Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 793/17.6BELSB |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 08/10/2017 |
Relator: | CATARINA JARMELA |
Descritores: | ARTIGO 13º N.º 1, 2º PARÁGRAFO, DO REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 TOMADA A CARGO |
Sumário: | I - Para se calcular o termo do prazo de 12 meses após a passagem ilegal da fronteira, previsto no art. 13º n.º 1, 2º parágrafo, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, releva a data em que é apresentado pela primeira vez o pedido de protecção internacional, atento o estatuído no art. 7º n.º 2, desse Regulamento (UE) n.º 604/2013. II – Tendo sido determinada a transferência do recorrente para Espanha, por este país ser responsável pela análise do pedido de protecção internacional, é tal pedido inadmissível (cfr. art. 19º-A n.º 1, al. a), da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014), pelo que, conforme decorre do n.º 2 do art. 19º-A, da Lei 27/2008, na redacção da Lei 26/2014, fica prejudicada a apreciação do mérito do pedido de protecção internacional pelas autoridades nacionais, tendo em conta que é outro Estado-Membro (in casu Espanha) o responsável pela tomada a cargo do requerente (isto é, pela análise de tal pedido). |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | * I – RELATÓRIO Arouna …………. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente acção administrativa – tramitada como intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - contra o Ministério da Administração Interna, na qual peticionou a invalidação do despacho da Directora Nacional do SEF de 25.11.2016, bem como a condenação do réu a prosseguir o procedimento de protecção internacional.Por sentença de 17 de Maio de 2017 do referido tribunal foi a presente acção julgada improcedente e, em consequência, absolvido o réu do pedido. Inconformado, o autor interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões: “1. O acto administrativo não se mostra suficientemente fundamentado e acompanhado das indicações de prazo relativas à eventual execução da transferência, como se impõe, por força do disposto nos artigos 19°, nº 2 e 20°, nº 1 alínea e) do REG. 343/2003 do Conselho, o que faz com que o mesmo se encontre eivado de vício de forma; 2. O acto impugnado enferma igualmente de erro de facto nos pressupostos da decisão, sendo certo que face às informações carreadas para a procedimento administrativo deveria a autoridade decidenda assumir a responsabilidade pela análise desse pedido. 3. Assim não procedendo, o acto assentou em pressupostos de facto não fundados em elementos probatórios objectivos e seguros mas antes em factos errados o que consubstancia vício de erro sobre os pressupostos de facto; 4. Entre a apresentação do pedido e a data da decisão, decorreram mais de doze meses; 5. O Recorrente ficou sem saber as razões de facto que fundamentaram a decisão; 6. O acto em crise não determinou, em primeiro lugar se o Recorrente preenchia ou não as condições para beneficiar do estatuto de refugiado em em caso negativo, se era elegível para proteção subsidiária; 7. Ao decidor como decidiu, a douta decisão em crise violou, por errada interpretação, os artigos 37° da Lei nº 27/2008, 13° do Reg. 604/13, do Conselho, de 26 de Junho, os artigos 10°, nº 2, 18°, 19º e 19ª da referida Lei e o artigo 152° do CPA. TERMOS EM QUE Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada a douta decisão recorrida.”. O Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, posicionamento esse que, objecto de contraditório, não mereceu qualquer resposta. II - FUNDAMENTAÇÃO Na decisão recorrida foi dada como assente a seguinte factualidade:«A) Em 6/10/2015, o requerente apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional, que viria a formar o Processo nº 1769/16, cfr. doc. 1, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. B) Em 7/11/2016, o requerente prestou declarações, cfr. doc. 2, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. C) Em 14/11/2016, prestou esclarecimentos e correcções aos factos essenciais do seu pedido de protecção internacional, cfr. doc. 3, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido. D) Nas declarações prestadas o requerente refere que partiu do Burkin Faso, atravessou de camião o Mali, Argélia e Marrocos e, dali, foi para Ceuta, onde chegou em Abril de 2016 e esteve num centro de acolhimento, tendo sido enviado para Madrid onde permaneceu uma semana e daí viajou para Lisboa em autocarro. E) Em 16/11/2016, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do requerente às autoridades espanholas, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. F) Em 22/11/2016, as autoridades espanholas aceitaram o pedido de retoma a cargo, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. G) Em 25/11/2016, o Director Nacional Adjunto do SEF (1), considerou o pedido de protecção internacional inadmissível e determinou a transferência do requerente para Espanha, com base na informação nº 2420/GAR/2015, do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, cfr. processo administrativo, apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. H) Em 2/12/2016, o requerente foi notificado da decisão que antecede, cfr. doc. 5, junto com o r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.». Face ao disposto no art. 662º n.