Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01590/06
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:06/22/2006
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
OFERECIMENTO DA PROVA NOS ARTICULADOS
JUNTA DE FREGUESIA - LEGITIMIDADE ACTIVA
ARTº 52º Nº 3 CRP
INTERESSES DIFUSOS
INTERESSES PÚBLICOS
Sumário:1. A junção de documentos probatórios pelos requerentes cautelares após a fase dos requerimentos iniciais não é adjectivamente admissível.
2. Uma Junta de Freguesia tem legitimidade para deduzir pedido cautelar de suspensão dos trabalhos de construção de um condomínio, seja agindo em juízo em defesa dos interesses dos residentes na sua circunscrição territorial (Lei 83/95 de 31.08) seja agindo no domínio da acção pública, na medida em que os interesses materiais qualificados no nº 3 do artº 52º da CRP a par da natureza de interesses difusos têm também, todos eles, natureza de interesses públicos,
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: A Junta de Freguesia dos ...., com os sinais nos autos, inconformada com o despacho interlocutório de desentranhamento de documentos e com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou procedente a excepção da ilegitimidade activa e absolveu os Requeridos da presente providência cautelar, de ambos vem recorrer concluindo como segue:

A. recurso do despacho interlocutório de fls. 913:

1 A requerente tem o direito de formular requerimentos em que peça que o processo siga a tramitação prevista na lei e que se decida sobre questão que está em apreciação (art. 265°, n° l, do CPC); tem o direito de se pronunciar sobre documentos juntos pela parte contrária e indicá-los para prova de determinados factos (art. 3° e 526° do CPC); tem o direito de requerer que a parte contrária seja notificada para juntar documentos aos autos (art. 528° do CPC); tem o direito de comunicar ao Tribunal factos que permitem a este ajuizar sobre a ilicitude da conduta da parte contrária (art. 264°, n°s. 2 e 3 do CPC);
2 Pelo que o despacho de fls. 913, na parte em que ordena o desentranhamento de fls. 698 a 705, 767 a 790, 875 a 882 e 887 a 895, é notoriamente ilegal por violar o disposto nos artºs. 3°, 264°, n°s. 2 e 3, 265°, 526° e 528° do CPC, aplicáveis por força do disposto no art. 1° do CPTA.


B. recurso da sentença cautelar:

3 Ao referir-se na p.i. - artigo 33° - que as atribuições da Junta de Freguesia dos .... compreendem a defesa do património cultural e arqueológico e o interesse público da sua freguesia, bens esses que são objecto de agressão ilícita promovida através da construção de um conjunto de edifícios, denominados Condomínio Residencial Lapa - Infante Santo, sitos na Avenida Infante Santo, n°s. 58 e 59, em Lisboa, a recorrente alegou de forma suficientemente clara que os actos ilícitos estão a ocorrer num local que faz parte da área territorial da sua freguesia;
4 O conjunto de edifícios em construção a que se reportam os presentes autos está a ter lugar na Avenida Infante Santo, n°s. 58 e 59, em Lisboa, nas área das instalações do antigo gasómetro das Companhias de Gás e Electricidade, junto ao Chafariz das Terras e ao muro do Aqueduto das Águas Livres; nos termos do DL nº. 42.142, de 7 de Fevereiro de 1959, o local onde os edifícios estão a ser construídos faz parte da área territorial da Freguesia dos ....;
5 No que respeita à defesa do património arquitectónico e cultural, a Junta de Freguesia, relativamente aos bens da sua área territorial, tem o direito de desencadear os meios processuais de natureza cautelar, sempre que esteja em causa a prática de actos ilícitos contra bens ou valores que integram aquele património. Trata-se de um poder dever nos termos em que é consagrado pelos artºs. 9° e 11°, n° 2, da Lei 107/2001, de 8 de Setembro;
6 A legitimidade da Junta de Freguesia resulta também das normas constantes dos artºs. 9°, n° 2 e 55º do CPTA, por via dos quais se reconhece a legitimidade das autarquias locais, independentemente de terem interesse pessoal na demanda, para proporem ou intervirem em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos relacionados com o urbanismo, a qualidade de vida e o património cultural - cfr. artºs. 52°, n° 3 e 78°, n° l, da CRP. Também no âmbito da acção popular, para a defesa dos mesmos valores e bens, a legitimidade da requerente, enquanto autarquia local, é reconhecida pelos artºs. 1°, 2° e 12° da Lei 83/95, de 31 de Agosto;
7 Contrariamente ao que sustenta a decisão recorrida, sem indicar qualquer fundamento normativo, a requerente não tem que indicar na providência cautelar que tipo de procedimento vai adoptar na acção principal. O que é relevante é que o objecto da providência se enquadre nas questões que irão apreciadas e decidas na acção principal, ou seja no seu objecto, seja qual for a forma processual que tal acção vier a seguir - acção popular ou acção administrativa especial;
8 A recorrente Junta de Freguesia dos ...., tendo em consideração os factos alegados na sua p.i. e as normas jurídicas violadas, tem evidente legitimidade para instaurar o presente procedimento cautelar com fundamento no disposto nos artºs. 52°, n° 3 e 78°, n° 1, da CRP, nos artºs. 9° e 11°, n° 2, da Lei 107/2001, de 8 de Setembro, nos artºs. 34°, n° l, c) e 38°, n° l, a), do DL 169/1999 de 18 de Setembro, nos artºs. 1° e 2°, n° 2, da Lei 83/95, de 31 de Agosto e nos artºs. 9° e 55° do CPTA.

