o Estado; Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respectivo território; Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados anteriormente são incapazes ou não querem proporcionar protecção contra a perseguição.

XLVIII - Caberá prestar especial atenção ao disposto no número 2 do mesmo artigo: "Para efeitos da alínea c) do número anterior, considera-se que existe protecção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adaptem medidas adequadas para impedir, de forma efectiva e não temporária, a prática de actos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o requerente tenha acesso a protecção efectiva".

XLIX - Ora, é indubitável por tudo o supra exposto que, no caso sub judice, existem actos de perseguição, praticados por agentes de perseguição.
L - Pelo que o aqui Recorrente, enquanto cidadão congolês, tem a sua integridade, física e moral e, até mesmo, a sua própria vida, postas em risco.
LI - Logo, ainda que existissem dúvidas quanto à identidade e à idade do aqui Recorrente, sempre se deveria atender ao princípio do "Benefício da Dúvida", um princípio basilar do Direito dos Refugiados, que constitui "uma regra apurada internacionalmente que impõe o beneficio do requerente de asilo, a ser concedido pelo examinador do pedido de asilo, caso o requerente não consiga, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, mas desde que estas sejam coerentes e plausíveis face à generalidade dos factos conhecidos."

LII - Assim, aplicando-se o Principio do Benefício da Dúvida, solução que foi acolhida pelo nosso Legislador ordinário e se encontra plasmada no art. 18º nº 4 da Lei nº 27/2008, de 30/06 (vulgo, Lei de Asilo - alterada e republicada pela Lei nº 26/2014, de 05/05, em vigor desde Julho de 2014, cfr. art. 7° da Lei, logo, aplicável in casu), caberia às autoridades administrativas com competência para decisão e instrução do processo de asilo, realizar todas as diligências que se mostrassem necessárias à averiguação da veracidade dos factos alegados pelo Recorrente e que fossem essenciais à admissão do pedido.

LIII - Como tal cumpre evidenciar que, caso o pedido de asilo do aqui Recorrente seja recusado, o mesmo será forçado a regressar ao seu país de origem, "onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas por razões políticas, raciais ou religiosas, mas também onde, por qualquer razão, possa ser sujeito a uma pena de morte, a tortura ou a pena ou a qualquer tratamento desumano ou degradante"

LIV - Sendo que isto representaria uma violação do princípio de "non-refoulement" previsto no artigo 33.º da Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, subscrita pelo Estado Português.

LV - Portanto não poderá proceder o entendimento de que o Recorrente não necessita de protecção internacional pelo facto de que "das declarações do requerente não se pode concluir ou inferir que aquele esteve ou possa estar exposto a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais ou se encontrar em risco de sofrer ofensa grave, que torne a sua vida intolerável no país de origem".

LVI - Devendo por isso, face a tudo o supra exposto ser o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras condenado à prática do ato devido, ou seja, a proceder à admissão e instrução do pedido interposto pelo Recorrente.

LVII - Mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, e sem prescindir, sempre deveria ser tal pedido admitido e instruído, no sentido de ser concedida autorização de residência por protecção subsidiária.

LVIII - A integridade quer física quer moral do aqui Recorrente, poderá, de facto, vir a ser afectada por uma situação violadora dos seus direitos fundamentais, visto que as autoridades do país da sua nacionalidade não se encontram em condições de lhe oferecer protecção, concluindo-se pela existência de um justificado receio de perseguição

LIX - Ora, salvo entendimento distinto, a acepção do Tribunal "a quo" configura uma errada apreciação dos factos.

LX - Em suma, a douta sentença recorrida, ao manter e confirmar na íntegra o despacho impugnado incorreu em erro de julgamento, violando preceitos legais com os quais se deveria conformar, nomeadamente o disposto nos artigos 7.º e 18.º da Lei 27/2008, de 30 de Junho, e artigo 87.º do CPTA.

LXI - Por outro lado, a douta sentença recorrida encontra-se ferida de falta de fundamentação pelo facto de não se ter pronunciado sobre diversa factualidade aduzida na Petição Inicial.

