Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8291/14.3BCLSB
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:SISA
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE ESSENCIAL
Sumário:I – O artº.60, nº.2, da L.G.T., na redacção inicial, e aqui aplicável, dispunha que era dispensada a audição no caso, além do mais, se a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte. Aquela fórmula “com base na declaração do contribuinte” deve ser interpretada, de harmonia com a garantia constitucional do direito de audiência do interessado (cfr. artº.267, nº.5, da C.R.P.), tendo o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico.

II - Pelo contrário, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico (como é o presente caso, como a própria recorrente reconhece), sobre o qual o interessado não tenha tido oportunidade de se pronunciar, por imperativo constitucional não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação.

III - No caso concreto não se pode defender que existe uma declaração dos impugnantes, na qual se baseou a liquidação objecto do presente processo, pelo que devia o mesmo ter sido notificado para o exercício do direito de audição, desde logo ao abrigo do artº.60, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, formalidade que não foi realizada e tem por consequência, inexorável, a anulação do apuramento efectuado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO


A FAZENDA PÚBLICA, vem recorrer da sentença de fls.45 a 57 proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por José .............................. e mulher Maria .............................. contra o acto de liquidação adicional efectuado à Sisa nº ……, no valor de 8.704,97€, e respeitante à aquisição da fracção “…..” destinada à habitação, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº…..., da actual freguesia de ………., concelho de Lisboa,

Nas suas alegações de recurso formula as conclusões seguintes:

«i. Salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorrecta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.

ii. Decidiu-se na douta sentença ocorrer preterição de formalidade essencial, consubstanciada na omissão de audição dos ora impugnantes antes da emissão do acto de liquidação.

iii. Na senda do já defendido em sede de contestação e no seguimento do entendimento do DMMP, discorda a Fazenda Pública do sentenciado.

iv. A liquidação em causa tem por base os valores declarados pelos impugnantes no conhecimento de Sisa.

v. tendo-se limitado a AT a dar um enquadramento diferente ao declarado.

vi. Pelo que não se verifica o alegado vício de preterição de formalidade essencial.

vii. No que respeita à prova dos pressupostos de facto sobre que assentou a liquidação adicional impugnada discorda, também, a Fazenda Pública do sentenciado.

viii. Conforme resulta dos autos, a AT emitiu a liquidação adicional com base nos elementos recolhidos em sede do procedimento inspectivo, mormente, o contrato promessa de compra e venda entre a .............................., SA e Maria .............................. e no acordo de cessão da posição contratual, juntos aos autos a fls. 24 a 34 do PA.

ix. Sendo que, nenhuma prova, conclusiva, foi feita no sentido de contrariar a convicção da AT.

x. Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que errou o Tribunal ao não reconhecer qualquer força probatória ao acordo de cessão de posição contratual,

xi. admitindo, mesmo, que seu o conteúdo é, comprovadamente, contrariado pelas declarações prestadas por Maria .............................., em sede de procedimento inspectivo, nos termos dos art.37° e 38° do RCPIT.

xii. Pelo que, a decisão recorrida fez uma errada aplicação do direito aos factos, violando o disposto nos art.2°, §2 e 39°-A do CIMSISSD, art.376° do CC, assim como do art.74° da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA»

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Os Recorridos contra-alegaram, tendo aí concluindo como segue:

«I- Devem ser julgados improcedentes as conclusões da recorrente, I a III, por serem de apreciação genérica e subjectiva da sentença recorrida.

II- Deve ser julgada improcedente a conclusão IV, por não corresponder à verdade, uma vez que a liquidação não teve por base os factos declarados pelos impugnantes, nomeadamente e quanto à invocada cessão de posição contratual.

III- A A.T. não se limitou a fazer o enquadramento dos factos declarados pelos impugnantes, improcedendo assim as conclusões V e VI.

IV- As conclusões VII e VIII, devem pois improceder por não estarem de conformidade com a prova assente.

V- As conclusões IX, X e XI devem improceder por violação dos principias, geral (artº342º CC) e especial (artigo 74º da L.G.T.), em matéria probatória.

