Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2406/12.3BELSB
Secção:CA-2º. JUÍZO

Data do Acordão:06/28/2018
Relator:ANTÓNIO VASCONCELOS
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
FALTA DE LEGITIMIDADE E PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DOS MINISTÉRIOS
Sumário:I – O n.º 1 do artigo 95.º do CPTA reproduz o princípio processual constante do n.º 2 do artigo 608.º do CPC. Em correspondência com este princípio, segundo o qual o juiz deverá resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação ( exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), está a nulidade da sentença prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

II - As questões a decidir na sentença são apenas as questões de fundo e não já as questões prévias ou processuais.

III – A questão suscitada pela Recorrente – falta de pronúncia sobre o requerimento de intervenção principal provocada do Estado Português – trata-se de uma questão de natureza processual referente à personalidade judiciária e à legitimidade processual das partes na acção, sobre a qual o Tribunal se pronunciou a propósito da verificação dos pressupostos processuais, concluindo pela falta de personalidade judiciária e de ilegitimidade relativamente às duas entidades demandadas na acção.

IV - O n.º 2 do artigo 10.º do CPTA consagra situações de extensão de personalidade judiciária aos Ministérios, tal como existem tais extensões no âmbito do processo civil.

V - Atendendo ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 11.º do CPTA, os processos que tenham por objecto relações contratuais de responsabilidade, como é o caso dos presentes autos, será o Estado quem detém personalidade judiciária, sendo representado em juízo pelo Ministério Público.

VI – Inexiste, assim, na presente acção uma situação de extensão de personalidade judiciária aos Ministérios verificando-se, consequentemente, a falta de personalidade judiciária dos ora Recorridos Ministérios.

VII – Para além de não disporem de personalidade judiciária no presente processo, os Recorridos Ministérios não dispõem também de qualquer legitimidade processual, atendendo ao objecto da acção.

VIII – A falta de personalidade judiciária e a ilegitimidade dos demandados obstam ao prosseguimento do processo, conduzindo à absolvição da instância (cfr. als. c) e d) do n.º 1 do artigo 278.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

A… –…….., Lda., com sinais nos autos, inconformada com o saneador-sentença proferido pelo TAC de Lisboa, em 25 de Setembro de 2015, que absolveu as entidades demandadas – Presidência do Conselho de Ministros e Ministério dos Negócios Estrangeiros – da instância, nos termos do disposto nos artigos 590.º, n.º 2, al. a) e 6.º do CPC, veio interpor para este TCAS o presente recurso jurisdicional e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

“ 1 – TENDO O TRIBUNAL A QUO PROFERIDO SANEADOR – SENTENÇA A ABSOLVER OS RÉUS POR ILEGITIMIDADE SEM SE PRONUNCIAR PELA INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA DO ESTADO PORTUGUÊS REQURIDA PELA AUTORA NA RÉPLICA, QUE ASSEGURARIA TAL LEGITIMIDADE, VERIFICA-SE NULIDADE POR _OMISSÃO DE PRONÚNCIA QUE IMPÕE A ANULAÇÃO DE TODOS OS ACTOS SUBSEQUENTES, MORMENTE DO ALUDIDO SANEADOR-SENTENÇA.

2 – TENDO A AÇÃO POR OBJETO UM COMPORTAMENTO OMISSIVO DOS MINISTÉRIOS DEMANDADO, TÊM ESTES LEGITIMIDADE PASSIVA NÃO OBSTANTE A MESMA SEGUIR A FORMA DE PROCESSO COMUM.

3 – AO DECIDIR CONFORME DECIDIU, O TRIBUNAL A QUO VIOLOU, NOMEADAMENTE, O DISPOSTO NOS ARTS. 195º-1 E 2 DO NCPC E 10º-2 E 40º - 2 DO CPTA.”