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O Município de Lisboa contra-alegou, concluindo como segue:

1 Da legitimidade. Como primeira nota, não poderemos deixar de dizer que a legitimidade é o pressuposto processual por via do qual a lei selecciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo.
2 Tal pressuposto, sem qualquer margem para dúvidas, deverá ser aferido nos estritos termos em que o (a) Autor (a) no articulado inicial delineou o "interesse directo e pessoal" pelo que a ocorrência deste pressuposto é independente da existência real dos factos constitutivos do interesse alegado.
3 Na verdade, a legitimidade configura um pressuposto processual e não uma condição de procedência, pelo que os problemas que possam advir da relação material controvertida prendem-se com o fundo da pretensão ou mérito da mesma e nada tem que ver com a definição da legitimidade processual dos sujeitos intervenientes num determinado processo.
4 O n° 1 do artigo 9° do CPTA identifica, unicamente, como parte legítima o sujeito da relação jurídica remetendo para as disposições especiais do Código previstas para os demais meios o enunciado das situações em que o interesse em agir pode justificar a necessidade de tutela jurisdicional, sendo certo que os artigos 26° e 26°- A do CPC o fazem de forma mais ampla.
5 Todavia e, como bem sustentam o Prof. M. Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha "(...) esta aparente discrepância na formulação normativa não representa, contudo, uma alteração substancial ao nível da proposição jurídica. A legitimidade activa, na lei processual administrativa, é determinada pela regulamentação particular que se encontra definida para cada um dos meios processuais considerados, e o princípio geral consignado no n° 1 do artigo 9°, paralelamente ao previsto na correspondente norma do CPC, surge como um denominador comum que opera em todos os casos em que a disposição especial é omissa ou inconsequente (...)" - in O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4a edição, página 65.
6 Nesta sequência e considerando o próprio teor do n° 1 do artigo 9° do CPTA, temos que o princípio geral enunciado é objecto de expressa ressalva quanto ao regime específico previsto em matéria de acção administrativa especial, seja relativo à acção de impugnação de actos administrativos (artigo 55°), seja em relação à acção de condenação à prática de acto legalmente devido (68°).
7 A lei não confere às pessoas colectivas públicas legitimidade para impugnar todo e qualquer acto administrativo com o puro propósito de defender a designada "legalidade objectiva", legitimidade que é conferida ao Ministério Público.
8 Ora, a Recorrente no seu Requerimento, para além de nunca fazer referência à acção popular e, por conseguinte, não querer ser Autor popular, reconhece que "a presente providência cautelar precede a instauração de processo judicial que a requerente vai instaurar com vista a decretar a nulidade do parecer do IPPAR que autorizou a construção do conjunto de edifícios denominado ... e a nulidade da atribuição da licença de construção n° 318/C/2004". Invocando, por outro lado, que aqueles dois actos violam a Lei n° 107/2001, o artigo 59° do RGEU e o RPDM de Lisboa sendo, por conseguinte, nulos.
9 Estando nós perante uma operação urbanística, as licenças ou autorizações serão nulas nos casos previstos no artigo 68° do DL n° 555/99, de 16 de Dezembro.
10 Assim sendo, conforme decorre do estabelecido no artigo 69° do citado diploma legal, é o Ministério Público que tem legitimidade para, face a tais circunstâncias, interpor o respectivo recurso contencioso e os respectivos meios processuais acessórios.
11 Neste contexto, a douta decisão recorrida não merece a censura que lhe é dirigida e, por conseguinte, deve subsistir integralmente na ordem jurídica

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A Recorrida Portbuilding SA contra-alegou, concluindo como segue:

