Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1872/17.5 BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/15/2018
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL
EMPRESA PÚBLICA
Sumário:I – O direito de acesso à informação procedimental depende da existência de um procedimento administrativo sobre o qual se pretenda sejam prestadas informações.

II – Não se detecta a existência de qualquer procedimento administrativo quando o que está subjacente à pretensão formulada é um processo de venda de um imóvel que não é regulado de modo específico por disposições de direito administrativo, não sendo tal venda adoptada no exercício de poderes públicos, não existindo assim qualquer procedimento administrativo que legitime o recurso, por banda da recorrente, ao exercício do direito de informação procedimental.

III – As empresas públicas estão sujeitas ao regime previsto na Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, diploma que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, incluindo em matéria ambiental, de acordo com um conceito amplo de actividade administrativa, em sentido material, que, salvas as restrições legais, não se restringe aos actos de gestão pública e abrange todos os seus actos, isto é, em relação a todos os documentos de que sejam detentoras existe um dever de informar, de permitir o acesso.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

He ........, requereu contra a Oitante, S.A. processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, peticionando fossem prestadas as seguintes informações
a) informação sobre a apreciação devidamente fundamentada que mereceu a proposta de compra apresentada pelo Requerente em 19/04/2017, em concurso com outra(s) eventual(ais) proposta(s) para a compra do imóvel designado “Hotel ........ ........”
b) informação sobre o andamento do procedimento de venda do referido imóvel, incluindo informação sobre as resoluções definitivas que sobre o mesmo foram tomadas, designadamente se o imóvel foi ou não reservado, se foi ou não celebrado contrato promessa e/ou contrato definitivo de compra e venda e, em caso afirmativo, a passagem de certidão das respectivas deliberações do conselho de administração e dos mencionado(s) contrato(s);
c) informação sobre qual o tipo de procedimento que tem sido adoptado para a comercialização do referido imóvel, incluindo o motivo pelo qual o Requerente não foi chamado à negociação ou convidado a melhorar a sua proposta.

Por sentença proferida em 27 de Julho de 2017 foi decidido absolver a entidade requerida relativamente aos pedidos de prestação de informações prestados pelo Requerente, por ilegitimidade passiva, tendo sido julgado improcedente o pedido de passagem de certidão.

Da aludida decisão interpôs recurso o requerente, sintetizado nas seguintes conclusões:

“1ª) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 23/10/2017, que decidiu
(i) absolver da instância a entidade requerida relativamente aos pedidos de informações apresentados pelo requerente, por ilegitimidade passiva; (ii) julgar improcedente o pedido de passagem de certidões apresentado pelo Requerente, e (iii) custas pelo Requerente

2ª) O probatório é completamente omisso sobre o contexto “procedimental” em que tal pedido foi apresentado, alegado nos artigos 5º e 7º da P.I., isto é, no âmbito do procedimento de comercialização dos ativos imobiliários sob gestão da entidade Requerida, em que o Requerente é diretamente interessado, tendo apresentado uma proposta de compra do imóvel designado “Hotel ........ ........”, pelo preço de € 1.580.000,00, através de proposta escrita de 19/04/2017, mas da qual até à presente não obteve qualquer resposta.

3ª) Salvo o devido respeito, a Recorrente considera incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre os factos alegados nos artigos 5º e 7º da P.I., manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, porque enquadráveis no “direito à informação procedimental”, e devem ser dados como provados.

4ª) Salvo o devido respeito, a Recorrente também considera incorrectamente seleccionada e julgada a matéria de facto, por omissão de selecção e decisão sobre os factos concretizadores dos “Valores” e “Código de Ética” (pontos 1.1, 2.2 e 2.4, al.ª c)) alegados no artigo 6º da P.I., manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, porque juridicamente relevantes e auto-vinculativos para a entidade Requerida, e devem ser dados provados.

5ª) Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida são:

 arts. 5. e 7º da P.I. - a prova documental da proposta de 19/04/2017 junta com o doc. nº7 da P.I., e por acordo das partes.
 art. 6º da P.I. – a prova documental junta como docs. nºs 4 e 5, e por acordo das partes.

6ª) Do processo constam todos os elementos de prova, pelo que o Tribunal “ad quem” pode e deve ampliar a decisão da matéria de facto – art. 662º, nº2, al.ª c) do C.P.C.

7º) Salvo o devido respeito, sofre de erro de julgamento a sentença recorrida, por violação dos artigos 9º, nº1, 10º e 105º, nº1 do CPTA, na parte em que decidiu absolver da instância a entidade requerida relativamente aos pedidos de informação procedimental (incluindo o de passagem de certidões ao abrigo do CPA), por ilegitimidade passiva.

8ª) O pressuposto da legitimidade passiva deve ser aferido nos estritos termos em que o Requerente no articulado inicial delineou ou configurou a relação material controvertida, gozando de legitimidade passiva a outra parte nesta relação [arts. 09.º, n.º 1 e 10.º do CPTA], sendo expressamente previsto nesta espécie processual que a “intimação deve ser requerida contra a pessoa colectiva de direito público (…) cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão” [art. 105º, nº1 do CPTA].

9º) Ao contrário da sentença recorrida, a questão de ser ou não aplicável o Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) é já uma questão de mérito que respeita à procedência da acção, e não uma questão de legitimidade.

10ª) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida sofre de erro de julgamento, por errada interpretação e desaplicação dos artigos 2º, nº1, 11º, 82º e 83º do CPA, aplicáveis por força dos princípios que regulam a gestão patrimonial imobiliária de bens imóveis do sector público empresarial (para além de princípios comuns à actividade administrativa, os da concorrência, transparência, colaboração, responsabilidade e controlo), previstos nos artigos
1º, nº2, 2º, 3º, nº1, 7º, 8º e 112º, nº2, al.ª f) do Decreto-Lei nº280/2007, de 7 de agosto (Regime Jurídico do Património Imobiliário Público).

11ª) Eis então o erro da sentença recorrida: sendo a entidade Requerida uma empresa pública, que foi criada em vista das finalidades enunciadas no artigo 145º-C do RGICSF, sujeita à legislação específica de gestão patrimonial imobiliária, não podia deixar de abrir um procedimento “administrativo” e de se conformar com os procedimentos de comercialização e venda dos seus ativos às regras da concorrência pública, transparência e colaboração, dos quais o “direito à informação procedimental” é um mero corolário.

12ª) A não entender-se assim – como fez a sentença recorrida –, estaríamos diante da subtração à concorrência e a qualquer controlo por parte dos interessados na compra de imóveis pertencentes ao Estado, mas que foram transferidos para instituições de transição para o efeito constituídas, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação, no âmbito da aplicação das medidas de resolução previstas no artigo 145º-O, nº4 do RGICSF

13ª) Ao não entender assim – como fez a sentença recorrida -, a mesma violou o direito à informação procedimental consagrado no art. 268º, nº1 da CRP, diretamente aplicável, de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias.

14ª) Sem conceder, ainda que por mera hipótese de patrocínio se entendesse que a entidade Requerida estava subtraída às normas da concorrência, da transparência, da colaboração, e do correspectivo dever de informação procedimental – caso se julgasse não serem aplicáveis as invocadas disposições específicas de direito administrativo – então sempre teria de aplicar-se as normas estatutárias dos “Valores” e do “Código de Ética” (pontos 1.1, 2.2 e 2.4, al.ª c)) de 29/08/2016, expressamente alegados no artigo 6º da P.I. e juntos autos como docs. nº 4 e 5 da P.I., a que a Requerida se auto-vinculou por deliberação do conselho de administração.