VI- A conclusão XII deve também improceder porque a douta sentença não fez qualquer errada aplicação do direito aos factos.

VII- O acto impugnado viola o princípio da participação por falta de notificação aos Impugnantes para o exercício do direito da audição e não podia ser dispensada – artº60º da L.G.T.

VIII- A Douta Sentença recorrida deve ser mantida e confirmada, sendo o recurso julgado totalmente Improcedente por não provado, com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇAI»

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O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso (cf. fls.101 dos autos).

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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto


A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

«1. A Impugnante Maria .............................. celebrou em 27 de Outubro de 1997, com a sociedade .............................., S.A., um contrato pelo qual lhe prometeu comprar e, esta, vender-lhe, pelo preço de 64.000.000$00, uma fracção a autonomizar de um prédio a construir e a constituir em propriedade horizontal, que esta ia erguer em terreno seu, situado na Avenida .............................. e Rua .............................., porta ….., em Lisboa, então descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa pela ficha n°.............................. e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de .............................. sob o art……º, sendo que essa fracção corresponderia a um apartamento para habitação, da tipologia T4-A, num sexto piso, com uma arrecadação com o n°….. e dois espaços de estacionamento em garagem, com os n.os…. e …., sempre da cave -…. desse edifício ainda não existente.

2. Logo então a referida sociedade deu quitação de uma parte de sinal então recebido da Impugnante, no montante de 24.960.000$00, mais tendo as partes acordado no escalonamento dos seus sucessivos complementos, a efectuar ao longo do tempo até ao derradeiro, quando fosse celebrada a escritura de compra e venda do apartamento; mais estabeleceram nesse contrato as demais cláusulas que entenderam necessárias para regular especificamente o seu acordo, até ser celebrada a compra e venda.

3. E, com efeito, o Impugnante, José .............................., casado com a Impugnante, veio a adquiriu em 30 de Outubro de 1998, por aquele preço, à referida Imobiliária, a fracção autónoma designada pelas letras "…..", correspondente ao bloco 2, sexto piso "A", destinada a habitação, com uma arrecadação com o n°….. e dois espaços de estacionamento em garagem, com os n.os…. e …., todos na cave -… do edifício em propriedade horizontal situado na Avenida .............................. e Rua .............................., ainda omisso na matriz como prédio urbano, mas já descrito na 8ª Conservatória do Registo Predial sob a ficha n°…...

4. Para realização dessa aquisição o Impugnante pedira, em 27 de Outubro de 1998, no Serviço de Finanças de Lisboa …, lhe fosse liquidado o Imposto Municipal de Sisa que devesse em função daquela aquisição que ia realizar, o que logo então lhe foi elaborado pelo conhecimento de sisa n°………., e ele satisfez então, sendo o montante de imposto liquidado em função daquele preço, com o desconto do proporcional oferecido pela permilagem do edifício, pago pela tributação análoga, na aquisição do terreno, pela sociedade imobiliária, o que se cifrou na importância de imposto de 4.654.810$00 [6.400.000$00-1.745.190$00].

5. Sucedeu porém que no decurso de acção inspectiva a Maria .............................., em 2 de Março de 2000, em Lisboa, aquando da análise de documentos, elemento do Serviço de Inspecção Tributária, ao debruçar-se sobre o exercício daquela do ano de 1998, confrontou-se com um contrato-promessa análogo ao referido em 1., de 30 de Setembro de 1996, em que a inspeccionada se comprometia a comprar, nos mesmos termos, um apartamento como aquele, no mesmo empreendimento, com as mesmas características, arrumos e garagens semelhantes, à referida sociedade imobiliária e, por outra parte, mais se deparou a Inspecção com uma declaração da inspeccionada [e de seu marido?], de Outubro de 1997, dirigida à sociedade, em que dizia ter cedido a sua posição naquele contrato à Impugnante.