1 Releva também para a decisão do recurso, a realidade processual nos termos da qual só e apenas só em face do r.i. se poder aferir quer da capacidade judiciária, quer da legitimidade activa da requerente, que não pode vir agora, em sede recursória, tentar alegar factos que devia ter alegado no r.i. mas não alegou. Mas, ainda assim, tentando embora, não conseguiu nada que lhe aproveite.
2 Acresce que, para constar e não ficarem dúvidas, o terreno no qual a contra-interessada Portbuilding está a construir, se situa nas circunscrições das freguesias da Lapa e de Santos-o-Velho, como decorre dos documentos de fls. 134 a 140 e do documento de fls. 42, este junto aos autos pela própria requerente.
3 A agravante, contudo, insiste que alegou de "forma suficientemente clara" que a obra está a decorrer num local que faz parte da sua área territorial, estribando a asserção em que a edificação se situa na Avenida Infante Santo, n.°s 58 e 59.
4 No entanto, em lado algum a agravante alegou factos concretos que permitam concluir que os n.°s 58 e 59 da Av. Infante Santo pertencem à sua área territorial. Muito pelo contrário, se se atentar, pelo menos, no doe, de fls. 42 que ela mesma juntou aos autos.
5 Uma coisa, porém, é certa porque incontroversa: a construção decorre no terreno do antigo gasómetro das companhias Reunidas Gás e Electricidade.
6 Ora, nos termos do DL 42.142, de 7 de Fevereiro de 1959, que a agravante juntou com a sua alegação como se de documento probatório se tratasse, é evidente que o terreno em que assenta a construção está fora da circunscrição administrativa da requerente.
7 Sem olvidar os já mencionados docs. de fls. 134 a 140 e de fls. 42, vejamos as coisas à luz do diploma citado: a linha divisória da freguesia dos ...., no que ao caso interessa, desce pelo eixo da Calçada das Necessidades até atingir o prédio que tem o n.° de polícia 48; aí, no n.° de polícia 48 da Calçada das Necessidades, atinge o antigo aqueduto de que ainda há vestígios de um lado e do outro da Av. Infante Santo, i.é., atinge um troço do aqueduto existente na Calçada das Necessidades; depois, seguindo o eixo do troço do aqueduto com que topou na dita Calçada, ao n° 48 de polícia, a linha atravessa a Infante Santo em direcção ao Alto da Cova da Moura, "um pouco acima do gasómetro das companhias Reunidas Gás e Electricidade.".
8 Logo, o diploma em apreço, tão pouco inclui na circunscrição territorial da freguesia dos .... o troço ou troços do Aqueduto que refere, pois que, se o fizesse ou tivesse querido fazer, tê-lo-ia dito expressa e inequivocamente como disse, mais acima, a respeito da Vila Matos: (incluindo-a).
9 0 diploma em apreço, por conseguinte, apenas refere que a linha delimitadora da freguesia dos .... segue o eixo do troço do Aqueduto atingido no nº de polícia 48 da Calçada das Necessidades.
10 E quanto ao terreno, dispondo o diploma que a linha divisória da freguesia atravessa a Infante Santo em direcção ao Alto da Cova da Moura um pouco acima do gasómetro, exclui, evidentemente, o gasómetro da circunscrição territorial da agravante e, portanto, o terreno da Portbuilding no qual está a ser erigida a construção.
11 Além do que já resulta do DL 42.142, de 7 de Fevereiro de 1959, há ainda a considerar as disposições do DL 143/82, de 26 de Abril. É a chamada Lei da Geodésia.
12 Sob a epígrafe "Delimitação e demarcação de circunscrições administrativas", o art. 10-1 do DL 143/82 dispõe que: "Com a antecedência que julgar conveniente, o Instituto Geográfico e Cadastral oficiará às câmaras municipais respectivas convidando-as a proceder à delimitação e demarcação dos territórios das freguesias que integram o concelho sob sua jurisdição e fornecerá as normas a que devem obedecer os marcos.".
13 Isto foi feito? E se foi feito mantém-se a delimitação constante do velho DL 42.142, de 7 de Fevereiro de 1959?
14 A Junta requerente não sabe, desconhece a rigorosa delimitação territorial da freguesia, visto que, a respeito, nem um esboço de facto alegou, quanto mais um verdadeiro e próprio facto concreto juridicamente relevante.
15 O que vale, por conseguinte, é o que a requerida Portbuilding alegou e provou documentalmente: o terreno que lhe pertence e no qual está a erigir uma construção, está nas circunscrições das freguesias da Lapa e de Santos, por isso que a edificação inclusivamente se chama Condomínio Residencial Lapa - Infante Santo.
16 Donde que "ofensivo", "ultrajante" e "inacreditável" seja o presente recurso e não a douta Sentença que pretende atacar.
17 Remata-se esta alegação com o seguinte trecho da douta Sentença subjudicio: "Assim, constituindo o território elemento de referência para determinar nomeadamente os interesses que a lei põe a cargo das autarquias locais e dos poderes conferidos para a prossecução desses interesses, para além da alegação de que o acto de licenciamento da construção dos edifícios em causa contende com os interesses legalmente estabelecidos como atribuições da Requerente, impunha-se a alegação dos factos que permitem sustentar que o acto que pretende impugnar no processo principal põe em causa os interesses públicos do património cultural, qualidade de vida, ordenamento e urbanismo, no respectivo território, ónus processual que impende sobre a Requerente e que não foi cumprido.".

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O Recorrido IPPAR contra-alegou, concluindo como segue:

1 A Recorrente não demonstrou o tal interesse pessoal, directo e legítimo que alega e por outro lado, esta legitimidade, de acordo com o artigo 55°, n° l alíneas c) e f) do CPTA não decorre da simples invocação de um juízo de ilegalidade relativamente ao acto impugnado mas depende, sim, da verificação de pressupostos de legitimidade difusa.
2 E, não havendo carácter pessoal e mas, sim, um carácter colectivo, o que configura estarem em causa interesses difusos, o meio processual de defesa desta legitimidade difusa é a acção popular.
3 A Recorrente não invoca tal meio processual (acção popular) e não provando ter interesse pessoal e directo, não tem legitimidade para impugnar todo e qualquer acto administrativo com o puro propósito de defender a legalidade objectiva pois, esta é conferida ao Ministério Público (cfr. art° 112, n° 1; art° 9° e art° 55° todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos)

