Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3326/15.5BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:05/24/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO; ACIDENTE DE TRABALHO;
ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL; CENTRO HOSPITALAR;
DECRETO-LEI N.º 503/99, DE 20-11; LEI 59/2008, DE 11-12;
CONTRATO DE TRABALHO
Sumário:I- Sendo o A. um trabalhador do H. dos C./D., C. H. de L. C., EPE e ocorrendo um acidente em serviço em 24-10-2013, o regime legal que se aplica é o resultante do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, na versão dada pela Lei 59/2008, de 11-12;
II- Assim, na vigência da alteração da Lei 59/2008, de 11-12, ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, há que distinguir, em matéria de acidentes de trabalho nas entidades públicas empresariais, os trabalhadores que detém um vínculo de nomeação ou de contrato em funções públicas, dos restantes, que optaram pela celebração de um contrato de direito privado;
III- Detendo os referidos trabalhadores um vínculo de nomeação ou de contrato em funções públicas, aplicar-se-á a estes, em matéria de acidentes de serviço, o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11. Já quando os trabalhadores detiverem um contrato de direito privado, o regime para os acidentes de trabalho é o que resulta do Contrato de Trabalho e demais legislação (de direito privado) sobre a matéria.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A C. G. de A. (CGA) interpôs recurso do despacho saneador de 08-06-2016, na parte em que julgou a título de “aplicação das leis no tempo”, que ao presente acidente se aplicava o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, na versão da Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, e da sentença do TAF de Sintra, que julgou procedente a presente acção e condenou o C. H. de L. C., EPE (CHLC) e a A… a pagar ao A. a remuneração mensal, em duodécimos do subsidio e Natal e de refeição, no período das faltas em serviço motivadas pelo acidente em serviço – de 25-10-2013 a 15-04-2015 - descontando o já pago pela seguradora, bem como o juros de mora à taxa legal, devidos por esses diferenciais, até integral pagamento das quantias em dívida.
Por seu turno, a C. de S. A… P., SA (A…), apresentou recurso apenas da decisão final, proferida em 1.ª instância.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente CGA, as seguintes conclusões: ”1ª Por força do disposto no artigo 2º nº 4 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, exercendo o recorrente funções numa entidade pública empresarial, o regime de protecção em caso de acidente de trabalho que lhe é aplicável é o previsto no Código de Trabalho.
2ª Decorre do regime previsto no Código de Trabalho, designadamente dos seus artigos 281º e seguintes, que, aplicando-se tal regime, não existe qualquer intervenção da C. G. de A. na qualificação da lesão como acidente de trabalho ou na fixação da incapacidade permanente.
3ª Como se refere na decisão impugnada, este sentido interpretativo é reforçado se se tiver em consideração o artigo 4º, nº4 da Lei nº 35/3014, de 20 de Junho, que expressamente determina a aplicação aos funcionários que exerçam funções nas entidades públicas empresariais do regime do Código do Trabalho e legislação complementar, em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
4ª O nº 3 do artigo 31º do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de fevereiro, veio alterar o regime, determinando que aos trabalhadores das entidades públicas empresariais do SNS que mantenham o regime de proteção social convergente é aplicável o regime previsto no Decreto-lei nº 503/99, de 20 de novembro.
5ª Não tendo tal norma natureza interpretativa, de acordo com as regras de aplicação no tempo das normas jurídicas, o Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro apenas é aplicável aos acidentes em serviço ocorridos após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 18/2017, de 10 de Fevereiro.“.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente A…, as seguintes conclusões: ”1.ª Nos termos da matéria de facto alegada supra e das motivações para as quais se remete integralmente e que por isso se devem considerar aqui totalmente glosadas, o Tribunal a quo proferiu sentença sem respeitar uma regra basilar do processo, o direito ao contraditório, porquanto permitiu a realização de uma Junta Médica à revelia da ora recorrente seguradora;
2.ª Consequentemente, a decisão recorrida é NULA e de NENHUM EFEITO nos termos do disposto no art.º 615º n.º 1 al d) do Código de Processo Civil por violação da seguinte disposição imperativa: n.º 1, do art.º 3º do Código do Processo Civil.
3.ª Acresce que ao decidir como decidiu o Tribunal recorrido não deu cumprimento ao silogismo judiciário, porque verdadeiramente não se apercebeu que em 1.07.2013 o C. H. de L. C., E.P.E. celebrou com a ora recorrente um contrato de seguro de acidentes de trabalho, obrigatório, em que as suas condições particulares, especiais e gerais reproduzem ou dão cabal cumprimento à APÓLICE UNIFORME DO SEGURO OBRIGATÓRIO DE ACIDENTES DE TRABALHO POR CONTA DE OUTRÉM (Norma n.º 12/99 R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000 R, de 13 de Novembro, 16/2000 R, de 21 de Dezembro, e 13/2005 R, de 18 de Novembro, da ASF).