15ª) À luz das invocadas normas estatutárias dos “Valores” e do “Código de Ética” por que se rege a entidade Requerida, é forçoso concluir que as mesmas são dotadas da densidade e concretização suficiente para serem imediatamente aplicáveis à entidade Requerida e invocáveis pelos interessados, no âmbito do procedimento de comercialização e venda de activos imóveis e do correspectivo direito à informação procedimental, o que só por si seria suficiente para determinar a procedência dos pedidos formulados.

16ª) Sem conceder, a sentença recorrida também sofre de erro de julgamento, por errada interpretação e violação dos artigos 3º, nº1, al.ª a), ii) e nº2, 5º, nº1 e 13º da Lei nº 26/2016, de 28 de agosto, e consequente violação do direito a informação não procedimental.

17ª) Salvo o devido respeito, que é muito, como sempre, o erro no cerne da decisão recorrida é tratar a situação dos autos como se estivéssemos perante um pedido de acesso a documentos da Caixa Geral de Depósitos, ou outra empresa pública que se rege pela lógica de mercado e de livre concorrência – o que não é manifestamente o caso vertente.

18º) No caso vertente, a entidade Requerida tem o objeto social exclusivo, que se encontra fixado no facto 2) do probatório: trata-se de uma instituição de transição constituída para o efeito do artigo 145º-C do Regime Geral das Instituições de Crédito e sociedades Financeiras, com o objetivo de permitir a posterior alienação de ativos imobiliários do Banif, no âmbito da aplicação das medidas de resolução previstas no artigo 145º-O, nº4 do RGICSF.

19ª) Ao contrário da sentença recorrida, não se vislumbra qual a atividade concorrencial a que a entidade Requerida se encontra sujeita, quando o que resulta do seu objecto social exclusivo é simplesmente a liquidação dos activos imobiliários do Banif.

20ª) Ao contrário da sentença recorrida, é forçoso concluir que a passagem de certidões peticionada, na sequência da apresentação de uma proposta de compra de imóvel, no âmbito de um procedimento de comercialização e venda de ativos imóveis, que foram transferidos pelo Estado para uma instituição de transição para o efeito constituída, no âmbito da aplicação das medidas de resolução previstas no artigo 145º-O, nº4 do RGICSF, está sujeita a um procedimento “administrativo” de contratação pública (embora não tipificado na lei), mas obrigatoriamente submetido aos princípios da concorrência, transparência e colaboração.

21ª) E, como tal, o pedido formulado enquadra-se no conceito de “documento administrativo” previsto no artigo 3º, nº1, al.ª a), ii) da Lei nº26/2016, referente a “procedimentos de contratação pública, incluindo os contratos celebrados”.

22ª) Segundo o atual estádio de evolução conceptual, de que o douto acórdão do Tribunal Constitucional nº117/2015, de 7 de Abril é paradigmático (in DR n.º 67/2015, Série II de 2015-04-07), está consolidado o entendimento de que as empresas públicas - emergentes ou não diretamente do Estado - não ficam eximidas de observar vinculações jurídico-públicas, designadamente o direito de acesso à informação consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da CRP

23ª) In casu, a atuação da entidade Requerida é necessariamente publicizada pela sujeição ao 145º-O, nº4 do RGICSF, aos artigos 1º, nº2, 2º, 3º, nº1, 7º, 8º e 112º, nº2, al.ª f) do Decreto-Lei nº280/2007 (Regime Jurídico do Património Imobiliário Público) e aos “Valores” e “Código de Ética” a que se auto-vinculou, em razão das especificidade da missão de interesse público, em termos que maximizem o valor do património a alienar.

24ª) Tais vinculações correspondem aos princípios gerais da atividade administrativa consagrados no artigo 266.º n.º 2 da CRP - princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé -, desenvolvidos nos artigos 3.º a 12.º do Código de Procedimento Administrativo ("CPA"), reafirmados como princípios de bom Governo que o Estado faz impender sobre as empresas do Setor Empresarial do Estado por via, designadamente, da Resolução de Conselho de Ministros n.º 49/2009 (pontos 6, 7 e 14 do ponto II da referida RCM), ao princípio da transparência na informação das condições de prestação de serviços e do desempenho da organização, assumidos nos pontos 1.1, 2.2 e 2.4, al.ª c) do Código de Ética da Oitante.

25ª) Salvo o devido respeito, são materialmente inconstitucionais os artigos 3º, nº1, al.ª a), e nº2 e 5º, nº1 da Lei nº 26/2016, de 28 de agosto, na interpretação dada pela sentença recorrida, com o sentido que não são “documentos administrativos”, para efeitos desta lei, as deliberações do conselho de administração e os contratos eventualmente celebrados relativos à venda de um ativo imobiliário, por parte de uma instituição de transição para o efeito constituída (como sucede com a entidade Requerida), no âmbito da aplicação das medidas de resolução previstas no artigo 145º-O, nº4 do RGICSF, por violação do direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, constitucionalmente consagrado no artigo 268º, nºs 1 e 2 da CRP, de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias.

26ª) Deve ser revogada a decisão quanto a custas, e as mesmas ficarem a cargo da entidade Requerida, por se considerar que às mesmas deu causa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 527.º e 539.º do Código de Processo Civil.
27ª) Ao não ter julgado de acordo com as antecedentes conclusões, a douta sentença recorrida violou as sobrecitadas disposições legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II) Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

1) Em 10.07.2017, o Requerente enviou à Entidade requerida, por carta registada com aviso de recepção, um requerimento, recebido a 11.07.2017, de onde consta, nomeadamente, o seguinte (acordo, cfr. docs. 7 e 8 juntos com a P.I., que aqui se dão por integralmente reproduzidos):

“Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, 5º e 13º da Lei nº 26/2016, de 28 de Agosto, e dos artigos 11º, 82º a 85º do Código de Procedimento Administrativo, requer:
a) Informação sobre a apreciação e comparação devidamente fundamentada que mereceu a proposta de compra apresentada pelo N/ Cliente em 19/04/2017, em concurso com outra(s) eventual(ais) proposta(s) para a compra do referido imóvel.
b) Informação sobre o andamento do procedimento de venda do V/ activo imóvel designado “Hotel ........ ........”, acima melhor identificado, no qual o nosso Cliente é directamente interessado, incluindo informação sobre as resoluções definitivas que sobre ele foram tomadas, designadamente, se o imóvel foi ou não reservado, se foi ou não celebrado contrato promessa e/ou contrato definitivo de compra e venda e, em caso afirmativo, a passagem de certidão das respectivas deliberações do conselho de administração e do(s) mencionado(s) contrato(s).
c) Informação sobre qual é o tipo de procedimento que tem sido adoptado para a comercialização e venda do referido imóvel, em termos de assegurar o respeito pelos princípios da igualdade e da concorrência, incluindo a justificação porque o N/ Cliente não foi chamado à negociação ou convidado a melhorar a sua proposta.”
2) A Oitante, S.A., tem por objecto a administração dos direitos e obrigações, que constituam activos do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. que lhe forem transferidos, em cada momento, por decisão do Banco de Portugal, tendo em vista as finalidades enunciadas no artigo 145.º-C do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, e o seu capital social é detido, na sua totalidade, pelo Fundo de Resolução (acordo, cfr. docs. 1 e 2 junto com a P.I. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
3) Até à data de entrada da presente intimação não foi dada resposta pela Entidade requerida ao requerimento referido em 1) (acordo);
4) Em 17.08.2017, a presente intimação deu entrada, via correio enviado a 14.08.2017 (cfr. registo n.º 510801);

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto dos recursos delimitados pelas conclusões das respectivas alegações, importa começar a análise do mesmo começando por analisar a discordância dirigida contra a matéria de facto seleccionada na sentença recorrida, tendo o ora recorrente referido que deveriam ter sido dados como provados os factos descritos nos itens 5º a 7º do requerimento inicial.

