Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:448/16.9BELLE
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:SENTENÇA NULA É A QUE ESTÁ INQUINADA POR VÍCIOS DE ACTIVIDADE.
VÍCIOS DE ACTIVIDADE CONTRAPÕEM-SE AOS VÍCIOS DE JULGAMENTO.
EXCESSO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “ULTRA PETITA”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL.
CONHECIMENTO EM SUBSTITUIÇÃO. ARTº.665, DO C.P.CIVIL.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
MEIO DE PROVA CONFISSÃO. NOÇÃO.
CONFISSÃO JUDICIAL REVESTE FORÇA PROBATÓRIA PLENA.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.8, Nº.1, DO R.G.I.T.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1. A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso.

2. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).

3. No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma.

4. O Tribunal recorrido excede manifestamente a análise da causa de pedir formulada pelo opoente (ilegitimidade devido a falta de exercício de funções de gerência) e que delimitava o âmbito do conhecimento judicial da matéria dos autos, dado que não nos encontramos perante matérias de conhecimento oficioso (o regime da reversão e a responsabilidade subsidiária ou legitimidade substantiva não são matérias de conhecimento oficioso, contrariamente à legitimidade processual - cfr.artºs.577, al.e) e 578, do C.P.Civil).

5. De acordo com o artº.665, do C. P. Civil, aplica-se no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.

6. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).

7. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.

8. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.

9. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.

10. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.

11. Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (cfr.artº.352, do C.Civil). A confissão judicial reveste força probatória plena, nos termos do artº.358, nº.1, do C.Civil

