Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:497/17.0BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:09/12/2017
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:Presente que seja o requerimento inicial ao juiz e detectando este a falta de qualquer dos requisitos previstos no artigo 114º, n.º 3 do CPTA, deve o mesmo proferir despacho convidando o requerente a suprir a falta verificada e só no caso de este não o fazer é que há lugar à rejeição liminar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


1. RELATÓRIO

BERNARDINO ……………. instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa providência cautelar com vista a obter a suspensão de eficácia do despacho do Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que determinou o seu afastamento coercivo do território nacional.

Por despacho de 2/03/2017, o TAC de Lisboa rejeitou liminarmente o requerimento inicial.

Inconformado, o requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão, concluindo as alegações de recurso nos seguintes termos:
“1.ª - No requerimento que entrou no TACL de Lisboa em 03 de Março de 2017 o recorrente alegou:
a) Que se encontrava a cumprir uma pena única de seis (6) anos de prisão a que foi condenado,
b) Que já cumpriu mais de dois terços da pena total.
c) Que não lhe foi aplicada nenhuma pena acessória de Expulsão, pelo Mm. Juiz que o julgou no processo-crime.
d) Que foi o SEF, a mover o Processo de Afastamento Coercivo, (PAC), decisão cuja suspensão ora se promove por via deste recurso e tinha como fundamento a nulidade do despacho do Senhor Director do SEF de 22/NOV/2016 e que ia ser, oportunamente, estando ainda em tempo, objecto da devida impugnação.
2.ª - Foi claramente alegado que a decisão a impugnar sem margem de qualquer dúvida, era a que se destinava de afastamento coercivo do cidadão de território nacional, para Cabo Verde.
3.ª - Na petição alegou-se com clareza que se considerava tal medida profundamente desajustada e desproporcional e devia ser suspensa até ser revista a Decisão de expulsão notificada e dirigida ao afastamento coercivo.
4.ª - Alegou então que a falta de fundamentação de tal decisão de afastamento do SEF, porquanto, como se disse:
a. Trata-se de um cidadão primário na sua condenação,
b. Ter o mesmo família directa a residir há muitos anos em Portugal, tais como, uma irmã com quem vivia à data da sua detenção.
c. Tios, primos e amizades que fez no seu percurso de vida em Portugal.
d. Estar plenamente integrado na sociedade portuguesa,
e. Tem promessa de emprego em Portugal,
f. E o facto de num futuro imediato pretender legalizar-se em território nacional para poder trabalhar legalmente e viver em Portugal. Alias nesta data já está a trabalhar.
5.ª - Por outro lado, também se disse que o Tribunal da Condenação que julgou o aqui requerente em momento algum o condenou em qualquer pena acessória de expulsão, ou seja:
6.ª - Permitindo-nos assim subentender que não entendeu o Douto Tribunal que tal condenação acessória fosse justificada e de aplicar;
7ª.- O recorrente acrescentou na sua petição que pretendia por via da suspensão daquela decisão do SEF, a não execução imediata do acto evitar a Expulsão/Afastamento coercivo e permanecer em território nacional;
8.ª - Ou seja, consumada a execução da decisão, esta causaria prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal da impugnação.
9.ª - A expulsão, a verificar-se, como vinha alegado na petição, constitui uma situação de facto consumado previsto no art. 120º n.º 1 al. b) do CPTA porquanto, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar - legalização da residência em Portugal - ficará inexoravelmente inutilizada " ex ante".
10.ª - Os danos da expulsão compulsiva são notórios e manifestos, tal como de difícil reparação, entendendo-se por estes graves danos “aqueles cuja reintegração no planos dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente".
11.ª - Ainda foi alegado quanto à falta de fundamentação, que a ordem de expulsão de que se recorre e cuja suspensão se pede, é determinada sem a consideração da situação real e efectiva do recluso e das suas condições de vida e ressocialização em Cabo Verde e deve considerar-se anómala e perturbadora da vida familiar e pessoal do requerente, pois este tem projectos e justas expectativas quanto ao seu futuro imediato.
12.ª - O SEF não teve na menor consideração o projecto de vida futura pós-prisional e de vida ressocializada do ora recorrente, a saber:
a. que pretende regularizar a sua situação no Território Nacional em prazo razoável;
b. que tem uma promessa de emprego e pretende apresentar manifestação de interesse no sentido de obter, por essa via, o seu titulo de residência em Portugal,
c. que pretende trabalhar e residir em Portugal, país onde se encontra inserido socialmente, onde tem família e amigos.
d. Que tem a intenção séria de prosseguir a sua vida com acções de formação profissional para que foi sensibilizado no tempo de vivencia na prisão.
15.ª - Sobre a questão da junção do documento que incorpora o acto suspendendo sempre se deve dizer que se disse da dificuldade em obter o acesso ao despacho do SEF devido à prisão do recorrente, mas que se assinalou devidamente o acto e a autoridade de que se recorria e se pediu a colaboração para ter acesso ao documento. A colaboração para se ter acesso ao documento está prevista na lei se um documento estiver na posse de terceiro e a requerimento ou oficiosamente o Tribunal pode pedir a entrega desse documento: aqui tratava-se de uma autoridade SEF, de fácil acesso e disponibilidade.
16.ª - Ou seja: o novo ordenamento adjectivo estabelece formas crescentes de colaboração e prioridade da verdade material numa Justiça entendida cada vez mais um serviço ao cidadão carente de tutela efectiva de seus direitos e interesses, tutela que por mera questão burocrática suprível foi preterida.
17.ª - Face ao exposto é manifesta a falta de fundamento do despacho recorrido em que o Mº Juiz considerou não verificados os requisitos da alínea g) e h) do n.º 2 do artº 114º do CPTA na medida em que
- que o Requerente não juntou ao requerimento inicial o documento correspondente ao acto suspendendo;
- nem fez prova sumária do fundamento do pedido
- Embora tenha sido invocada a falta de fundamento da decisão suspendenda tal não é possível de aferir por falta do documento
- O que importaria impugnar é a decisão de afastamento e não a da legalização de residência ...”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.