4.ª Assim, ao contrato de seguro celebrado é manifestamente aplicável a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, vulgarmente designada por L.A.T., obrigando-se a seguradora, consequentemente, à reparação dos danos emergentes do acidente sofrido pelo Autor nos precisos termos previstos da cit. Lei, concretamente no seu artigo 2º que, cotejada com o salário seguro, concretamente no valor anual bruto de € 10.116,54 = € 648,80 (salário base) X 14 meses + € 93,94 (subsídio de alimentação) X 11 meses, determina e estanca a responsabilidade objectiva da seguradora;
5.ª Não podendo a Seguradora ser condenada em qualquer valor ou em qualquer obrigação que extravase o que infortunisticamente para si foi transferido pelo co-réu C. H. de L. C., E.P.E. ao abrigo da mencionada Apólice, uma vez que o contrato de seguro que vigorava entre as partes tinha e tem como escopo ou âmbito a Lei n.º 98/2009, sendo este o risco que foi assumido pela Seguradora aquando da outorga do contrato de seguro e mais nenhum outro.
6.ª O Tribunal a quo, consequentemente, ao decidir como decidiu, violou n.º 1, do art.º 3º do Código do Processo Civil; a APÓLICE UNIFORME DO SEGURO OBRIGATÓRIO DE ACIDENTES DE TRABALHO POR CONTA DE OUTRÉM instituída pelo Regulamento nº 27/99 proveniente do I. de S. de P. (in DR, II Série, nº 279 de 30/11/99), art.º 10º; a Norma n.º 12/99 R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000 R, de 13 de Novembro, 16/2000 R, de 21 de Dezembro, e 13/2005 R, de 18 de Novembro, agora já da ASF; o art.º 118º do Código de Processo do Trabalho, os Anexos I e II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, a Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, vulgarmente designada por L.A.T., nomeadamente os seus art.ºs 2º, n.º 1 do art.º 47º ex vi al b) do art.º 23º, 25º, 48º, n.º 1 e 4, 50º, n.º 1, 132º; bem como os arts. 426º, §7º e 427º, do Código Comercial; assim como o n.º 1 do art.º 443.º do Código Civil, em esquecer o princípio da liberdade contratual afirmado, entre outros, no art.º 405º do Código Civil.
7.ª Donde, a decisão recorrida deve ser declarada nula, o processo mandado baixar à 1.ª Instância para realização da Junta Médica, onde seja assegurado o contraditório às partes, após o que, e apurada que seja a incapacidade parcial permanente do Autor, condenada a C. de S. A… Portugal, S.A a pagar ao Autor somente 70% do salário seguro durante o período de incapacidade temporária desde o dia subsequente ao acidente e até à data da alta, por ser essa a percentagem fixada pela alínea d) do n.º 3 do art.º 48.º da LAT, descontando, se o grau de IPP apurado for superior, o por si já pago a título de ITA(s) e ITP(s), bem como juros de mora à taxa legal, devidos por esses diferenciais, até integral pagamento das quantias em dívida.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “O Supremo Tribunal Administrativo já julgou que o Hospital Público que reveste a natureza de entidade pública empresarial goza de um estatuto próprio, é uma pessoa colectiva de direito público, portanto com personalidade jurídica pública, criado por lei, desempenha em substituição do Estado uma das suas tarefas, que é a de prestação de bem estar (a saúde) aos cidadãos (artºs 9º e 64º da CRP), fazendo parte da administração indirecta do Estado; está sujeito ao poder de superintendência do Ministro da Saúde e aos poderes de tutela conjunta dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, tem natureza empresarial e é dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial
2º. De igual forma o Tribunal de Conflitos decidiu que: “O C. H. …, EPE, é uma pessoa colectiva pública integrada na administração indirecta do Estado, estando os trabalhadores que nele exercem funções públicas sujeitos à disciplina do D. L. nº 503/99, de 20 de Novembro” .
3º. As Entidades Públicas Empresariais do Sector da Saúde, porque Estabelecimentos do Serviço Nacional da Saúde, estão integradas na administração indireta do Estado.
4º. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e o e o Decreto-Lei 503/99, de 20 de novembro é-lhes aplicável, no que concerne aos trabalhadores com vínculo de trabalho em funções públicas oriundos das unidades de saúde que lhes deram origem, como sucede in casu.
5º. Nos termos dos artigos 651.º, 425.º e 423.º do CPC a Recorrente C. de S. A… P., S.A. está impedida de juntar o documento junto com as suas alegações de recurso, uma vez que não existe essa necessidade em virtude do Julgamento.
6º. A Douta Sentença recorrida não inovou relativamente à matéria da responsabilidade da Recorrente Seguradora no pagamento das retribuições, duodécimos de subsídio de Natal e subsídio de refeição, durante o período de incapacidade temporária do sinistrado, pelo que não merece qualquer censura a condenação solidária dos Réus C. de S. e C. H. no pagamento das retribuições, duodécimos de subsídio de Natal e subsídio de refeição, no período de incapacidade temporária.
7º. A Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, uma vez que respeitou na parte recorrida a Lei e o Direito.

A DMMP apresentou pronúncia no sentido da procedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Na decisão recorrida foi dada por provada a seguinte factualidade, não impugnada:
a) O Autor exerce funções de assistente operacional no H. C./D. do C. H. de L. C., E.P.E – Admitido por acordo;
b) O C. H. de L. C., E.P.E. transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho para a Ré C. de S.. P., S.A, contrato titulado pela Apólice n.º 20…. – Documentos n.ºs 1 e 2 juntos à contestação da Ré C. de S. A... Portugal, S.A;
c) No dia 24 de outubro de 2013 enquanto desempenhava funções no seu local de trabalho, ao descer as escadas, o Autor escorregou e caiu - Documento a fls. 8 do Processo n.º 1265/14.6TTLSB do Tribunal do Trabalho apenso aos autos;
d) Em consequência da queda o Autor sofreu traumatismo da coluna («Fratura do corpo da L1») - Documentos a fls. 6, 14 e 15 do Processo n.º 1265/14.6TTLSB do Tribunal do Trabalho apenso aos autos;
e) Os primeiros socorros foram prestados no C. H. de L. C., podendo ler-se na Nota de Alta, designadamente, o seguinte:
«(…) ORTOPEDIA (2013-10-24 12:49:03) – Observação da Especialidade: queda com trauma dorso-lombo-sagrado. dor maioritária região sagrada.
