Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1146/17.1BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/16/2018
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
INFORMAÇÃO NÃO PROCEDIMENTAL
DADOS PESSOAIS
Sumário:I – O direito de acesso à informação procedimental depende da existência de um procedimento administrativo sobre o qual se pretenda sejam prestadas informações.

II – Não se detecta a existência de qualquer procedimento administrativo quando o que está subjacente à pretensão formulada é a comunicação ao recorrente da cessação, por caducidade, de contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, dado se ter extinguido o motivo justificativo que esteve na génese da celebração do mesmo.

III – Não obstante a recorrida se encontrar sujeita ao regime previsto na Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, diploma que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, incluindo em matéria ambiental, não pode a mesma ser intimada a emitir as certidões pretendidas se os documentos dos quais se pretende sejam emitidas certidões contiverem informações sobre o estado de saúde de trabalhadora da requerida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

José ………………………, requereu contra a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, peticionando fossem prestadas as informações, fornecidos os documentos e passadas as seguintes certidões:
a) Informação com valor de certidão sobre se, sim ou não, a SCML admitiu ao seu serviço no último ano trabalhadores – designada, mas não exclusivamente, os indicados no requerimento inicial – com a função de motorista, para que postos de trabalho, em que regime contratual e com que fundamentos;
b) Cópia autenticada da «ficha de aptidão» que no primeiro parágrafo da cláusula sexta do contrato do Requerente foi dada «como integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos»;
c) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pela trabalhadora Marlene ………………, n.º mec.º 3743;
d) Cópia autenticada do documento onde, eventualmente, conste a prorrogação da situação de impedimento da trabalhadora Marlene …………………., n.º mec.º ……………..;
e) Informação com valor de certidão se, sim ou não, a situação de impedimento da antes referida trabalhadora se tornou definitiva e, caso afirmativo, quando se tornou;
f) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pelo trabalhador António ………………, n.º mecanográfico ………..;
g) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pelo trabalhador Emil …………., n.º mec.º ……………..”

Por sentença proferida em 27 de Julho de 2017 foi a entidade requerida absolvida do pedido.

Da aludida decisão interpôs recurso o requerente, sintetizado nas seguintes conclusões:

“1ª - Nos termos do n.º 2 do art.º 25º da LADT aprovada pela Lei n.º nº 34/2004, de 29 de Julho, decorridos 30 dias sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica, pelo que, tendo o Recorrente apresentado o pedido de Apoio Judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo em 28/04/2017 e não tendo sido notificado da decisão até à presente data, encontra­ se tacitamente dispensado de proceder ao pagamento da taxa de justiça para o presente recurso.

B. QUANTO À QUESTÃO DE FUNDO

2ª - A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (doravante SCML ou Recorrida), é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa cujos Estatutos foram aprovados por lei - o DL n.º 235/2008, de 03/12. -, pelo que, independentemente da sua natureza, a sua conduta é regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 2º do CPA.

Acresce que,

3ª - Os fins que estão legalmente definidos e deferidos à SCML correspondem a tarefas fundamentais do Estado que se encontram incluídas nas incumbências prioritárias do Estado, tal como consta da al. d) do art.º 9º e da al. a) do art.º 81º da Constituição.

Ou seja,

4ª - Por força de lei, a SCML prossegue essencialmente fins próprios do Estado, que este lhe devolveu através de disposições de direito administrativo - que são todas as contidas no DL n.º 235/2008 e nos Estatutos por ele aprovados. Ou,
5ª - De outro modo dito, embora seja legalmente qualificada como pessoa colectiva de direito privado, a SCML é uma entidade que, para além da utilidade pública administrativa que a lei lhe reconhece, se encontra sujeita a um regime especial de direito público e assegura, em nome e no lugar do Estado, a satisfação regular e contínua de interesses públicos secundários.
6ª - Isto é, desempenha, a título principal, a função administrativa, pois «O qualificativo de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa reflete a primariedade pública dos fins que a SCML é chamada a realizar, numa relação que não se resume à prossecução em coexistência cooperante e controlada, e corresponde a uma inserção de modo mais intenso na Administração e na sujeição a poderes de controlo que se aproximam do poder de superintendência» - cfr. Acórdão do TC n.º 595/12.

