Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:793/17.6BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:08/10/2017
Relator:CATARINA JARMELA
Descritores:ARTIGO 13º N.º 1, 2º PARÁGRAFO, DO REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013
TOMADA A CARGO
Sumário:I - Para se calcular o termo do prazo de 12 meses após a passagem ilegal da fronteira, previsto no art. 13º n.º 1, 2º parágrafo, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, releva a data em que é apresentado pela primeira vez o pedido de protecção internacional, atento o estatuído no art. 7º n.º 2, desse Regulamento (UE) n.º 604/2013.

II – Tendo sido determinada a transferência do recorrente para Espanha, por este país ser responsável pela análise do pedido de protecção internacional, é tal pedido inadmissível (cfr. art. 19º-A n.º 1, al. a), da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014), pelo que, conforme decorre do n.º 2 do art. 19º-A, da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, fica prejudicada a apreciação do mérito do pedido de protecção internacional pelas autoridades nacionais, tendo em conta que é outro Estado-Membro (in casu Espanha) o responsável pela tomada a cargo do requerente (isto é, pela análise de tal pedido).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
I – RELATÓRIO
Arouna …………. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa – tramitada como intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - contra o Ministério da Administração Interna, na qual peticionou a invalidação do despacho da Directora Nacional do SEF de 25.11.2016, bem como a condenação do réu a prosseguir o procedimento de protecção internacional.

Por sentença de 17 de Maio de 2017 do referido tribunal foi a presente acção julgada improcedente e, em consequência, absolvido o réu do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:
“1. O acto administrativo não se mostra suficientemente fundamentado e acompanhado das indicações de prazo relativas à eventual execução da transferência, como se impõe, por força do disposto nos artigos 19°, nº 2 e 20°, nº 1 alínea e) do REG. 343/2003 do Conselho, o que faz com que o mesmo se encontre eivado de vício de forma;
2. O acto impugnado enferma igualmente de erro de facto nos pressupostos da decisão, sendo certo que face às informações carreadas para a procedimento administrativo deveria a autoridade decidenda assumir a responsabilidade pela análise desse pedido.
3. Assim não procedendo, o acto assentou em pressupostos de facto não fundados em elementos probatórios objectivos e seguros mas antes em factos errados o que consubstancia vício de erro sobre os pressupostos de facto;
4. Entre a apresentação do pedido e a data da decisão, decorreram mais de doze meses;
5. O Recorrente ficou sem saber as razões de facto que fundamentaram a decisão;
6. O acto em crise não determinou, em primeiro lugar se o Recorrente preenchia ou não as condições para beneficiar do estatuto de refugiado em em caso negativo, se era elegível para proteção subsidiária;
7. Ao decidor como decidiu, a douta decisão em crise violou, por errada interpretação, os artigos 37° da Lei nº 27/2008, 13° do Reg. 604/13, do Conselho, de 26 de Junho, os artigos 10°, nº 2, 18°, 19º e 19ª da referida Lei e o artigo 152° do CPA.
TERMOS EM QUE
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a douta decisão recorrida.”.

O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte factualidade:
«A) Em 6/10/2015, o requerente apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional, que viria a formar o Processo nº 1769/16, cfr. doc. 1, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
B) Em 7/11/2016, o requerente prestou declarações, cfr. doc. 2, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) Em 14/11/2016, prestou esclarecimentos e correcções aos factos essenciais do seu pedido de protecção internacional, cfr. doc. 3, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Nas declarações prestadas o requerente refere que partiu do Burkin Faso, atravessou de camião o Mali, Argélia e Marrocos e, dali, foi para Ceuta, onde chegou em Abril de 2016 e esteve num centro de acolhimento, tendo sido enviado para Madrid onde permaneceu uma semana e daí viajou para Lisboa em autocarro.
E) Em 16/11/2016, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades espanholas, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
F) Em 22/11/2016, as autoridades espanholas aceitaram o pedido de retoma a cargo, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
G) Em 25/11/2016, o Director Nacional Adjunto do SEF (1), considerou o pedido de protecção internacional inadmissível e determinou a transferência do requerente para Espanha, com base na informação nº 2420/GAR/2015, do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
H) Em 2/12/2016, o requerente foi notificado da decisão que antecede, cfr. doc. 5, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.».