LXII - Limitando-se o Tribunal "a quo", na douta sentença recorrida, a aderir aos "fundamentos" invocados no ato impugnado, devendo, assim, ser a mesma revogada, considerando-se procedente o pedido deduzido e, em consequência, anulando-se os actos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, substituindo-se o mesmo pela condenação da Entidade Demandada à admissão do pedido de protecção internacional ou caso assim não se entenda, concedida autorização de residência por protecção subsidiária.

O recorrido não contra alegou.

O M.P. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

II – Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte factualidade:

1. Em 12.04.2017, o Requerente chegou ao posto de fronteira do aeroporto de Lisboa, na sequência da transferência efectuada ao abrigo do Regulamento (CE) 604/2013, do Conselho e do Parlamento Europeu, de retoma a cargo por Portugal do processo de protecção internacional apresentado pelo mesmo na Bélgica, com fundamento na emissão de visto pelas autoridades consulares portuguesas em Angola aposto no passaporte angolano N…………… em nome de Joel ……………
Cfr. fls.6-25 e 35-41 do Processo Administrativo (PA).

2. Aquando da sua chegada a território nacional foi notificado para comparecer no Gabinete de Asilo e Refugiados em 17.04.2017, pedindo nesse mesmo dia a concessão de asilo ao Estado Português.
Cfr. fls.3-6 e 27 do PA.

3. Ali se apresentou indocumentado, identificando-se com o nome de Lumbuenadio ………………, nascido em 05.07.1999 em Kinshasa.
Cfr. fls. 3-5 do PA.

4. O Requerente confessou, aquando do preenchimento do inquérito preliminar, ter entrado em Portugal no ano de 2016, não tendo então solicitado protecção internacional.
Cfr. fls.3-4 dos autos.

5. Na Bélgica onde o Requerente apresentou pedido de protecção internacional em 04.10.2016 e onde também declarou ter nascido em 05.07.1999 foi realizada uma perícia médica onde se concluiu que ele tem claramente mais de 18 anos de idade.
Cfr. fls.34, 35-41 e 44 dos autos.

6. Em 19.04.2017, no âmbito do pedido de asilo por si apresentado, o Requerente, assistido pelo intérprete de língua francesa, prestou declarações junto do SEF, com o seguinte teor:
“Pergunta (P). Que língua(s) fala? Resposta (R). Lingala e francês.
P. Então sente-se confortável para responder a algumas perguntas em francês?
R. A algumas sim.
P: Qual é a sua nacionalidade?
R. Sou da República Democrática do Congo.
P. Do Congo viajou para onde?
R. Para Lisboa.
P. Viajou para Portugal com que passaporte?
R. Com um passaporte angolano.
P. E onde está esse passaporte angolano?
R. A pessoa que viajou comigo até à Bélgica é que ficou com o meu passaporte.
P: E essa pessoa entrou consigo em Portugal, pelo aeroporto de Lisboa?
R. Sim.
P. Como se chama essa pessoa?
R. …………………...
P. E onde é que ele está?
R. Já regressou a África. Disse-me para ir ter com a polícia para pedir asilo e regressou.
P. Sabe qual é a nacionalidade de ………………..?
R. Aparentava ser do congo e fala lingala.
P. Foi este senhor que lhe arranjou o passaporte angolano?
R. Foi.
P. E este passaporte era falso ou era de outra pessoa?
R. Não sei. Mas tinha a minha fotografia.
P. Foi à Embaixada de Portugal em Angola onde pediu um visto. Porque é que a idade que consta do passaporte angolano é 05-05-1989?
R. Foi o …………. que colocou essa idade. Também me disse para dizer na Embaixada que trabalho.
P. E trabalha?
R. Sim. Sou jogador de futebol no Congo. Jogo na equipa ………..
P. Tem o contacto deste ………………..?
R. Não. Eu não o conhecia.
P. Qual é a sua idade?
R. Tenho 17 anos e meio.
P. As autoridades belgas fizeram-lhe um teste médico que atesta que tem no mínimo 20 anos, com uma margem de erro máxima de 2 anos.
R. Mas é mentira.
P. Face ao teste médico que exclui claramente a possibilidade de ter 17 anos de idade, vamos registá-lo como maior de idade.
R. Mas eu é que sei a minha idade. Tenho 17 anos.
P. Enquanto não nos apresentar um documento de identificação original, vamos manter o seu registo como maior.
R. É complicado. Mas eu até mostrei o meu bilhete de identidade do congo.
P. Tem aí o documento?
(apresentou uma cópia de um documento alegadamente congolês)
R. Não tenho o original. Perdi os originais todos.
P. Tem alguém no congo que possa enviar um documento de identificação seu?
R. Eu perdi todos os meus documentos originais.
P. o seu pedido de asilo é voluntário. Não necessita de ser menor de idade para o seu processo ser analisado. Estar a faltar com a verdade apenas o prejudica.
R. Eu tenho 17 anos. Não posso mudar a minha idade só porque a Bélgica diz que tenho 20 anos.
P. Em Portugal, é-lhe concedido apoio durante todo o procedimento de asilo por uma ONG designada Conselho Português para os Refugiados (CPR). No final do procedimento, é necessária a sua autorização para a informar o CPR da decisão que venha a ser tomada no seu caso. Autoriza?
R. Sim.”
Cfr. fls.28-30 do PA (destaque nosso).

