Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2710/16.1 BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:08/10/2017
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:ARTIGO 128º, DO CPTA
PROIBIÇÃO DE EXECUTAR O ACTO
ENCERRAMENTO DE CENTRO DE INSPECÇÃO
FUMUS BONI IURIS
LEI 11/2011
PERICULUM IN MORA
Sumário:I – Do art. 128º, do CPTA, conjugado com o art. 116º n.º 1, desse mesmo Código, e o art. 227º n.º 1, do CPC de 2013, decorre que a autoridade administrativa apenas está impedida de executar o acto após receber o duplicado do requerimento inicial, ou seja, após ser citada no processo cautelar.

II – Caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo de probabilidade de procedência da acção principal sumário e perfunctório, ou seja, a apreciação de procedência dos vícios imputados ao acto suspendendo não é compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da acção principal.

III – Num juízo sumário e perfunctório, é provável a procedência do vício de violação de lei alegado pela recorrente no sentido de que aos centros de inspecção autorizados à data da entrada em vigor da Lei 11/2011, de 26/4, não podia ser aplicada a caducidade prevista no seu art. 9º nº 4, al. a).

IV – O requisito relativo ao periculum in mora encontra-se preenchido perante um acto de encerramento de um centro de inspecção.

V - A concessão da providência requerida, ou seja, o não encerramento do centro de inspecção em causa, por mais algum tempo – até que seja proferida decisão final na acção principal –, não provocará danos superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, o que implica o preenchimento do requisito relativo à proporcionalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO
CIMA – Centro …………………….., SA (CIMA), intentou no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa o presente processo cautelar contra o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT, IP), no qual requereu a suspensão de eficácia do acto que lhe foi comunicado através do ofício datado de 9.11.2016 que determinou, no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação, a cessação do exercício da actividade de inspecção de veículos no centro de inspecção de Ponte de Lima, por ter ocorrido a caducidade do contrato de gestão de tal centro.

Por requerimento de 12.12.2016 a CIMA requereu, ao abrigo do art. 128º n.ºs 1 e 2, do CPTA, que se impusesse ao IMT, IP, a obrigação de proceder ao registo das inspecções realizadas desde as zero horas do dia 30.11.2016 até ao dia 7.12.2016, no centro de inspecção de Ponte de Lima.

Por decisão de 6 de Fevereiro de 2017 o referido tribunal julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida.

Inconformada, a requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este TCA Sul, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
«A. A ora Recorrente mobilizou todos os mecanismos da ordem jurídica para evitar que terceiros, seus clientes, ficassem numa situação de vulnerabilidade durante a pendência das acções de impugnação de actos que reputa ilegais do IMT-IP, e conseguiu evitá-lo na maioria dos casos.
B. No caso dos presentes autos há, porém, um hiato de sete dias (entre 30 de Novembro e 7 de Dezembro) de relativa desprotecção dos utentes do centro de inspecção automóvel de Ponte de Lima, na medida em que o IMT-IP se recusa a registar no sistema central - a que têm acesso as
autoridades rodoviárias - as inspecções realizadas nesses dias, com o argumento, formalmente válido, de que só nessa última data recebeu "o
Oficio de citação remetido pelo tribunal".
C. Muito embora nos demais centros da ora Recorrente na mesma situação o IMT-IP tenha sido oportunamente notificada pelos tribunais e até tenha recebido directamente da ora Recorrente, no dia 30 de Novembro de 2016, duplicado da providência cautelar interposta no dia 23 desse
mês e entretanto mandada aperfeiçoar pelo tribunal recorrido.

D. No incidente de execução indevida suscitado, e indeferido, não estava (não está) em causa, porém, um prolongamento retroactivo da tutela imposta por lei a partir da entrega ao autor do acto do duplicado da providência, como parece ter sido entendido.
E. Estava (está) em causa, sim, a tutela de terceiros de boa fé e que são de todo alheios ao que se discutia, discute e continuará a discutir-se por muito tempo entre o IMT-IP e a ora Recorrente.
F. Tal não obsta a que a ora Recorrente tenha legitimidade e interesse para promover tal incidente, e interpor recurso da sua decisão, uma vez que é seu dever garantir aos seus clientes o serviço que lhes prestou, e é seu interesse preservar a relação de confiança que tem mantido com eles há mais de duas décadas.
G. E não são irrelevantes os riscos que os utentes dos veículos identificados no Documento l anexo ao requerimento do incidente correm pela não validação, no sistema central de registo de inspecções, das inspecções realizadas - e que vão de coimas à apreensão do veículo.
H. Sendo certo que só o trânsito em julgado da acção impugnatória do acto do IMT-IP que pretendeu impor o encerramento do centro da ora Recorrente em Ponte de Lima poderá determinar se tais inspecções foram, ou não, realizadas legitimamente (não são questionados o seu rigor e a sua regularidade técnica).
I. Impor tal risco a terceiros de boa fé é chocante - e não devia sequer ser necessário discutir isso com o IMT-IP, a quem compete, entre o mais, zelar pelos interesses dos automobilistas.
J. Tanto mais que o que levou à incompreensível decisão do IMT-IP (a não ser por razões que não são próprias) foi um mero atraso de dias na solicitação de uma vistoria que demonstraria a plena conformidade do centro da ora Recorrente em Ponte de Lima com as novas exigências de um regime que não está a ser aplicado, nem se sabe quando poderá estar.
K. Atraso de dias a que a ora Recorrente não objectou quando o IMT-IP falhou o prazo para entrega da sua oposição à providência cautelar interposta.
L. E que o tribunal a quo, aí dando prevalência ao fundo sobre o prazo, entendeu relevar.
M. Não estando disponível agora para fazer outro tanto, há ainda assim soluções alternativas para se obter uma solução mais justa:
N. Uma delas passa por distinguir autos de execução autónomos/independentes, que se consolidam no momento em que são realizados e não são "reversíveis", e actos de execução encadeados/cumulativos, que podem - e até devem - ser revertidos.
O. Sendo a mera validação no registo central de inspecções automóveis das que foram realizadas entre o momento do início de efeitos do acto suspendendo e a sua efectiva suspensão, após aperfeiçoamento da providência solicitado pelo tribunal e notificação ao seu autor, deste tipo.
P. Ou, quando assim se não entenda, outra solução passaria pela aplicação de um regime autónomo de protecção de terceiros de boa fé, derivado do que o compêndio da lei civil consagra nos artigos 291.° e 179.°, até porque está aí em causa a tutela perante actos já reconhecidamente nulos ou anulados, ao passo que o que se requer aqui é uma tutela perante actos "litigiosos", actos cuja validade ainda está em apreciação.
Q. Regime esse que, já que o IMT-IP - a quem em primeira linha tal deveria caber - não adopta, deveria ser jurisdicionalmente imposto,
Termos em que, e nos mais de Direito, se requer a V.Exa. que seja revogada a decisão recorrida,
determinando-se ao IMT-IP que valide no seu sistema central de registo de inspecções as que
foram discriminadamente indicadas no Documento l anexo ao requerimento deste
incidente, realizadas entre os dias 30 de Novembro e 7 de Dezembro de 2016 no centro de inspecções da ora Recorrente em ……………………

Assim se fazendo
Justiça!»

A entidade recorrida, notificada, apresentou contra-alegação de recurso na qual pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Por sentença de 2 de Março de 2017 do referido tribunal foi julgado improcedente o pedido de decretamento da providência requerida.