Sem queixas a nível dos 4 membros Pede-se Rx
(…) ORTOPEDIA (2013-10-24 14:28:16) – Observação da Especialidade: Acidente trabalho […]» - Documento n.º 5 junto à petição inicial;
f) Posteriormente o Autor passou a ser seguido pelos serviços clínicos da Ré C. de S. A... P., SA - Documento n.º 9 junto à petição inicial;
g) O Autor esteve em situação de incapacidade temporária para o trabalho no período compreendido entre 25 de outubro de 2013 e 15 de abril de 2014 - Documento n.º 9 junto à petição inicial;
h) Neste período a Ré Seguradora pagou ao Autor € 3.356,00 – Documento n.º 1 junto à contestação da Ré C. de S. A... P., S.A;
i) Em 2013 o Autor auferia os seguintes abonos: remuneração base mensal € 648,80; subsídio de férias; subsídio de natal (duodécimos € 54,07) e subsídio de refeição € 4,27/dia – Documento junto à contestação do Réu C. H. de L. C., E.P.E;
j) No dia 15 de abril de 2014 o médico dos serviços da Ré seguradora deu alta ao Autor com IPP de 5 % a ser confirmada pela C. G. de A., indicando como lesões resultantes do acidente fratura do corpo da L1 – Documento n.º 9 junto à petição inicial;
k) Em 23 de abril de 2014 a C. de S. A..., S.A. participou ao Procurador da República junto do Tribunal de Trabalho o acidente de trabalho, processo a que foi atribuído o n.º 1265/14.6TTLSB, declarando o seguinte salário seguro: «648,80x14M+93,94x11M (subsídio de alimentação) = 10116,54» - Documento a fls. 1 do Processo n.º 1265/14.6TTLSB do Tribunal do Trabalho apenso aos autos;
l) No âmbito deste processo o Autor foi submetido a «Perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho», no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP, tendo sido lavrado Relatório no qual pode ler-se, designadamente, o seguinte:
«1. Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões e se exclui a existência de uma causa estranha ao traumatismo.
2. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 15-04-2014, tendo em conta a data da alta clínica, o tipo de lesões e o tipo de tratamentos efectuados.
3. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes: - Os períodos da incapacidade temporária absoluta são os atribuídos pela companhia seguradora.
4. A incapacidade permanente parcial resultante do acidente atual (…) é de 10,3500%. A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido(s) no quadro abaixo indicado e o factor de bonificação de 1,5 (idade superior a 50 anos).
- Coluna lombar dolorosa e com rigidez (…)
- Agravamento de patologia herniária (…).
[…]» - Documento n.º 10 junto à petição inicial;
m) Em 7 de julho de 2015, na tentativa de conciliação realizada no âmbito do referido processo de Acidente de Trabalho, o Ministério Público suscitou a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal de Trabalho – Documento n.º 3 junto à petição inicial;
n) Em 14 de setembro de 2015 o Autor foi notificado da sentença proferida em 9 de julho de 2015, no âmbito do processo n.º 1265/14.6TTLSB, que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria e, consequentemente, decidiu declarar a incompetência absoluta, em razão da matéria, da 1.ª Secção de Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para preparar e julgar o pedido formulado naquela ação e absolver a Ré Seguradora da instância - Documento n.º 4 junto à petição inicial;
o) Em 23 de outubro de 2015 foi apresentada a petição inicial do presente processo
p) Em 9 de novembro de 2015 foi apresentado nos serviços da C. G. de A. requerimento do Autor solicitando a realização de uma junta médica para fixação do respetivo grau de desvalorização – Confissão;
q) Por ofício de 20 de novembro de 2015 a C. G. de A. devolveu ao C. H. de L. C., EPE o pedido de reparação do acidente de que foi vítima o Autor por considerar que a responsabilidade pela reparação do acidente em causa não lhe compete por não ser aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro – Confissão;
r) Em 15 de maio de 2017 realizou-se, na C. G. de A., junta médica para, nos termos do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, estabelecer o nexo causal entre as lesões apresentadas pelo Autor e o acidente ocorrido em 24 de outubro de 2013 e para, sendo o caso, fixar o grau de incapacidade, de que foi lavrado auto no qual se conclui que das lesões apesentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 14,63% de acordo com o Cap. I, n.º 1.1.2. , alínea a), Cap. II, n.º 2.2 alínea a) e ao abrigo do n.º 7 das Instruções Gerais da TNI - Documento junto aos autos pela Ré C. G. de A. em 30 de agosto de 2017;
s) Em 22 de maio de 2017 os diretores da C. G. de A. concordaram e homologaram o parecer da Junta Médica referido na alínea anterior - Documento junto aos autos pela Ré C. G.l de A. em 30 de agosto de 2017;

Nos termos dos art.ºs 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, dá-se por assente, por provado, o seguinte facto:
t) Consta dos recibos de vencimento do A., de fls. 15 dos autos e de fls. 68 a 81, o seguinte “vínculo Contrato p Tempo Indeterminado”.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- apreciar da ilegalidade da junção do contrato de seguro pela A..., em sede de recurso;
- aferir da nulidade decisória, por violação dos art.º s. 3.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, por violação do contraditório da A..., por não ter tido o direito a participar na Junta Médica realizada pela CGA e esta Junta não ter aplicado a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais;