O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se sobre o mérito do recurso, concluindo pela sua improcedência.
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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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A única questão que se coloca, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao rejeitar liminarmente o requerimento inicial.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O requerente cautelar, ora recorrente, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa providência cautelar, pedindo ao Tribunal que decretasse a suspensão de eficácia do despacho do Director Nacional do SEF que determinou o seu afastamento coercivo do território nacional.
O TAC de Lisboa rejeitou liminarmente o requerimento inicial nos seguintes termos:
“O requerente não juntou ao requerimento inicial o documento correspondente ao acto suspendendo, nem prova sumária dos fundamentos do pedido. A tratar-se de decisão de afastamento coercivo do Requerente, a acção principal teria de ser a impugnação de tal acto e não a legalização da residência do Requerente. De resto, não foram alegados nem provados factos relativos aos requisitos da legalização, nem tão pouco que a mesma tenha sido já pedida. O único vício imputado à decisão suspendenda (não identificada) é o de falta de fundamentação, o que não é possível aferir por inexistência do texto da decisão suspendenda.
Não se verificam pois os requisitos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 2 do art. 114º do CPTA, razão porque rejeito liminarmente o requerimento em apreço”.
O recorrente discorda do assim decidido, imputando-lhe erro de julgamento, na medida em que, alega, resulta claramente do requerimento inicial que o acto suspendendo (e que será objecto de impugnação) é o despacho que ordenou o seu afastamento coercivo do território nacional, com referência ao qual foram invocados factos que suportam o preenchimento dos requisitos dos quais depende o decretamento da providência requerida.
Alegou ainda que deu nota da dificuldade em obter o documento que incorpora o acto suspendendo, dado encontrar-se preso, mas que o mesmo está perfeitamente identificado.
Vejamos.
Recebido que seja no Tribunal o requerimento cautelar, o mesmo é submetido a despacho liminar do juiz, com vista à sua admissão ou rejeição, nos termos do disposto no artigo 116º, n.º 1 do CPTA.
No n.º 2 do referido preceito são enumerados, de forma taxativa, os fundamentos de rejeição do requerimento cautelar, os quais podem consistir:
- Na falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114º que não seja suprida na sequência de notificação para o efeito [cfr. al. a)];
- Na manifesta ilegitimidade do requerente [cfr. al. b)];
- Na manifesta ilegitimidade da entidade requerida [cfr. al. c)];
- Na manifesta falta de fundamento da pretensão formulada [cfr. al. d)];
- Na manifesta desnecessidade da tutela cautelar [cfr. al. e)]; e
- Na manifesta ausência dos pressupostos processuais da acção principal [cfr. al. f)].
A rejeição liminar do requerimento cautelar deve ser utilizada com cautela e reservada para aquelas situações em que seja manifesta a existência de fundamento para tal, pois que a regra é a do prosseguimento dos autos, com a citação da entidade requerida, a apresentação por esta da sua defesa, a instrução do processo e a prolação de decisão, tanto mais que o despacho de rejeição é proferido sem audição das partes.
E tanto assim que o legislador fez depender a rejeição liminar por falta dos requisitos enunciados no n.º 3 do artigo 114º do CPTA da falta de suprimento dos mesmos ocorrida após notificação para o efeito e nos restantes casos da manifesta ilegitimidade (do requerente ou da entidade requerida) ou ilegalidade (da pretensão).
Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “a existência de despacho liminar, … permit[e] a eliminação ab initio de processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade”, sendo que “a previsão do n.º 2, alínea d), parece dever ser interpretada no sentido de permitir o indeferimento liminar do requerimento inicial quando seja manifesta a improcedência da pretensão formulada” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição revista, 2010, págs. 777 e 779).
Assim é que, o “indeferimento liminar de uma providência cautelar por manifesta inconcludência do requerido depende da constatação de que, face aos factos alegados pelo requerente, de modo algum a providência pode ser atendida – artº 116º nº 2 d) CPTA” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 8/02/2007, proc. n.º 02006/06).
Isto posto e regressando ao caso dos autos, constatamos que o requerimento inicial foi liminarmente rejeitado por falta dos requisitos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 3 do artigo 114º do CPTA (por manifesto erro de escrita, refere-se no despacho recorrido o n.º 2 desse preceito), ou seja, porque se entendeu que o requerente não especificou os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respectiva existência [cfr. al. g)] e não fez prova do acto cuja suspensão pretende, bem como da sua notificação [cfr. al. h)].
Lido atentamente o requerimento inicial, constatamos que o ora recorrente enunciou e concretizou os fundamentos do pedido de suspensão de eficácia que formulou. Assim é que, por um lado, alegou que o acto suspendendo é ilegal na medida em que padece de falta de fundamentação e viola o princípio da proporcionalidade e por outro, sustentou a existência de prejuízos que para si advêm da não suspensão do acto.
É certo, contudo, que não fez prova do acto que determinou a sua expulsão do território nacional.
Porém, tal facto só é susceptível de determinar a rejeição liminar do requerimento inicial se a falta se mantiver após a notificação do requerente para a suprir.
Com efeito, como resulta de forma inequívoca do disposto no artigo 116º, n.º 2, al. a) do CPTA, a rejeição liminar com fundamento na falta de qualquer dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 114º só pode ter lugar nos casos em que o requerente não tenha suprido essa omissão na sequência de notificação para o efeito.
Assim, presente que seja o requerimento inicial ao juiz e detectando este a falta de qualquer dos requisitos previstos no artigo 114º, n.º 3 do CPTA, deve o mesmo proferir despacho convidando o requerente a suprir a falta verificada e só no caso de este não o fazer é que há lugar à rejeição liminar.
Ora, no caso sub judice a Senhora Juíza a quo rejeitou liminarmente o requerimento inicial imediatamente após o mesmo lhe ter sido presente, sem que tenha determinado a notificação do requerente, ora recorrente, para suprir as faltas que detectou.
Forçoso é, pois, concluir que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por violação do disposto no artigo 114º, n.º 2, al. a) do CPTA.
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SUMÁRIO (artigo 663º, n.º 7 CPC):

Presente que seja o requerimento inicial ao juiz e detectando este a falta de qualquer dos requisitos previstos no artigo 114º, n.º 3 do CPTA, deve o mesmo proferir despacho convidando o requerente a suprir a falta verificada e só no caso de este não o fazer é que há lugar à rejeição liminar.


DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar o despacho recorrido e ordenar a baixa dos autos ao TAC de Lisboa para prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
Sem custas.


Lisboa 12 de Setembro de 2017


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(Conceição Silvestre)


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(Carlos Araújo)