Inconformada, a requerente interpôs recurso jurisdicional dessa sentença para este TCA Sul., tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
«1º A sentença proferida pelo TAC de Lisboa em 2/3/2017 nos Autos de Suspensão de eficácia do acto do IMT de 9/11/166 é ilegal por errada interpretação do Regime jurídico de acesso e permanência na actividade de inspecção técnica de veículos, regime este aprovado pela Lei nº 11/2011, de 26 de Abril;
2º Com efeito, a Lei nº 11/2011, criou um regime específico para os centros de inspecção que já estavam autorizados à data da sua entrada em vigor, estabelecendo aí que as entidades gestoras desses centros tinham direito à celebração de um contrato de gestão com o IMT- art. 34º nºs 1 e 2;
3º Assim, se decorrido o prazo de dois anos após a entrada em vigor da lei, tal contrato não tivesse sido celebrado, caducaria a autorização que tinha sido concedida às entidades gestoras de tais centros - art. 34º, nº 5;
4º O Recorrido IMT reconheceu expressamente que existia um regime próprio para as chamadas entidades autorizadas celebrarem contratos de gestão ao abrigo do artigo 34º da Lei nº 11/2011, reconhecimento esse que foi assumido na deliberação de 28/4/15, ao invocar-se expressamente tal preceito para a celebração do contrato, conforme documento dado como provado na alínea e) dos factos assentes na sentença recorrida;
5º Resulta assim dos fatos dados como provados na sentença recorrida que a ora Recorrente cumpriu o prazo referido na conclusão 3ª, tendo o contrato de gestão sido celebrado em 24/7/13, contrato esse que abrangia os respetivos projetos de adaptação aos centros - alíneas b) e e) dos fatos provados;
6º Foi assim dado cumprimento ao disposto no regime especial aplicável aos centros de inspecção já existentes, tudo nos termos do artigo 34º, nºs 1 e 2, da Lei nº 11/2011 e do artigo 10º da Portaria nº 221/2012, de 20 de Julho;
7º Ora, como se disse, a sentença recorrida não soube interpretar corretamente o quadro jurídico aplicável aos centros de inspecção autorizados à data da entrada em vigor da Lei nº 11/2011, pois ignorou por completo esta Lei na apreciação da situação em causa nos Autos;
8º É que, havendo centros inspeção autorizados à data da entrada em vigor da Lei nº 11/2011, e porque o regime que se lhes aplicava era o regime o seu artigo 34º, nunca podia ser aplicado à Recorrente a caducidade prevista no seu artigo 9º, nº 4, alínea a), precisamente porque não se pode pedir aprovação para um centro que já se encontrava autorizado à data da entrada em vigor da Lei nº 11/2011;
9º E não se pode pedir aprovação para um centro já autorizado porque é isso que é dito claramente no artigo 7º da Lei nº 11/2011 que dispõe que a atividade de inspecção..."só pode ser iniciada após a aprovação do centro de inspecção nos termos do artigo 14º, com excepção dos centros de inspecção existentes à data da entrada em vigor da presente Lei."
10º Assim, os centros de inspeção já autorizados não precisavam de obter a aprovação a que se refere o artigo 14º da Lei nº 11/2011;
11º Face ao disposto no artigo 9º do nosso Código Civil não pode haver dúvidas na interpretação ora feita do artigo 7º da Lei 11/2011, pois, para além de o elemento literal ser claro, tem de se presumir que o legislador consagrou aí uma solução acertada, dado que face ao regime do seu artigo 34º, não faria sentido estar a exigir uma aprovação para um centro que já existia devidamente aprovado à data da entrada em vigor da Lei ora em causa;
12º a estas mesmas conclusões chegou o Snr. Prof. João Pacheco de Amorim, o qual, solicitado a emitir parecer sobre a validade do ato de 9/11/16, entendeu que a ora Recorrente não está, nem nunca esteve, vinculada à obrigação de requerer a aprovação do seu centro de inspecções após ter celebrado o contrato de gestão com o IMT, uma vez que explora um centro de inspeções que já havia sido aprovado aquando da entrada em vigor da Lei nº 11/2011, sendo-lhes aplicáveis, conjugadamente, os artigos 7º e 34º do referido diploma;
13º A sentença recorrida confundiu os prazos previstos na Lei nº 11/2011 e na Portaria nº 221/2012, como se eles fossem um só, o que não encontra suporte nem na referida Lei nem na referida Portaria;
14º O regime transitório instituído pela Leiº 11/2011 criou um prazo para a celebração do cotrato de gestão para os centros existentes- artigo 34ºn.º 2
15º E criou um outro prazo para as adaptações dos centros já existentes - artigo 10º, nº2, da Portaria nº21/2012;
16º Não estando aqui em causa o cumprimento do prazo de dois anos para a celebração do contrato de gestão, apenas se poderá indagar das consequências jurídicas pelo não cumprimento do prazo previsto no artigo 10º, n°2, da Portaria nº 221/2012;
17º Assim sendo, o não cumprimento do prazo referido na conclusão anterior não levará à sanção da caducidade do contrato, mas tão somente à resolução do contrato nos termos da alínea d), do nº2, do artigo 12º da Lei nº 11/2011 - incumprimento dos deveres a que alude o artigo 8º da lei nº 11/2012, antecedida de concessão de prazo para regularizar a situação de incumprimento, ou,
18º À aplicação de coima no âmbito de um processo contra-ordenacional -artigo 26º, nº2, alínea f), da Lei nº 11/2011;
19º Deste modo, a sentença recorrida, ao decidir-se, muito simplesmente, por uma leitura completamente superficial da Portaria nº 221/2012 sem se preocupar em olhar e interterpretar a Lei nº 11/2011, designadamente, o seu regime transitório para os centros já autorizados, é ilegal por uma errada interpretação e aplicação do Direito, violando assim o disposto nos artigos 34º, n°s 1, 2, 3 e 5 e 7º da Lei nº1l/2011, bem como os seus artigos 9, nº4, alínea a) e 14º, violando igualmente o artigo 10º, nºs 1 e 2, da Portaria nº 221/2012;
20º Verificado que está a existência do "fumus boni iuris", entende-se que nos presentes Autos também se verifica o requisito "periculum in mora";
21º É que sendo o ato de 9/11/16 uma ordem de encerramento de um estabelecimento comercial/industrial - Centro de inspecção de viaturas automóveis, tal ordem de encerramento, segundo a jurisprudência deste TCA Sul - Acórdãos de 10/20/11 e 7/4/11, implica naturalmente a cessação da respetiva actividade, constituindo um caso típico de prejuízo de difícil reparação, ou seja,
22º Segundo a invocada jurisprudência, a perda de clientela, lucros, atividade económica e postos de trabalho;
23º Assim, quando vier a ser proferida a sentença no processo principal esta já não virá a tempo de se proceder à restauração natural de tudo aquilo que existia como uma unidade económica, empresarial e humana aquando da produção do acto de encerramento;
24º Afigura-se deste modo completamente justificado o fundado receio de, a não ser declarada a suspensão de eficácia da ordem de encerramento do Centro, se produzir uma verdadeira situação de facto consumado, o encerramento definitivo do Centro de inspecção Automóvel de Ponte de Lima;
25º Por último, na ponderação de interesses públicos e privados a que alude o nº2, do artigo 120º do CPTA, não há qualquer perigo de lesão para os interesses públicos que o Recorrido invocou;
26º É que, em Setembro de 2016, conforme resulta da leitura dos documentos referidos na alínea alínea L) dos fatos provados, o Centro de Inspeção da Recorrente cumpria integralmente a Portaria nº 221/2012, de 29 de julho, na redação dada pela Portaria nº 378E/2013, estando assim totalmente apto a prestar o serviço público de inspeção de viaturas automóveis;
28º Deste modo, em face do exposto nas conclusões anteriores, está assim este Tribunal em condições para, de acordo com o disposto no artigo 149º, nº2, do CPTA, revogar a sentença ora recorrida, decretando a suspensão de eficácia da ordem de encerramento do Centro de Inspeção da Recorrente, salvando-se a vida a um estabelecimento comercial e salvando-se os postos de trabalhos dos seus trabalhadores, fazendo-se assim a devida e merecida
JUSTIÇA.».

A entidade recorrida, notificada, não apresentou contra-alegação de recurso.

O DMMP junto deste TCA Sul não emitiu parecer.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida de 6 de Fevereiro de 2017 foram dados como provados os seguintes factos:
«a) Através de Ofício datado de 09/11/2016, o Requerido comunicou à Requerente que “por não ter sido solicitada a aprovação do centro de inspeção dentro do prazo legalmente estabelecido e previsto no contrato de gestão relativo ao centro de inspeção cód. 002 (Ponte de Lima) o referido contrato caducou nos termos da alínea a) do n.º 4 do Artigo 9.º da Lei n.° 11/2011, com a última redação em vigor, pelo que, no prazo de 10 dias úteis a contar da presente notificação, deverá fazer cessar de imediato o exercício da atividade de inspeção de veículos neste centro de inspecção (…)” – fls. 15;
b) No dia 23/11/2016 foi entregue neste tribunal o r.i. do presente processo – fls. 2;
c) Tendo sido proferido despacho a convidar a Requerente a aperfeiçoar o r.i., veio esta responder através de comunicação remetida para o tribunal no dia 29/11/2016 – fls. 67-A;
d) Às zero horas do dia 30/11/2016, o Requerido desactivou a função informática de validação das fichas de inspecção realizadas no centro de inspecções de …………….., apenas o tendo reactivado no dia 07/12/2016 – acordo;
e) Em 30/11/2016 foi realizada uma acção de fiscalização no centro de inspecções de Ponte de Lima explorado pela Requerente, tendo sido comunicado aos inspectores de veículos e ao director técnico a deliberação indicada supra, na al. a) – fls. 277 a 285;
f) Em 30/11/2016, a Requerente remeteu para o Requerido, entre o mais, cópia do r.i. do presente processo cautelar – fls. 287;
g) Em 07/12/2016, o Requerido recebeu o Ofício de citação remetido pelo tribunal – fls. 96.»