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O EMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido que se transcreve
“(..)
A decisão recorrida, no que respeita à questão da ilegitimidade activa, funda-se, por um lado, na tese de que o território da autarquia circunscreve o âmbito espacial das suas atribuições, bem como da sua legitimidade processual para defender os interesses que nesse limite lhe compete prosseguir; e, por outro, na constatação de que "Para além de não fazer qualquer referência à localização dos edifícios objecto de licenciamento em causa, naturalmente por referência à sua circunscrição, a Requerente não invoca sequer que os interesses alegadamente violados pelo acto são postos em causa no seu próprio território, nem alega quaisquer factos para demonstrar a conexão entre as suas atribuições, territorialmente circunscritas, e os bens e valores em nome dos quais pretende impugnar o acto de licenciamento"; e ainda no subentendimento de que a Requerente se julga legitimada para agir em defesa da legalidade objectiva onde quer que detecte um acto ilegal.
Parece-me que, na falta de expresso compromisso, por parte da Requerente, de se empenhar na defesa da legalidade objectiva independentemente de conexão com os interesses que lhe cabe prosseguir e com o território da autarquia respectiva, não é legítimo subentendê-lo.
Subentendimento, aliás, inútil para decidir a questão da legitimidade activa, pois, o que interessa para decidir se ocorre ou não este pressuposto processual é se a Requerente, de algum modo, se coloca como parte na relação material controvertida (artigo 9°, n° l, do CPTA) ou como centro de atribuições correlacionáveis com os interesses concretamente defendidos no processo (n° 2).
Ora, na verdade, a Recorrente, que aceita como acertada a premissa maior da decisão, em que se traduz a tese acima referida, não chega a afirmar que os actos causadores da lesão que pretende acautelar ocorrem dentro do território da sua autarquia. Poderá intuir-se que pressupõe essa localização, mas não há sequer elementos que apoiem mais essa intuição do que o subentendimento que a decisão recorrida deu como assente, até porque em apoio deste há os documentos de fls. 134 a 140, juntos pela própria Requerente, que localizam os prédios objecto mediato dos actos alegadamente lesivos dentro do território de outras freguesias.
Parece-me, assim, que a decisão recorrida será de manter no quadro factual que desenha a relação material controvertida tal como a apresenta a Requerente da providência - a menos que se julgue ajustado suprir oficiosamente a falta de alegação dos factos relativos à legitimidade activa, nos termos do artigo 265°, n° 2, do CPC, para efectivação do direito de acesso à justiça, como quer o artigo 7° do CPTA, em homenagem aos princípios anti-formalista e pro actione. (..)”

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I - despacho interlocutório de fls. 913:


O despacho recorrido é do teor que se transcreve:


“(..) Considerando que:
· nos processos cautelares previstos e regulados nos artigos 112° e seguintes, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não são admissíveis outros articulados para além do requerimento inicial e oposição - sem prejuízo do exercício do contraditório que deve ser assegurado às partes ao longo de todo o processo - artigo 3°, do Código de Processo Civil ex vi artigo 1°, do CPTA;
· os meios de prova dos factos alegados no requerimento inicial e na oposição que lhe for deduzida devem ser oferecidos com os articulados em que vêm alegados os factos que se pretendem provar (artigos 114°, nº 3, alínea g) e 118°, n.° 2, do CPTA);
· pelos requerimentos de fls. 698 a 705; 767 a 790; 875 a 882; 887 a 895, a Requerente vem reiterar o alegado no Requerimento Inicial e invocar novos fundamentos, juntando documentos que, conforme a própria refere, constam do processo administrativo apenso aos autos, ou, no caso do documento de fls. 703, manifestamente impertinente;
· pelos requerimentos de fls. 717 a 719, 834 a 869 e 901 a 910, a Requerida particular vem responder aos requerimentos apresentados pela Requerente, pronunciando-se sobre os documentos que os acompanham;
Determino o desentranhamento dos requerimentos e documentos apresentados pela Requerente de fls. 698 a 705; 767 a 790; 875 a 882; 887 a 895, e os requerimentos apresentados pela Requerida "Portbuilding" a fls. 717 a 719, 901 a 910, considerando como não escrito o requerimento de fls. 834 a 869, excepto os três últimos parágrafos, relativos ao alegado incumprimento do despacho de fls. 685, na parte em que deferiu o pedido que formulou a fls. 609, admitindo assim a junção aos autos do documento de fls. 841 a 864, por respeitar ao pedido formulado no requerimento de fls. 834. (..)”