Face ao disposto no art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10), procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos:
- O facto A) é substituído pelo seguinte facto:
A) Em 6/10/2016, o requerente apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional que viria a formar o Processo nº 1769/16 [na sentença recorrida consignou-se que o pedido ora em causa foi formulado no ano de 2015, mas o mesmo foi formulado em 2016, conforme decorre dos documentos de fls. 15, destes autos em suporte de papel, e fls. 1, 2, 3, 5 e 15, do processo administrativo, sendo certo que a menção ao ano de 2015, no documento de fls. 14, destes autos em suporte de papel/fls. 6, do processo administrativo, decorre de mero lapso, pois o requerente - de acordo com as declarações que prestou em 7.11.2016 - chegou a Ceuta em Abril de 2016 (o que está de acordo com a folha do Eurodac que consta de fls. 4, do processo administrativo, da qual resulta que o recorrente foi detido em Espanha em 27.4.2016), onde permaneceu num centro de acolhimento cinco meses, após foi enviado para um centro em Madrid, onde permaneceu uma semana, e, de seguida, viajou para Lisboa, onde formulou o pedido de protecção internacional, pelo que tal pedido nunca podia ter sido apresentado em 2015].
- O facto E) é substituído pelo seguinte facto:
E) Em 16/11/2016, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de tomada a cargo do requerente às autoridades espanholas, nos termos constante de fls. 20 a 27, do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [na sentença recorrida consignou-se erradamente pedido de “retoma a cargo” (sublinhado nosso), quando se devia ter consignado pedido de “tomada a cargo” – cfr. fls. 20, 21, 23 e 27, do processo administrativo].
- O facto F) é substituído pelo seguinte facto:
F) Em 22/11/2016, as autoridades espanholas aceitaram o pedido de tomada a cargo, nos termos constantes de fls. 33, do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [na sentença recorrida consignou-se erradamente aceitação do pedido de “retoma a cargo” (sublinhado nosso), quando se devia ter consignado aceitação do pedido de “tomada a cargo” – cfr. fls. 33, conjugada com fls. 20, 21, 23 e 27, do processo administrativo].
*
Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

O recorrente começa por invocar que o acto impugnado, de 25.11.2016 – que determinou a inadmissibilidade do pedido de protecção internacional, face à transferência do ora recorrente para Espanha (país responsável pela análise desse pedido), aí também determinada -, padece de vício de forma, pois não se mostra acompanhado das indicações sobre os prazos para a eventual execução da transferência, como se impõe, por força do disposto nos arts. 19° nº 2 e 20° nº 1, al. e), do Regulamento 343/2003 do Conselho, alegação que se consubstancia numa questão nova, não apreciada nos autos, e como tal insusceptível de ser conhecida por este Tribunal de recurso.

Com efeito, os recursos, naturalmente e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, têm por objecto a reapreciação de decisões anteriores - visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decisão de questões que não foram anteriormente suscitadas.

Nestes termos, esta questão (alegação deste novo vício) está subtraída do conhecimento deste tribunal de recurso, pois não foi alegada em 1ª instância, nem o recorrido deu o acordo ao seu conhecimento (cfr. art. 264º, do CPC de 2013), não integrando o objecto da sentença recorrida e, consequentemente, o objecto do recurso - neste sentido, Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª Edição, 2014, pág. 420 [«Não pode, porém, ser interposto recurso sobre matéria que não tenha sido objeto da decisão recorrida./Os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo lícito invocar nos mesmos questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas nem devendo conhecer-se, neles, de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.»], João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, Recursos e Acção Executiva, III Vol., pág. 29, Ac. do STA de 27.4.2016, proc. n.º 288/15 [“I - Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”], Acs. do STJ de 7.7.2016, proc. n.º 156/12.0 TTCSC.L1.S1 [“I – Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.”], e 14.5.2015, proc. n.º 2428/09.1 TTLSB.L1.S1 [“1. Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas”], e Ac. do TCA Sul de 22.9.2016, proc. n.º 13594/16 [“i) Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”].