Na sentença recorrida de 2.3.2017 foram dados como indiciariamente assentes os seguintes factos:
«a) A Requerente exerce a actividade de inspecção de veículos no centro de inspecções automóvel que explora em ……………… – doc. n.º 1 junto com o r.i.;
b) Tendo adquirido a qualidade de gestora através de contrato celebrado com o IMT, I.P., EM 24/07/2013 – doc. n.º 1 junto com o r.i. e acordo;
c) Tendo sido estabelecido na cláusula 3ª do referido contrato que a Requerente dispunha de dois anos para assegurar a aprovação das alterações constantes no projecto anexo ao contrato, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2013, de 19 de fevereiro – fls. 76 do P.A.;
d) O referido contrato foi notificado à Requerente em 10/04/2014 – fls. 3 do P.A.;
e) O Conselho Directivo do IMT, IP em 28 de Abril de 2015, deliberou que “a data limite a considerar para implementação das alterações previstas na Portaria n.º 221/2012, é de 2 anos a contar a partir da data de notificação dos contratos de gestão, de acordo com o registado no mapa anexo à presente deliberação” – cfr. fls. 2 do PA;
f) O Conselho Directivo do IMT, IP em 21 de Março de 2016, deliberou que os pedidos de vistoria para comprovação da implementação do projecto de adaptação à Portaria n.º 221/2012, devem ser acompanhados dos documentos identificados no ponto 1), alíneas a) a h) da referida deliberação (termo de responsabilidade a confirmar a realização do projecto e que se encontram preenchidos os requisitos previstos na Portaria n.º 221/2012, de 20 de Julho; relatório técnico detalhado que indique as alterações ao nível das instalações e equipamentos; registo integrado de resultados de cada linha de inspecção/área de inspecção; fotografias do CITV que evidenciem as alterações introduzidas; lista de equipamentos e/ou plano de calibração; certificado de acreditação do IPAC actualizado; licença municipal de utilização actualizada; lista de pessoal actualizada) – fls. 45 do P.A.;
g) A Requerente realizou trabalhos de adaptação do referido centro de inspecções com a finalidade de o adequar aos requisitos previstos na Portaria n.º 221/2012, de 20 de Julho – doc. n.º 2 junto com o r.i.;
h) Através de Ofício datado de 15/04/2016, o Requerido facultou à Requerente o exercício do direito de audiência prévia face ao projecto de despacho de cessação da actividade da Requerente no centro de inspecções de ………….. por não ter sido observado o prazo de dois anos previsto na al. a) do n.º 4 do art.º 9.º da Lei n.º 11/2011, de 26 de Abril, o que importa a caducidade do contrato de gestão – fls. 12 do P.A.;
i) Em 02/05/2016 a Requerente exerceu o direito de resposta, defendendo que o contrato de gestão não se deveria ter por caducado , tendo junto cópia do r.i. de uma providência cautelar então por ela intentada – fls. 14 do P.A.;
j) Em 03/05/2016, a Requerente apresentou o pedido de vistoria do centro de inspecções de Ponte de Lima junto do Requerido – fls. 49 do P.A.;
k) Tendo remetido com esse pedido um cheque no valor de 250,00€ – fls. 49 do P.A.;
l) Em 22/09/2016 remeteu para o Requerido vários documentos “comprovativos que evidenciam a anexação ao processo dos trabalhos de adaptação aos requisitos da Portaria 221/2012”, entre os quais, um termo de responsabilidade a confirmar a realização do projecto em conformidade com os requisitos previstos na Portaria n.º 221/2012, de 20 de Julho; um relatório técnico das alterações à linha; registo integrado de inspecção; fotografias do CITV que evidenciem as alterações introduzidas; lista de equipamentos; certificado de acreditação do IPAC actualizado; licença municipal de utilização; lista de pessoal; telas finais - doc. n.º 2 junto com o r.i. e fls. 51 e segs. do P.A.;
a) Com data de 21 de Outubro de 2016 foi elaborada a INFORMAÇÃO n.º 045300106530644/467A/DIV, que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:
“(…) ASSUNTO: Procedimento para a operacionalização da caducidade dos contratos de gestão de 9 Centros de Inspeção Técnica de Veículos da entidade CIMA, SA, por aplicação do n.º 4 do Artigo 9.º da Lei 11/2011.
I) Enquadramento Legal
(…)
Isto é, a CIMA, SA dispunha de 2 anos (a contar da data de notificação dos respetivos contratos de gestão) para se conformar com os requisitos técnicos exigidos pela Portaria n.º 221/2012, de 20 de julho, obrigação expressamente vertida na Cláusula 3.ª de cada um dos contratos de gestão de CITV que esta entidade gestora celebrou com o IMT, I.P. a 24/07/2013.
Com efeito, dispõem a referida Cláusula 3.ª dos mencionados contratos-tipo:
"O segundo outorgante deve assegurar a aprovação das alterações constantes no projeto anexo ao presente contrato, nos termos previstos no artigo 14.º da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2013, de 19 de fevereiro, no prazo máximo de dois anos a contar da data de assinatura do presente contrato.” - isto é, da data da notificação dos contratos.
(…)
III) Pedidos de vistoria
A CIMA, SA solicitou ao IMT pedidos de vistoria (com pagamento da respetiva taxa - € 250) para os centros abrangidos pela ação judicial, uns efetuados dentro do prazo (antes de 10 de abril de 2016), outros fora de prazo.
Em síntese: (…)
· Fora do Prazo (9): ……….. (183); ………….. (054); ………… (083); ………(096), ………… (050); …………. (002); ………(065);……….. (245) e …………..(215).
Perante estes pedidos de vistoria, cumpre ao IMT decidir do seguinte modo:
1) Para os centros que solicitaram a vistoria dentro do prazo, não obstante a documentação anexa ao pedido estar incompleta, a DIV/DSRTQS deve promover a realização das vistorias;
2) Para os centros que solicitaram a vistoria fora do prazo, e uma vez que já foi efetuada a notificação em sede de audiência prévia, deve ser promovida a notificação de cada centro de inspeção no sentido de:
a) Ser devolvido pelo IMT a taxa paga por cada centro de inspeção pelo pedido de vistoria (€ 250,00), devendo ser esta devolução articulada com a DSAR;
b) Que irão ser executadas pelo IMT as respetivas cauções, previstas no n.º 2, alínea g) do artigo 9.° do Decreto-Lei n." 26/2013, de 19 de fevereiro;
c) Ser notificada a entidade gestora CIMA, SA por cada centro de Inspecções em situação irregular, que o respetivo contrato de gestão caducou, informando que, no prazo de 10 dias após a notificação, deverá fazer cessar a atividade inspetiva, sob pena de instauração de procedimento contraordenacional ao abrigo da legislação em vigor, sem embargo de ser desativada a respetiva ligação informática ao SIIV - Sistema de Informação de Inspeções de Veículos.
IV – Conclusões
(…)
propõe-se superiormente que:
Seja deliberado que, de imediato, se proceda às diligências propostas no ponto III) da presente informação - encerramento definitivo dos centros de inspecção de …………. (183); ………… (054); …………. (083); ……….(096), ………….. (050); ……… (002); …….. (065); ………. (245) e …………. (215), por se ter verificado a caducidade dos respetivos contratos de gestão, cfr., n.º 4 do artigo 9.° da Lei n.º 11/2011, 26 de abril, tendo já sido efetuadas as respetivas notificações em sede de audiência de interessados, todas em data anterior à interposição, pela CIMA, SA, da Providência Cautelar.
Cumpre referir que o encerramento destes nove centros não afectará significativamente as populações onde se encontram implantados, dado que existem outros centros a curta distância, concretamente: (…)” - fls. 75 e segs. do P.A.;
b) Em 02/11/2016, o Conselho Directivo do R. deliberou:
“(…)
Considerando o enquadramento legal,
Considerando o Parecer emitido pelo CEJUR,
Considerando o indeferimento da Providência Cautelar n.º 842/16.5BELSB,
Considerando o indeferimento do recurso judicial,
Considerando o Parecer do Ministério Público emitido em sede de recurso da referida Providência Cautelar,
Considerando os princípios da legalidade, bem como da igualdade com referência às demais entidades gestoras que exercem a actividade inspetiva de veículos num mercado concorrencial,
Considerando ser expectável que as entidades gestoras que cumpriram com as obrigações impostas pela legislação aplicável, com os investimentos financeiros inerentes, possam vir a demandar diretamente o IMT, quer por via de impugnação graciosa, quer em sede judicial (maxime; através de intimações à prática de ato devido, no sentido de obrigarem o IMT a cumprir a lei e as sentenças dos tribunais),
O CD deliberou que, de imediato, se proceda à notificação da entidade gestora Cima, SA relativamente aos centros de inspeção de …………(183); …………… (054); ………… (083); ………… (096), ………… (050); ……….. (002); ……….(06S);…………. (245) e ………… (215):
a) Devolução pelo IMT das taxas pagas pelos pedidos de vistoria (€250,00), efetuados fora de prazo;
b) Execução pelo IMT das respetivas cauções, previstas no n.º 2, alínea g) do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 26/2013, de 19 de fevereiro, verificada a caducidade dos respectivos contratos de gestão;
c) Caducidade dos contratos de gestão relativos aos centros de inspecções identificados (cf. n.º 4 do artigo 9.º 1 da Lei n.º 11/2011, 26 de abril), informando que, no prazo de 10 dias após a notificação, deverá fazer cessar a atividade inspetiva, sob pena de instauração de procedimento contraordenacional ao abrigo da legislação em vigor, sem embargo de ser desativada a respetiva ligação informática ao SIIV- Sistema de Informação de Inspeções de Veículos. (…)” – fls. 74 do P.A.;
c) Através de Ofício datado de 09/11/2016, o Requerido notificou a Requerente da deliberação indicada na alínea anterior, o que fez nos seguintes termos:
“(…) A CIMA, adquiriu a qualidade de entidade gestora, através do contrato de gestão de acesso e permanência na atividade de inspecção técnica a veículos, celebrado com o IMT, LP a 24.07.2013 RQS termos e para os efeitos da Lei n.° 11/2011, de 26 de abril, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.° 26/2013 de 19 de fevereiro.
Nesta sequência, ao abrigo do disposto na alínea cl) do nºs 1 do artigo 8.° da supracitada lei, competia à entidade gestora cumprir todas as disposições legais, contratuais, regulamentares e técnicas relativas ao exercício da atividade de inspeção de veículos, designadamente, o prazo legalmente estabelecido de dois anos, previsto na alínea a) do n.º 4 do art.º 9.° da citada lei, para aprovação do centro de inspeção cód. 002 (…………….), na sequência da adaptação aos requisitos estabelecidos na Portaria n.° 221/2012, de 20 de julho, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n.° 378-E12013, de 31 de dezembro.
Tendo em conta que o prazo acima referido terminou sem que tenha sido apresentado neste Instituto o pedido de aprovação do centro de inspeções em referência, nos termos do artigo 14.° da citada lei, fica esta entidade gestora notificada do seguinte:
Nos termos previstos pela Lei n.° 11/2011, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.0 26/2013 de 19 de fevereiro, por não ter sido solicitada a aprovação do centro de inspeção dentro do prazo legalmente estabelecido e previsto no contrato de gestão relativo ao centro de inspeção cód. 002 (Ponte de Lima) o referido contrato caducou nos termos da alínea a) cio n.° 4 do Artigo 9.° da Lei n.° 11/2011, com a última redação em vigor, pelo que, no prazo dc 10 dias úteis a contar da presente notificação, deverá fazer cessar de imediato a exercício da atividade de inspeção de veículos neste centro de inspeção, sob pena de instauração de procedimento contraordenacional nos termos previstos no art.° 26.°, n.º 1, da supra citada lei, findo o acima mencionado prazo, bem como de outros procedimentos legalmente previstos.
Informa-se ainda que irá ser executada a garantia bancária prestada ao abrigo do art.° 9.°, n.º 2, alínea g) da Lei n.° 11/2011, com a redação dada pelo DL n.° 26/2013, correspondente a este centro de inspeção, devolvendo-se a taxa (€ 250) do pedido de vistoria efetuado por essa entidade gestora para este centro de inspeção em 03.05.20 16” – doc. n.º 1 junto com o r.i..».