Aliás,

7ª - A circunstância de «os poderes conferidos à SCML» nos domínios supra elencados, corresponderem a tarefas fundamentais do Estado e de estarem incluídos nas incumbências prioritárias do Estado, revela, no plano material, as «atribuições de interesse público administrativo e de vinculações jurídico-públicas a que está sujeita» e, assim, a sua «inserção de modo mais intenso na Administração».

8ª - Esta realidade encontra previsão concreta quer no âmbito de aplicação do CPA quer no âmbito de aplicação da Nova LADA. Na verdade,

9ª - Na sua actual versão, o CPA adaptou, através do seu art.º 2º, n.º 1, uma visão da Administração Pública «em sentido funcional», ampliou o anterior âmbito de aplicação e fez desaparecer a anterior dicotomia gestão pública/gestão privada.
E,
10ª - Reflectindo a transposição da Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e da Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro, a Lei n.º 26/2016 ampliou significativamente o concepção de Administração Pública para efeitos do acesso aos documentos administrativos - cujo conceito precisou - adaptando uma ideia de Administração Pública em sentido material.

11ª - No que ao CPA respeita, decorre inequivocamente do n.º 1do seu art.º 2º que as disposições deste Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à actividade administrativa se aplicam à SCML.

12ª - E certo é também que, sendo o direito à informação um direito fundamental, dúvidas nunca poderiam restar de que, por força do n.º 3 do mesmo art.º 2º, os princípios gerais da actividade administrativa regulados no CPA e as suas disposições que concretizam preceitos constitucionais sempre seriam aplicáveis à SCML.

13ª - Por outro lado, tal como o CPA e por maioria de razão, a Nova LADA é aplicável à SCML, visto que se trata não só de uma entidade que exerce funções materialmente administrativas [al. i) do n.º do art.º 3º], como também foi criada de modo específico para satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, e em relação à qual se verificam as circunstâncias de a respectiva gestão estar sujeita ao controlo por parte do Estado, através do Governo, e de os respectivos órgãos de administração e direcção serem compostos na totalidade por membros designados pelo Governo. [als. b) e c) do n.º 2 do art.º 3º].

14ª - Ora, «"...a distinção entre informação procedimental e não procedimental assenta no tipo de informação que está em causa, na qualidade de quem a solicita e o distinto objectivo que se pretende atingir com a sua tutela."

O critério de distinção reside na seguinte linha divisória: "o direito à informação tem natureza procedimental quando a informação pretendida está contida em factos, actos ou documentos de um concreto procedimento em curso; tratando-se de acesso a documentos administrativos contidos em procedimentos já findos ou a arquivos ou registos administrativos, neste caso, mesmo que se encontre em curso um procedimento, o direito à informação tem natureza não procedimental.

As duas modalidades de informação cumprem objectivos distintos: enquanto a informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjectivas directas daqueles que intervêm (ou podem intervir) num procedimento, a informação não procedimental visa proteger o interesse mais objectivo da transparência administrativa."» - cfr., entre outros, o Acórdão do TCA Sul de 30/03/2017, proc. n.º 277/16.0BEFUN.

15ª - Assim, a SCML, no caso em apreço, está simultaneamente sujeita às duas modalidades de informação.

16ª - O que significa que, tendo a Sentença recorrida negado o reconhecimento do direito do Recorrente à informação em qualquer das referidas modalidades, padece manifestamente de erro na interpretação e aplicação do direito à situação subjudice