As entidades demandadas contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmado o saneador-sentença recorrido.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para julgamento.
*


II - DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Veio o presente recurso jurisdicional interposto do saneador-sentença proferido pelo TAC de Lisboa que absolveu as entidades demandadas – Presidência do Conselho de Ministros e Ministério dos Negócios Estrangeiros – da instância, nos termos do disposto nos artigos 590.º, n.º 2, al. a) e 6.º do CPC.
Em síntese, o Tribunal a quo entendeu que, tratando-se de uma acção administrativa comum, por o objecto do litigio, tal como se mostra configurado, respeitar a “ interpretação, validade ou execução de contratos”, a que alude a al. h), do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, ou, de outro modo, a “ relações contratuais, na expressão usada no n.º 2 do artigo 11.º do CPTA” , esta deverá ser intentada contra o Estado, representado em juízo pelo Ministério Público, e não contra os Ministérios, no caso a Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Afirma ainda o Tribunal a quo que “ O n.º 2 do artigo 10.º do CPTA deve ser interpretado restritivamente, no sentido de não ser de aplicar às acções administrativas comuns que tenham como objecto relações contratuais e de responsabilidade a extensão da personalidade judiciária aos Ministérios (…) reservada para distinto âmbito. Mantém-se, por conseguinte, naquele tipo de acções ( que tenham por objecto relações contratuais e de responsabilidade), a regra da coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária das entidades públicas. Pelo que, para elas, não detêm os Ministérios ( em que se integrem os órgãos administrativos parte num contrato, no caso de acções sobre contratos, ou a quem sejam imputados os actos que fundamentam o pedido indemnizatório, no caso de acções referentes a responsabilidade civil) personalidade judiciária (…). E sendo assim, tendo e conta o disposto no artigo 11.º, n.º 2 do CPTA, quem tinha personalidade judiciária para ser demandado como Réu nos presentes autos de acção administrativa comum era o Estado e não a Presidência do Conselho de Ministros nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros.”

1 – Desde logo, na conclusão 1.ª da sua alegação a Recorrente sustenta a existência de uma situação de omissão de pronúncia que constitui nulidade, porquanto requereu ela a intervenção principal provocada do Estado Português antes da prolação do despacho-saneador e sobre tal o Tribunal não se pronunciou.
Requer, como consequência a anulação de todos os actos subsequentes incluindo o despacho-saneador.
Vejamos se assim é de entender.
O n.º 1 do artigo 95.º do CPTA reproduz o princípio processual constante do n.º 2 do artigo 608.º do CPC. Em correspondência com este princípio, segundo o qual o juiz deverá resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação ( exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), está a nulidade da sentença prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Nestes termos, a nulidade por omissão de pronúncia é a consequência de o juiz ter deixado de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Esclarecem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO CADILHA in COMENTÁRIO AO CPTA, 3ª Edição revista, 2010, pag. 634 e seg. , que “As questões a resolver são as que constituem os fundamentos autónomos da acção e, como tal, poderão conduzir à procedência do pedido (…) e as que tenham sido alegadas pela defesa como facto extintivo, impeditivo ou modificativo do direito que o Autor se pretenda rogar. Entre as questões que terão de ser analisadas pelo juiz contam-se, não apenas as arguidas na petição e na contestação, mas as que resultem eventualmente de um articulado superveniente (artigo 86.º), ou que tenham sido invocadas pelo Ministério Público (…). Não pode falar-se, porém, em omissão de pronúncia quando o Tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não tome em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes (…). Por outro lado, por efeito do que dispõe o n.º 2 do artigo 87.º, as questões a decidir na sentença são apenas as questões de fundo e não já as questões prévias ou processuais (…).” (negrito nosso)
Do que ficou exposto resulta que a referência a omissão de pronúncia surge, no âmbito da sentença, relativamente a questões de fundo e não a questões processuais, como é o caso dos presentes autos.
A questão suscitada pela Recorrente – falta de pronúncia sobre o requerimento de intervenção principal provocada do Estado Português – trata-se de uma questão de natureza processual relativa à personalidade judiciária e à legitimidade processual das partes na acção. Não parece, pois, que a lei processual se esteja a referir a estas questões (processuais) quando prevê a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Por outro lado, tratando-se da verificação de pressupostos processuais, o Tribunal a quo entendeu no despacho saneador que se verificava a excepção dilatória da falta de personalidade judiciária relativamente às entidades demandadas, não sendo a mesma objecto de suprimento. (teremos oportunidade de nos pronunciarmos sobre esta questão no ponto seguinte).
Constatamos que, para além de se tratar de uma questão processual, a mesma foi objecto de análise e pronúncia por parte do Tribunal a quo.
Com efeito, por se tratar de um pressuposto processual insanável, não haveria lugar à intervenção principal provocada do Estado Português, mas sim à absolvição da instância das entidades demandadas, pelas razões que adiantaremos de seguida.
Termos em que, de acordo com os fundamentos expostos, improcede a conclusão 1.ª da alegação da Recorrente atinente à alegada nulidade por omissão de pronúncia.