7. Em 29.05.2017 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF elaborou a Informação nº641/GAR/17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual consta, designadamente, o seguinte:
“ (…)
7. Da apreciação da admissibilidade do pedido de asilo
Em resumo, o requerente solteiro e, declara ser jogador de futebol profissional da equipa de futebol da República Democrática do Congo, a "……….", Declara ter viajado para a Europa com o propósito de vir jogar futebol profissional e, que para o efeito recorreu aos serviços de um indivíduo que somente conhece por ………... Declara também, que aquele ter-lhe-á facultado um passaporte Angolano que, fraudulentamente, foi-lhe aposta a fotografia do ora requerente na página biográfica e, sequentemente solicitou um visto de curta duração na Embaixada de Portugal em Luanda, que logrou obter.
O ora requerente, aqui chegado no dia 27/09/2016 no Aeroporto de Lisboa, não solicitou protecção internacional, antes optou por viajar para a Bélgica no mesmo dia e, ali solicitou protecção internacional naquele país aos 04/10/2016.
Pelo facto de o ora requerente ter-se apresentado junto das autoridades Belgas com a identidade de Joel ……………., Dn: 05/05/1989, nacional de Angola e, ser esta a identidade constante no VIS; e a alegada menor idade da identidade que supervenientemente alegou perante aquelas autoridades, como sendo, Joel ……………….., Dn: 05/07/1999, nacional da República Democrática do Congo, foi sujeito a uma perícia médica forense ainda na Bélgica junto da Faculdade de Medicina do Hospital ……………………, em Louven - Bélgica e, que afere que o ora requerente à data de 14/10/2016, altura em que foi elaborado o teste, o mesmo tinha uma idade de 20 anos e 6 meses de idade com uma margem de erro de dois anos, ou seja, aquela data o ora requerente já tinha pelo menos 18 anos e 6 meses de idade; aferindo a maioridade do visado de forma irrefutável.
Antes de qualquer outra consideração, sublinhe-se que o relato da requerente ofereceu ao examinador um cenário sem relevância para a matéria de asilo.
Ora, quando a protecção do país da nacionalidade está disponível e não existe nenhum fundamento (fundado receio) para recusá-la, é lícito concluir que o requerente não necessita de protecção internacional nem pode ser considerado um refugiado.
Não sendo notória qualquer medida de natureza persecutória de que tenha sido vítima ou que receie vir a sê-lo, em consequência de actividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana e de igual modo, também não foi por si invocado receio de perseguição em virtude de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, na acepção do artigo 3º da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei 26/2014 de 05.05.
Na realidade, o requerente apenas indica questões não pertinentes ou de relevância mínima para a análise do cumprimento das condições para o reconhecimento do estatuto de refugiado.
Ora, as declarações prestadas pelo requerente e constantes no ponto 6, nº3, da presente informação não configuram elementos objectivos suficientes, por forma a enquadrar a situação do requerente no regime do direito de asilo previsto no artigo 3º da Lei 27/2008, de 30.06, alterada pela Lei 26/14, de 05.05.
Com efeito o requerente não carreou para os autos nenhuma factualidade que, uma vez provada, fosse susceptível de subsunção na previsão dos normativos que regem a matéria de asilo. No caso concreto, não se confirma a existência de fundamentos susceptíveis de conferir objectividade ao receio de perseguição alegado, nem tão pouco preenche a previsão do artigo 18, nº3, da Lei acima citada.
O pedido tem que ancorar-se em factos concretos e objectivos que sejam subsumíveis a qualquer dos pressupostos em que a lei faz depender a concessão de asilo, designadamente em factos que justifiquem o fundado receio de perseguição. O requerente não alegou factos concretos de natureza credível, para lhe poder ser aplicável o disposto no artigo 3º, nem se verificando o necessário nexo de causalidade para lhe ser concedido o benefício da dúvida.
Em conclusão, o requerente não concretizou quaisquer medidas individuais de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade por ele exercida em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. Também não é por si invocado qualquer receio de perseguição em virtude 'de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em determinado grupo social, nem foi exercida qualquer actividade individual susceptível de provocar um fundado receio de perseguição, na acepção do art.3º, da Lei n.º27/2008, de 30.06.
Perante o exposto, entende-se que o requerente não apresentou quaisquer factos relacionados com a análise do cumprimento das condições para beneficiar do direito de asilo, pelo que se julga o presente pedido infundado por incorrer nas alíneas c) e e) do nº1, do artigo 19º, da Lei 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.
Em suma, no presente caso, consideramos que não são alegados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que o requerente tenha sido alvo de ameaças ou perseguições, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art.3º da Lei nº 27/2008 de 30.06, pelo que consideramos o pedido de asilo infundado, por se enquadrar nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.º27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05 pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3º da Lei citada.
8. Da Autorização de Residência por Protecção Subsidiária