6. Em audição nessa acção inspectiva, a referida senhora confirmou a celebração daquele contrato-promessa com a sociedade imobiliária, mas expôs que, devido a atrasos no progresso das obras de construção, por uma parte e, por outra, devido a ter deixado de ter condições financeiras para suportar os encargos com as sucessivas entregas, como sinal e princípio de pagamento estipulados no contrato-promessa, chegara a acordo com a sociedade no sentido de desfazerem o contrato-promessa - tanto mais que ele não permitia a cessão da sua posição contratual, nos termos do aí estipulado -, distrate esse a que haviam chegado em Setembro de 1997, tendo nessa altura recebido da sociedade tudo quanto lhe prestara já, num montante global de 35.338.000$00.

7. Nessa audição a referida inspeccionada refutava ainda ter celebrado um qualquer acordo de cessão da sua posição de promitente compradora, designadamente com a Impugnante, que também refutava conhecer ou com ela ter tido algum contacto, dizendo ainda que a comunicação de cessão à sociedade fora por esta mesma redigida, para ela assinar, o que veio a ter lugar em 17 de Outubro de 1997.

8. Com base naqueles documentos, a Administração Tributária, pelo referido Serviço de Finanças, elaborou à Impugnante, em 26 de Julho de 2001, uma liquidação adicional de Imposto Municipal de Sisa, pelo conhecimento de sisa n°………., tendo como motivo a tal cessão da posição contratual e por fundamento ter sido indevido o desconto que fora tido em conta no conhecimento referido no ponto 6., por não poder ter-se a aquisição pelos Impugnantes como uma primeira transmissão da fracção; desta liquidação resultou como imposto em dívida aquele desconto de 1.745.190$00.

9. Notificada a liquidação à Impugnante até 13 de Setembro de 2001, a 25 desse mês satisfê-la e, em 4 de Dezembro de 2001, com o Impugnante, apresentou a petição na origem dos presentes autos.»

Consignou-se ainda na sentença recorrida que «Não há outros factos provados, com interesse para as questões a apreciar e decidir e, com essa pertinência, não resultou já provado que:
1. A senhora mencionada no ponto 5. da matéria de facto julgada provada haja celebrado um qualquer acordo com a Impugnante, nomeadamente um pelo qual lhe cedesse a sua posição de promitente compradora, a que acedera com a celebração, com a sociedade imobiliária citada, do contrato ali aludido.
2. Em consequência do referido no ponto anterior, a declaração de cessão invocada nos pontos 5. e 8. da matéria de facto provada tivesse tido real correspondência com os factos que tiveram lugar.
3. Algum dos Impugnantes haja sido tido ou achado antes de a liquidação referida no ponto 8. ser elaborada, nomeadamente para poder pronunciar-se acerca da "cessão da posição contratual" aí e no ponto 5. da matéria de facto provada referida.»