Apreciando:

Referiu a recorrente que o T.A.C. de Lisboa deveria ter dado como assente o facto vertido no item 5º do requerimento inicial, facto que está parcialmente contido no item 1) da matéria de facto assente, quando se faz menção ao teor do pedido de prestação de informações, concretamente quando é feita menção ao facto de o recorrente ter apresentado proposta para aquisição do imóvel, sendo irrelevante para a decisão do presente recurso dar como provado o valor de tal proposta ou quem intermediou a apresentação da mesma, dado bastar, visto o recorrente entender dever serem as informações requeridas ser prestadas ao abrigo da informação procedimental, que a matéria de facto dada como assente permita concluir ter sido apresentada pelo recorrente uma proposta de aquisição do imóvel denominado “Hotel ........ ........”.

Sustentou igualmente o recorrente que, deveria ser dado como assente os factos concretizadores dos “Valores e “Código de Ética”, alegados no artigo 6º da p.i., alegação que este Tribunal não acolhe dado no artigo 6º do requerimento inicial apenas se referir que “atentos os “Valores” e “Código de Ética” que norteiam a entidade Requerida (cf. docs. nºs 4 e 5), seria expectável desde logo uma resposta espontânea e devidamente fundamentada sobre a apreciação feita à proposta do Requerente e, se fosse o caso, o convite para a melhorar, face a outras eventuais propostas apresentadas.”, alegação que não contém os “factos concretizadores dos “Valores” e “Código de Ética” que a recorrente pretende, agora, sejam levados à matéria de facto, invocados pelo recorrente na pág. 4, último parágrafo das alegações de recurso, a que acresce a circunstância de tais valores ou o teor do Código de Ética, dado constarem de documentos juntos aos autos, poderem ser chamados à colação, se se revelaram necessários para a apreciação do presente recurso.

Por último, quanto ao facto dado como assente no item 7º do requerimento inicial, o mesmo está dado como assente, no que releva para os presentes autos – a ausência de resposta ao requerimento apresentado pelo recorrente – conforme se extrai do facto contido no item 3) da matéria de facto apurada, pelo que não assiste razão ao recorrente na imputação à decisão recorrida, de erro na selecção e julgamento da matéria de facto.

Assacou o recorrente erro de julgamento à decisão recorrida, tendo referido, em suma que a sentença recorrida violou os artigos 2º nº 1, 82º e 83º do Código de Procedimento Administrativo, aplicáveis por força dos princípios que regulam a gestão patrimonial imobiliária de bens imóveis do sector público empresarial, para além dos princípios comuns à actividade administrativa.

Apreciando, para o que importa começar por referir que a questão da aplicabilidade ou não do C.P.A. e do exercício do direito à informação procedimental, invocado nos autos pela recorrente, é uma questão que respeita à procedência da acção, ao mérito da mesma no que concerne à prestação das pretendidas informações e não uma questão processual, de legitimidade passiva da ora recorrente.

Com efeito, saber se, nos termos invocados, a pretensão da recorrente, de prestação por parte da recorrida das informações em apreço ao abrigo do direito de informação procedimental, procede ou improcede é algo que respeita ao fundo, ao mérito da pretensão formulada, assistindo à recorrida Oitante, S.A. nos termos em que a pretensão foi gizada pela recorrente, legitimidade processual passiva para se opor à pretensão formulada, porque tem “…interesse directo em contradizer (1)” nomeadamente, como é o caso, por entender que “escapa” ao domínio de aplicação do CPA, logo do invocado direito de informação procedimental, pelo que procede o invocado erro de julgamento no segmento da sentença recorrida que absolveu a recorrida da instância quanto à prestação das pretendidas informações.

Prosseguindo a análise do recurso.

O nº 1 do art. 268º da C.R.P. preceitua que “os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas” – direito à informação procedimental
Por outro lado, de acordo com o estabelecido no art. 268 nº 2 da C.R.P., “os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” – o que se entende ser a afirmação do direito de acesso a documentos e registos administrativos, através da consagração do princípio da administração aberta – direito de informação não procedimental.
Estamos assim perante duas figuras distintas, que têm tratamento jurídico diverso, sendo o direito à informação procedimental regulado nos arts. 82º a 84º do C.P.A. e o direito à informação não procedimental regulado no art. 85º do C.P.A..

A distinção entre as duas figuras em que se decompõe o direito dos particulares à informação prende-se com o seguinte critério: o direito à informação procedimental pressupõe a existência de um processo pendente e, por banda do particular, um interesse directo ou legítimo na obtenção da informação, sendo que o direito à informação não procedimental é conferido a todas as pessoas.

A distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e o distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela.
O critério de distinção reside na seguinte linha divisória: o direito à informação tem natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos de um concreto procedimento em curso; tratando-se de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou a arquivos ou registos administrativos, neste caso, mesmo que se encontre em curso um procedimento, o direito à informação tem natureza não procedimental.

As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm (ou podem intervir) num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa.

Entendeu a sentença recorrida que a ora recorrida, embora seja uma empresa pública não estaria incluída no âmbito de aplicação subjectiva do artigo 2º nº 1 do CPA, entendimento que sustentou na circunstância de nem o alegado procedimento de venda do imóvel estar regulado, de modo específico, por disposições de direito administrativo, como seja o recurso a procedimentos de contratação pública, não sendo a venda do bem “…adoptada no exercício de poderes públicos”.

Resulta expressamente do nº 4 do artigo 2º C.P.A. que este corpo legislativo não inclui as empresas públicas na Administração Pública, pelo que, como bem se refere na decisão recorrida, a aplicação deste corpo legislativo às empresas públicas apenas se poderia fazer por força do disposto no nº 1 do artigo 2º que estende a aplicação dos dispositivos respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à actividade administrativa à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, mas fazendo depender a aplicação do CPA ao género de conduta adoptada, isto é, o CPA será aplicável conduta a conduta for adoptada no exercício de poderes públicos ou regulado de modo específico por disposições de direito administrativo.

Ora, como bem se decidiu na decisão recorrida, o procedimento de venda do imóvel em apreço não é regulado de modo específico por disposições de direito administrativo, nem tal venda é adoptada no exercício de poderes públicos, não existindo assim qualquer procedimento administrativo que legitime o recurso, por banda da recorrente, ao exercício do direito de informação procedimental, incluído, aqui, para além da prestação de informações, subsumível ao exercício do direito de informação procedimental, também a pretendida emissão de certidão.