12. O regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos.

13. Ao abrigo do mencionado regime, em qualquer das alíneas do preceito (als.a) e b), do nº.1, do artº.8, do R.G.I.T.), não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser imputável a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento. Também em ambos os casos, a imputabilidade da falta de pagamento não se presume, não sendo à pessoa que exerce a administração/gerência que cabe o ónus da prova da insuficiência do património ou da falta de pagamento não lhe ser imputável. Tal ónus cabe à Fazenda Pública.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.144 a 153 do presente processo que julgou procedente a oposição intentada pelo recorrido, A... S... S..., visando a execução fiscal nº.…e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Portimão, contra o opoente revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., de I.R.S., e de Coimas, referentes aos anos de 2009 a 2012, tudo no montante global de € 48.634,00.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.163 a 166 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A, aliás douta sentença recorrida, ofendeu preceitos do direito substantivo, como sejam as disposições dos arts. 77, 23 nº 4, 24 nº 1 al. b) todos da LGT e 8 nº 1 al. b) do RGIT;
2-Com efeito, o despacho em causa contém as razões determinantes da reversão;
3-Pois, depreende-se da norma legal em que se baseia qual o período do exercício do cargo;
4-Não se impondo descrever ou provar os factos materiais em que se fundou a imputação da culpa;
5-E, bem ponderadas as circunstâncias do caso, se apura ter-se cumprido a função específica do dever de fundamentação: elucidar a parte a respeito dos motivos da decisão permitindo-lhe impugná-la e ao tribunal superior apreciá-los no julgamento de recurso;
6-Declarar a falta de fundamentação e consequentemente anular o despacho de reversão, não é conhecer do mérito da causa, e desse parecer é também o STA;
7-Deste modo, o Juiz a quo ao extinguir o processo de execução fiscal quanto ao oponente, proferiu decisão que briga com o fundamento; o correcto seria a sua absolvição da instância, (arts. 278 nº 1 al. d) e 608 nº 1 NCPC), tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido;
8-Aproximando o disposto no nº 2 do art. 608 NCPC do que se preceitua na al. d) do nº 1 do art. 615 NCPC e 125 nº 1 CPPT, é manifesto que a sentença é nula quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento;
9-Ora, sucede que as partes não levantam a questão da falta de fundamentação; o tribunal a quo ao conhecer dela, apesar de nem a lei lhe atribuir o poder de apreciação oficiosa, cometeu excesso de pronúncia, a sentença é nula;
10-Assim, pelo exposto, e, principalmente, pelo que será suprido pelo Douto Tribunal, deve ser revogada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA.
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O opoente/recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.170 a 174 dos autos), nas quais pugna pela manutenção do julgado, terminando com o seguinte quadro Conclusivo:
1-A douta sentença recorrida, não ofende nenhum preceito do direito substantivo, como defende a recorrente;
2-A recorrente tem o ónus de fundamentação do despacho de reversão, bem como a indicação de forma clara, dos factos que provam a culpa do revertido quanto à insuficiência do património;
3-A sentença recorrida, anula e bem, o despacho de reversão;
4-Não coloca em causa, a existência dos processos executivos revertidos;
5-A questão nuclear do instituto de reversão - a culpa - não foi demonstrada nem provada;
6-O ónus incide totalmente sobre a recorrente;
7-Quer nas dívidas fiscais propriamente ditas, quer nas coimas;
8-O recorrido não pode ser responsável subsidiário de penalidades para as quais não teve oportunidade de se defender;
9-O princípio de intransmissibilidade das penas, previsto no art.º 30º n.º 3 da Constituição da Republica, estaria violado, com a reversão das coimas, no processo “sub-judice”;
10-Assim, pelo exposto e pelo demais que será doutamente suprido, deve manter-se a sentença recorrida, como é de mais elementar e flagrante justiça tributária e porque a mesma não ofende nenhuma norma do direito substantivo.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.180 e 181 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.145 e 146 dos autos - numeração nossa):
1-Em 12/10/2010 foi instaurado no Serviço de Finanças de Portimão contra a sociedade “S… - COMÉRCIO ………………, LDA.” o processo de execução fiscal nº…………..…, ao qual foram depois apensos outros processos executivos melhor identificados nos autos, visando a cobrança de dívidas de I.V.A., de I.R.S., e de Coimas, referentes aos anos de 2009 a 2012, tudo no montante global de € 48.634,00 (cfr.documentos juntos a fls.44 a 46 dos presentes autos; informação exarada a fls.55 a 57 dos presentes autos);
2-Em 15/07/2014 foi emitido despacho de reversão contra o oponente, A... S... S..., tendo o mesmo sido citado em 28/04/2016 (cfr.documentos juntos a fls.44 a 51 dos presentes autos; informação exarada a fls.55 a 57 dos presentes autos);
3-As dívidas exequendas têm datas limite de pagamento situadas nos anos de 2011 e 2012 (cfr.documentos juntos a fls.45 e 46 dos presentes autos; informação exarada a fls.55 a 57 dos presentes autos);
4-A sociedade “S… - COMÉRCIO …………………, LDA.” tinha como gerentes nomeados, desde a constituição da mesma, o oponente e F... J... F... L..., e obrigava-se com a intervenção dos gerentes (cfr.documento junto a fls.35 a 38 dos presentes autos);
5-O oponente exercia funções na oficina da sociedade devedora originária e F... J... F... L... exercia funções no escritório da sociedade devedora originária (cfr. depoimento das testemunhas);
6-Em 01/08/2014, foi apresentada, pelo oponente, queixa-crime contra F... J... F... L... junto do Ministério Público de Portimão e incidente sobre a actividade desenvolvida na empresa executada originária (cfr.documento junto a fls.26 a 29 dos presentes autos);