- aferir do erro decisório cometido no despacho saneador e na sentença porque entenderam aplicáveis à situação dos autos o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, quando, no caso, haveria de aplicar-se o regime do Contrato de Trabalho (CT) e demais legislação complementar em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
- e aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs 3.º, n.º 1, do CPC, 10.º da apólice uniforme de seguro obrigatório de acidentes de trabalho por conta de outrem, instituída pelo Regulamento nº 27/99 proveniente do I. de S. de P., agora ASF (in DR, II Série, nº 279 de 30-11-99), da Norma n.º 12/99 R, de 08-11, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000 R, de 13-11, 16/2000 R, de 21-12, e 13/2005 R, de 18-11, do art.ºs 118º do Código de Processo do Trabalho, dos Anexos I e II do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23-10, dos art.ºs 2º, n.º 1, 47º, ex vi al b) do art.º 23º, 25º, 48º, n.º 1 e 4, 50º, n.º 1 e 132.º, da Lei n.º 98/2009, de 04-11, 426º, §7º e 427º, do Código Comercial, 405.º e 443.º, n.º 1, do Código Civil, por não ter sido aplicado o art.º 2.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09 e se ter condenado a A... a pagar um indemnização por valor superior ao que resultava do contrato de seguro por si celebrado.

A A... juntou às alegações de recurso o contrato de seguro que celebrou com o Recorrido C. H.
Atendendo ao teor da decisão recorrida e às alegações da A..., relativas ao incumprimento dos termos desta apólice, a legalidade da junção do referido documento tem suporte no art.º 651.º do CPC, ex vi art 1.º do CPTA.
Falece, por isso, a alegação do Recorrido relativa à inadmissibilidade desta junção.

O Recorrente A... só recorre da decisão final, não do saneador de 08-06-2016, nem do despacho de 14-07-2018, que aplicando o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, determinou, nos termos do art.º 38.º desse diploma, a necessidade da realização de uma junta médica pela CGA.
As causas de nulidade da sentença vêm indicadas no art.º 615.º do CPC. A invocação da falta de contraditório em relação a um despacho prévio à decisão final não é uma causa de nulidade decisória nos termos do citado preceito. Acresce, como se indicou, que o Recorrente A... não recorreu nem do despacho saneador, em que se julgou aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, nem do despacho de 15-07-2016, que determinou a realização da referida Junta Médica.
Assim, a alegada invocação da nulidade decisória falece, manifestamente, pois a falta de contraditório em relação à determinação da realização da Junta Médica pela CGA, não só não decorre da decisão final, sindicada em recurso, como não vem apontada no 615.º do CPC como uma causa de nulidade da sentença.
Ademais, também não é verdade que não tivesse sido assegurado o contraditório do Recorrente, pois o mesmo foi notificado do despacho de 15-07-2016, que aplicando o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, determinou, nos termos do art.º 38.º desse diploma, a necessidade da realização de uma Junta Médica pela CGA, como decorre dos ofícios constantes dos autos, de fls. 124 a 128.
Ou seja, apesar de o Recorrente A... invocar uma nulidade decisória, por entender que foi preterida uma formalidade essencial decorrente de não ter participado numa perícia que haveria de ter ocorrido nos autos, fê-lo de uma forma processualmente errada, pois recorreu apenas da decisão final e não dos despachos prévios – o saneador de 08-06-2016 e despacho de 15-07-2016, que determinaram a aplicação à situação dos autos do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11 e que indeferiram o pedido de realização de uma perícia colegial, considerando, antes, que aqui apenas deveria ter lugar uma Junta Médica da CGA, nos termos do art.º 38.º daquele diploma legal.
Depois, das alegações do Recorrente A... resulta que apesar de o mesmo invocar a dita nulidade, fá-la reconduzir a um erro de julgamento, por se ter aplicado erradamente o regime daquele Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11.
Em suma, as alegações do Recorrente relativas à nulidade decisória falecem manifestamente.

Vêm ambos os Recorrentes invocar um erro decisório, alegando que a situação em apreço não se subsume no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, mas sim, no regime do CT e demais legislação complementar em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida está errada, pelo que irá proceder o recurso.
Conforme decorre da factualidade apurada, não contestada neste recurso, o A. é assistente operacional no H. dos C./D., C. H. de L. C., EPE, que é uma entidade pública empresarial.
Quanto ao tipo de vínculo que o A. tem com o Hospital, a decisão recorrida não cuidou de o averiguar.
Das alegações das partes e dos documentos juntos aos autos pode-se retirar que o A. detém um “Contrato p Tempo Indeterminado” – cf. facto ora acrescentado. Porém, essa é a única referência ao vínculo laboral do A. que consta dos presentes autos.
Ora, tal vínculo “por tempo indeterminado” tanto pode apontar para a existência de um contrato em funções públicas – por tempo indeterminado – como para a celebração de um contrato de trabalho privado, igualmente por tempo indeterminado, ou sem prazo.