Nos termos do art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, tal como as demais referências feitas ao CPTA neste acórdão), procede-se ao aditamento da seguinte factualidade, no que respeita à matéria dada como provada na decisão recorrida de 6 de Fevereiro de 2017:
h) A requerente recebeu a comunicação descrita em a) em 10.11.2016 (cfr. fls. 81, do processo administrativo).
i) A comunicação referida em c) foi remetida por correio registado (cfr. fls. 67-A, dos autos em suporte de papel).
j) Os inspectores de veículos e o director técnico referidos em e) foram também notificados para dar observância à deliberação descrita em a) “abstendo-se por si, ou por terceiro, da prática de qualquer ato inerente à realização da actividade inspectiva de veículos no Centro de Inspecção supra mencionado ou nos demais Centros ali identificados, nos termos do estatuído no nº 7 do artigo 26º da Lei 11/2011, de 26.04, com a redacção do Decreto-Lei nº 26/2013, de 19.02, sob pena de poder incorrer na prática de um crime de desobediência previsto e punido no artigo 348º, do Código Penal.” (cfr. fls. 279 a 285, dos autos em suporte de papel).
k) Aquando da realização da acção de fiscalização mencionada em e) foi levantado auto de notícia de contra-ordenação, nos termos constantes de fls. 277 e 278, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual foi exarado nomeadamente o seguinte:
No dia 30 de novembro, pelas 08h30, no local supra referido, a equipa de fiscalização procedeu à notificação de todos os inspectores presentes, bem como do respectivo diretor técnico de todo o conteúdo da Deliberação de 02 de novembro de 2016, da Informação n.º ………………….-A/DIV de 21 de Outubro e do Ofício n.º 1655 de 09 de novembro de 2016. Nessa sequência e ainda que cientes de todo o conteúdo dos documentos supra mencionados, os referidos inspectores e diretor técnico deram início à actividade de inspecções, tendo realizado inspeções técnicas de veículos sem que para tal estivessem autorizados.
(…)
De tudo o exposto resulta que a entidade CIMA – CENTRO DE INSPEÇÃO MECÂNICA EM AUTOMÓVEIS, S.A. realizou inspeções técnicas de veículos no dia 30-11-2016, nas instalações supramencionadas, sem estar devidamente autorizada para o efeito.
(…)”.
l) Aquando da realização da acção de fiscalização mencionada em e) foi apreendida a declaração constante de fls. 286, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual foi exarado nomeadamente o seguinte:
DECLARAÇÃO
(Termo de responsabilidade)
CIMA – CENTRO DE INSPECÇÃO MECÂNCIA EM AUTOMÓVEIS, SA, (…) representada pelo Presidente do Conselho de Administração, declara para os devidos efeitos que se responsabiliza por todas e quaisquer contra ordenações ou ilícitos de qualquer natureza em que venham a incorrer quer os seus responsáveis técnicos, quer os seus inspectores do Centro ou clientes, até serem decididas as providências cautelares e as acções principais já instauradas ou a instaurar pela declarante para pôr cobro aos efeitos danosos de uma atuação, por parte do IMTT, que a CIMA, SA, reputa de gravemente ilegal e atentatória quer dos seus direitos de operador do sector das inspecções automóveis quer dos direitos dos seus trabalhadores, fornecedores e, sobretudo, dos seus clientes.
Tal responsabilidade manter-se-á durante o período em que o litígio com o IMT (…) se mantiver nos Tribunais Administrativos.
Lisboa, 30 de Novembro de 2016
O Presidente do Conselho de Administração
(…)
(……………………………)”.
m) Aberta conclusão para o dia 5.12.2017, foi nesse mesmo dia proferido o seguinte despacho:
Admito liminarmente o presente processo cautelar.
Cite.” (cfr. fls. 68 a 70, dos autos em suporte de papel).
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos dos recursos jurisdicionais, nos quais são impugnados o despacho de 6.2.2017 que julgou improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida e a sentença de 2.3.2017 que julgou improcedente o pedido de decretamento da providência requerida.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se:
- o despacho proferido em 6.2.2017 incorreu em erro ao julgar improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida;
- a sentença proferida em 2.3.2017 enferma de erro ao julgar improcedente a providência requerida por falta de preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris e, em caso afirmativo, se tal decisão deve ser substituída por outra que determine a suspensão da eficácia da deliberação de 2.11.2016 que determinou o encerramento do centro de inspecção de Ponte de Lima.