As questões a apreciar resumem-se, assim, em determinar se a sentença recorrida incorreu em erro ao ter julgado improcedentes os seguintes três vícios imputados ao acto impugnado:
1) - falta de fundamentação de facto;
- erro sobre os pressupostos:
2) – por ter determinado a transferência do recorrente para Espanha;
3) – por não ter apreciado o pedido de protecção internacional [cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas].

Passando à análise de cada um destes vícios, a fim de se determinar se a sentença recorrida enferma de erro.

1)
Refere o recorrente que o acto impugnado, ao ter determinado a sua transferência para Espanha, por considerar este Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional que apresentou, não explica as razões de facto para tal entendimento, ou seja, padece de falta de fundamentação de facto, salientando que a sentença recorrida ao ter julgado improcedente este vício violou o art. 152º, do CPA de 2015, mas sem razão, conforme se passa a explicitar.

A fundamentação comporta, de acordo com o disposto no art. 153º n.º 1, do CPA de 2015, dois níveis de substanciação: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, ou seja, a factualidade subjacente à decisão e os fundamentos jurídico-normativos em que repousa a valoração dessa factualidade.

No caso sub judice o acto impugnado, no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, assentou no conteúdo da informação n.º 2420/GAR/2015 e esta última teve em conta nomeadamente o teor do pedido de tomada a cargo apresentado em 16.11.2016 às autoridades espanholas, ou seja, a fundamentação do acto impugnado, no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, traduz-se numa fundamentação por remissão, legalmente permitida pelo n.º 1 do art. 153º, do CPA de 2015, acolhendo e fazendo sua a informação n.º 2420/GAR/2015, a qual por sua vez absorve o teor do pedido de tomada a cargo apresentado em 16.11.2016.

Nestes temos, e a fim de se determinar se o acto impugnado – no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, por considerar este Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional - padece do vício de falta de fundamentação de facto, cumpre apurar se a informação n.º 2420/GAR/2015 e o pedido de tomada a cargo apresentado em 16.11.2016 estão suficientemente fundamentados em termos fácticos.

Ora, dessa informação e deste pedido resulta que foi determinada a transferência do recorrente para Espanha pelas seguintes razões:
- o recorrente entrou em território espanhol (Ceuta) em Abril de 2016 – permanecendo durante 5 meses em Ceuta num centro de acolhimento, após foi transferido para Madrid e em Outubro de 2016 comprou um bilhete de autocarro para Lisboa -, vindo de Marrocos, sem documento de identificação;
- o recorrente formulou um pedido de protecção internacional em Portugal em 6.10.2016;
- em 16.11.2016 Portugal apresentou um pedido de tomada a cargo do recorrente às autoridades espanholas, ao abrigo do art. 13º n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013;
- em 22.11.2016 as autoridades espanholas aceitaram o pedido de tomada a cargo.

Ora, um destinatário normal, colocado perante estas razões, percebe a factualidade que sustentou a decisão de transferir o recorrente para Espanha.

Nestes termos, conclui-se que o acto impugnado, no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, encontra-se suficientemente fundamentado em termos fácticos, razão pela qual tem de improceder nesta parte o presente recurso jurisdicional.

2)
Alega o recorrente que o acto impugnado errou ao ter determinado a sua transferência para Espanha – por já terem decorrido mais de doze meses - e que a sentença recorrida ao ter julgado improcedente este vício violou o art. 37º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, e o art. 13º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, mas falece-lhe a razão, pelas razões a seguir enunciadas.

Estatui o art. 37º n.º 1, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, o seguinte:
Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo.”.