Para atalhar a tal entendimento a recorrente apelou ao disposto no Decreto-lei nº 280/2007, de 7 de Agosto, alegação insusceptível de abalar a conclusão a que chegou a sentença recorrida, por duas ordens de motivos que se enunciam: a primeira porque o diploma em apreço não é aplicável à venda do imóvel em apreço, prevendo o artigo 77º - como, aliás, é referido pela recorrente – que o procedimento de venda previsto nos artigos 77º e seguintes apenas se aplica ao domínio privado do Estado e dos institutos públicos, o que não é o caso da recorrida; a segunda porque, ainda que se entendesse, que, por força do nº 2 do artigo 1º o mesmo seria aplicável à recorrida, por o mesmo prever que “o presente decreto-lei estabelece ainda os deveres de coordenação de gestão patrimonial e de informação sobre bens imóveis dos sectores públicos administrativo e empresarial, designadamente para efeitos de inventário”, o decidido na sentença recorrida é insusceptível de ser alterado dado “o dever de informação sobre bens imóveis” não afastar a conclusão a que chegou a sentença recorrida da inexistência de qualquer procedimento administrativo, susceptível de legitimar o exercício, por banda do recorrente, ao direito de informação procedimental.

Na verdade, e ao contrário do sustentado pelo recorrente não são os princípios que regulam a gestão patrimonial imobiliária dos bens imóveis do sector público empresarial ou os princípios gerais da actividade administrativa, que constituem a mola que faz accionar o exercício do direito à informação procedimental, mas sim a existência de um procedimento, iminentemente regulado por normas de direito administrativo.

Com efeito, se a definição de procedimento administrativo é “…a sucessão ordenada de actos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”, conforme resulta do artigo 1º nº 1 do C.P.A. – e se a lei – o C.P.A. no artigo 148º - define como acto administrativo “…as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.”, o processo de venda do imóvel em apreço não é regulado de modo específico por disposições de direito administrativo, como o recurso a qualquer procedimento de contratação pública, não sendo a venda adoptada no exercício de poderes públicos.

O supra referido é válido, também para rebater a argumentação aduzida pela recorrente quanto aos valores nas vertentes de transparência e informação a que se auto vinculou a recorrida, valores esses constantes do “Valores” e “Código de Ética” a que esta está sujeita, dado a sujeição a tais valores não fazer emergir, por ausência de procedimento administrativo, o legítimo exercício do direito à informação procedimental, pelo que improcede este segmento de ataque à decisão recorrida.

Importa agora analisar o erro de julgamento assacado à decisão recorrida por violação dos artigos 3º nº 1, alínea a), II) e nº 2, artigo 5º, nº 1 e 13º da Lei nº 26/2016, de 28 de Agosto.

Entendeu-se na decisão recorrida que, face à definição de documentos administrativos, contida na alínea a) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 26/2016, os documentos dos quais se pretende sejam emitidas certidões – as deliberações do conselho de administração da requerida e os eventuais contratos celebrados relativos ao processo de venda do imóvel “Hotel ........ ........” - não caberiam na enumeração exemplificativa contida no nº 1 do referido artigo 3º, tendo concluído, face ao nº 2 do mesmo preceito que os documentos em causa não são documentos administrativos.

Vejamos o âmbito de aplicação da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, concretamente às empresas públicas, para o que se revela útil trazer à colação Acórdão proferido por este Tribunal em 24 de Fevereiro de 2016, no âmbito do Proc. 12672/15, Acórdão que não obstante proferido no domínio da Lei 46/2007, de 24 de Agosto, mantém, quanto ao segmento do recurso em apreço, toda a actualidade, transcrevendo-se o mesmo o seguinte passo:
(…)
“A propósito desta questão escreveu-se no Ac. do STA de 8.7.2009, proc. n.º 451/09, o seguinte:
“Vejamos, antes de tudo, o texto da Lei nº 46/2007, de 24.8 (LADA) que passamos a transcrever na parte que ora interessa.