Na verdade,

17ª - A douta Sentença incorre em erro de julgamento:

a) Quando nela se entende que do teor do requerimento reproduzido na Alínea A), dos Factos Assentes, «os elementos a que o Requerente pretende aceder não respeitam a qualquer procedimento administrativo pendente»;

b) Quando na mesma se considera que «a Requerida SCML apenas está sujeita ao regime jurídico instituído pela Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, nos termos da alínea i), do n.º 1, do seu artigo 4º, ou seja, quando actue no exercício de funções materialmente administrativas ou de poderes públicos»;

c) Quando na douta Sentença se conclui que «Não respeitando a informação pretendida a actos praticados no exercício dessas funções ou poderes, mas antes a uma relação de natureza jurídico-privada - o Requerente pretende averiguar se se extinguiu o motivo justificativo explicitado na cláusula sexta do contrato de trabalho que celebrou com a Requerida nos termos do Código do Trabalho (cf. Alínea A), dos Factos Assentes), também não são aplicáveis as normas que disciplinam o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, que visa garantir a transparência que deve caracterizar a actividade administrativa».

Porquanto,

18ª - No que respeita ao vício indicado na alínea a) da antecedente conclusão, face ao conceito de acto administrativo constante do art.º 148º do CPA e por força da aplicabilidade directa do n.º 1 do art.º 2º do mesmo Código, todas as condutas da SCML são legalmente enquadradas e definidas como de exercício de poderes jurídico-admnistrativos, visto corresponderem ao exercício de poderes públicos regulados de modo específico por disposições de direito administrativo, constantes no DL n.º 235/2008 e nos Estatutos por ele aprovados.

E

19ª - Dúvidas não existirão que o acto que foi comunicado em 03/04/2017 ao Recorrente visou produzir efeitos jurídicos externos na sua situação individual e concreta.

20ª - Pelo que, contrariamente ao entendido na douta Sentença recorrida, o procedimento em que se enquadra a decisão de pôr termo ao contrato de trabalho do Recorrente é, inevitavelmente, um procedimento administrativo. E

21ª - Contrariamente ao entendimento vertido na douta Sentença recorrida, «os elementos a que o Requerente pretende aceder» respeitam a um procedimento pendente. Pois,

22ª - Resulta das disposições, harmoniosamente conjugadas, do n.º 1 do art.º 2º, art.ºs 82º e segs., al. b) do n.º 1e n.º 2 do art. 114º e art.º 148º do CPA com o disposto no n.º 2 do art.2 60º do CPTA, a norma segundo a qual quando o interessado, após uma decisão que lhe seja notificada de forma insuficiente, lance mão do pedido de informação seguido de intimação judicial, o procedimento administrativo não se mostra findo enquanto o destinatário do acto decisório não haja sido notificado da indicação do autor, da data ou dos fundamentos da decisão.

23ª - Mas, não tendo assim sido entendido na Sentença Recorrida, esta viola a antes referida norma.

Por outro lado,

24ª - No que respeita ao vício indicado na alínea b) da 17ª conclusão, a Sentença recorrida incorre no seu segundo erro de julgamento ao considerar que «a Requerida SCML apenas está sujeita ao regime jurídico instituído pela Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, nos termos da alínea i), do nº 1, do seu artigo 4.º, ou seja, quando actue no exercício de funções materialmente administrativas ou de poderes públicos». Efectivamente,

25ª - Como se viu supra, por um lado, o CPA é aplicável à SCML nos termos do n.º 1do seu art.2º e, por outro lado, a situação jurídica desta entidade subsume-se na previsão da al. i) do art.º 4º, mas, também, das als. b) e c) do n.º 2 do art.º 4º da Nova LADA, pelo que o procedimento relativo à decisão de fazer cessar o contrato de trabalho do Recorrente é um procedimento administrativo nos termos do CPA e, ao mesmo tempo, o pedido de informação que lhe foi dirigido respeita, não só ao procedimento de emissão de acto administrativo, como também à gestão de recursos humanos, previstos nas als. i) e iv) do n.º 1 do art.º 3º da Nova LADA .