Erro do despacho proferido em 6.2.2017 ao julgar improcedente o incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida

Por requerimento de 12.12.2016 a recorrente requereu, ao abrigo do art. 128º n.ºs 1 e 2, do CPTA, que se impusesse ao recorrido a obrigação de proceder ao registo das inspecções realizadas desde as zero horas do dia 30.11.2016 até ao dia 7.12.2016, no centro de inspecção de …………..

Por despacho proferido em 6.2.2017 foi indeferido tal incidente por se ter entendido, em suma, que:
- por força do disposto no art. 128º n.ºs 1 e 2, do CPTA, o recorrido ficou impedido de prosseguir com a execução da deliberação de 2.11.2017 a partir do momento em que recebeu o duplicado do requerimento inicial, remetido através do ofício de citação, o que ocorreu em 7.12.2016, pois não releva o duplicado do requerimento inicial que a recorrente enviou ao recorrido em 30.11.2016;
- o recorrido não está obrigado a reconhecer as inspecções efectuadas aos veículos, no centro de inspecção de Ponte Lima, no período que mediou entre 30.11.2016 e o momento em que recebeu o duplicado do requerimento inicial (7.12.2016), uma vez que a deliberação que determinou a cessação da actividade estava plenamente em vigor.

A recorrente discorda deste despacho de indeferimento defendendo que as inspecções realizadas no centro de inspecção de Ponte Lima, entre 30.11.2016 e 7.12.2016, devem ser validadas, dado que se consubstanciam em actos encadeados ou, de todo o modo, atento o disposto nos arts. 179º e 291º, ambos do Cód. Civil.

Vejamos.

Da factualidade dada como assente decorre que o recorrido iniciou a execução da deliberação suspendenda (de 2.11.2016) em 30.11.2016 - através da desactivação da função informática de validação das fichas de inspecção realizadas no centro de inspecção de Ponte de Lima – e que impediu a continuação da execução dessa deliberação a partir do dia 7.12.2016, data em que foi citado para o presente processo cautelar.

Prescreve o art. 128º, do CPTA, sob a epígrafe, “Proibição de executar o ato administrativo”, o seguinte:
1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a autoridade que receba o duplicado impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve os interessados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.” (sublinhados nossos).

Além disso, estatui o art. 116º n.º 1, do CPTA, que:
Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo o requerimento admitido, é ordenada a citação da entidade requerida e dos contrainteressados.” (sublinhado nosso).

Finalmente, dispõe o art. 227º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, o seguinte:
O ato de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a ação a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição.” (sublinhados nossos).

Do art. 128º, do CPTA, conjugado com o art. 116º n.º 1, desse mesmo Código, e o art. 227º n.º 1, do CPC de 2013, ora transcritos, decorre que a autoridade administrativa apenas está impedida de executar o acto após receber o duplicado do requerimento inicial, ou seja, após ser citada no processo cautelar.

Neste mesmo sentido se pronunciaram:
- Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, 4ª Edição, pág. 1026 [onde, em anotação ao art. 128º, referem o seguinte: “Por outro lado, referindo a lei que a autoridade "que receba o duplicado" deve impedir a execução do ato, deve entender-se que a proibição de execução apenas opera a partir do momento em que a entidade requerida seja citada para deduzir oposição (artigo 117.º, n.º 1), não bastando que o requerente tenha feito chegar à entidade requerida por qualquer outro meio de comunicação, ainda que simultaneamente com a apresentação do articulado na secretaria do tribunal, a informação sobre o conteúdo da peça processual. Por duplicado deve, pois, entender se, para o aludido efeito, a citação da entidade requerida, que o interessado pode pedir que seja urgente, nos termos do n.º 4 do artigo 114.º”];
- Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2010, pág. 461;
- Tiago Duarte, “Providências Cautelares, Suspensões Automáticas e Resoluções Fundamentadas: Pior a Emenda do que o Soneto?”, in Julgar n.º 26, 2015, pág. 79 [“Crê-se que a melhor solução interpretativa será a que considera que o dever de não iniciar ou prosseguir a execução do acto, bem como o dever de impedir que os serviços competentes ou os interessados o façam, deve apenas surgir com a citação judicial, que deve ser urgente, pois só esta citação assegura que a providência cautelar foi liminarmente admitida”];
- Fernanda Maçãs, A tutela pré-cautelar em revisão: breves reflexões, CJA n.º 106, Julho/Agosto de 2014, pág. 104 [“No âmbito do CPTA, passou a entender-se que o efeito automático só produz efeitos depois de proferido despacho liminar de admissão da providência e efectuada a citação da entidade requerida pela secretaria judicial.”];
- Jorge Lopes de Sousa, Notas práticas sobre o decretamento provisório de providências cautelares, CJA, n.º 47, Setembro/Outubro de 2004, pág. 50, nota 9.

Ora, tendo o recorrido sido citado para este processo cautelar em 7.12.2016, não estava o mesmo impedido de executar a deliberação suspendenda de 30.11.2016 a 7.12.2016, como decorre de forma expressa do art. 128º, do CPTA, conjugado com o art. 116º n.º 1, desse mesmo Código, e o art. 227º n.º 1, do CPC de 2013 – o que a recorrente, aliás, não põe em causa (cfr. al. B), das conclusões da alegação de recurso) -, sendo certo que o conhecimento dos argumentos invocados pela recorrente (actos encadeados e arts. 179º e 291º, ambos do Cód. Civil) extravasa o âmbito de apreciação deste incidente, no qual apenas cabe apurar se existem actos de execução indevida – e, em caso afirmativo, declarar a sua ineficácia - e não apreciar a respectiva validade, razão pela qual terá de ser negado provimento a este recurso jurisdicional.


Erro da sentença proferida em 2.3.2017 ao julgar improcedente a providência requerida

A sentença recorrida de 2.3.2017 considerou não preenchido o pressuposto do fumus boni iuris, razão pela qual julgou improcedente o pedido cautelar de suspensão da eficácia da deliberação do IMT, IP, de 2.11.2016 – notificada por ofício de 9.11.2016 -, que determinou, no prazo de 10 dias úteis a contar da notificação, a cessação do exercício da actividade de inspecção de veículos no centro de inspecção de Ponte de Lima, por ter ocorrido a caducidade do contrato de gestão de tal centro.

Defende a recorrente que tal requisito se encontra preenchido.

Apreciando.

Estatui o art. 120º, do CPTA (relembre-se, na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10), sob a epígrafe “Critérios de decisão”, que:
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
2 - Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
(…)”.

Do disposto neste art. 120º n.ºs 1 e 2 infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:
1) O “periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, 1ª parte, do CPTA);
2) O “fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA), e
3) A ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2, do CPTA).

A propósito do requisito relativo à aparência do bom direito, explica Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª Edição, 2016, pág. 451, o seguinte:
A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.”.

Assim, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo de probabilidade de procedência da acção principal sumário e perfunctório, ou seja, a apreciação de procedência dos vícios imputados ao acto suspendendo não é compatível com uma exaustiva análise da situação, sob pena de se esgotar nesta apreciação o mérito da acção principal.

No caso vertente verifica-se que a recorrente defende que a sentença recorrida errou ao não julgar provável a procedência do vício de violação de lei que, no requerimento inicial, imputou à deliberação suspendenda de 2.11.2016, e com razão, conforme se passa a demonstrar.