Artigo 1º
Administração aberta
O acesso e a reutilização dos documentos administrativos são assegurados de acordo com os princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade.
Artigo 2º
Objecto
1- A presente lei regula o acesso aos documentos administrativos, sem prejuízo do disposto na legislação relativa ao acesso à informação em matéria de ambiente.
2 – A presente lei regula ainda a reutilização de documentos relativos a actividades desenvolvidas pelas entidades referidas no artigo 4º, transpondo para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa à reutilização de informações no sector público
3 - (…)
4 – (…)
5 – (…)
Artigo 3º
Definições
1 – Para efeitos da presente lei, considera-se:
a) «Documento administrativo» qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome;
b) «Documento nominativo» o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada.
2 - Não se consideram documentos administrativos, para efeitos da presente lei:
a) As notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante;
b) Os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua preparação.
Artigo 4º
Âmbito de aplicação
1- A presente lei aplica-se aos seguintes órgãos e entidades:
a) Órgãos do Estado e das Regiões Autónomas, que integrem a Administração Pública;
b) Demais órgãos do Estado e das Regiões Autónomas, na medida em que desenvolvam funções materialmente administrativas;
c) Órgãos dos institutos públicos e das associações e fundações públicas;
d) Órgãos das empresas públicas;
e) Órgãos das autarquias locais e das suas associações e federações;
f) Órgãos das empresas regionais, intermunicipais e municipais;
g) Outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos.
2- As disposições da presente lei são ainda aplicáveis aos documentos detidos ou elaborados por quaisquer entidades dotadas de personalidade jurídica que tenham sido criadas para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, e em relação às quais se verifique uma das seguintes circunstâncias:
a) A respectiva actividade seja financiada maioritariamente por alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número;
b) A respectiva gestão esteja sujeita a um controlo por parte de alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número;
c) Os respectivos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados por alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número.
Estas normas procedem à conformação do direito de acesso dos cidadãos aos arquivos e registos administrativos, consagrado no art. 268º/2 da CRP, segundo o princípio do arquivo aberto.
Nesta sua interposição imprescindível, o legislador ordinário delimita o âmbito de protecção do direito de acesso, no essencial, pela definição do que considera, para efeitos de aplicação do diploma, «documento administrativo» (art. 3º).
E, da leitura articulada das disposições dos artigos 3º e 4º, resulta que qualifica como tal “qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material” - com excepção de “notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante [art. 3º/1/a) e 2/a)] -, que esteja na posse ou seja detido em nome de um dos entes enunciados no art. 4º e “cuja elaboração releve da actividade administrativa” [arts. 3º/1/a) e 2/ b) e 4º].
Deste modo, a definição combina os critérios da origem/função e da posse, confinando o âmbito de protecção do direito fundamental ao conteúdo informativo contido em suportes cuja elaboração releve da actividade administrativa e que, cumulativamente, se encontrem na posse de algum dos entes enunciados no art. 4º.
Ora, no caso dos autos, a recorrente – B…, S.A.- é uma «sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos» (art. 1º dos Estatutos publicados em anexo ao DL nº 209/2000, de 2/9), à qual é aplicável o regime do DL nº 558/99, de 17 de Dezembro e que, à luz deste diploma, se considera empresa pública (art. 3º/1). Como tal, é inequívoco que, nos termos previstos no art. 4º/1/d) (1) da LADA, é um dos entes titulares do dever de assegurar o direito de acesso aos documentos administrativos que tiver na sua posse.
Mas, resolvida a questão pelo critério da posse, fica o problema de saber qual é, para efeitos de aplicação do regime da LADA, o alcance do que seja um suporte de informação cuja elaboração releve da actividade administrativa.
Numa primeira aproximação, pela negativa, ninguém duvidará que não são de considerar documentos administrativos os suportes de informação produzidos ou recolhidos no exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, portanto sem qualquer ligação funcional entre o documento e a actividade administrativa Raquel Carvalho, in “ Lei de Acesso aos Documentos da Administração”, p. 27.
Já numa abordagem pela positiva se suscita perplexidade face à polissemia da expressão “actividade administrativa”, associada à noção de administração pública. Esta é plurissignicativa. E, quando reportada, em particular, às empresas públicas, única situação que importa à resolução do caso em apreço, pode referir-se a uma noção ampla de administração em sentido material, que englobe toda a respectiva actividade, em cumprimento da sua missão de “obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da colectividade” (art. 4º DL nº 555/99, de 17 de Novembro (2)) compreendendo quer a que levem a cabo com ius imperii, quer a que desenvolvam em paridade com os cidadãos, segundo as regras do direito privado. Vide: Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, in “Direito Administrativo Geral”, I, pp. 38-42 Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, I, 3ª ed., p. 348 e segs Mas pode, também, ter um sentido formal, mais restrito, limitado apenas à parte da actividade por elas exercida com poderes de autoridade que lhe dão supremacia sobre os cidadãos. Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, ob., cit, p. 46
No primeiro caso, todos os suportes de informação produzidos e/ou recolhidos pelas empresas públicas, quer no exercício da sua típica e predominante actividade paritária e concorrencial (arts. 7º e 8º do DL nº 558/99 (3)), quer na actuação dos poderes gerais e especiais de autoridade (art. 14º do DL nº 558/99 (4)), relevarão da actividade administrativa e serão, por consequência, considerados documentos administrativos englobados no âmbito de protecção do direito fundamental de acesso aos arquivos. No segundo caso, só o serão os suportes com ligação funcional à actividade das empresas públicas quando no exercício de poderes de autoridade e na medida desse exercício.
Ora, a lei, dizendo, embora, de maneira inequívoca [art. 4º/1/d)], que se aplica aos órgãos das empresas públicas, não esclarece qual é o conceito de “actividade administrativa” que perfilha.
Dada a perplexidade que o elemento literal não resolve, cumpre aprofundar a indagação sobre o sentido prevalente da lei, procurando reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (cfr. art. 9º/1 CC).
A Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto, veio revogar a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, com a redacção introduzida pelas Leis nºs 8/95, de 29 de Março e 94/99, de 16 de Julho, que quanto ao âmbito de aplicação prescrevia, no art. 3º/1, o seguinte:
“1 – Os documentos a que se reporta o artigo anterior são os que têm origem ou são detidos por órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas, órgãos dos institutos públicos e das associações públicas e órgãos das autarquias locais, suas associações e federações e outras entidades no exercício de poderes de autoridade, nos termos da lei”.
Durante a respectiva vigência, conforme nos dá nota MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, In “As Empresas Públicas Nos Tribunais Administrativos”, p. 209 e segs em relação à questão do acesso à informação detida por empresas públicas, formaram-se duas correntes principais: uma tese de sujeição total das empresas públicas às regras de jurídico-públicas de acesso aos documentos administrativos, outra, mais restritiva, defendendo que regime da LADA só era aplicável às empresas públicas quando e na medida em que exerçam poderes de autoridade.
A primeira era a orientação maioritária da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) Vide, entre outros, Pareceres nºs 164/2001, 12/2005, 44/2005 e 81/2005 in www.cada.pt..
Em defesa da segunda vejam-se, na doutrina, PEDRO GONÇALVES In “Entidades Privadas com Poderes Públicos”, pp. 293-294 e 1049, FERNANDO CONDESSO In “Direito à Informação Administrativa”, p. 307 e ss, RAQUEL CARVALHO In “Lei de Acesso aos Documentos da Administração”, p. 24 e RENATO GONÇALVES In “ cesso à Informação das Entidades Públicas”, pp. 40-42 e 140 e ss.
Esta posição, era, igualmente, dominante da Jurisprudência Vide acórdãos TCA de 2002.01.29 – rec. nº 630/01 e de 2002.10.03 – rec. nº 6257/02 e acórdão STA de 1994.01.27 – rec. nº 33 240 (que, sem ser muito claro sobre o assunto, parece apontar neste sentido, mediante o alcance restritivo que fixou para a expressão “autoridades públicas”).
Dito isto, há um primeiro sinal a reter. A lei nova abandonou a alusão ao exercício de poderes de autoridade, expressão que militava em abono da posição que propugnava a interpretação mais restritiva da lei velha, falando agora em exercício de funções administrativas ou de poderes públicos, o que tem um sentido mais amplo
Prosseguindo.
A nova lei – 46/2007 – nasceu da apreciação e votação conjunta da Proposta de Lei nº 49/X/1ª e do Projecto de Lei nº 343/X, Vide “Relatório da votação na especialidade e texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias”, publicado in DAR, II Série A, nº 114, de 19 de Julho de 2007 sendo que, na exposição de motivos deste último, se anunciava entre outros, o propósito de “equiparar o elenco das actividades abrangidas pela presente lei à lista de entidades sujeitas à jurisdição e poderes de controlo do Tribunal de Contas” e se propunha a seguinte delimitação do âmbito de aplicação do regime de acesso aos documentos administrativos:
Artigo 3º
Os documentos a que se reporta o artigo anterior são os que têm origem ou são detidos pelos órgãos das seguintes entidades:
a) Estado e Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas;
b) Institutos públicos;
c) Associações públicas;
d) Autarquias locais, suas associações e federações; e
e) Outras entidades no exercício de poderes de autoridade, nos termos da lei;
f) Empresas públicas, incluindo as entidades públicas empresariais;
g) Empresas municipais, intermunicipais e regionais;
h) Empresas concessionárias da gestão de empresas públicas;
i) Sociedades de capitais públicos;
k) Empresas concessionárias ou gestoras de serviços públicos;
l) Empresas concessionárias de obras públicas;
m) Outras entidades de qualquer natureza que tenham participação de capitais públicos.
Chamada a participar no procedimento legislativo a CADA, pronunciou-se, num primeiro momento, emitindo o Parecer nº 137/2005 Disponível em www.cada.pt, no qual, a propósito da sujeição das empresas públicas, disse o seguinte:
“Quanto às empresas públicas o Acórdão da 1ª secção (1ª subsecção) do Tribunal Central Administrativo de 4 de Abril de 2002 (Processo nº 6131/02) considera-as integradas na categoria jurídica de instituto público e daí conclui serem sujeitos passivos do direito em apreço. No Parecer nº 164/2001, de 12 de Setembro de 2001, entre outros, a CADA também chega a esta conclusão mas por outra via: depois de as excluir do conceito de instituto público (que sustenta só abranger, segundo a melhor doutrina, os serviços personalizados do Estado e as fundações públicas), considera-as incluídas no conceito de “entidades no exercício de poderes de autoridade” utilizada na parte final do nº 1 do artigo 3º da LADA, mesmo quanto aos seus actos de gestão privada. Para esta conclusão são alinhados vários argumentos, de que se respigam os seguintes:
- O regime de acesso aos documentos administrativos concretiza princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático e traduz uma garantia fundamental de controlo dos actos da Administração por parte dos particulares.
- O alcance do acesso aos documentos administrativos deve ser o mais amplo desde que contido na letra e no espírito das leis, abrangendo, muito em particular as entidades que gerem o dinheiro dos cidadãos que pagam impostos.
- Verifica-se uma crescente tendência para atribuir o desempenho de tarefas do Estado a entes dotados de capitais públicos (em exclusivo ou maioria), em regime de concessão ou não, fazendo-os sujeitar ao regime das sociedades, embora também a normas de direito público.
- Essa fuga para o direito privado não afasta o carácter público do substracto pessoal e patrimonial dessas entidades e o carácter público da actividade que desempenham, pelo que integram, um conceito amplo de Administração Pública, sobrepondo critérios de fundo a artifícios formais.
- O direito de acesso não se restringe aos chamados actos de gestão pública, mas abrange todos os actos da sociedade, salvo se outra causa o impedir (que não a sua sujeição a normas de direito público ou de direito privado).
Esta interpretação do apontado segmento normativo não está isenta de dificuldades e não colhe a unanimidade da CADA. Mas inclinamo-nos para esta solução de jure condendo, tendo também em atenção que o nº 1 artigo 2º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril (na redacção da Lei nº 30/96, de 14 de Agosto), estende a jurisdição (hoc sensu) do Provedor de Justiça às empresas públicas.
Pelo exposto, entendemos aconselhável alterar a LADA, neste âmbito, com vista a evitar controvérsias, consagrando as posições que a CADA já vem assumindo quer quanto às empresas públicas do sector empresarial do Estado quer quanto às empresas municipais, intermunicipais e regionais.”
Mais tarde, a CADA pronunciou-se de novo, através do Parecer nº 46/2007 no qual, depois de reiterar a sua posição anterior, propôs que, quanto ao âmbito, a lei a aprovar tivesse a seguinte redacção:
Artigo 4º
A presente lei aplica-se aos seguintes órgãos e entidades:
a) Órgãos do Estado e das Regiões Autónomas que integrem a Administração Pública;
b) Demais órgãos do Estado e das Regiões Autónomas, na medida em que desenvolvam funções materialmente administrativas;
c) Órgãos dos institutos públicos e das associações e fundações públicas;
d) Órgãos das empresas públicas;
e) Órgãos das autarquias locais e das suas associações e federações;
f) Órgãos das empresas regionais, intermunicipais e municipais;
g) Outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos.
Esta redacção, quanto às empresas públicas, relevava, pois, repete-se, da posição maioritária da CADA segundo a qual toda a actividade das empresas públicas e não só a desenvolvida com poderes de autoridade, deveria estar subordinada às regras jurídico-públicas do direito de acesso aos documentos administrativos.
Todavia, a CADA, não deixou de dar a conhecer ao legislador a existência, no seu seio, de uma voz dissonante, nesta matéria. E fê-lo, em nota que, pelo seu relevo, passamos a transcrever, na íntegra:
“O Senhor Dr. José Renato Gonçalves discorda do entendimento segundo o qual a LADA é aplicável, ou deva ser aplicável, em qualquer circunstância, às empresas públicas, pelas seguintes razões (já avançadas na sua declaração de voto ao Parecer nº 137/2006):
“Desde o início da vigência da lei, sempre me pareceu que a referência a «institutos públicos» no artigo 3º, nº 1 não poderia abranger, indiscriminadamente, todas as empresas públicas (cfr. J. Renato Gonçalves, Acesso à Informação das Entidades Públicas, citado, págs. 40 e segs.).
E foi essa a interpretação que prevaleceu.
De entre as empresas públicas, estão sujeitas ao regime da LADA as que exercem poderes de autoridade (por exemplo, respeitantes à expropriação por utilidade pública - artigo 14º do Decreto-Lei nº 558/99), para além das «entidades públicas empresariais», que são «de direito público», e as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral, no que a essa gestão respeite.
Nas restantes situações (outras empresas públicas, empresas meramente participadas por entidades públicas e, em geral, todas as empresas que não integram o sector público), à luz do ordenamento vigente e da evolução ocorrida em Portugal e em outros países no sentido da privatização do regime aplicável, não nos parece sustentável defender a sujeição à LADA.
As empresas públicas regem-se, em regra, pelo direito privado, «salvo no que estiver disposto no presente diploma», e sujeitam-se às regras da concorrência (cfr. artigos 7º (5) e segs. do Decreto-Lei nº 558/99).
Embora no quadro de orientações estratégicas definidas pelo Governo, as empresas públicas actuam, e devem actuar, como as empresas privadas, com as quais concorrem, nos termos do novo regime das empresas públicas.
Seria certamente excessivo discriminar todas as empresas públicas - em relação às privadas e às do sector cooperativo e social - sujeitando-as ao regime geral do acesso à informação administrativa.
Em contrapartida, toda a informação detida pelo Estado respeitante às empresas públicas fica «sempre» sujeita ao direito de acesso, tal como já impõe a lei.
As empresas públicas só devem sujeitar-se ao regime geral de acesso à informação administrativa quando, e na medida em que, exerçam poderes de autoridade (nos termos da parte final do art. 3.º/1: «… e outras entidades no exercício de poderes de autoridade, nos termos da lei»)”.
Pois bem. Conhecedor desta problemática, das opiniões divergentes e dos argumentos de cada uma das teses, o que fez o legislador? Como se vê, comparando os textos supra citados, optou por consagrar, integralmente, no art. 3º/1 da lei nova, a redacção proposta pela CADA
Temos, assim, na história da lei, um sinal inequívoco de que o legislador, para efeitos de aplicação do novo diploma, adoptou o critério amplo subjacente à posição da CADA segundo o qual as empresas públicas, mesmo quando agem segundo as regras do direito privado (art. 7º/1 DL 558/99 de 17.12 (6)), para prossecução da sua missão de “contribuir para o equilíbrio económico e financeiro do conjunto do sector público e para obtenção de níveis adequados de satisfação das necessidades da colectividade” (art. 4º DL 558/99 (7)) estão, indirectamente, a desenvolver uma actividade ou função materialmente administrativa e, por consequência, quis que a lei nova fosse aplicável a toda a sua actividade (paritária e/ou autoritária, de gestão privada e/ou de gestão pública).
Este é, pois, a nosso ver, o sentido prevalente da lei. Tem correspondência verbal no texto e é o que se colhe do pensamento legislativo.” (sublinhados e sombreados nossos).