26ª - Nesta conformidade, porque no caso em apreço a SCML actuou - como sempre actua - no exercício de funções materialmente administrativas, a douta Sentença recorrida colide e viola, por um lado, o disposto no n.º 1 do art.º 2º e art.ºs 82º a 85º do CPA e, por outro, o disposto nas als. i) e iv) do n.º 1 do art.º 3º e no n.2, als. b) e c), do art.º 4º da Nova LADA.
27ª - Acresce que, no que respeita ao vício indicado na alínea c) da 17ª conclusão, a douta Sentença recorrida, ao afirmar que «Não respeitando a informação pretendida a actos praticados no exercício dessas funções ou poderes, mas antes a uma relação de natureza jurídico-privada (...) também não são aplicáveis as normas que disciplinam o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, que visa garantir a transparência que deve caracterizar a actividade administrativa», incorre também em erro de interpretação e aplicação da lei em duas vertentes:

- Primeira, quando afirma que a informação pretendida não respeita a actos praticados no exercício de funções administrativas;

- Segunda, quando conclui que não são aplicáveis ao caso as normas da Nova LADA.

28ª - No tocante à primeira vertente, dada a «primariedade pública dos fins que a SCML é chamada a realizar», já acima se demonstrou que os actos praticados pela SCML são sempre praticados no exercício de funções administrativas em virtude das «atribuições de interesse público administrativo e de vinculações jurídico- públicas a que está sujeita», como assinala o Tribunal Constitucional no Acórdão supracitado. Pois,

29ª - Uma coisa é a natureza jurídica dos contratos de trabalho que a SCML é legalmente autorizada a celebrar e outra, bem diferente, é a natureza jurídica dos procedimentos que conduzem à decisão de celebração ou de cessação dos mesmos contratos. E

30ª - Não está aqui em causa a discussão da decisão de fazer cessar o contrato do Recorrente, mas sim - como a própria Sentença recorrida assinala - apenas a obtenção de informações e certidões relativas ao procedimento administrativo em que se inseriu a formação da vontade da SCML de fazer cessar o contrato de trabalho a termo incerto do Recorrente. Pelo que,

31ª - Estando a SCML abrangida pelo disposto no CPA nos moldes que se entram descritos no n.º 1 do seu art.º 2º, independentemente da sua natureza, as disposições deste Código que regulam os procedimentos administrativos são aplicáveis à sua conduta decisória de fazer cessar o contrato de trabalho do Recorrente.

32ª - Sendo certo que, como já se assinalou, concretizando o CPA o direito fundamental à informação, sempre, pelo menos, este Código seria aplicável à SCML nesta vertente por força do n.º 3 do mesmo art.º 2º.
33ª - Ou seja, analise-se o problema sob qualquer que seja a óptica, afigura-se indiscutível que o Recorrente teria em qualquer caso direito a obter as informações e certidões peticionadas.
34ª - No que a douta Sentença recorrida viola o direito fundamental à informação do Recorrente, com assento no n.º 1do art.º 268º da CRP e concretização nos art.ºs 82º ss do CPA, violando estas disposições constitucional e legais, e, bem assim, viola o disposto nos n.ºs 1e 3 do art.º 2º do CPA. Acresce que,
35ª - No tocante à segunda vertente referida na 27ª conclusão, a douta Sentença recorrida erra também flagrantemente quando afirma que «também não são aplicáveis as normas que disciplinam o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, que visa garantir a transparência que deve caracterizar a actividade administrativa», pela circunstância de, segundo afirma, se tratar de «uma relação de natureza jurídico- privada». Pois
36ª -Antes de mais, recorde-se que no n.º 1 do art.º 3º, a Nova LADA define, para todos os seus efeitos, o que se entende por «Documento administrativo» e que nessa noção inclui, a título exemplificativo, os documentos relativos a: "i) Procedimentos de emissão de atos (...) administrativos; "iv) Gestão de recursos humanos, nomeadamente os dos procedimentos de recrutamento, avaliação, exercício do poder disciplinar e quaisquer modificações das respetivas relações jurídicas ".Ora,
37ª -Não se poderá pôr em dúvida que: i) o procedimento que conduziu à decisão de contratar e, depois, fazer cessar o vínculo contratual do Recorrente respeita à «gestão de recursos humanos»; ii) é inquestionável também que, por exemplo, um contrato de trabalho e um seu anexo se inserem no procedimento de recrutamento; iii) e é perfeitamente evidente que o procedimento e a decisão de fazer cessar o contrato do Recorrente constituem um procedimento e uma decisão de modificação da respectiva relação jurídica.
38ª - Ao que acresce a circunstância de, na parte em que os documentos requeridos são nominativos, o Recorrente demonstrou fundamentadamente «ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante», tal como exige a al. b) do n.º 5 do art.º 6º da Nova LADA e resulta da Alínea A), dos Factos Assentes, da Sentença Recorrida. E
39ª -Na ponderação, «no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta», resulta evidente que se justifica o acesso à informação, dada a circunstância de a mesma se destinar a poder aferir se se mostra violado o seu direito à manutenção do contrato de trabalho a termo incerto que foi feito cessar, tal como melhor se alcança Alínea A), dos Factos Assentes, da Sentença Recorrida. Assim,
40ª -Para efeitos da Nova LADA, a pretensão informativa e certificativa do Recorrente subsume-se na previsão do n.º 1do seu art.º 3º e reúne os requisitos da al. b) do n.º 5 do art.º 62, visto que - repete-se - se afigura indiscutível que a Nova LADA é aplicável à SCML e, assim, ao vertente pedido de informações.
41ª - Pelo que, ao entender inaplicáveis ao caso «as normas que disciplinam o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, que visa garantir a transparência que deve caracterizar a actividade administrativa», a douta Sentença recorrida fez errónea interpretação e aplicação da lei e viola o direito fundamental do Recorrente à informação não procedimental, plasmado no n.º 2 do art.º 268º da CRP e concretizado na Nova LADA, violando designadamente as disposições, conjugadas, do n.º 1, al. a), do art.º 3º, do n.º 2 do art.º 4º e da al. b) do n.º 5 do art.º 6º.