Sobre a presente questão já se pronunciou o Ac. do TCA Norte de 9.6.2017, proc. n.º 1060/16.8 BEAVR, o qual se passa a transcrever nas partes relevantes, por se concordar com o que nele se escreveu:
“Está posta em causa a decisão proferida em 17/01/2017 que, com fundamento no facto de se mostrarem preenchidos os requisitos de que depende o decretamento das providências cautelares, determinou a suspensão da eficácia do acto sindicado, datado de 13/10/2016, que determinou a cessação do exercício da actividade de inspecção de veículos, no centro de inspecção de Oliveira do Bairro, por ter ocorrido a caducidade do respectivo contrato de gestão.
Na óptica do Recorrente tal decisão enferma de erro de julgamento de direito (…)
Cremos que não lhe assiste razão.
Antes, atente-se no discurso jurídico fundamentador da sentença:
(…)
Da aparência do direito:
(…) há que aferir da existência de uma probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal, nos termos e para os efeitos do art. 120.º, n.º 1, do CPTA.
Para efetuar um tal juízo de probabilidade da procedência da pretensão principal, há que convocar – ainda que sumariamente - os vícios que vêm imputados pela Requerente ao ato suspendendo.
(…)
A Requerente sustenta ainda que havia apresentado um pedido de vistoria, não tendo por esse motivo ocorrido a caducidade do contrato em que se fundamenta o ato administrativo suspendendo, o que se reconduz a um vício de violação de lei.
Analisemos a procedência de tal vício.
A Entidade Requerida considerou ter decorrido o prazo de dois anos previsto na al. a) do n.º 4 do art. 9.º da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril, com a redação dada pelo Decreto-lei n.º 26/2013, de 19 de fevereiro, sem que tenha sido apresentado o pedido de aprovação do centro de inspeções em causa, nos termos do art. 14.º do mesmo diploma. Face a tal incumprimento por parte da Requerente, declarou a caducidade do contrato de gestão (ponto 10 do probatório (1)).
Ressuma da conjugação dos documentos produzidos pela Entidade Requerida a este respeito que, no seu entender, as entidades gestoras dos centros de inspeção dispunham de um prazo legal de 2 anos, improrrogável, para implementar os requisitos técnicos a que deviam obedecer os centros de inspeção técnica de veículos, tal como introduzidos pela Portaria n.º 221/2012, de 20 de julho. Decorrido este prazo de 2 anos, o contrato caducaria automaticamente, nos termos do art. 9.º, n.º 4, da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril (cfr. pontos 2, 4 e 6 do probatório (2)).
Para se determinar da legalidade de uma tal interpretação, há que proceder à interpretação conjugada dos citados diplomas legais, ainda que em termos meramente perfunctórios, inerentes à natureza cautelar da presente lide.
Vejamos então.
Em 26 de abril de 2011, foi publicada a Lei n.º 11/2011, que estabeleceu o regime jurídico de acesso e de permanência na atividade de inspeção técnica de veículos a motor e seus reboques e o regime de funcionamento dos centros de inspeção, revogando o anterior regime do Decreto-lei n.º 550/99, de 15 de dezembro.
Nos termos do art. 3.º, n.º 1, deste diploma, “A atividade de inspeção de veículos só pode ser exercida por entidades gestoras que, na sequência de celebração de um contrato administrativo de gestão com o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terresteres, I.P., adquiram o direito ao respetivo exercício, em centros de inspecção aprovados nos termos do artigo 14.º, e em conformidade com o disposto na presente lei.” (assinalado nosso)
No que respeita ao contrato de gestão, a Lei n.º 11/2011, na redação dada pelo Decreto-lei n.º 26/2013, de 19 de fevereiro, estabelece os requisitos de tal contrato (cfr. art. 9.º, n.º 2) e prevê a possibilidade da respetiva cessação por caducidade, nas seguintes situações:
a) Se a entidade gestora não assegurar a aprovação do centro de inspeção, nos termos do artigo 14.º, no prazo de dois anos a contar da celebração do contrato;
b) Se o pedido de acreditação, ou de alterações do âmbito de acreditação, não for concedido no prazo máximo de um ano contado a partir da data de início da atividade de inspeção ou após aprovação de alterações pelo IMTT, I.P., salvo se tal acreditação não for obtida por motivos não imputáveis à entidade gestora.
Por seu turno, o art. 14.º estabelece, no seu n.º 1, que “A aprovação dos centros de inspeção compete ao IMTT, I.P., e depende, nomeadamente, dos seguintes elementos:
a) Vistoria a realizar pelo IMTT, I.P., para verificação do cumprimento dos requisitos referidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º e da execução do projeto constante do contrato de gestão referido na alínea a) do n.º 2 do artigo 9.º;
b) Apresentação de comprovativo, emitido pelo IPAC, I.P., de que estão reunidas as condições documentais para avançar com as fases subsequentes de avaliação do pedido de acreditação.
Mediante um tal pedido de vistoria, o IMTT, I.P. dispõe de 60 dias para efetuar a vistoria solicitada pela entidade gestora. Se esta não for realizada neste prazo, a entidade gestora fica obrigada a entregar termo de responsabilidade no prazo de 15 dias, sob pena de caducidade do contrato (cfr. art. 14.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 11/2011).
Por outro lado, “o acesso e permanência na atividade de inspeção técnica de veículos dependem da verificação das condições de capacidade técnica e de idoneidade da entidade gestora” (cfr. art. 4.º, n.º 1, da Lei n.º 11/2011), sendo a capacidade técnica analisada, quer em função dos recursos humanos, quer em função dos recursos tecnológicos e equipamentos, nos termos definidos em portaria do membro do Governo responsável pelo sector dos transportes (cfr. art. 4.º, n.º 2, da Lei n.º 11/2011).
A este respeito, a lei previa que a sua própria regulamentação fosse efetuada no prazo de 60 dias após a entrada em vigor. Até lá, a lei previa que fossem aplicáveis os anexos I e II da Portaria 1165/2000, de 9 de dezembro (cfr. art. 36.º da Lei n.º 11/2011).
Entretanto, apenas em 20 de julho de 2012 foi publicada a Portaria n.º 221/2012, que estabeleceu os requisitos técnicos nos termos previstos pelo art. 36.º da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril.
Esta portaria estabelece, quanto aos centros de inspeção existentes, que “As entidades que disponham de CITV aprovados, à data da entrada em vigor da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril, que não cumpram os requisitos estabelecidos nos anexos I e II da presente portaria devem, previamente à assinatura do contrato de gestão, promover a aprovação de projeto de alterações e a respetiva calendarização da sua execução, com vista à harmonização e cumprimento dos requisitos estipulados (…).
Nos termos do n.º 2 do art. 10.º, “As entidades gestoras de CITV mencionadas no artigo anterior, dispõe do prazo de um ano, após a publicação da presente portaria, para promover o cumprimento dos requisitos nela estabelecidos (…).
Ora, da concatenação dos dois diplomas que vêm analisados decorrem dois prazos distintos, previstos pelo legislador em simultâneo:
1) O prazo de 2 anos a contar da celebração do contrato para as entidades gestoras assegurarem a aprovação do centro de inspeção (art. 9.º, n.º 4, da Lei n.º 11/2011); e
2) O prazo de 1 ano, a contar da data da publicação da Portaria n.º 221/2012, em 20 de julho de 2012, para as entidades gestoras promoverem o cumprimento dos requisitos estabelecidos em tal portaria.
Tais prazos têm uma natureza substancialmente diferente: o incumprimento do prazo previsto na Lei n.º 11/2011 implica a caducidade automática do contrato, ao passo que o incumprimento do prazo previsto na portaria poderá implicar a aplicação de uma contraordenação (3) ou, eventualmente, de sanções acessórias, por parte da Entidade Requerida.
Na verdade, a Lei n.º 11/2011 estabelece, nos arts. 24.º e seguintes, um regime de fiscalização do cumprimento das obrigações das entidades gestoras. No art. 26.º, n.º 3, encontra-se previsto, como contraordenação, o incumprimento dos deveres a que se refere o art. 8.º, n.º 1 do mesmo diploma, entre os quais se encontra o dever de “cumprir todas as disposições legais, contratuais, regulamentares e técnicas relativas ao exercício da atividade e à inspeção de veículos”.
Assim sendo, pese embora à data do pedido de vistoria efetuado pela Requerente já tivessem decorrido ambos estes prazos (ponto 7 do probatório), não é irrelevante determinar qual o incumprimento que está em causa, para se aferir da legalidade da determinação da caducidade do contrato.
A verdade é que o legislador parece ter dois fitos diferentes, que a Entidade Requerida tratou como se de um só se tratasse: uma coisa é a total falta de aprovação do centro de inspeção no prazo de dois anos a contar da data da celebração do contrato e coisa diferente é a promoção das alterações dos requisitos estabelecidos pela Portaria n.º 221/2012.
(…)
(…) desde já se diga que o prazo gravoso previsto no art. 9.º, n.º 4, não nos parece aplicável ao caso dos autos.
Tal prazo, cuja cominação corresponde à caducidade do contrato, reporta-se às situações em que, após a celebração do contrato, não há lugar a qualquer aprovação do centro de inspeção, pressupondo a total inatividade do centro de inspeção.
É que, nos termos do art. 7.º deste diploma, a atividade de inspeção de veículos só pode ser iniciada após a aprovação do centro de inspeção nos termos do artigo 14.º, com exceção dos centros de inspeção existentes à data da entrada em vigor da presente lei, como resultou sumariamente provado ser o caso da Requerente (cfr. ponto 1 do probatório (4)). De facto, resulta do p.a. que o centro de inspeção se manteve ativo e em funcionamento desde a celebração do contrato, com a conivência da Entidade Requerida, que apenas lhe pretendia impor a aprovação do centro de inspeção de acordo com os requisitos da Portaria 221/2012, de 20 de julho (cfr. ponto 2 do probatório (5)).
Ou seja, na situação dos autos, aquilo que está em causa é o cumprimento, por parte da Requerente, do prazo de que dispunha para se adaptar aos requisitos técnicos introduzidos pela Portaria n.º 212/2012 (cfr. ponto 2, 4 e 6 do probatório (6)).
E, para estas situações, encontra-se legalmente previsto o prazo previsto no art. 10.º, n.º 2, da Portaria 221/2012: as entidades que dispunham de CITV aprovados à data de entrada em vigor da Lei n.º 11/2011 dispunham do prazo de um ano, após a publicação da portaria, para promover o cumprimento dos requisitos nela estabelecidos.
Não faria qualquer sentido que o legislador estabelecesse, para o mesmo facto, dois prazos com durações diferentes e com cominações díspares.
Assim sendo, há que interpretar o prazo de caducidade previsto no art. 9.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 11/2011, de 26 de abril, como um prazo distinto, reportado às situações de total inatividade, em que não está em causa a adaptação aos requisitos técnicos, mas sim a aprovação – ab initio - de um centro de inspeção.
No sentido desta interpretação, veja-se ainda ao disposto no art. 34.º da Lei n.º 11/2011, que estabelece o regime concreto das entidades que já exercessem atividade em centros de inspeção aprovados, à data de entrada em vigor da Lei n.º 11/2011. De acordo com o n.º 1 deste preceito, tais entidades têm o direito de celebrar um contrato de gestão regulado no capítulo III.
Também daqui se depreende a aplicação, a estas entidades, de um regime diferenciado, como é o caso do prazo previsto no art. 10.º da Portaria n.º 221/2012, face ao prazo geral de caducidade do art. 9.º, n.º 4, da Lei n.º 11/2011.
À luz do que vem dito, conclui-se pela probabilidade da procedência do invocado vício de violação de lei, por erro de direito, a formular pela Requerente em sede de ação principal.
(…)
Secundando nós esta leitura, desatende-se o recurso quanto a este segmento.
E o mesmo se diga no que tange ao requisito do fumus boni iuris.
Na verdade, considerando, por um lado, a factualidade que se mostra fixada, na decisão sob escrutínio e, por outro, a ponderação jurídica nela efectuada, temos para nós que se mostra verificado o invocado fumus boni iuris.
A realidade contida na sentença aponta no sentido da ilegalidade do acto impugnado (…) sem prejuízo do facto da respectiva existência pressupor ou demandar uma análise aprofundada da situação, a qual está naturalmente reservada para os autos principais.
E tanto basta para, contrariamente ao pugnado pelo aqui Recorrente, na sua peça processual - alegações - se concluir pela verificação do requisito da aparência do bom direito, enunciado no nº 1 do artº 120º do CPTA, razão pela qual o Tribunal recorrido entendeu, e quanto a nós, bem, pela sua presença.” (sublinhados nossos).