Por sua vez relevam para a decisão os seguintes normativos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013:
- Art. 3º n.º 1:
Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.”.
- Art. 7º n.º 2, inserido no Capítulo III (o qual tem a seguinte epígrafe: “Critérios de determinação do Estado-Membro responsável”):
A determinação do Estado-Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no presente capítulo é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado-Membro.”,
- Art. 13º n.º 1, inserido no Capítulo III:
Caso se comprove, com base nos elementos de prova ou nos indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.º, n.º 3, do presente regulamento, incluindo os dados referidos no Regulamento (UE) n.º 603/2013, que o requerente de asilo atravessou ilegalmente a fronteira de um Estado-Membro por via terrestre, marítima ou aérea e que entrou nesse Estado-Membro a partir de um país terceiro, esse Estado-Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional. Essa responsabilidade cessa 12 meses após a data em que teve lugar a passagem ilegal da fronteira.”;
- Art. 18º n.º 1:
O Estado-Membro responsável por força do presente regulamento é obrigado a:

a) Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.º, 22.º e 29.º, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro;”.
- Art. 22º:
1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e delibera sobre o pedido, para efeitos de tomada a cargo dum requerente, no prazo de dois meses a contar da data de receção do pedido.
(…)
7. A ausência de resposta no termo do prazo de dois meses mencionado no n.º 1 e de um mês, previsto no n.º 6, equivale à aceitação do pedido e tem como consequência a obrigação de tomada a carga da pessoa, incluindo a obrigação de tomar as providências adequadas para a sua chegada.”.
- Art. 29º n.º 1:
A transferência do requerente ou de outra pessoa referida no artigo 18.º , n.º 1, alíneas c) ou d), do Estado-Membro requerente para o Estado-Membro responsável efetua-se em conformidade com o direito nacional do Estado-Membro requerente, após concertação entre os Estados-Membros envolvidos, logo que seja materialmente possível e, o mais tardar, no prazo de seis meses a contar da aceitação do pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa por outro Estado-Membro ou da decisão final sobre o recurso ou revisão, nos casos em que exista efeito suspensivo nos termos do artigo 27.º , n.º 3.”;
- E art. 42º:
Os prazos previstos no presente regulamento são calculados do seguinte modo:
a) Se um prazo fixado em dias, semanas ou meses começar a correr a partir do momento em que ocorre um evento ou se pratica um ato, na sua contagem não se inclui o dia em que esse evento ou ato tem lugar;
b) Um prazo, fixado em semanas ou meses, termina no fim do dia que, na última semana ou no último mês, tenha a mesma denominação ou o mesmo número que o dia em que ocorreu o evento, ou em que se praticou o ato a partir dos quais se deve contar o prazo. Se, num prazo fixado em meses, o dia determinado para o seu termo não existir no último mês, o prazo termina no fim do seu último dia;
c) Os prazos incluem os sábados, os domingos e os feriados oficiais dos Estados-Membros em causa.”.

Retomando o caso vertente verifica-se que se encontra apurado que:
- o recorrente atravessou ilegalmente a fronteira de Espanha, entrando neste Estado-Membro a partir de um país terceiro (Marrocos), em Abril de 2016;
- o recorrente formulou pedido de protecção internacional em Portugal em 6.10.2016;
- Portugal formulou um pedido de tomada a cargo às autoridades espanholas em 16.11.2016, ao abrigo do art. 13º n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 604/2013;
- Espanha aceitou o pedido de tomada a cargo efectuado por Portugal em 22.11.2016.

Assim sendo, e atento o disposto nos normativos supra transcritos, conclui-se que a Espanha é o país responsável pela análise do pedido de protecção internacional, pois o prazo de 12 meses (previsto no art. 13º n.º 1, 2º parágrafo, do Regulamento (UE) n.º 604/2013) após a passagem ilegal da fronteira (ocorrida em Abril de 2016) não tinha expirado na data em que o recorrente apresentou o pedido de protecção internacional em Portugal (Outubro de 2016), e sendo certo que para se calcular o termo desse prazo releva a data em que é apresentado pela primeira vez o pedido de protecção internacional (cfr. art. 13º n.º 1, 2º parágrafo, conjugado com o art. 7º n.º 2, ambos do Regulamento (UE) n.º 604/2013).