O artigo 7º da Lei n.º 27/2008 de 30.06, com as alterações introduzidas pelas 26/2014 de 05.05, atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3º, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por protecção subsidiária, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações de sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

Face ao alegado no ponto 7 da presente informação, também aqui em sede de análise da autorização de residência por protecção subsidiária, não é de admitir que o requerente, atento o seu caso individual, sinta algum constrangimento na sua esfera pessoal pelas razões que possam levar à concessão de protecção, prevista no regime subsidiário na Lei de Asilo.
Das declarações do requerente não se pode concluir ou inferir que aquele esteve ou possa estar exposto a uma violação grave e sistemática dos seus direitos fundamentais ou se encontrar em risco de sofrer ofensa grave, que torne a sua vida intolerável no país de origem.
Em conclusão, a protecção internacional visa substituir a protecção do país de origem, e no caso em apreço, o requerente não invoca nenhuma razão fundamentada que o impossibilite de regressar por ali se verificar alguma das circunstâncias previstas no regime de protecção subsidiária prevista no artigo 7º da Lei 27/2008, de 30.06 alterada pela Lei 24/2006, de 05.05.
Pelo exposto, afigura-se que o presente caso não é elegível para a protecção subsidiária, por incorrer na alínea c) e e) do n.º 1 do artigo 19 da Lei n.º 27/08, de 30.06, alterada pela Lei 26/14 de 05.05.
9. Proposta

Face aos factos atrás expostos, consideramos o pedido de protecção internacional infundado, por se enquadrar nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05 pelo facto de não ser subsumível às disposições do regime previsto no artigo 3º da Lei citada.
Tendo em conta o exposto no ponto 8 da presente informação, consideramos que o caso não é subsumível ao estatuto de protecção subsidiária, e por isso infundado, por se enquadrar nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 19º da Lei n.º 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei 26/2014, de 05.05.
Assim, submete-se à consideração da Exma. Directora Nacional do SEF a proposta acima, nos termos nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 19º, e n.º 4 do artigo 24º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 26/2014 de 05.05.”
Cfr. fls.49 a 55 do PA.