Do exposto resulta, num juízo sumário e perfunctório, a provável procedência do vício de violação de lei alegado no requerimento inicial.

Nestes termos, tem de concluir-se que a sentença ora sindicada enferma de erro de julgamento ao ter indeferido a providência cautelar requerida por falta de verificação do requisito relativo ao fumus boni iuris, razão pela qual deverá ser revogada.

A procedência do presente recurso, implica, face ao estatuído no art. 149º n.º 2, do CPTA, que este tribunal conheça, em substituição, dos requisitos de decretamento da providência cautelar que não foram conhecidos pelo tribunal recorrido, por a sua apreciação ter ficado prejudicada pela solução que deu ao litígio.


Passando à apreciação, em substituição, dos requisitos de decretamento da providência cautelar que não foram conhecidos pelo tribunal recorrido

Cumpre, então, analisar, em substituição, o requisito relativo ao periculum in mora (previsto no art. 120º n.º 1, 1ª parte, do CPTA) e, caso o mesmo se mostre preenchido, também haverá que conhecer do requisito relativo à proporcionalidade (previsto no art. 120º n.º 2, do CPTA).

As providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia (facto consumado) ou parte dela (prejuízos de difícil reparação).

Assim, o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista o fundado receio de que, quando o processo principal terminar, a decisão (futura e hipotética) de procedência que nele venha a ser proferida já não venha a tempo de dar resposta cabal ao litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil – por se revelar impossível a reintegração específica da esfera jurídica do requerente, tendo por referência a situação jurídica e de facto para ele existente no momento da respectiva lesão -, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis – danos que, embora susceptíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela insuficiente para repor a esfera jurídica do requerente.

Dito por outras palavras, interessará apurar se, nas circunstâncias do caso concreto, existe ou não um perigo sério e credível de infrutuosidade de uma futura sentença definitiva de provimento a proferir no processo principal, traduzido na impossibilidade ou na extrema dificuldade na execução concreta dos efeitos dessa sentença, isto é, de realização efectiva dos interesses defendidos no processo principal.

Este requisito do periculum in mora encontra-se no caso vertente preenchido, pelas razões invocadas no Ac. do TCA Norte de 9.6.2017, proc. n.º 1060/16.8 BEAVR, acima citado, as quais se passam a transcrever:
“Antes, atente-se no discurso jurídico fundamentador da sentença:
(…)
Do periculum in mora:
(…)
Ora, tendo presentes tais ensinamentos, há que ter em conta que está em causa, nos presentes autos, o ato de encerramento de um centro de inspeção. Alega a Requerente que, caso não seja deferida a suspensão do ato, terá de proceder a medidas várias, como seja à resolução de contratos e à rentabilização do espaço, o que poderá tornar até inviável a reabertura após a prolação da sentença.
É certo que a Requerente não individualiza os exatos prejuízos que prevê sofrer, designadamente quantificando lucros que deixará de auferir. Contudo, o próprio conteúdo do ato suspendendo, por determinar a cessação de toda a atividade do centro de inspeção, comporta consequências fácticas de relevo.
É que, ainda que se admita que o centro de inspeção possa vir a recuperar a clientela que perdeu temporariamente perante um desfecho favorável da ação principal, a verdade é que o encerramento em causa, em si, representa uma situação de difícil restauração natural, na medida em que se afigura razoável que a rutura do desenvolvimento da atividade possa, fundadamente, comprometer um seu reatamento tardio.
Na verdade, num juízo de prognose, revela-se justificado o receio de que um centro de inspeção, com uma regulamentação técnica complexa e em constante complexificação - como resulta do acervo legislativo carreado aos presentes autos – depois de encerrar portas durante um período mais ou menos extenso, com a inerente quebra dos vínculos contratuais que detém à data, não possa simplesmente reiniciar a sua atividade com a prolação da decisão da ação principal, quando esta sobrevier.
Ou seja, perante um encerramento definitivo, afigura-se efetivamente fundado o receio de que os interesses a acautelar em sede de ação principal – através da anulação do ato - não venham mais a ser repostos, em virtude de a situação não ser já passível de retorno no plano fáctico.
Em sentido semelhante, pese embora a propósito do encerramento de um estabelecimento comercial, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.02.2007, proc. n.º 01820/06.8BEPRT, e de 15.03.2007, proc. n.º 01836/06.1BEPRT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Donde há que concluir que, in casu, a execução do ato suspendendo põe em causa a utilidade da sentença a proferir no processo principal.
Assim, à luz do que vem dito, há que concluir que se encontra verificado, nos presentes autos, o requisito do “periculum in mora” previsto no art.º 120.º, n.º 1, do CPTA.
(…)
Voltando ao caso em concreto, constata-se que, na sentença recorrida, a Senhora Juíza concluiu pela verificação do periculum in mora, por entender que a não concessão da requerida providência cautelar iria acarretar uma situação de facto consumado na esfera jurídica do Recorrido, usando, para tanto, de presunções naturais que emanam da experiência da vida e da natureza das coisas.
Assim não o entende o ora Recorrente, esgrimindo as razões que, na sua perspectiva, indiciam a existência de um erro de julgamento na aplicação do direito.
Deste modo, há que questionar se a execução do ato suspendendo produzirá, efetivamente, uma situação de facto consumado para os interesses que a Recorrida pretende ver reconhecidos no processo principal.
Ora, centrando agora a nossa análise no caso sub judice, é seguro que a situação em apreço é de molde a configurar uma situação de facto consumado.
Com efeito, se acaso não fosse decretada a presente providência cautelar, a situação de facto e de direito não poderia ser totalmente reintegrada, ou seja, não poderia regressar ao estado anterior ao da prolação do referido ato.
Na verdade, basta atentar nos danos irreversíveis que o encerramento de um centro de inspeção originará, mormente, na resolução de contratos, alienação de equipamentos, na perda de clientela, no despedimento de trabalhadores, etc., para concluir que seria de todo inviável recuperar o status quo ante.
Em suma, efetuando um juízo de prognose, é lícito concluir que a factualidade apurada inspira o fundado receio de que, se for recusada a providência de suspensão de eficácia da identificada decisão administrativa, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração no plano dos factos da situação conforme à legalidade, e, do mesmo passo, que os danos entretanto produzidos pudessem sequer ser objeto de reparação pecuniária.- vide o parecer da Senhora PGA.
Secundando nós esta leitura, desatende-se o recurso quanto a este segmento.”.