Efectivamente, e conforme se escreveu no recentíssimo acórdão do TJUE de 26.7.2017, proc. C-490/16:
52 Em primeiro lugar, quanto ao prazo previsto no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento Dublim III, importa salientar que o artigo 7.°, n.° 2, deste precisa que a determinação do EstadoMembro responsável em aplicação dos critérios enunciados no capítulo III deste regulamento é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um EstadoMembro.
53 Portanto, o último período do artigo 13.°, n.° 1, do referido regulamento deve ser interpretado no sentido de que implica que o EstadoMembro cuja fronteira tenha sido atravessada ilegalmente por um nacional de um país terceiro já não poderá ser considerado responsável, com fundamento nesta disposição, se o prazo de 12 meses após a passagem ilegal já tiver expirado na data em que o requerente apresentou o seu pedido de proteção internacional pela primeira vez num EstadoMembro.”.

Nestes termos, tem de improceder igualmente nesta parte o presente recurso jurisdicional.

3)
Invoca o recorrente que o acto impugnado errou ao não ter apreciado o pedido de protecção internacional e que a sentença recorrida ao ter julgado improcedente este vício violou os arts. 10º n.º 2, 18º, 19º e 19º-A, todos da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, mas sem razão.

Com efeito, tendo sido determinada a transferência do recorrente para Espanha, por este país ser responsável pela análise do pedido de protecção internacional, é tal pedido inadmissível (cfr. art. 19º-A n.º 1, al. a), da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014), tal como foi considerado no acto impugnado [no qual se consignou designadamente o seguinte: “De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º-A e no n.º 2 do artigo 37º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei 26/2014, de 05 de Maio, com base na informação n.º 2420/GAR/2015 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como AROUNA ...................., nacional do BURKINA FASO, inadmissível].

Ora, sendo o pedido de protecção internacional inadmissível, e conforme estatui o n.º 2 do art. 19º-A, da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, “(…) prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, isto é, fica prejudicada a apreciação do mérito do pedido de protecção internacional pelas autoridades nacionais, tendo em conta que é outro Estado-Membro (in casu Espanha) o responsável pela tomada a cargo do requerente (isto é, pela análise de tal pedido), pelo que o acto impugnado não pode padecer de qualquer vício relacionado com a falta de apreciação das razões em que assentou o pedido de protecção internacional - neste sentido, entre outros, Acs. do TCA Sul de 29.8.2014, proc. n.º 11359/14, e 23.8.2012, proc. n.º 8967/12, e Ac. do TCA Norte de 27.1.2017, proc. n.º 643/16.0BEPRT.

Assim sendo, tem de improceder também nesta parte o presente recurso jurisdicional.

Do exposto resulta que a decisão recorrida não incorreu em erro ao julgar improcedente a presente acção, razão pela qual deverá ser negado provimento ao presente recurso.

*
Não há lugar à condenação em custas, atenta a isenção de custas prevista no art. 84º, da Lei 27/2008, de 30/6 (cfr. Ac. do STA de 17.11.2016, proc. n.º 408/16).
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:
I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a sentença recorrida.
II – Sem custas.
III – Registe e notifique.
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Lisboa, 10 de Agosto de 2017



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(Catarina Gonçalves Jarmela - relatora)


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(Paulo Pereira Gouveia)


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(Ana Pinhol)


(1) Por lapso refere-se que o autor do acto foi o Director Nacional Adjunto do SEF quando na realidade foi a Directora Nacional do SEF – cfr. documento de fls. 22, destes autos em suporte de papel, e fls. 38, do processo administrativo.