DO DIREITO

I – Recurso do despacho interlocutório de fls. 913:


Não assiste razão à Recorrente na medida em que a junção de documentos probatórios pelos requerentes cautelares após a fase dos requerimentos iniciais não é adjectivamente admissível, porque, citando, “(..) Em primeiro lugar, porque de acordo com o disposto no artº 114º nº 3 al. g) CPTA, o requerente de uma providência cautelar deve, no respectivo requerimento, oferecer desde logo prova sumária da existência dos fundamentos do pedido formulado.
Em segundo lugar, porque também nos termos previstos no artº 384º nºs 1 e 3 e no artº 303º nº 1 do CPC, deve o requerente com a petição, oferecer prova sumária do direito ameaçado, oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova. Destas disposições resulta que todos os documentos probatórios devem ser apresentados com o requerimento/petição inicial ou nela requeridos, não fazendo excepção os documentos em poder da parte contrária.
Em terceiro lugar, a natureza e as características dos processos cautelares afastam a aplicação do disposto o artº 524º do CPC. (..)” (1)

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O que tem todo o sentido, desde logo porque o ónus de alegação de factos nos articulados, no caso, no requerimento inicial e no articulado de oposição, naturalmente que se refere aos factos principais, aos factos que no procedimento cautelar fundamentam, da perspectiva do Requerente, a necessidade de composição provisória da situação que se pretende acautelar, através do decretamento da providencia concretamente requerida ou da regulação provisória ou antecipada da tutela pedida.
Ora se é a própria lei que estatui a summaria cognicio, tanto em sede cível como administrativa – cfr. artºs. 303º nº 1 g) CPTA e 384º nº 1 CPC – esta necessáriamente que se reflecte no “(..) grau de prova que é suficiente para a demonstração da situação jurídica que se pretende acautelar ou tutelar provisoriamente.
Uma prova stricto sensu (ou seja, a convicção do tribunal sobre a realidade dessa situação) não seria compatível com a celeridade própria das providências cautelares e, além disso, repetiria a actividade e a apreciação que, por melhor se coadunarem com a composição definitiva da acção principal, devem ser reservadas para esta última.
É por isso que as providências cautelares exigem apenas a prova sumária do direito ameaçado, ou seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado (..) bem como do receio da lesão (..). As providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a repartição do ónus de prova entre o requerido e o requerente observe as regras gerais.
Assim, para o decretamento da providência cautelar, exige-se apenas a prova de que a situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse direito, ou seja, basta um fumus boni iuris. (..)
(..) Os pressupostos processuais que dependem da prova da situação que se pretende acautelar ou tutelar - como, por exemplo, a competência territorial do tribunal ou a legitimidade do requerente – bastam-se igualmente com a mera justificação dos factos determinantes para a sua aferição. (..)” (2)

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Pelo que vem dito improcedem os erros de julgamento assacados ao despacho interlocutório


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II – Recurso da sentença recorrida:


O objecto do recurso tem por questão única a declarada ilegitimidade activa da Requerente e ora Recorrente Junta de Freguesia dos .... para deduzir pedido cautelar de “suspensão imediata dos trabalhos de construção do Condomínio Residencial Lapa/Infante Santo, sito nos números 58 e 59 da Avenida Infante Santo, Lisboa”.

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A sentença sob recurso fundamenta a declarada ilegitimidade activa na circunstância de a Recorrente
· “(..) não invocar a qualidade de actor popular ou sequer as normas que regem sobre a legitimidade difusa, no Requerimento Inicial (..)”
· a lei “(..) não conferi[r] legitimidade às freguesias para mover processos impugnatórios, pugnando pela legalidade objectiva (..)”
· “(..) não te[r] a Requerente alegado quaisquer factos que permitam sustentar que os interesses públicos, nomeadamente o património cultural e o urbanismo, protegidos pelas normas alegadamente violadas pelo acto que pretende impugnar no processo principal de que é instrumental o presente processo cautelar, são postos em causa no seu próprio território (..) ou sequer invocado que o acto de licenciamento da construção contende com as suas atribuições, territorialmente circunscritas (..)”

Tal como em sede processual civil, a legitimidade administrativa varia com a natureza e objecto da acção, aferindo-se através da relação jurídica controvertida deduzida em juízo, adjectivamente tomada como verdadeira, até determinada fase do processo, para efeitos de verificação do pressuposto processual da legitimidade activa, ou seja, tomando em conta os precisos termos da relação jurídica controvertida tal como configurada pelo A. na petição, contextualizando-a com o que, em abstracto, o direito substantivo define quanto aos titulares da relação jurídica administrativa, cfr. artº 9º nº 1 CPTA, ressalvando-se, como diz a sentença, o regime adjectivo em matéria de contratos e a acção administrativa especial.
No tocante ao direito de defesa de interesses difusos, a legitimidade difusa conferida às autarquias locais o artº 9º nº 2 CPTA remete para o artº 2º nº 2 LAP segundo o qual a legitimidade activa exige a verificação da conexão territorial já supra assinalada.
De modo que o artº 9º CPTA constrói a legitimidade activa como função exclusivamente processual, como instrumentalidade necessária para atingir o resultado final – a decisão – sendo que é relativamente à parte formal (parte no processo) que se coloca o problema da legitimidade, materialmente suposta com base nos exactos termos em que a relação material controvertida é configurada pelo Autor na petição, em termos de objecto do processo, atento o pedido formulado e causa de pedir que o substancia.