º 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140º n.º 3, do CPTA (na redacção dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10), procede-se à alteração da factualidade dada como provada nos seguintes termos: - O facto A) é substituído pelo seguinte facto: A) Em 6/10/2016, o requerente apresentou junto dos serviços do SEF um pedido de protecção internacional que viria a formar o Processo nº 1769/16 [na sentença recorrida consignou-se que o pedido ora em causa foi formulado no ano de 2015, mas o mesmo foi formulado em 2016, conforme decorre dos documentos de fls. 15, destes autos em suporte de papel, e fls. 1, 2, 3, 5 e 15, do processo administrativo, sendo certo que a menção ao ano de 2015, no documento de fls. 14, destes autos em suporte de papel/fls. 6, do processo administrativo, decorre de mero lapso, pois o requerente - de acordo com as declarações que prestou em 7.11.2016 - chegou a Ceuta em Abril de 2016 (o que está de acordo com a folha do Eurodac que consta de fls. 4, do processo administrativo, da qual resulta que o recorrente foi detido em Espanha em 27.4.2016), onde permaneceu num centro de acolhimento cinco meses, após foi enviado para um centro em Madrid, onde permaneceu uma semana, e, de seguida, viajou para Lisboa, onde formulou o pedido de protecção internacional, pelo que tal pedido nunca podia ter sido apresentado em 2015]. - O facto E) é substituído pelo seguinte facto: E) Em 16/11/2016, o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de tomada a cargo do requerente às autoridades espanholas, nos termos constante de fls. 20 a 27, do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [na sentença recorrida consignou-se erradamente pedido de “retoma a cargo” (sublinhado nosso), quando se devia ter consignado pedido de “tomada a cargo” – cfr. fls. 20, 21, 23 e 27, do processo administrativo]. - O facto F) é substituído pelo seguinte facto: F) Em 22/11/2016, as autoridades espanholas aceitaram o pedido de tomada a cargo, nos termos constantes de fls. 33, do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido [na sentença recorrida consignou-se erradamente aceitação do pedido de “retoma a cargo” (sublinhado nosso), quando se devia ter consignado aceitação do pedido de “tomada a cargo” – cfr. fls. 33, conjugada com fls. 20, 21, 23 e 27, do processo administrativo]. * Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.O recorrente começa por invocar que o acto impugnado, de 25.11.2016 – que determinou a inadmissibilidade do pedido de protecção internacional, face à transferência do ora recorrente para Espanha (país responsável pela análise desse pedido), aí também determinada -, padece de vício de forma, pois não se mostra acompanhado das indicações sobre os prazos para a eventual execução da transferência, como se impõe, por força do disposto nos arts. 19° nº 2 e 20° nº 1, al. e), do Regulamento 343/2003 do Conselho, alegação que se consubstancia numa questão nova, não apreciada nos autos, e como tal insusceptível de ser conhecida por este Tribunal de recurso. Com efeito, os recursos, naturalmente e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, têm por objecto a reapreciação de decisões anteriores - visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decisão de questões que não foram anteriormente suscitadas. Nestes termos, esta questão (alegação deste novo vício) está subtraída do conhecimento deste tribunal de recurso, pois não foi alegada em 1ª instância, nem o recorrido deu o acordo ao seu conhecimento (cfr. art. 264º, do CPC de 2013), não integrando o objecto da sentença recorrida e, consequentemente, o objecto do recurso - neste sentido, Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª Edição, 2014, pág. 420 [«Não pode, porém, ser interposto recurso sobre matéria que não tenha sido objeto da decisão recorrida./Os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, não sendo lícito invocar nos mesmos questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas nem devendo conhecer-se, neles, de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido.»], João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, Recursos e Acção Executiva, III Vol., pág. 29, Ac. do STA de 27.4.2016, proc. n.º 288/15 [“I - Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”], Acs. do STJ de 7.7.2016, proc. n.º 156/12.0 TTCSC.L1.S1 [“I – Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.”], e 14.5.2015, proc. n.º 2428/09.1 TTLSB.L1.S1 [“1. Destinam-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas”], e Ac. do TCA Sul de 22.9.2016, proc. n.º 13594/16 [“i) Os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.”]