7-Em 30/11/2016, o oponente intentou acção declarativa de condenação em processo comum junto do Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Portimão contra F... J... F... L... onde pede o pagamento de € 135.226,21, a título de prejuízos sofridos pela actuação do mesmo na sociedade “S... - COMÉRCIO ……………….., LDA.”, a qual veio a ser decidida por homologação de transacção entre as partes (cfr.documentos juntos a fls.69 a 84 e 135 a 137 dos presentes autos);
8-Em 21/02/2017 foi proferida sentença em processo que correu termos no Juízo Local Criminal de Portimão em que a sociedade devedora originária, bem como, os seus sócios gerentes, foram condenados pela prática de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, de forma continuada (cfr.documentos juntos a fls.116 a 128 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados cuja genuinidade não foi posta em causa e no depoimento das testemunhas, bem como, declarações de parte.
Foi esclarecedor o confronto entre o depoimento de parte do Oponente e o depoimento da testemunha F... L..., o também gerente da sociedade devedora originária. O Oponente afirmou que apenas se dedicava à gestão da oficina de automóveis enquanto o outro sócio, se ocupava das tarefas relativas à parte administrativa e de contabilidade da sociedade, desconhecendo a situação financeira em que a mesma se encontrava. O outro sócio, F... L... contrariou este depoimento, afirmando que o Oponente tinha conhecimento da situação da sociedade, que inclusive procuraram juntos crédito bancário para fazer face a dívidas. Confirmou que ambos confiavam no trabalho de cada um nas suas tarefas.
Mais se revelou esclarecedor o depoimento dos funcionários da sociedade devedora originária, quanto às funções exercidas pelo Oponente na mesma. A testemunha P... G... esclareceu que ambos os gerentes geriam a sociedade e que recebia instruções e ordens de ambos.
O mesmo se diga em relação ao depoimento do TOC que teve conhecimento directo dos factos em causa, uma vez que, as dívidas abrangem o período em que exerceu funções. O seu depoimento mostrou-se também claro, referindo o papel de cada um dos gerentes na sociedade…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, essencialmente, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
9-No acordo, datado de 23/05/2017, que pôs fim à acção declarativa mencionada no nº.7 supra, o réu F... J... F... L... reconheceu que era o gerente de facto da sociedade executada originária desde a data da sua constituição, em 1997, e até ao final do ano de 2012 (cfr.documento junto a fls.135 a 137 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu: “julgo procedente a presente oposição e anula-se o despacho de reversão, com os efeitos legais de extinção do processo executivo contra o opoente”.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em primeiro lugar, que a decisão recorrida se pronunciou sobre matéria não alegada pelas partes, a questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, a qual não pode ser conhecida oficiosamente. Que deve ser declarada a nulidade da sentença, nos termos dos artºs.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, e 125, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 8 e 9 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a excesso de pronúncia.
Examinemos se a sentença recorrida comporta tal pecha.
A sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.).
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de “ultra petita”), como causa de nulidade da sentença, está este previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/3/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/9/2010, rec.1149/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/1/2012, proc.5265/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/7/2013, proc.6817/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6832/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).
No caso “sub judice”, desde logo, se dirá que o opoente/recorrido baseia a p.i. que originou a presente oposição na causa de pedir que consiste na sua ilegitimidade no âmbito da execução fiscal nº.1112...e apensos, devido ao não exercício de funções de gerência de facto da sociedade executada originária "S... - Comércio ………….., Lda.", a qual sempre pertenceu ao outro gerente F... J... F... L..., assim não sendo responsável pelo pagamento da dívida exequenda (artºs.1 a 95 da p.i. junta a fls.7 a 18 dos autos).
Por sua vez, na sentença, o Tribunal “a quo” julga procedente a oposição alicerçando a sua decisão na alegada falta de fundamentação do despacho de reversão, tanto em relação às dívidas revertidas de natureza fiscal, como às dívidas de coimas.
Atento o acabado de mencionar, o Tribunal recorrido excede manifestamente a análise da causa de pedir formulada pelo opoente (ilegitimidade devido a falta de exercício de funções de gerência) e que delimitava o âmbito do conhecimento judicial da matéria dos autos, dado que não nos encontramos perante matérias de conhecimento oficioso (o regime da reversão e a responsabilidade subsidiária ou legitimidade substantiva não são matérias de conhecimento oficioso, contrariamente à legitimidade processual - cfr.artºs.577, al.e) e 578, do C.P.Civil).
Concluindo, o Mmº. Juiz “a quo” não se moveu dentro dos parâmetros da questão posta ao Tribunal. Donde se desfecha que a sentença incorreu em pronúncia excessiva e, consequentemente, na nulidade a que se refere o artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, e artº.125, nº.1, “in fine”, do C.P.P.Tributário (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/4/2011, proc. 4506/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/09/2014, proc.6892/13).
Mais se dirá que a nulidade em análise abrange a decisão recorrida e contende com a totalidade do seu segmento decisório.
Rematando, deve julgar-se procedente o presente esteio do recurso e, em consequência, declarar a nulidade da sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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Haverá, agora, que saber se, de acordo com o artº.665, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, se pode aplicar no processo vertente a regra da substituição do Tribunal “ad quem” ao Tribunal recorrido, nos termos da qual os poderes de cognição deste Tribunal Central Administrativo Sul incluem todas as questões que ao Tribunal recorrido era lícito conhecer, tudo ao abrigo do princípio da economia processual, o qual, no caso concreto, se sobrepõe à eventual preocupação de supressão de um grau de jurisdição.