2 – Pelas razões que já adiantamos no ponto anterior (ponto 1), a decisão em crise não merece censura.
Senão vejamos.
O CPTA não consagrava expressamente o pressuposto processual da personalidade judiciária, o que nos levava a ter em conta as correspondentes disposições do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA. Refere, a propósito MÁRIO AROSO DE ALMEIDA in MANUAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO, 2º Edição, 2016, pag. 206 , que “Tal como nos outros domínios, o Código [CPTA] não regula aí, no entanto, os aspectos em relação aos quias, em processo administrativo, não se configuram especialidades de maior e em que, por isso, é, sem mais, aplicável o regime do CPC.”
Actualmente, desde a última reforma do CPTA, o artigo 8.º-A consagra expressamente este pressuposto processual, reiterando o regime da lei processual civil. De qualquer modo, a actual redacção do CPTA não se aplica à presente acção, já que a mesma se iniciou antes da entrada em vigor da última alteração (cfr. artigo 15.º do Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro).
Não obstante, o CPTA contém, em matéria de legitimidade, disposições cujos efeitos se projectam no âmbito da personalidade judiciária. O n.º 2 do artigo 10.º estatui que, embora as acções que tenham por objecto acções ou omissões de entidades públicas sejam propostas contra a pessoa colectiva de direito público, no caso do Estado, elas deverão ser propostas contra o Ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos.
Pese embora o artigo 10.º do CPTA disponha em matéria de legitimidade, a solução adiantada implica a atribuição de personalidade e capacidade judiciária aos Ministérios, apesar de estes não terem personalidade e capacidade jurídica. Trata-se, portanto, de situações de extensão de personalidade judiciária aos Ministérios, tal como existem tais extensões no âmbito do processo civil.
Ocorre que as situações de extensão de personalidade judiciária, no âmbito do processo administrativo, se encontram bem delimitadas no nº 2 do artigo 10º do CPTA- “ quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos”.
No caso sub judice, a ora Recorrente intentou uma acção administrativa comum, com o pedido de pagamento da quantia de € 292 229.02, acrescida de juros, à taxa legal, sobre € 263.379,90 desde a data da propositura da acção até integral pagamento, com base num alegado contrato celebrado por ajuste verbal.
Estamos, por conseguinte, no âmbito das acções contratuais ou de responsabilidade civil, e não de uma acção (administrativa especial) que tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública. Ora, atendendo ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 11.º do CPTA, nos processos que tenham por objecto relações contratuais de responsabilidade será o Estado que detém personalidade judiciária, sendo representado em juízo pelo Ministério Público.
Como se pode ler no sumário do Acórdão deste TCAS, de 6 de Fevereiro de 2015, in Proc. nº 08987/12 “ Respeitando o objecto do litigio a “ interpretação, validade ou execução de contratos”, a que alude a al. h) do n.º 2 do artigo 37.º do CPTA, ou de outro modo, a “ relações contratuais”, na expressão usada no n.º 2 do artigo 11.º do CPTA, seguindo o processo a forma de acção administrativa comum, parte demandada deve ser o Estado Português”. No mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão deste mesmo TCAS de 2 de Fevereiro de 2017, in Proc. n.º 12715/15, disponível em www.dgsi.pt.
Importa finalmente ter presente o entendimento de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA , ob. Cit., pag. 207: Quando o Ministério ou um órgão sejam parte ilegítima numa acção não existe apenas ilegitimidade, mas também falta de personalidade judiciária”.
Pelo exposto, os ora Recorridos para além de não disporem de personalidade judiciária no presente processo, não dispõem igualmente de qualquer legitimidade processual, atendendo ao objecto do processo, pelo que não merece qualquer reparo a decisão a quo que determinou a sua absolvição da instância ( cfr. artigo 278.º , n.º 1 , als. c) e d) do CPC).
Improcedem, pois, as conclusões 2.ª e 3.ª da alegação da Recorrente.

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IV- DECISÃO

Acordam, pois, os juízes que compõem a secção de contencioso administrativo deste TCAS em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar o despacho-saneador recorrido.

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Custas pela Recorrente.
Lisboa, 28 de Junho de 2018

Relator:
António Vasconcelos

Pedro Marchão

Helena Canelas