E no Ac. do STA de 6.1.2010, proc. n.º 965/09, explicitou-se ainda o seguinte:
“No entanto, e independentemente dos trabalhos que conduziram à elaboração daquela Lei - onde o citado Acórdão (8) foi buscar parte substancial da sua argumentação para chegar a um conceito abrangente de documento administrativo – quer-nos parecer que igual conclusão se pode retirar do seu próprio texto.
Com efeito, e desde logo, nela se diz que não se consideram documentos administrativos “os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes à reunião do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como à sua preparação” [art.º 3.º/2/b) com sublinhado nosso] o que significa que o conceito de documento administrativo adoptado pelo legislador é amplo e de que dele só deve ser excluído uma parcela muito restrita da documentação produzida pelos órgãos das entidades públicas sujeitas ao escrutínio da LADA. E isto porque se o legislador tivesse querido adoptar um conceito mais restrito de documento administrativo por certo que teria dado outro exemplo do que não devia entender por documento administrativo. Dito de forma diferente, ao dar o referido exemplo o legislador quis manifestar que o critério que se devia adoptar para definir documento administrativo deveria ser abrangente, pois que se outra tivesse sido a sua intenção por certo que não daria como exemplo do que o não é a burocracia inerente à actividade política do Governo.
E igual conclusão se colhe do art.º 18.º/1/a) daquela Lei – inserido na secção que trata da reutilização dos documentos a que se teve acesso - onde se prescreve que só não podem ser objecto de reutilização os documentos que tenham sido “elaborados no exercício de uma actividade de gestão privada”. O que só pode querer significar que os documentos produzidos no âmbito da actividade privada também podem ser consultados e, por isso, que, para os presentes efeitos, também são susceptíveis de ser qualificados como documentos administrativos. Carecem, pois, de consistência as considerações desenvolvidas pela Recorrente a propósito da distinção que importaria fazer entre os actos de gestão pública e os actos de gestão privada e ao pretender que só a documentação aqueles atinente poderia ser consultada.
Com efeito, e muito embora os actos destinados à satisfação do interesse público sejam de actos de gestão pública - independentemente de envolverem, ou não, o exercício de poderes de autoridade – a verdade é que, como claramente resulta do citado normativo, a documentação decorrente da actividade privada da empresa pública é susceptível de também ser consultada ao abrigo das disposições da LADA. O que, aliás, se compreende já que quando as empresas públicas agem segundo as regras do direito privado com vista a contribuir para a satisfação das necessidades da colectividade estão, directa ou indirectamente, a desenvolver uma actividade ou função materialmente administrativa. De resto, como se afirmou no Acórdão deste STA de 30/09/2009 (rec. 453/09) “o interesse público é hoje, em última instância, a dimensão administrativa da actividade da Administração Pública, face à conhecida fuga para o direito privado.”
A não ser assim, isto é, a adoptarmos a visão reducionista da Recorrente, isso implicaria a exclusão do âmbito de aplicação daquela Lei da esmagadora maioria das actuações das empresas públicas, visto estas se desenvolverem ao abrigo do direito privado - regime regra que lhes é aplicável (art.º 7.º do DL 558/99 (9)) – o que importaria subverter o princípio do arquivo aberto constitucionalmente consagrado”.