E, em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na decisão recorrida: «O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos provados pela análise conjugada da prova documental reunida, prova essa em se constitui o extracto da acção inspectiva àquela terceira pessoa elaborada e que serviu ao procedimento de elaboração da liquidação impugnada à Impugnante e, bem assim, àquela, contendo o processo administrativo os «conhecimentos de sisa» referidos, bem como os actos de notificação, à Impugnante, da liquidação adicional e a confirmação da sua satisfação e todos os contratos mencionados.
Com efeito, aquela documentação merece a valia probatória que os arts.369°n°1, 370°n°1 e 371°n°1 lhe reconhecem, não se suscitando dúvida alguma sobre a sua fidedignidade, nem tal foi questionado, sendo aliás consensual a factualidade descrita, à excepção, como de tudo resulta, de que a cessão da posição contratual aí documentada tivesse realmente acontecido.
Os primeiro e segundo factos não provados ficaram a dever esse juízo negativo sobre a sua ocorrência histórica, desde logo, à intervenção da repartição dos ónus probatórios em matéria de estabelecimento de factos que impõem tributação como a operada, cuja demonstração cabe à Administração Tributária, arts.74°n°1 da Lei Geral Tributária, art.342°n°1 do Código Civil. Com efeito, o que os Impugnantes tinham oportunamente declarado era um facto com relevo tributário em sede de Imposto Municipal de Sisa, que se traduzia na sua aquisição originária, hoc sensu, isto é, directamente ao construtor, de um apartamento para habitação com anexos, sem mais, do que resultava uma redução do imposto, ope legis fundada nesses mesmos factos. À Administração Tributária impunha-se, por isso, logo pelo dever de averiguação dos factos reais, posta perante a descoberta acidental do tal documento de cessão - a qual, a confirmar-se, importava fosse àquela tributação retirado o benefício que tivera, como acabou por fazer -, verificar da sua veracidade, rectius: verificar qual das duas descrições fáticas nesse segmento incompatíveis - a declaração dos Impugnantes (aquisição directa) ou a da cessão (aquisição por interposta pessoa) - correspondia ao que efectivamente acontecera. A Administração Tributária, contudo, sem de mais curar, simplesmente optou pela descrição dos factos que, "por acaso" não importavam uma menor tributação..., alheia à necessidade de demonstrar minimamente a bondade dessa sua opção, ou seja, esse maius na descrição dos factos, mesmo se com isso punha em causa a veracidade da declaração dos Impugnantes e o declarado no próprio contrato-promessa na base da aquisição do apartamento (e que esta parecia complementar). Ora, ao ter procedido desse modo, o cerne fático da liquidação impugnada assenta num documento que, embora reconhecido por essa terceira pessoa como sendo da sua emissão, do mesmo passo ela o refuta na substância do conteúdo aí expresso, dizendo-a irreal - e, o que não é menos, dando inclusive uma explicação que tem coerência. Ora, o documento, desacompanhado de um qualquer outro elemento externo que lhe confira uma mínima segurança e o corrobore, surge sozinho a corroborar o facto determinativo da tributação impugnada, sem sequer ser acompanhado pela sua autora na veracidade do seu conteúdo. Com efeito, a refutação da sua real substância não é contrariada por nada. E nada foi procurado, sequer junto da própria sociedade imobiliária, o que seria o natural passo seguinte a dar, já que a ela se dirigia esse documento cuja emitente refutava no seu conteúdo real. E com ou sem refutação do seu conteúdo, pois que, diga-se para maior realce, nesse documento nem sequer se mostra certificada uma qualquer