Por conseguinte, face à factualidade apurada nos autos não sabemos se o A. detém um contrato em funções públicas, ou se detém um contrato de direito privado (cf. art.ºs. 5.º do Decreto-Lei n.º 326/2007, de 28-09 e 14.º do Decreto-Lei n.º 23372005, de 29-12).
Ou seja, a indicação constante dos recibos de vencimento do A. não é o bastante para que possamos caracterizar, com segurança, o vínculo contratual do mesmo.
Como veremos a seguir, a indicada caracterização do vínculo laboral era essencial para a resolução de toda a questão e para a subsunção do litígio no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, ou no regime do CT.
Dos factos provados resulta que o H. dos C./D., C. H. de L. C., EPE, transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho para a A....
Igualmente, resulta que o A. sofreu um acidente em serviço em 24-10-2013.
Assim, à data do acidente - que é o momento relevante para aferir o diploma aplicável - o regime dos acidentes de trabalho seria o que resultava do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, na versão dada pela Lei 59/2008, de 11-12.
Por seu turno, o H. dos C./D., C. H. de L. C., EPE, fora criado pelo Decreto-Lei n.º 233/05, de 29-12, e tinha a natureza de entidade pública empresarial, que se integrava na administração indirecta do Estado – cf. art.ºs. 3.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1, do citado diploma.
Como decorre do art.º 9.º da Lei n.º 59/2008, de 11-12, que alterou os art.ºs. 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, este último diploma passou aplicar-se somente “aos trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa e indirecta do Estado”, que exercem “funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes” ou aos “membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos” anteriormente - cf. n.ºs. 1 a 3 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, na versão revista.
Por seu turno, aos trabalhadores que exercessem funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades da Administração directa e indirecta do Estado, que não estivessem nas condições acima referidas, passaria a aplicar-se “o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código” – cf. n.º 4 do indicado preceito (refira-se, que após a data do acidente ora em apreço, o citado preceito da Lei n.º 59/2008, de 11-12, veio a ser revogado pela Lei n.º 35/2014, de 201.06, que iniciou a vigência de um novo regime em 01-08-2014).
Como bem se explica no Ac do STJ n.º 31/14.3T8PNF.P1.S1, de 17-11-2016, para uma situação em todo paralela: “A Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, em sintonia com o regime dos vínculos dos trabalhadores que desempenham funções públicas, resultante da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que disciplinou os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.
É sabido que este diploma rompeu com o modelo tradicional de vinculação daqueles trabalhadores, estabelecendo no seu artigo 9.º, basicamente, duas novas categorias de vínculo: - a nomeação e o contrato de trabalho em funções públicas. É prevista ainda, nos termos do n.º 3 deste artigo, a comissão de serviço como forma de vinculação, que, contudo, não releva no âmbito deste processo.
No artigo 10.º deste diploma define-se o âmbito do regime de nomeação e no artigo 20.º estabelece-se o do contrato de trabalho em funções públicas, este por exclusão de partes, ou seja, ficariam sujeitos a esse regime os trabalhadores que não fossem vinculados por nomeação, ou em comissão de serviço.
Nos termos do seu artigo 98.º aquela Lei impôs a transição para o regime de contrato de trabalho em funções públicas aos trabalhadores que não se integrassem no âmbito do regime de nomeação acima referido, enquanto os demais mantinham o regime de nomeação previsto da nova lei.
O modelo emergente deste diploma veio a consolidar-se com a Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que estabeleceu o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.
2.1 - A Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, definiu o seu âmbito de aplicação nos artigos 2.º e 3.º que são do seguinte teor:
«Artigo 2.º
Âmbito de aplicação subjetivo
1 - A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções.
2 - A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos atuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas coletivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objetivo.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e e) do artigo 10.º, a presente lei não é aplicável aos militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, cujos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações constam de leis especiais.
4 – (…).»
«Artigo 3.º
Âmbito de aplicação objetivo
1 - A presente lei é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado.
2 - A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, designadamente no que respeita às competências em matéria administrativa dos correspondentes órgãos de governo próprio, aos serviços das administrações regionais e autárquicas.
3 - A presente lei é ainda aplicável, com as adaptações impostas pela observância das correspondentes competências, aos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.
4 – (…).
5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, a presente lei não é aplicável às entidades públicas empresariais nem aos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos nos n.ºs 2 e 3.»
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º, o regime de vínculos consagrado seria aplicável «a todos os trabalhadores que exercem funções, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções» e, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo, aquele regime seria igualmente aplicável «aos atuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas coletivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objetivo», que é definido no artigo 3.º.
Por outro lado, nos termos do n.º 1 deste artigo 3.º, o regime estabelecido é aplicável aos serviços da administração direta e indireta do Estado e nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, «sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior, a presente lei não é aplicável às entidades públicas empresariais …».
Resulta, em síntese, destes dispositivos que os trabalhadores que tinham o estatuto de funcionários públicos e que se encontravam ao serviço de entidades públicas empresariais transitaram para o regime do contrato de trabalho em funções públicas, apesar de o novo regime de vinculação não ser aplicável a essas entidades, onde o regime de trabalho regra era o do contrato de trabalho de direito privado, tal como resultava dos artigos 16.º e 23.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º DL n.º 558/99, de 17 de dezembro, que estabelecia o regime jurídico do setor empresarial do Estado e das empresas públicas e que veio a ser substituído pelo Decreto-lei n.º 133/2013, de 3 de outubro.