Pensamos que sim, já se tendo estruturado despacho a dar cumprimento ao contraditório plasmado no artº.665, nº.3, do C.P.Civil (cfr.despacho exarado a fls.183 dos presentes autos).
Avancemos, portanto, para o conhecimento da causa de pedir estruturada pelo opoente/recorrido no articulado inicial (falta de responsabilidade subsidiária ou legitimidade substantiva no âmbito do processo de execução fiscal de que a presente oposição constitui apenso).
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), tal como ao abrigo do artº.8, nº.1, do R.G.I.T. (quanto às dívidas revertidas de coimas), tudo levando em consideração o período temporal (anos de 2009 a 2012) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nºs.1 e 3 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, examinando a matéria de facto provada, deve concluir-se pela falta de prova da gerência de facto da sociedade executada originária e consequente ilegitimidade substantiva, por parte do opoente e ora recorrido, no período a que se referem as dívidas revertidas (2009 a 2012), tudo apesar do conteúdo da motivação da prova testemunhal estruturada pelo Tribunal “a quo”, da qual nada resultou em sede de factualidade provada.
E, não é demais lembrar, que o exercício efectivo da gerência é facto constitutivo de um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão e a lei não estabelece, neste domínio, qualquer presunção que inverta o ónus da prova, mais competindo este ónus à A. Fiscal, a qual não produziu qualquer prova documental nesse sentido.
Por último, sempre se deve vincar que o opoente/recorrido, no articulado inicial do processo apenas admite que figurava como gerente de direito da sociedade executada originária, sendo que o gerente de facto sempre foi F... J... F... L... (cfr.artºs.11 a 20 da p.i.), situação que este último confirma (cfr.nº.9 do probatório).
Diz-se confissão o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão consiste, assim, numa declaração de ciência, traduzida no reconhecimento da realidade de um facto (cfr.artº.352, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/03/2018, proc.282/11.2BEALM; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.534 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.311).
A confissão judicial do outro gerente da sociedade executada originária, F... J... F... L... (cfr.artºs.352 e 355, do C.Civil), produzida em momento posterior à diligência de inquirição de testemunhas realizada no presente processo e revestindo força probatória plena, nos termos do artº.358, nº.1, do C.Civil (a inquirição de testemunhas verificou-se no pretérito dia 24/03/2017 - cfr.acta junta a fls.85 e seg. do processo), tem por consequência a irrelevância desta mesma prova testemunhal, a qual nos dispensamos de apreciar (cfr.artº.392, do C.Civil).
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para operar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente A... S... S..., ao abrigo do artº.24, nº.1, da L.G.T., devido a falta de prova da gerência de facto do mesmo face à empresa executada originária, “S... - COMÉRCIO DE VEÍCULOS E PEÇAS, LDA.”, e no âmbito do processo de execução fiscal nº.111….e apensos.
Já quanto às dívidas revertidas de coimas, desde logo, se dirá que o regime de responsabilidade subsidiária previsto no citado artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos (cfr.ac.Tribunal Constitucional 129/2009, de 12/3/2009; ac.Tribunal Constitucional 150/2009, de 25/3/2009; ac.Tribunal Constitucional (Plenário) 437/2011, de 3/10/2011; ac.Tribunal Constitucional 249/2012, de 22/5/2012; Germano Marques da Silva, Responsabilidade subsidiária dos gestores por coimas aplicadas a pessoas colectivas, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano II, 2009, nº.3, pág.297 e seg.).
Ao abrigo do mencionado regime, em qualquer das alíneas do preceito (als.a) e b), do nº.1, do artº.8, do R.G.I.T.), não existe responsabilidade sem que o não pagamento da multa ou coima seja imputável ao responsável subsidiário, por lhe ser atribuível a génese da insuficiência global do património da pessoa colectiva ou a concreta falta de pagamento. Também em ambos os casos, a imputabilidade da falta de pagamento não se presume, não sendo à pessoa que exerce a administração/gerência que cabe o ónus da prova da insuficiência do património ou da falta de pagamento não lhe ser imputável. Tal ónus cabe à Fazenda Pública (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/1/2005, proc.304/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.3337/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7280/14; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.101).
“In casu”, da análise da matéria de facto provada conclui-se que, em momento algum dos autos, logrou a A. Fiscal provar a culpabilidade do oponente/recorrido na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva, ónus este que especialmente lhe incumbia, pelo que, quanto a estas dívidas de coimas, também se deve considerar improcedente o recurso e, em consequência, julgar-se parte ilegítima o opoente A... S... S... no âmbito da execução fiscal nº.1112….e apensos.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente a presente oposição, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO e declarar a nulidade da sentença recorrida, devido a excesso de pronúncia, ao abrigo do artº.125, nº.1, “in fine”, do C. P. P. Tributário;
2-CONHECENDO EM SUBSTITUIÇÃO, julgar procedente a oposição e parte ilegítima o opoente, A... S... S..., no âmbito da execução fiscal nº.1112….e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Portimão.
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Condena-se a Fazenda Pública em custas em ambas as instâncias.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 7 de Junho de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)