Conclui-se, assim, que, de acordo com o entendimento do STA, o qual é de acolher, a LADA é aplicável às empresas públicas, de acordo com um conceito amplo de actividade administrativa, em sentido material, que, salvas as restrições legais, não se restringe aos actos de gestão pública e abrange todos os seus actos – também neste sentido, Acs. do STA de 30.9.2009, procs. n.ºs 453/09 e 493/09, 20.1.2010, proc. n.º 1110/09, e 21.9.2010, proc. n.º 562/10.

Cumpre salientar que esta posição do STA mereceu o acolhimento da doutrina.

Com efeito, escreveu a este propósito Pedro Costa Gonçalves, O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público, in CJA, 81, Maio/Junho de 2010, págs. 8 a 11, que:
“Como é sabido, a alteração da LADA, em 2007, alargou o âmbito do dever de informação que onera as empresas do sector público. Na verdade, ao contrário do que defendia a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, bem como alguma doutrina, a versão anterior da LADA não deixava margem para dúvidas: só queria assegurar o direito de acesso aos documentos com origem ou detidos por empresas do sector público (quando em formato jurídico-privado) relacionados com o exercício de poderes de autoridade. E, dizemo-lo desde já, foi correcta essa opção de alargamento do dever de informação a todos os documentos das empresas do sector público.
(…)
Já aludimos de passagem ao facto de a submissão das empresas do sector público à LADA apresentar um perfil institucional ou orgânico [e não funcional, como sucede em relação às "outras entidades no exercício de funções administrativas ou de poderes públicos"]. Quer isto dizer que: i) ressalvadas as excepções (cf. art. 3.°, n.° 2), todos os documentos dessas empresas se qualificam como administrativos; ii) ressalvadas as restrições (cf. art. 6.°), em relação a todos eles existe um dever de informar, de permitir o acesso.
As empresas surgem, pois, totalmente equiparadas a todas as outras entidades públicas (Estado, municípios), sem qualquer distinção quanto ao seu objecto: quer se dediquem a tarefas com uma feição mais burocrática (v. g., administração e gestão de portos) ou actuem num mercado exposto à concorrência (v. g., exploração de um estabelecimento hoteleiro), quer exerçam poderes de autoridade ou prestem serviços num ambiente paritário, encontram-se abrangidas pelo dever de informação nos mesmos termos que se aplicam a qualquer entidade pública.
(…) na versão de 2007, a LADA não parece deixar margem para atenuar ou diminuir a incidência do dever de informação no caso das empresas do sector público, seja qual for o ambiente jurídico ou material em que actuem.
Concordamos, pois, com a linha que tem sido seguida pela jurisprudência dos tribunais administrativos quanto a este ponto. Mais: observamos até que, na nossa interpretação, aquela opção legislativa se revela especialmente adequada à situação institucional das empresas do sector público.
É certo que se tem falado, neste contexto, de um imperativo de igualização, que se traduz em submeter as empresas do sector público que actuam em ambiente de mercado ao regime aplicável às empresas concorrentes. (…)
Sem prejuízo desta matriz de igualização, não pode, contudo, excluir-se a bondade de desvios pontuais e razoáveis, que, nos termos da lei, se imponham, logicamente e de forma justificada, por força da circunstância de estar em causa uma empresa do sector público.
Ora, o acesso à informação das empresas do sector público revela-se um dos domínios em que se justificam desvios que atendam precisamente ao facto de se tratar de empresas que, mesmo actuando em ambiente de mercado – e nem sempre este é o caso -, não são como as outras (do sector privado), pois pertencem aos poderes públicos e desenvolvem uma acção que é acção pública, que se funda numa competência e não na liberdade (Por essa razão, não tem cabimento a invocação do direito de livre iniciativa económica para questionar a constitucionalidade da imposição do arquivo aberto às empresas do sector público).
Como, de resto, vem sendo notado nas decisões judiciais que se ocupam do tema, ao que acaba de se dizer acresce a circunstância de a LADA conter restrições e condicionamentos do direito de acesso que se apresentam especialmente pertinentes neste âmbito: referimo-nos ao disposto no art. 6.°, n.° 6, em cujos termos só subsiste um direito de acesso a documentos que contenham "segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa" na medida em que o interessado esteja munido de autorização escrita da própria empresa ou demonstre interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
Na senda da jurisprudência, afigura-se-nos que, seja qual for o espaço em que desenvolvem a sua acção e mesmo que se trate, portanto, do mercado, a submissão de todas as empresas do sector público ao princípio do arquivo aberto ou a uma regra de information disclosure não consubstancia um constrangimento desnecessário, nem uma solução que as impeça de realizar os objectivos públicos que nortearem a decisão de as instituir.
(…)
Retomando o raciocínio, insiste-se, a regra é, e deve mesmo ser, a da submissão das empresas do sector público ao dever de informação consagrado na LADA, o que nos parece revelar-se inteiramente coerente com a situação institucional de tais empresas enquanto entidades vinculadas pelos direitos fundamentais (nos mesmos termos das entidades públicas) (Lembre-se que o "direito de acesso aos arquivos e registos administrativos", consagrado no art. 268.°, n.º 2, da CRP, assume a natureza de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias; neste sentido, cf. J. J. GOMES CANOTILHO /VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 374; JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 145) (As empresas do sector público estão também vinculadas pelos direitos fundamentais e pelas liberdades consagradas ao nível do direito da União Europeia (…)). Neste caso, a vinculação pelos direitos fundamentais não resulta apenas do desenvolvimento de uma acção pública (como sucede no caso das entidades particulares com funções administrativas), mas, especificamente, do facto de se tratar de entidades do sector público e em relação às quais se mostra afeiçoada a adopção de um princípio de equiparação institucional a quaisquer outras entidades do sector público. Como ensina VIEIRA DE ANDRADE, precisamente a propósito de entidades como as empresas do sector público, mesmo quando não disponham de poderes de autoridade, tais entidades, "em vista da sua ligação organizativa, funcional ou material à actividade administrativa em sentido estrito, devem estar sujeitas em primeira linha aos direitos, liberdades e garantias, não devendo ser tratadas como entidades dotadas de autonomia privada" (Cf. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 2009, p. 224)” (sublinhados e sombreados nossos).