3 – O Réu C. H. do .., EPE foi criado pelo Decreto-Lei n.º 326/2007, de 28 de setembro, que, para além do mais, aprovou os respetivos estatutos.
O artigo 5.º daquele diploma consagra algumas das linhas do regime jurídico das entidades criadas, sendo do seguinte teor:
«Artigo 5.º
Regime aplicável
1 - Às entidades públicas empresariais criadas pelo presente decreto-lei aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime jurídico, financeiro e de recursos humanos, constante dos capítulos II, III e IV do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro.
2 - A aplicação do capítulo IV do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, ao pessoal de todos os hospitais E. P. E. com relação jurídica de emprego público não prejudica a aplicação das regras gerais de mobilidade e racionalização de efetivos em vigor para os funcionários e agentes da Administração, designadamente as constantes da Lei n.º 53/2006, de 7 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 25 de outubro, com as necessárias adaptações.»
Em síntese, resulta deste artigo que o regime de recursos humanos imposto ao Réu é o que resulta do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, e, por força do n.º 2 do mesmo artigo, a aplicação daquele regime «ao pessoal de todos os hospitais EPE com relação jurídica de emprego público» não prejudica a aplicação a estes trabalhadores do regime da mobilidade e racionalização de efetivos referido naquele dispositivo.
O artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, define o regime de pessoal das EPE no âmbito da saúde, nos seguintes termos:
«Artigo 14.º
Regime de pessoal
1- Os trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e regulamentos internos.
2 - Os hospitais E. P. E. devem prever anualmente uma dotação global de pessoal, através dos respetivos orçamentos, considerando os planos de atividade.
3- Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 15.º, os hospitais E. P. E. não podem celebrar contratos de trabalho para além da dotação referida no número anterior.
4 - Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.»
Coerentemente com o regime geral das EPE, este artigo consagra como regime geral do trabalho no âmbito destas EPE o do contrato de trabalho de direito privado, estabelecendo o artigo 15.º o regime de transição do pessoal como relação jurídica de emprego público para as novas EPE, sendo do seguinte teor:
«Artigo 15.º
Regime transitório do pessoal com relação jurídica de emprego público
1 - O pessoal com relação jurídica de emprego público que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, esteja provido em lugares dos quadros das unidades de saúde abrangidas pelo artigo 1.º, bem como o respetivo pessoal com contrato administrativo de provimento, transita para os hospitais E. P. E. que lhes sucedem, sendo garantida a manutenção integral do seu estatuto jurídico, sem prejuízo do disposto no Decreto- Lei n.º 193/2002, de 25 de setembro.
2 - Mantêm-se com caráter residual os quadros de pessoal das unidades de saúde referidas no número anterior, exclusivamente para efeitos de acesso dos funcionários, sendo os respetivos lugares a extinguir quando vagarem, da base para o topo.
3 - Mantêm-se válidos os concursos de pessoal pendentes e os estágios e cursos de especialização em curso à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
4 - O pessoal a que se refere o presente artigo pode optar a todo o tempo pelo regime do contrato de trabalho nos termos dos artigos seguintes.»
Analisado o regime decorrente destes dois artigos, constata-se que se estabelece o regime do contrato de trabalho de direito privado para os trabalhadores que venham a ser contratados, coerentemente, com a disciplina que resulta do regime das EPE.
Já relativamente aos trabalhadores, que, de acordo com o regime acima referido, se mantiveram no âmbito do regime de contrato de trabalho em funções públicas, o artigo 15.º estabelece que «transita[m] para os hospitais EPE (…), sendo garantida a manutenção integral do seu estatuto jurídico, sem prejuízo do disposto no Decreto-lei n.º 193/2002, de 25 de setembro».
Em síntese, todos os trabalhadores que se encontravam vinculados aos estabelecimentos hospitalares por uma relação jurídica de emprego público mantinham integralmente o respetivo estatuto jurídico, apesar de vinculados às novas entidades EPE, consagrando-se, contudo, a possibilidade de os mesmos virem a optar pelo regime do contrato de trabalho de direito privado, opção que não releva no caso dos autos, por a Autora não ter optado por tal regime.
A garantia da manutenção integral do estatuto projeta-se no regime dos acidentes em serviço que está na base do litígio a resolver no presente processo.
Mas, coerentemente com esta disciplina, o artigo 19.º consagra as bases do regime de proteção social dos trabalhadores ao serviço das novas entidades hospitalares, nos seguintes termos:
«Artigo 19.º
Regime de proteção social
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 15.º, no n.º 1 do artigo 17.º e no n.º 1 do artigo anterior, o regime de proteção social dos hospitais E. P. E. é o regime geral da segurança social.
2 - Relativamente aos funcionários e agentes que não optem pelo regime do contrato de trabalho ou que, nos termos do número anterior, mantenham o regime de proteção social da função pública, os hospitais E. P. E. contribuem para o financiamento da C. G. de A. com a importância que se encontrar legalmente estabelecida para a contribuição das entidades empregadoras com autonomia administrativa e financeira.
3 - Os hospitais E. P. E. observam, relativamente ao pessoal referido no número anterior, o regime previsto no Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, e no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, para os organismos dotados de autonomia administrativa e financeira.»