8. Em 31.05.2017, a Directora Nacional do SEF proferiu o seguinte despacho:
“De acordo com o disposto na alínea c) e e) do n.º 1, do artigo 19º, e no n.º1 do art.20º, ambos da Lei n.º27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º470/GAR/16 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pelo cidadão que se identificou como LUMBUENADIO ………………, nacional da República do Congo, infundado.
Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária apresentado pelo cidadão acima identificado, infundado.
Notifique-se o interessado nos termos do nº3 do art.º 20º da Lei n.º27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº26/2014 de 05 de Maio.”
Cfr. fls. 47 do PA.

9. Em 02.06.2017 foi dada a conhecer ao Requerente a decisão de indeferimento do seu pedido de asilo, referida no ponto 8 antecedente, através da sua leitura em língua francesa que compreende.
Cfr. fls. 49 do PA.

III - Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas alegações importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com a discordância do recorrente com a decisão recorrida, que considerou inexistirem fundamentos para condenar o ora recorrido nas pretensões formuladas, o deferimento do pedido de asilo ou de protecção subsidiária.

Preceituam os artigos 3º, 5º, 6º, 7º, 18º e 19º da Lei 27/2008, de 30 de Junho:
“Artigo 3.º
Concessão do direito de asilo
1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
3 - O asilo só pode ser concedido ao estrangeiro que tiver mais de uma nacionalidade quando os motivos de perseguição referidos nos números anteriores se verifiquem relativamente a todos os Estados de que seja nacional.
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efectivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.
Artigo 5º
Actos de perseguição
1 - Para efeitos do artigo 3.º, os actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.
2 - Os actos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:
a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;
b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;
c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;
d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;
e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato susceptível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;
f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.
3 - As informações necessárias para a tomada de decisões sobre o estatuto de protecção internacional não podem ser obtidas de tal forma que os agentes de perseguição fiquem informados sobre o facto de o estatuto estar a ser considerado ou que coloque em perigo a integridade física do requerente ou da sua família em Portugal ou no Estado de origem.
4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os actos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais actos.
Artigo 6.º
Agentes de perseguição
1 - São agentes de perseguição:
a) O Estado;
b) Os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respectivo território;
c) Os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição, nos termos do número seguinte.
2 - Para efeitos da alínea c) do número anterior, considera-se que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detectar, proceder judicialmente e punir esses actos, desde que o requerente tenha acesso a protecção efectiva.

Artigo 7.º
Protecção subsidiária
1 - É concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.
Artigo 18.º
Apreciação do pedido
1 - Na apreciação de cada pedido de protecção internacional, compete ao SEF analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, o SEF tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respectiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as actividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer protecção internacional, por forma a apreciar se essas actividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da protecção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de protecção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a protecção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou directamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido directamente ameaçado de ofensa grave, excepto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.
Artigo 19.º
Tramitação acelerada
1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
a) O requerente induziu em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade ou nacionalidade susceptíveis de terem um impacto negativo na decisão;
b) É provável que, de má-fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem susceptíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade;
c) O requerente fez declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando credibilidade à alegação quanto aos motivos para preencher os requisitos para beneficiar de protecção;
d) O requerente entrou ou permaneceu ilegalmente em território nacional e não tenha apresentado o pedido de protecção internacional logo que possível, sem motivos válidos;
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária;
f) O requerente provém de um país de origem seguro;
g) O requerente apresentou um pedido subsequente que não foi considerado inadmissível nos termos do artigo 19.º-A;
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;
i) O requerente representa um perigo para a segurança interna ou para a ordem pública;
j) O requerente recusa sujeitar-se ao registo obrigatório das suas impressões digitais de acordo com o Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais.”

O pedido de requerente foi indeferido com base no disposto nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 27/2008 de 30 de Junho, supra transcritas, tendo-se considerado que o requerente fez declarações incoerentes e contraditórias e que, ao expor os factos, invocou apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima.