E Miguel Assis Raimundo, Ainda o acesso à informação detida por empresas públicas, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção) de 30.5.2012, P. 263/12, in CJA, 98, Março/Abril de 2013, págs. 44, 46, 47 e 54, o seguinte:
“7. A análise do art. 4. da LADA, e do modo como se lhe refere o art. 3.º, n.º1, alínea a), da mesma Lei, revela, assim, que o legislador previu a existência de três classes de sujeitos passivos do direito de acesso, com relativa autonomia entre si : (i) as entidades que são, inequivocamente, pessoas colectivas públicas, de regime administrativo - as referidas nas alíneas a), b), c) e e) do n.º1 - ou órgãos de tais pessoas colectivas, e cuja sujeição ao direito de acesso à informação administrativa surge como natural e incontestada; (ii) as chamadas entidades administrativas privadas, ou seja, as entidades de mão pública que, pela forma jurídica que revestem ou pelo regime jurídico aplicável à sua actuação, surgem com uma proximidade clara ao direito privado, mas não deixam, apesar disso, de ser entidades públicas, ou do sector público - as referidas nas alíneas d) e f) do n.º1 (e porventura enquadráveis, algumas delas, no n.º2, como explicámos acima); e (iii) os verdadeiros sujeitos privados - os referidos na alínea g) do n.º1 e (alguns deles) no n.º2.
Vale a pena notar, porém, aproveitando observação e terminologia de PEDRO GONÇALVES (PEDRO COSTA GONÇALVES, “O direito de acesso à informação detida por empresas do sector público”, cit., p. 9), que em relação às duas primeiras classes de sujeitos indicadas em (i) e (ii) e que fazem parte da Administração Pública – pessoas colectivas inequivocamente públicas e sujeitas ao direito público, e entidades administrativas privadas, incluindo as empresas públicas - a colocação é sobretudo institucional ou orgânica, não operando o legislador distinções internas quanto à natureza da actividade ou dos actos sujeitos ao acesso.
(…)
O problema, para nós, está, pelo contrário, em que, no sistema construído pelo legislador, todos os documentos de todas as empresas públicas (recorde-se que, para o serem, estas têm de preencher os critérios do art. 3.º do RSEE (10)) constituem, prima facie, objecto do direito de acesso.
(…) a referência do art. 3.º; n.°2, alínea b), da LADA, a qual, como em anterior ocasião dissemos (MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, As empesas públicas nos tribunais administrativos, cit., p. 229, com outras referências), serve para excluir do acesso os documentos emergentes de outras funções do Estado, como se retira dos exemplos dados tia própria norma (documentos referentes às reuniões do Conselho de Ministros e de secretários de Estado).
13. Esta opção do legislador parece clara, pois ao contrário do que fez com outras entidades, não acompanhou a menção às empresas públicas de qualquer ressalva de teor funcional.
(…)
Foi a esta constelação específica de interesses e valores que o legislador quis responder, dizendo: porque esta entidade é um instrumento da administração (o que vale quer para as empresas concorrenciais quer para as não concorrenciais), permita-se o acesso, a não ser que outras razões mais fortes que o direito de acesso prevaleçam (…)” (sublinhados e sombreados nossos).”

A argumentação expendida no Acórdão supra parcialmente transcrito é integralmente aplicável aos presentes autos, dado a actual Lei nº 26/2016, de 28 de Agosto, não alterar a actualidade da fundamentação vertida no mesmo, prevendo a alínea a) do nº 1 do artigo 3º do diploma supra referido que “Para efeitos da presente lei, considera-se: a) «Documento administrativo» qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material (…)”, prescrevendo a alínea d) do artigo 4º quanto ao âmbito de aplicação subjectivo da Lei em apreço que “a presente lei aplica-se aos seguintes órgãos e entidades: d) órgãos das empresas públicas.”, pelo que, ao contrário do entendido na sentença recorrida, e ao abrigo do regime previsto na Lei nº 26/2016, de 28 de Agosto deverá a ora recorrida ser intimada a emitir certidão da(s) deliberação(ões) proferidas pelo Conselho de Administração que tenham decidido sobre o procedimento de venda do imóvel designado “Hotel ........ ........”, nomeadamente deliberação por força da qual terá sido reservar o mesmo, celebrar contrato promessa de compra e venda ou alienar o imóvel, devendo, se tiver sido celebrado contrato promessa de compra e venda e/ou escritura de compra e venda do imóvel serem emitidas certidões dos contrato(s) celebrado(s).

Importa reiterar, para afastar a aplicação do nº 2 do artigo 3º do diploma em apreço, referir o entendimento de que a referência ao mesmo serve, apenas, para excluir do acesso os documentos emergentes de outras funções do Estado, como se retira dos exemplos dados pela própria norma (documentos referentes às reuniões do Conselho de Ministros e de secretários de Estado) e não excluir do seu âmbito da aplicação alguns dos documentos que esteja na posse ou sejam detidos pelas empresas públicas.

Refira-se, para terminar que o âmbito do direito de informação não procedimental apenas abarca, das pretensões formuladas pela recorrente, a emissão das certidões supra referidas, conforme se retira do nº 1 do artigo 5º e do nº 6 do artigo 13º, preceito este de acordo com o qual “a entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido…” pelo que apenas poderá, ao abrigo do direito em apreço, ser intimada a Recorrida a emitir as referidas certidões, se tiverem sido tomadas as deliberações supra referidas e celebrados os mencionados contratos.

IV) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em conceder parcial provimento, absolvendo a Oitante, S.A. do pedido relativamente à formulada pretensão de prestação de informações deducida pelo ora recorrente, intimando-se a requerida Oitante, S.A., a emitir certidões das deliberações proferidas pelo Conselho de Administração da requerida que tenham sido tomadas quanto à eventual reserva do imóvel designado Hotel ........ ........, celebração de contrato promessa de compra e venda bem como quanto à decisão de alienação definitiva do imóvel, bem como, tendo sido outorgados os respectivos contratos, certidão do contrato promessa de compra e venda e do contrato de compra e venda.
Custas pelo recorrente, em ambas as instâncias, na proporção do respectivo decaimento que se fixa em metade, não sendo devidas custas nesta instância pela recorrida face à ausência de alegações.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2018
Nuno Coutinho
José Gomes Correia
Paulo Vasconcelos

(1) Antunes et alii “Manual de Processo Civil”, pág. 135, 2ª edição revista e actualizada.