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Nas providências cautelares a legitimidade activa enquanto pressuposto processual e, consequentemente, excepção dilatória, tem como momento próprio de apreciação o despacho liminar, conforme previsto no artº 116º nº 2 b) CPTA, cujo sentido decisório de rejeição permite a correcção do articulado com a apresentação de novo requerimento conforme nº 4 do citado artº 116º, o que “(..) significa que o requerente deverá formular uma nova causa de pedir, pela qual seja possível reconhecer o seu interesse em demandar ou a viabilidade da pretensão, consoante a rejeição tenha tido por base a ilegitimidade do requerente ou a ilegalidade da pretensão. (..)” (3)
No caso de o juiz não conhecer da excepção dilatória no liminar nada impede o seu conhecimento em sede de sentença, na medida em que a ritologia cautelar não comporta despacho saneador, com a consequente absolvição da instância caso o juiz se atenha à legitimidade sob a veste de pressuposto processual, ou mesmo absolvição do pedido caso conheça de fundo a legitimidade, na veste de excepção substantiva, ou seja, na dimensão da titularidade do direito ou interesse na relação material controvertida. Tudo, aliás, como no velho Código de direito adjectivo cível de 39.

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Nos artigos 1º a 38 do requerimento inicial, ao especificar os fundamentos do pedido cautelar formulado pelo qual configura a providência que pretende ver adoptada, a Recorrente, enquanto Requerente, não assenta de forma expressa a legitimidade cautelar activa no âmbito normativo do direito de defesa de interesses difusos, direito de acção popular de que são titulares as autarquias locais “em relação aos interesses de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição” ex vi artº 2º nº 2 da Lei 83/95 de 31.08.
Dito de outro modo, nos precisos termos da petição cautelar a Recorrente não se apresenta de forma expressa na veste de substituta processual oficiosa, não declara, branco no preto, que age em juízo em nome próprio por direitos alheios, substituindo-se às pessoas singulares “residentes na área da sua circunscrição territorial” fazendo valer o direito de defesa do acervo de interesses meta-individuais conferido uti civis ou uti universis pelo artº 52º nº 3 da Constituição, ou seja, conferido aos cidadãos abrangidos na “categoria-universo” de residentes na área da circunscrição territorial autárquica definida para a Junta de Freguesia dos ...., direito fundamental de acção popular correctiva cujo regime de exercício consta da Lei 83/95 de 31.AGO (=LAP), artº 2º nº 2. (4)
Fá-lo em sede de recurso, concretamente, na conclusão sob o nº 6 - “A legitimidade da Junta de Freguesia resulta também das normas constantes dos artºs. 9°, n° 2 e 55º do CPTA, por via dos quais se reconhece a legitimidade das autarquias locais, independentemente de terem interesse pessoal na demanda, para proporem ou intervirem em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos relacionados com o urbanismo, a qualidade de vida e o património cultural - cfr. artºs. 52°, n° 3 e 78°, n° l, da CRP. Também no âmbito da acção popular, para a defesa dos mesmos valores e bens, a legitimidade da requerente, enquanto autarquia local, é reconhecida pelos artºs. 1°, 2° e 12° da Lei 83/95, de 31 de Agosto.”

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E tem a Recorrente o direito positivo de seu lado, com algumas nuances que a Doutrina evidencia relativamente à circunstância de as autarquias locais gozarem ex lege do direito de acção popular cfr. artº 2º nº 2 LAP, por forma a enquadrar devidamente em que é que se consubstancia esta titularidade.
“(..) Causa alguma estranheza que um ente público seja titular do direito de acção popular pois, embora se possa dizer que isso é um mero corolário da descentralização administrativa do Estado, como forma de prosseguir com maior eficácia os interesses comunitários, não ficamos totalmente convencidos que isso baste para atribuir a titularidade do direito de acção popular.
Bem vistas as coisas não duvidamos que esta consagração da titularidade do direito de acção popular seja decorrente da própria Constituição que, no nº 2 do seu artº 237º, vem estatuir que “as autarquias locais são pessoas colectivas territoriais (..) que visam a prossecução de intereses próprios das populações respectivas”; (..) Mas uma vez que a iniciativa da acção popular deve caber, no nosso entender e na senda do artº 52º nº 3 da Constituição, aos cidadãos, pessoalmente ou através de associações de defesa de interesses difusos, e não a entes colectivos de direito público, temos algumas dúvidas, salvo o devido respeito, que esta possibilidade de as autarquias locais agirem em juízo em defesa dos interesses dos residentes na sua circunscrição possa ser considerada uma verdadeira acção popular. (..)” (5)
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Relativamente a este artº 2º nº 2 LAP em que a legitimidade difusa das autarquias locais se “(..) restringe aos processos em que se discutem questões respeitantes aos efeitos da medida administrativa na sua própria circunscrição, não podendo agir judicialmente para defesa de interesses difusos postos em causa noutro local do território nacional.
Duvidoso é se, para além deste limite territorial também haverá um limite competencial, digamos assim, só podendo a autarquia agir ou intervir processualmente quando estejam em causa interesses (difusos) que se incluam no âmbito das suas atribuições legais, definidas actualmente, em geral, no artº13º (para os municípios) e no artº 14º (para as freguesias) da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro.
Parece-nos que, ao contrário do sustentado por Teixeira de Sousa (A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos, Lisboa: Lex, 2003, pág. 200), se deve responder negativamente, por a legitimidade social das autarquias locais não ter como fundamento a defesa das suas atribuições ou interesses nestas matérias, mas a defesa dos interesses da respectiva comunidade de pessoas e, portanto, de tudo que as afectar em relação a estes bens ou valores constitucionalmente protegidos (..)
(..) no caso de uma autarquia local ser “pessoalmente” atingida por uma medida administrativa de outrem, que afecte as suas competências ou direitos – relativos ao domínio público municipal, por exemplo – a sua legitimidade activa fundar-se-á directamente no nº 1 [artº 9º CPTA] por ser parte na relação material controvertida, e não neste nº 2. (..)” (6)