. As questões a apreciar resumem-se, assim, em determinar se a sentença recorrida incorreu em erro ao ter julgado improcedentes os seguintes três vícios imputados ao acto impugnado: 1) - falta de fundamentação de facto; - erro sobre os pressupostos: 2) – por ter determinado a transferência do recorrente para Espanha; 3) – por não ter apreciado o pedido de protecção internacional [cfr. alegação de recurso e respectivas conclusões, supra transcritas]. Passando à análise de cada um destes vícios, a fim de se determinar se a sentença recorrida enferma de erro. 1) Refere o recorrente que o acto impugnado, ao ter determinado a sua transferência para Espanha, por considerar este Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional que apresentou, não explica as razões de facto para tal entendimento, ou seja, padece de falta de fundamentação de facto, salientando que a sentença recorrida ao ter julgado improcedente este vício violou o art. 152º, do CPA de 2015, mas sem razão, conforme se passa a explicitar. A fundamentação comporta, de acordo com o disposto no art. 153º n.º 1, do CPA de 2015, dois níveis de substanciação: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, ou seja, a factualidade subjacente à decisão e os fundamentos jurídico-normativos em que repousa a valoração dessa factualidade. No caso sub judice o acto impugnado, no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, assentou no conteúdo da informação n.º 2420/GAR/2015 e esta última teve em conta nomeadamente o teor do pedido de tomada a cargo apresentado em 16.11.2016 às autoridades espanholas, ou seja, a fundamentação do acto impugnado, no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, traduz-se numa fundamentação por remissão, legalmente permitida pelo n.º 1 do art. 153º, do CPA de 2015, acolhendo e fazendo sua a informação n.º 2420/GAR/2015, a qual por sua vez absorve o teor do pedido de tomada a cargo apresentado em 16.11.2016. Nestes temos, e a fim de se determinar se o acto impugnado – no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, por considerar este Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional - padece do vício de falta de fundamentação de facto, cumpre apurar se a informação n.º 2420/GAR/2015 e o pedido de tomada a cargo apresentado em 16.11.2016 estão suficientemente fundamentados em termos fácticos. Ora, dessa informação e deste pedido resulta que foi determinada a transferência do recorrente para Espanha pelas seguintes razões: - o recorrente entrou em território espanhol (Ceuta) em Abril de 2016 – permanecendo durante 5 meses em Ceuta num centro de acolhimento, após foi transferido para Madrid e em Outubro de 2016 comprou um bilhete de autocarro para Lisboa -, vindo de Marrocos, sem documento de identificação; - o recorrente formulou um pedido de protecção internacional em Portugal em 6.10.2016; - em 16.11.2016 Portugal apresentou um pedido de tomada a cargo do recorrente às autoridades espanholas, ao abrigo do art. 13º n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013; - em 22.11.2016 as autoridades espanholas aceitaram o pedido de tomada a cargo. Ora, um destinatário normal, colocado perante estas razões, percebe a factualidade que sustentou a decisão de transferir o recorrente para Espanha. Nestes termos, conclui-se que o acto impugnado, no segmento em que determinou a transferência do recorrente para Espanha, encontra-se suficientemente fundamentado em termos fácticos, razão pela qual tem de improceder nesta parte o presente recurso jurisdicional. 2) Alega o recorrente que o acto impugnado errou ao ter determinado a sua transferência para Espanha – por já terem decorrido mais de doze meses - e que a sentença recorrida ao ter julgado improcedente este vício violou o art. 37º, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, e o art. 13º, do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013, mas falece-lhe a razão, pelas razões a seguir enunciadas. Estatui o art. 37º n.º 1, da Lei 27/2008, de 30/6, na redacção da Lei 26/2014, de 5/5, o seguinte: “Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo.”.
a) Tomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.º, 22.º e 29.º, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado-Membro;”. * Não há lugar à condenação em custas, atenta a isenção de custas prevista no art. 84º, da Lei 27/2008, de 30/6 (cfr. Ac. do STA de 17.11.2016, proc. n.º 408/16).III - DECISÃO Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:I – Negar provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, manter a sentença recorrida. II – Sem custas. III – Registe e notifique. * Lisboa, 10 de Agosto de 2017 _________________________________________ (Catarina Gonçalves Jarmela - relatora) _________________________________________ (Paulo Pereira Gouveia) _________________________________________ (Ana Pinhol) (1) Por lapso refere-se que o autor do acto foi o Director Nacional Adjunto do SEF quando na realidade foi a Directora Nacional do SEF – cfr. documento de fls. 22, destes autos em suporte de papel, e fls. 38, do processo administrativo. |