Em síntese, os trabalhadores que mantenham o vínculo jurídico de natureza pública conservam o regime de proteção social anterior, tal como resulta do n.ºs 2 e 3 deste artigo, mesmo no que se refere a acidentes em serviço.
4 – As alterações ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, decorrente da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, surgem no contexto da implementação do regime do contrato de trabalho em funções públicas.
Na verdade, a Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, adaptou o âmbito de aplicação do regime dos acidentes em serviço ao novo regime dos vínculos, dando ao artigo 2.º daquele artigo a seguinte redação:
«Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 - O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado.
2 - O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.
3 - O disposto no presente decreto-lei é ainda aplicável aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior.
4 - Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.
5 - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação do regime de proteção social na eventualidade de doença profissional aos trabalhadores inscritos nas instituições de segurança social.
6 - As referências legais feitas a acidentes em serviço consideram-se feitas a acidentes de trabalho.»
Da análise da nova redação deste artigo resulta evidente que o regime estabelecido é aplicável relativamente aos trabalhadores que exercem funções com vínculo de natureza pública, nos serviços da administração direta ou indireta do Estado
No que se refere aos trabalhadores que exercem funções em EPEs, ou noutras entidades públicas não abrangid[o]s pelos números anteriores, de acordo com o disposto no n.º 4, «é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código».
Esta norma está claramente direcionada para os trabalhadores das EPE em regime de contrato de trabalho de direito privado, em relação aos quais o regime de proteção relativo a acidentes em serviço é o que resulta do Código do Trabalho, hoje o Código de Trabalho de 2009, e da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
A norma daquele n.º 4 não pode ser interpretada no sentido de retirar os trabalhadores das EPE da saúde com relação jurídica de emprego público, do regime da proteção dos acidentes em serviço, que é parte integrante do seu estatuto, conforme acima se referiu.
Na verdade tal interpretação colide diretamente com o teor do n.º1 deste artigo e com o facto de as entidades empresariais em causa integrarem a administração indireta do Estado, mas acima de tudo, com as normas específicas das EPE da saúde acima referidas e que garantiram àqueles trabalhadores a manutenção integral do respetivo estatuto.
A norma daquele n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro, não poderá ser lida fora do contexto do regime jurídico concreto que enquadra os trabalhadores que desempenham funções públicas, nomeadamente, no âmbito das entidades públicas empresariais, uma vez que é parte integrante da unidade de sistema que caracteriza o regime jurídico de prestação de trabalho destes trabalhadores.
Tal interpretação colidiria com os princípios em termos de hermenêutica jurídica, violando, claramente, o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, que impõe que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico» conduzindo ao absurdo de impor a trabalhadores que têm um relação de trabalho de natureza pública um regime de proteção de acidentes em serviço de direito privado.
Acresce que a atribuição do estatuto de EPE aos hospitais, conforme bem se considerou no acórdão do Tribunal de Conflitos acima referido, não retirou os hospitais do âmbito da administração indireta do Estado e não pôs em causa a sua natureza de pessoas coletivas públicas, pelo que os trabalhadores ao serviço destes, com vínculo de natureza pública, sempre serão abrangidos pelo n.º 1 do referido artigo 2.º do Decreto-Lei n,º 503/99, de 20 de novembro.”
Igualmente, como se defende no Ac T. de Conflitos n.º 16/16, de 11-01-2017, também para uma situação similar, quer no Decreto-Lei n.º 38.523, de 23-11, quer no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, na sua redacção inicial, o critério para a definição do âmbito de aplicação do regime dos acidentes de serviço dos trabalhadores do Estado era delimitado pela respectiva inscrição na CGA. Assim, neste último diploma naquela redacção inicial “o referido regime jurídico (acidentes de serviço) era aplicável aos “subscritores da C. G. de A.”; ao demais pessoal, vinculado por contrato de trabalho, era aplicável o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais – n.º 2 do referido Dec. lei 503/99, de 20 de Novembro.
Contudo, o âmbito de aplicação deste regime não se manteve assim até hoje. Com a entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29/12, deixou de haver inscrições na C. G. de A., face ao disposto no seu art. 2º:
“(…) 1 - A C. G. de A. deixa, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores.
2 - O pessoal que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação, em razão da natureza da instituição a que venha a estar vinculado, do tipo de relação jurídica de emprego de que venha a ser titular ou de norma especial que lhe conferisse esse direito, é obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.(…)”
A partir de 1 de Janeiro de 2006 a CGA deixou de ter novos subscritores e, portanto, esse elemento de conexão (ser subscritor da CGA) deixou de ser determinante para definir o âmbito de aplicação do Dec. Lei 503/99, como é evidente. A sujeição ao regime de acidentes de serviço dos trabalhadores que exercem funções públicas tinha, portanto, que ser delimitado com outro critério.
Daí que, o n.º 2 do referido Dec. Lei 503/99, de 20 de Novembro viesse a ser alterado através da Lei 59/2008, de 11/9, deixando o referido critério (isto é, ser ou não ser subscritor da C. G. de A.) de ser determinante para definir o âmbito de aplicação do regime jurídico dos acidentes em serviço.