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“(..) Convém não esquecer que os interesses materiais qualificados no nº 3 do artº 52º da CRP têm todos eles também a natureza de interesses públicos postos por lei a cargo da administração directa e indirecta de pessoas colectivas de população e território: Estado, regiões autónomas e autarquias locais.
Pelo menos, a maioria daqueles interesses constitui até objecto de tarefas fundamentais do Estado, nos termos do artigo 9º da CRP.
Integram matéria das atribuições das atribuições legislativas das regiões autónomas nos termos dos respectivos estatutos políticos-administrativos.
Cabem plenamente nas atribuições dos municípios e, em alguma medida, das freguesias. [Cfr. Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, sobre o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, artigos, 13º e 14º].
Torna-se, pois, patente que um critério determinante de selecção de interesses qualificados na alínea a) do nº 3 do artigo 52º da CRP, decalcado sem acrescentos (que teriam sido possíveis) no artigo 1º da LPPAP [Lei 83/95, 31.08], foi o de se tratar de assuntos públicos (terminologia do artigo 48º nºs 1 e 2 da LPPAP) em cuja direcção todos os cidadãos têm o direito de tomar parte. (..)
(..) se, em Caminha ou no Funchal, ocorresse um início de obras não devidamente licenciadas num monumento em vias de classificação como se interesse nacional , [t]ratando-se, nesse caso, de matéria da competência de órgãos e serviços do Estado, qualquer cidadão recenseado como eleitor poderia iniciar uma acção popular administrativa visando obter o tipo de pronúncia jurisdicional mais adequado à protecção do bem cultural.
E isso, naturalmente, sem acepção do local de recenseamento, uma vez que a administração estatual (directa e indirecta) é assunto público sujeito à participação de todos os cidadãos pelos meios legalmente previstos. (..)
(..) O nosso entendimento é o de que não há que proceder a um aferição de pertença material do agente popular ao círculo de portadores do interesse difuso, ou seja, de um interesse indivisível através de um processo de apropriação individual (..) o motivo da escolha, no nº 3 do artigo 52º da CRP e no artigo 1º da LPPAP, de interesses caracterizáveis por poderem ser existencialmente vividos em particular por classes ou categorias de sujeitos, ainda que permanecendo insusceptíveis de uma individualizada delimitação do seu campo se incidência subjectiva.
A nosso ver, essa solução terá obedecido a razões de duas ordens.
Por um lado, e principalmente, tratou-se de delimitar não a legitimidade mas a causa de pedir admissível, como meio técnico, alternativo ao da legitimidade, de impedir o excessivo alargamento do emprego da acção popular.
Em segundo lugar, escolheram-se interesses públicos mais capazes de mobilizar a iniciativa processual do cidadão, isolado ou através de associações ou fundações, precisamente por também possuírem a natureza de interesse difuso. (..)
(..) Da natureza simultâneamente pública em sentido próprio dos interesses materialmente qualificados no nº 3 do artº 52º da CRP, resulta, a nosso ver, não se ajustar a qualificação como “acção popular pública”, ou “acção popular autárquica”, da acção que, nos termos do artigo 2º, nº 2 da LPPAP, as autarquias locais podem mover em defesa dos interesses de saúde pública, ambiente qualidade de vida, protecção do consumo de bens e serviços, património cultural e domínio público “de que sejam titulares residentes na área da respectiva circunscrição”
Estes interesses são também atribuições dos municípios (e, pelo menos, em grande medida, das freguesias), ou seja, interesses públicos postos por lei a cargo das autarquias na medida em que tenham refracção na área dos respectivos territórios.
A circunstância de esta modalidade de acção surgir no âmbito de uma lei principalmente dedicada à acção popular não deve obscurecer a sua verdadeira natureza: tratando-se de um acção administrativa, movida por uma pessoa colectiva pública para a defesa de interesses públicos que constituem suas atribuições, a acção é, na verdade, acção pública. (..)
(..) esta situação merece ser distinguida daquela outra em que a autarquia é, enquanto administrada, sujeito de uma relação administrativa com outro ente público, nomeadamente o Estado, em cujo âmbito a própria esfera jurídica autárquica seja conformada, ou haja recusa ou omissão de conformação devida. Em tal hipótese, haverá interesse pessoal e directo da autarquia, pelo que não será necessário invocar outros títulos de legitimidade processual activa. (..)” (7)