recepção, pela sociedade sua destinatária, o que é no mínimo estranho, já que a razão de ser da emissão do um tal conteúdo declarativo é a de ser comunicada à contraparte num dado contrato e, a ter sido emitido com essa real causa, deveria ter sido comunicado à sociedade imobiliária, para salvaguarda quer da posição da sua contraparte, sua emitente, quer da sua perante aquela - e mesmo até perante terceiros. Ora, se da função natural e óbvia de um tal documento nesse contrato-promessa mais antigo se não enxerga, logo no documento, ou noutro elemento, certificação alguma, forçoso é concluir que para a finalidade para que aparentemente deveria ter sido emitido nada demonstra a sua efectividade, o que expõe um contexto probatório por demais dúbio para se afirmar a cessão como tendo acontecido, logo por si, logo em cotejo com as explicações dadas pela sua emitente. Aliás, cumpre ainda salientar que a singeleza com que a Impugnante é identificada (apenas pelo nome), sem referência a morada, documento de identificação, meios de contacto, etc., inculca que, na verdade, a sua emissão foi da sociedade imobiliária, para fins meramente internos ou formais, antes sendo a indicada cessionária já das suas relações negociais, tal como protestou a inspeccionada, ao dizer que o documento lhe foi apenas dado a assinar, sem que ela soubesse quem era essa tal Maria .............................., o que se conjuga ainda com a inoperância, então, do documento: como poderia a sociedade contactar uma pessoa apenas pelo nome (se não conhecesse o mais, já então?). Donde que perante a refutação do seu conteúdo pela sua subscritora o Tribunal não possa ter deixado de duvidar da sua real substância, que também sob esta ponderação se veria obrigado a afastar. A tudo isso acresce ainda que, como a sua emitente bem salienta, a ser o facto declarado no documento verdadeiro, também se não mostra minimamente explicada, então, a razão de ser de a imobiliária ter prescindido da cláusula que proibia uma tal cessão, inserta no contrato-promessa que com ela tinha celebrado. Ora, ensinam as regras da experiência que o impedimento a uma cessão contratual num caso como o dos autos cobra o sentido imediato, precisamente, de impedir que outrem que não o construtor faça negócio (retire rentabilidade) com posições jurídicas relacionadas com a transmissão de bens como os aqui em causa (exactamente a razão por que, sem transmissão embora dos bens, esses negócios são tributados em sede de Imposto Municipal de Sisa), ou seja, obsta à quebra da posição de domínio pleno da qualidade de vendedor exclusivo dessa tipologia de bens restrita, valoriza e confere fiabilidade à operação imobiliária. Rompendo esse circunstancialismo, uma vez mais teria de ser procurado o porquê de uma tal cessão. Ainda, um dos modos de a testar seria averiguar da efectividade dos fluxos financeiros implicados na resolução do contrato-promessa, tal como era invocado pela inspeccionada, o que, sendo nos montantes que refere, não haveria de ser difícil retractá-los. Ou averiguar desses fluxos, mas provindo dos Impugnantes, o que seria uma forma de a confirmar. Nada foi feito e, por todas as razões expostas o Tribunal concluiu, também por aqui negativamente, acerca da ocorrência da cessão da posição contratual em questão.
Por fim, quanto ao terceiro facto não provado, o juízo negativo sobre a ocorrência histórica resulta da assunção da sua não verificação pela própria Administração Tributária e pela Fazenda Pública, em coerência com a invocação da sua omissão pelos Impugnantes, que o processo administrativo tributário também não contraria, antes confirma, convencendo assim o Tribunal de que, efectivamente, não teve lugar.»