Vejamos:

Para que se pudesse concluir como fez o recorrido, isto é que o recorrente, ao expor os factos, invocou questões não pertinentes ou de relevância mínima necessário seria necessário que as questões que lhe foram colocadas, pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 19 de Abril de 2017, tivessem como foco, para além das relativas à identificação do recorrente e à sua idade, as atinentes às razões que levaram o ora recorrente a requerer a concessão do asilo, o que não sucedeu.

Na verdade, como bem aponta o M.P. no parecer datado de 19 de Dezembro de 2017:
(…)
“É certo que o aqui recorrente não demonstrou que estavam em causa actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo ou que a situação é enquadrável no regime de protecção subsidiária.
Note-se contudo que, tendo o então requerente solicitado asilo ou protecção subsidiária, o procedimento então instaurado não foi dirigido à averiguação da real situação do requerente, tendo cingido às questões da sua identidade e da sua idade, não constando do interrogatório quaisquer questões – as perguntas ou respostas – dirigidas à averiguação das condições que pudessem justificar a concessão de qualquer das medidas solicitadas; a autoridade administrativa confrontada com a inconsistência quanto às questões básicas da identidade do requerente, não fez avançar a averiguação tendente ao apuramento dos factos realmente relevantes, concluindo, desde logo, pela falta de fundamento do pedido.
Por seu turno, o Tribunal secundou a decisão impugnada pelo aqui recorrente, proferido a decisão de improcedência da acção.
Afigura-se-nos, contudo, que ao recorrente assiste razão, ao invés do que devia, a autoridade administrativa, o SEF, baseando-se em informação muito limitada quanto ao fim em vista, não curou de saber, sequer, quais as razões que o requerente invocava para solicitar a concessão das medidas de asilo ou protecção subsidiária, concluindo, precocemente, pela incoerência e inconsistência do discurso do requerente.
Secundando a posição adoptada pela Entidade Demandada, o tribunal a quo, incorreu no mesmo erro, julgando a decisão impugnada isenta de qualquer vício que justificasse a sua anulação.
Consideramos que a investigação feita, necessariamente breve, é certo, deveria ter sido mais direccionada para as razões que justificam o pedido de asilo ou de protecção subsidiária, por parte do requerente e, só após, ter sido apreciado o pedido sendo que, na verdade tal não feito.”.

O Tribunal acolhe na íntegra a fundamentação supra transcrita, vertida no douto parecer do M.P. dado as perguntas feitas ao aqui recorrente, no dia 19 de Abril de 2017, apenas terem incidido, como se referiu supra, sobre a identificação e idade do requerente, não tendo sido formulada uma única questão direccionada no sentido de apurar a sua situação no país de origem, com o intuito de concluir se estariam ou não preenchidos os pressupostos para a concessão de asilo ou protecção subsidiária. Refira-se, em reforço do supra referido que na informação na qual se estribou o acto impugnado – cfr. item 7 dos factos apurados – é referido ter o ora recorrente declarado “…ter viajado para a Europa com o propósito de vir jogar futebol profissional”, o que não consta das declarações prestadas pelo recorrente que apenas referiu, quando questionado no dia 19 de Abril de 2017, jogar futebol no Congo, “…na equipa Jibo”.

Assim, deve ser concedido provimento ao recurso, com a consequente anulação do acto proferido pela Directora Nacional do S.E.F. e condenação do ora recorrido na realização das diligências necessárias, nomeadamente a recolha de declarações do ora recorrente, destinadas a apurar a situação deste no país de origem, tendo em vista concluir se, em face das mesmas, reúne o recorrente condições para a concessão de protecção internacional.


IV – Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, assim anulando o acto impugnado e condenando o recorrido a apreciar e decidir o pedido de asilo ou residência por questões humanitárias formulado pelo Recorrente, após instrução procedimental como explicitado supra.
Sem custas – cfr. artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 30 de Junho.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2018

Nuno Coutinho

José Gomes Correia


Paulo Vasconcelos