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Quanto à extensão da legitimidade por referência à qualidade de sujeito da relação material controvertida, pelo artº 55º nº 1 c) CPTA as pessoas colectivas públicas são admitidas a impugnar actos administrativos (..) actuando em defesa de interesses próprios (públicos) (..) Veja-se um caso curioso em que se misturam as legitimidade pública, local e social: à junta de freguesia foi reconhecida legitimidade para impugnar uma deliberação camarária de licenciamento de uma obra, em defesa de “interesse difuso” da comunidade na defesa do património cultural da freguesia (protecção de imóvel classificado) – v. Acórdão do STA de 30.9.99., P. 41668. (..)” (8)
Seguindo a Doutrina no tocante a este artº 55º nº 1 c) CPTA, “(..) Estarão aqui em causa, em princípio, relações inter-administrativas, entre diferentes sujeitos públicos na sua esfera de atribuições, no círculo de interesses (públicos) cuja prossecução lhes tenha sido legalmente cometida, por actuação de outras Administrações. (..) Como poderia caber aqui, por exemplo – se não couberem na alínea a) – as acções de impugnação pelo município, em defesa dos interesses do (bom) ordenamento urbano do território da autarquia, de um acto do governo de ratificação condicional de um plano urbanístico municipal, bem como outras acções similares de defesa dos interesses a cargo de um ante público face à denegação de aprovações, autorizações, homologações, etc. de actos seus por outros entes públicos que sobre eles exerçam qualquer forma de supremacia. (..)” (9)

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Do que vem dito e segundo as teses supra, estará em questão matéria que se prende ou com a substanciação do pedido cautelar, isto é, com a causa de pedir, ou, noutro entendimento, com os pressupostos da legitimidade activa da Recorrente, enquanto órgão executivo autárquico.
Donde a questão jurídica da legitimidade activa da Recorrente, que lhe assiste, está resolvida pela positiva, restando apenas que enquadrá-la ou em sede de legitimidade difusa para o elenco de interesses catalogados nos artºs. 52º nº 3 CRP, 53º nº 2 CPA e Lei 83/95, 31.08, artº 1º nº 2 ou de legitimidade pública em função das atribuições e competências dos órgãos, tudo dependendo de saber se a ora Recorrente se apresenta por si em juízo por interesses públicos refractados sobre a esfera jurídica individual dos cidadãos residentes na área territorial da Junta de Freguesia ou se está por si em juízo por interesses públicos próprios.
E se a Doutrina procura centrar em termos de coerência dogmática o binómio autarquia local/actor popular, não é adjectivamente exigível que o Requerente cautelar assuma explicitamente que terça armas por uma das teses, sendo certo que por banda do Tribunal a selecção da factualidade levada ao probatório deve reflectir as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Na fundamentação de direito obviamente que ao juiz se impõe a opção, ao determinar a norma do caso concreto em sede cautelar ou na decisão da acção definitiva, optando pelas teses conhecidas ou abalançando-se a corrente jurisprudencial distinta, com as necessárias cautelas para não cair por um dos buracos do “queijo Gruyière” com que a Ciência do Direito Administrativo nos surpreende. (10).
Todavia, esta é matéria que se prende com o tipo de providência cautelar instaurada, matéria que extravasa a fundamentação constante da sentença sob impugnação e, consequentemente, o objecto do recurso.


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De modo que, pelos fundamentos supra, logra procedência o recurso interposto não podendo manter-se o julgado em sede de sentença que absolveu os Recorridos da instância por ilegitimidade activa da Recorrente, devendo a instância cautelar prosseguir no conhecimento de fundo, se outra circunstância a tal não obstar.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em:


A. Julgar improcedente o recurso do despacho interlocutório de fls. 913;

B. Julgar procedente o recurso da sentença que absolveu os Recorridos da instância por ilegitimidade activa da Recorrente, devendo a instância cautelar prosseguir no conhecimento de fundo, se outra circunstância a tal não obstar.


Custas a cargo da Recorrente no tocante ao recurso do despacho intercalar; quanto ao recurso da sentença, custas a cargo dos Recorridos.


Lisboa, 22.JUN.2006,


(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Xavier Forte)

(1) Teresa Melo Ribeiro, O risco de os processos cautelares se transformarem em processos principais: alguns exemplos práticos, CJA nº 52, pág. 6.
(2) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, págs.233/234.
(3) Mário Aroso de Almeida, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina/2005, págs. 586/587
(4) Nuno Sérgio Marques Antunes, O direito de acção popular no contencioso administrativo português, Lex/1997, págs. 91/92.
(5) Nuno Sérgio Marques Antunes, O direito de acção popular no contencioso administrativo português, Lex/1997, pág. 78.
(6) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de processo nos tribunais administrativos – ETAF – Anotados, Volume I, Almedina/2004, pág.163.
(7) Sérvulo Correia, Direito do contencioso administrativo, Vol. I, Lex/2005, págs.659, 661, 667 e 668.
(8) Vieira de Andrade, A Justiça administrativa, 5ª edição, Almedina, pág. 210.
(9) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de processo nos tribunais administrativos – ETAF – Anotados, Volume I, Almedina/2004, pág.367.
(10) Com a devida vénia, socorremo-nos da expressiva imagem usada por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo, comentado, 2ª edição Almedina, anot. ao artº 53º, pág. 275.