*
II.2. De Direito


Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito, fundamentalmente, à questão de se saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando decidiu que ocorreu preterição de formalidade essencial, consubstanciada na omissão de audição dos ora impugnantes antes da emissão do acto de liquidação.


Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente, por provada, a presente impugnação de José .............................. e mulher, Maria .............................., da liquidação adicional de Imposto Municipal de Sisa contida no conhecimento n°.........., de 2001, elaborada pelo Serviço de Finanças de Lisboa ….., por preterição de audição (de per si suficiente), como porque insustentável por fundamento fático tributariamente relevante que a legitime.

O recorrente discorda do julgado alegando [conclusões iv. a vi.] que a liquidação em causa tem por base os valores declarados pelos impugnantes no conhecimento de Sisa. Tendo-se limitado a AT a dar um enquadramento diferente ao declarado. Pelo que não se verifica o alegado vício de preterição de formalidade essencial.

Vejamos o que se escreveu na sentença recorrida sobre esta matéria:

«direito de audição prévia

Como já inicialmente recenseado, a omissão de audição dos Impugnantes, antes de a liquidação impugnada ser elaborada, é por eles reconduzida a uma preterição de formalidade que inquina o ato de tributação.

Estará em princípio comprometida com essa omissão a possibilidade de os administrados contribuírem para a conformação das decisões que lhes digam respeito, nomeadamente no esclarecimento de factos ocorridos. Sob esse conspecto, é de concluir que o direito de participação na formação do ato só é violado, ou constrangido, se através da participação omitida houvesse possibilidade de influenciar, pelos esclarecimentos que pudessem prestar, ou pelo chamamento da atenção que pudessem propiciar para certos aspectos de facto e de direito, no ato a emitir. Dito isto e confrontando-o com a matéria dos autos, o Tribunal não pode deixar de manifestar a sua perplexidade perante o entendimento manifestado pela Ex.ma Representação da Fazenda Pública e pelo Digno Magistrado do Ministério Público, quando entendem, na esteira da intelecção subjacente à liquidação, que tal omissão encontra cabimento sob a égide de uma das causas de dispensa do art.60°n°2 da Lei Geral Tributária, seja, por inexistirem factos ou interpretações que sejam inovatórias em relação ao declarado pelo contribuinte, seu n°2 corpo à época, hoje sua alínea a). Pois bem - e sublinhe-se -, independentemente de qual viesse a ser a posição que os Impugnantes adoptassem em relação à tal cessão da posição contratual, não se alcança perceber como a sua interposição entre o construtor e os adquirentes pudesse ser tida como já constante entre os factos que o Impugnante havia declarado...quando ele disse comprar ex novo e directamente ao construtor o bem, sem mais. Aliás, para aceder à redução de imposto que originariamente foi tida em conta, nos termos do art.39°-A corpo e § único do Código do Imposto Municipal de Sisa e das Sucessões e Doações, era ao interessado que cumpria demonstrar documentalmente a procedência da pretendida redução de imposto e, sendo um dos requisitos tratar-se da primeira transmissão do bem, ele tê-lo-á demonstrado, visto que a liquidação foi elaborada com o correspondente abatimento com esse fundamento legal. Portanto, o facto da cessão era novo do ponto de vista do oportunamente declarado pelo Impugnante. E porventura não se deparou a Administração Tributária com um contrato-promessa que desconhecia, que ninguém até então referira? Então também para ela o facto era, et pour cause... novo. Assim, sendo esse facto relevante para a tributação operada/a operar, ex novo introduzido no elenco dos factos relevantes, é cogente que os Impugnantes tinham de ser com ele confrontados, para dizerem de sua justiça, para nele assentirem ou o contrariarem, etc....necessidade que inclusive a sua posição quando confrontados com a liquidação confirma plenamente.

Assim, o princípio reitor da participação do contribuinte nos procedimentos tendentes a uma tributação final, ínsito especificamente ao art.60°n°l da Lei Geral Tributária, maxime nos termos do seu n°1corpo e alínea a), sem que simultaneamente pudesse ser dispensada a audição dos Impugnantes, nomeadamente nos termos do seu n°2 na redacção coeva, mostra-se manifestamente violado e, inclusive, de modo grosseiro, cortando cerce qualquer possibilidade de intervenção da sua parte antes de a liquidação ser elaborada - tanto assim que foram pura e simplesmente confrontados com o ato de liquidação pela Administração Tributária. Este fundamento é, pois, procedente.»

Inconformada com o decidido vem a Recorrente Fazenda Pública invocar que a liquidação em causa tem por base os valores declarados pelos impugnantes no conhecimento de Sisa tendo-se limitado a AT a dar um enquadramento diferente ao declarado.

Pelo que não se verifica o alegado vício de preterição de formalidade essencial.

Mas não tem razão.

Vejamos o que se escreveu sobre esta matéria - falta de audição prévia do contribuinte - em caso em que também estava em causa Imposto Municipal de Sisa e que foi decidido por Acórdão deste TCAS proferido em 30/01/2014, Proc. 07094/13, disponível em www.dgsi.pt:

«Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou, inicialmente, este direito no artº.100, do C.P.Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).

O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).

A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).

Mesmo antes da entrada em vigor da L.G.T., é uniforme a jurisprudência do S.T.A.-2ª.Secção no sentido de que o C.P.A., publicado após a entrada em vigor do C.P.T., estabelece, no seu art.2, nº.5, na redacção dada pelo dec.lei 6/96, de 31/1, que as suas normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, entendimento este que já era defensável à face da redacção inicial. Uma dessas normas que concretizam preceitos constitucionais, é o artº. 100, do C.P.A., pelo que ele terá passado a ser potencialmente aplicável no procedimento tributário. Assim, deve concluir-se que, após a entrada em vigor do C.P.A. e até à vigência da L.G.T. (que contém normas especiais sobre a matéria no seu artº.60), a participação dos interessados no procedimento tributário não podia deixar de ser assegurada, seja através de formas especiais, seja nos termos do C.P.A., sem prejuízo dos casos de dispensa ou inexistência deste direito previstos no seu artº.103, do mesmo diploma, e do próprio condicionalismo em que o próprio artº.100 prevê tal direito de audiência (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/4/2002, rec.26248; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc. 5791/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.424 e seg.).