Assim sendo, tem de concluir-se no sentido do preenchimento do requisito relativo ao periculum in mora no caso em apreciação.

Finalmente, e no que respeita ao requisito da proporcionalidade, dispõe o art. 120º n.º 2, do CPTA, que o juiz deve recusar a providência cautelar requerida “quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.”.

Relativamente a esta ponderação dos interesses públicos e privados em presença, e como acima se concluiu, a não atribuição da providência terá consequências – gravemente - danosas para a recorrente, pois criará uma situação de facto consumado para os interesses que a mesma pretende ver reconhecidos no processo principal

Além disso, o prejuízo - ao interesse público - resultante da concessão desta providência não se mostra superior ao dano que se pretende evitar com a decretação da providência, que é a ponderação que importa fazer nesta sede.

Com efeito, e conforme se escreveu a este propósito no Ac. do TCA Norte de 9.6.2017, proc. n.º 1060/16.8 BEAVR, que se vem citando:
“Antes, atente-se no discurso jurídico fundamentador da sentença:
(…)
Cumpre então aferir se a providência deve ser recusada ao abrigo do disposto no art. 120.º, n.º 2, pelo facto de, ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da concessão da providência se mostrarem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
No que respeita aos interesses privados em presença, estes traduzem-se em interesses sobretudo económicos, de exploração do centro cuja cessação de atividade vem determinada pela Entidade Requerida.
No que respeita aos interesses públicos em presença, cumpre ter presente que o decretamento da presente providência não põe em causa, de modo algum, a prossecução das atribuições da Entidade Requerida.
Na verdade, o ato em causa nos presentes autos tem por conteúdo a declaração da caducidade do contrato de gestão. Assim, a sua suspensão – e mesmo a sua anulação – embora pondo em causa a caducidade automática do contrato, não obsta ao exercício normal das competências da Entidade Requerida, em que se inclui, naturalmente, a fiscalização do cumprimento do regime jurídico aplicável aos centros de gestão, com a aplicação das medidas cautelares e das sanções devidas, nos termos legais (cfr. arts. 24.º e ss da Lei n.º 11/2011).
Assim sendo, uma vez que o interesse público em causa nos presentes autos não assume uma relevância preponderante, considero que a ponderação dos interesses públicos e privados em causa não implicam a recusa da providência.
(…)
Dir-se-á, ainda, quanto à alegada inverificação, no caso posto, do requisito negativo de deferimento das providências cautelares, assente numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e privados), que também não podemos atender a óptica do Recorrente.
É que, a apreciação do requisito negativo enunciado no nº 2 do artº 120º não se traduz num juízo de ponderação entre o interesse público e o interesse privado, visto que o que releva são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos sejam eles públicos ou privados.
Os índices dos interesses públicos que impõem a eficácia ou execução imediata do acto e danos daí derivados decorrentes da concessão da providência suspendenda têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos e nas razões invocadas.
(…)
Sucede que, sobre esta questão da proporcionalidade ou adequação dos efeitos da decisão de concessão da providência, o Tribunal a quo emitiu o seguinte juízo: “(…) o ato em causa nos presentes autos tem por conteúdo a declaração da caducidade do contrato de gestão. Assim, a sua suspensão - e mesmo a sua anulação - embora pondo em causa a caducidade automática do contrato, não obsta ao exercício normal das competências da Entidade Requerida, em que se inclui, naturalmente, a fiscalização do cumprimento do regime jurídico aplicável aos centros de gestão com aplicação das medidas cautelares e das sanções devidas, nos termos legais (cfr. arts. 24.º e ss. da Lei n.º 11/2011).
Assim sendo, uma vez que o interesse público em causa nos presentes autos não assume uma relevância preponderante, considero que a ponderação dos interesses públicos e privados em causa não implicam a recusa da providência. (...)”.
Esta fundamentação não nos merece reparo, pelo que a adoptamos.
E, assim sendo, o presente recurso está votado ao insucesso.”.

Conclui-se, assim, que a concessão da providência requerida, ou seja, o não encerramento do centro de inspecção de Ponte de Lima, por mais algum tempo – até que seja proferida decisão final na acção principal –, não provocará danos superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, o que implica o preenchimento do requisito relativo à proporcionalidade.

Do exposto resulta que deve ser julgado procedente o pedido cautelar e, em consequência, suspensa a eficácia da deliberação de 2.11.2016, no segmento respeitante ao centro de inspecção de Ponte de Lima.
*
Uma vez que a recorrente ficou vencida no recurso jurisdicional interposto do despacho de 6.2.2017, deverá suportar as respectivas custas (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

Tendo o recorrido ficado vencido no processo cautelar, deverá suportar as respectivas custas, em ambas as instâncias (cfr. art. 527º n.ºs 1 e 2, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA).

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Negar provimento ao recurso jurisdicional interposto do despacho de 6.2.2017, e, em consequência, manter tal despacho.
IIa) Julgar procedente o recurso jurisdicional interposto da sentença de 2.3.2017 e, em consequência, revogar tal decisão.

b) Em substituição, julgar procedente o presente pedido cautelar e, consequentemente, suspender a eficácia da deliberação de 2.11.2016, no segmento respeitante ao centro de inspecção de Ponte de Lima.

III – a) Condenar a recorrente nas custas relativas ao recurso jurisdicional interposto do despacho de 6.2.2017.
b) Condenar o recorrido nas custas relativas ao presente processo cautelar, em ambas as instâncias.
IV – Registe e notifique.

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Lisboa, 10 de Agosto de 2017



_________________________________________
(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)


_________________________________________
(Paulo Pereira Gouveia)


_________________________________________
(Ana Pinhol)



(1)In casu alínea b), dos factos provados, na qual se encontra descrita a deliberação suspendenda de 2.11.2016.
(2) No caso sub judice cfr. alíneas e) e f), dos factos assentes.
(3) Ou a resolução do contrato, a qual não é automática, pois é sempre precedida da concessão de um prazo de 30 dias para que cesse o incumprimento – cfr. art. 12º n.ºs 1, al. c), 2 e 3, da Lei 11/2011.
(4) No caso em apreciação cfr. alíneas a) a c), dos factos assentes.
(5) In casu cfr. alínea e), dos factos provados.
(6) No caso em análise cfr. alíneas e) e f), dos factos assentes.