O critério passou a ser o definido no art. 2º, n.º 1, do mesmo diploma legal (…)
Ou seja, o critério deixou de ser o da qualidade de subscritor para a C. G. de A. e passou a ser um critério que depende da natureza jurídica do vínculo estabelecido entre o “trabalhador” e da natureza do organismo público. Com efeito, como explicita o n.º 4 do mesmo preceito legal, aos trabalhadores que exerçam funções públicas em “entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho”
(…) Em conclusão: tendo sido alterado o critério legal relativo ao âmbito de aplicação do Dec. Lei 503/99, de 20/11, pela Lei 59/2008, de 11/9, e tendo o sinistro ora em causa ocorrido em 1-3-2013, o acórdão recorrido não pode manter-se uma vez que nesta data o sinistrado – muito embora continuasse a ser subscritor da CGA – não se incluía no universo dos trabalhadores abrangidos pois (i) não exercia funções públicas; (ii) não prestava serviço na administração directa ou indirecta do Estado; (iii) nem exercia funções nos serviços das administrações regionais, autárquicas, ou em qualquer das entidades referidas no n.º 2 do art. 2º do Dec. Lei 503/99, de 20/11, na redacção da Lei 59/2008, de 11/9.
Do exposto resulta que o acidente sofrido pelo autor deve ser reparado nos termos do Código do Trabalho, sendo competentes os Tribunais Judiciais para a tramitação do respectivo processo.” - cf. no mesmo sentido, os Acs. do T. de Conflitos n.º 010/16, de 19-01-2017, n.º 24/12, de 06-02-2014 ou os Ac. do TCAN n.º 1368/12.1BEBRG, de 08-04-2016. 00626/14.5BECBR, de 24-04-2015.
No que concerne ao entendimento da CGA de que a todos os trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais, ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números a 1 a 3 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, na redacção dada pelo art.º 9.º da Lei n.º 59/2008, de 11-09, é-lhes aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no CT, independentemente de exercerem ou não funções públicas – por vínculo de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas – é um entendimento que foi expressamente afastado pelo Ac. do T. de Conflitos n.º 24/12, de 07-05-2017, que considerou que o C. H. de L. O. é uma pessoa colectiva pública integrada na administração indirecta do Estado e que, por isso, os trabalhadores que nele exercem funções públicas estão sujeitos à disciplina do DL 503/99, de 20/11 (refira-se, ainda, que o Ac. do T. de Conflitos n.º 24/12, de 07-05-2017, revogou o Ac. deste TCAS n.º 09001/12, de 23-08-2012, depois seguido pelo Ac. TCAN n.º 01470/11.7BEBLS, de 11-04-2014, que tinham sufragado aquele mesmo entendimento da CGA, em dissonância com os anteriores Acs. do T. de Conflitos, acima indicados).
Em suma, por força da referida jurisprudência do T. de Conflitos, proferida no Ac n.º 24/12, de 07-05-2017, na vigência da alteração da Lei 59/2008, de 11-12, ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, há que distinguir, em matéria de acidentes de trabalho nas entidades públicas empresariais, os trabalhadores que detém um vínculo de nomeação ou de contrato em funções públicas, dos restantes, que optaram pela celebração de um contrato de direito privado.
Detendo os referidos trabalhadores um vínculo de nomeação ou de contrato em funções públicas, aplicar-se-á a estes, em matéria de acidentes de serviço, o regime do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11. Já quando os trabalhadores detiverem um contrato de direito privado, o regime para os acidentes de trabalho é o que resulta do CT e demais legislação (de direito privado) sobre a matéria.
Pelo exposto, se no caso sub judice se se verificar que o A. detém um contrato de trabalho em funções públicas (porquanto se sabe que não estará vinculado ao Hospital por nomeação), o regime aplicável manter-se-á o do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11. Porém, se o seu vinculo de trabalho passou a um contrato de direito privado, então, porque o mesmo é trabalhador do H. dos C./D., C. H. de L. C., EPE, uma entidade pública empresarial, que se integra noa administração indirecta do Estado, o regime aplicável aos acidentes de trabalho é o que resulta do CT, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, por força da do art. 2.º, n.ºs. 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, na versão revista pela Lei n.º 59/2008, de 11-12.
Como acima se disse, na 1.ª instância fixou-se no despacho saneador que o regime jurídico aplicável ao acidente dos autos era o do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20-11, para depois se impor à CGA a realização da Junta Médica prevista no art.º 38.º deste diploma e decidir, a final, pelo pagamento dos valores apurados em função do determinado nesse mesmo regime legal.
Contudo, na 1.ª instância não se apurou de forma completa e correcta, previamente àquelas decisões, algo que permanecia controvertido nos autos: o tipo de vínculo que o A. detinha, se um contrato e trabalho em funções públicas, se um contrato de direito privado, por tempo indeterminado.
Assim, considerando a insuficiência da matéria fáctica apurada nos autos, resta-nos revogar a decisão recorrida, porque errada e determinar a baixa dos autos à 1.ª instância, para que a mesma apure o vínculo jurídico que serve de base ao contrato de trabalho alegado pelo A. no ponto I, a) e art.sº 7.º da PI, após o que deve, então, tomar a devida decisão.
Considerando este julgamento, fica prejudicado o conhecimento da alegação da A... relativa à incorrecção dos valores de indemnização atribuídos, por não ter sido aplicada a legislação do CT.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- conceder provimento aos recursos interpostos, revogando a decisão recorrida e determinando a baixa dos autos para que se apure o vínculo jurídico que o A. detém e, após, se volte a conhecer do presente processo;
- custas pelo Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 24 de Maio de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)