“In casu”, defende a recorrente que no procedimento gracioso anterior à liquidação oficiosa de Sisa objecto do presente processo não tinha que promover a audição prévia do sujeito passivo, atento o disposto no artº.60, nº.2, da L.G.T., e dado que tal acto tributário foi estruturado com base na declaração do contribuinte.

O apelante não tem razão.

Expliquemos porquê.

O artº.60, nº.2, da L.G.T., na redacção inicial (a redacção deste normativo foi alterada pela Lei 53-A/2006, de 29/12), versão aplicável ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil), dispunha que era dispensada a audição no caso, além do mais, de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte.

Aquela fórmula “com base na declaração do contribuinte” deve ser interpretada, de harmonia com a garantia constitucional do direito de audiência do interessado (cfr. artº.267, nº.5, da C.R.P.), tendo o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico (cfr.v.g.liquidação de I.R.S. estruturada na sequência da entrega da declaração anual de rendimentos pelo sujeito passivo - cfr.artºs.65 e 77, do C.I.R.S.). Pelo contrário, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, sobre o qual o interessado não tenha tido oportunidade de se pronunciar, por imperativo constitucional não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/6/2004, rec.1877/03; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.508; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.431 e seg.).

Revertendo ao caso dos autos, a A. Fiscal efectuou a liquidação oficiosa de Sisa com base num contrato escrito assinado pelo impugnante/recorrido, mas sem que este tenha apresentado qualquer declaração à Fazenda Pública, visando a mesma liquidação de Sisa. Acresce, que o impugnante nem sequer foi notificado para apresentar qualquer tipo de declaração para efeitos de Imposto Municipal de Sisa.
Concluindo, no caso concreto não se pode defender que existe uma declaração do impugnante, na qual se baseou a liquidação objecto do presente processo, pelo que devia o mesmo ter sido notificado para o exercício do direito de audição, desde logo ao abrigo do artº.60, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, formalidade que não foi realizada e tem por consequência, inexorável, a anulação do apuramento efectuado, conforme mencionado supra.»

Na esteira do acórdão supra transcrito, o artº.60, nº.2, da L.G.T., na redacção inicial, e aqui aplicável, dispunha que era dispensada a audição no caso, além do mais, se a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte.

Aquela fórmula “com base na declaração do contribuinte” deve ser interpretada, de harmonia com a garantia constitucional do direito de audiência do interessado (cfr. artº.267, nº.5, da C.R.P.), tendo o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte, nos aspectos factual e jurídico.

Pelo contrário, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico (como é o presente caso, como a própria recorrente reconhece na conclusão v.), sobre o qual o interessado não tenha tido oportunidade de se pronunciar, por imperativo constitucional não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação.

Revertendo ao caso dos autos, a AT efectuou a liquidação adicional de Sisa tendo como motivo a cessão de posição contratual e por fundamento ter sido indevido o desconto que fora tido em conta no conhecimento referido no ponto 6. do probatório, por não poder ter-se a aquisição pelos impugnantes como uma primeira transmissão de fracção, cfr. ponto 8 do probatório.

Concluindo, no caso concreto não se pode defender que existe uma declaração dos impugnantes, na qual se baseou a liquidação objecto do presente processo, pelo que devia o mesmo ter sido notificado para o exercício do direito de audição, desde logo ao abrigo do artº.60, nº.1, al.a), da L.G.Tributária, formalidade que não foi realizada e tem por consequência, inexorável, a anulação do apuramento efectuado.

Face ao ora decidido, encontram-se prejudicados os restantes fundamentos de recurso.

Por todo o exposto, concluímos pela improcedência dos fundamentos das conclusões de recurso, mantendo-se a decisão recorrida.



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III- Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul
em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Sem Custas, visto que a recorrente Fazenda Pública delas estava isenta na data de instauração do presente processo (cfr.artº.3, nº.1, al.a), do R.C.P.T., aprovado pelo dec.lei 29/98, de 11/2).

Registe e Notifique.



Lisboa, 3 de Maio de 2018

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]

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[Jorge Cortês]