A recorrida concluiu as contra alegações da seguinte forma:

“1. O Recorrente veio recorrer da douta sentença, que julgou correctamente a questão dos presentes autos, considerando improcedente a acção e absolvendo a Requerida do pedido.

2. Nos termos do artigo 104º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Requerente entende ter direito à informação administrativa procedimental e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos na posse da Requerida, no âmbito da relação laboral entre a Requerida e terceiros.

3. Contudo, os elementos que o Requerente pretende obter com a presente intimação não respeitam a qualquer procedimento administrativo pendente, pelo que não pode ter aplicação no caso o regime da informação administrativa procedimental.

4. A Requerida é, de acordo com o artigo 1º dos seus Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 235/2008, de 3 de Dezembro, uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa.

5. Entre a Requerida e o Requerente foi celebrado um contrato de trabalho a termo resolutivo incerto, ao abrigo das normas do Código de Trabalho, no âmbito de uma relação de direito privado.

6. A Requerida é uma pessoa colectiva de direito privado, e no âmbito da sua actividade contratou o Requerente, ao abrigo das normas do Código de Trabalho, para o exercício de funções na carreira de operários qualificados e semiqualificados, como motorista, por necessidade temporária de substituição de outro trabalhador.
7. A questão em apreço nos presentes autos deve ser reconduzida a uma relação jurídica de direito privado, como tal regulada pelos princípios e regras substantivas do direito civil comum.
8. No caso em apreço não estamos perante um litígio emergente de uma relação jurídico- administrativa, isto é, no âmbito de um contrato celebrado nos termos da legislação sobre contratação pública.
9. O CPTA coloca à disposição do interessado a faculdade de requerer à entidade pública, que proferiu o acto administrativo, pela via da intimação judicial, as informações em falta ou a passagem de certidão que as contenha.
10. Daí a secção do Código dedicada às acções de intimação, nomeadamente nos artigos 104º e seguintes do CPTA, que prevêem que, quando não seja dada integral satisfação a pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação contra a pessoa colectiva de direito público, para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão.
11. A Requerida não praticou qualquer acto administrativo, nem actuou no exercício de funções materialmente administrativas ou exerceu poderes públicos, quando comunicou ao Requerente a cessação do contrato de trabalho.
12. A douta sentença concluiu que “Não respeitando a informação pretendida a actos praticados no exercício dessas funções ou poderes, mas antes a uma relação de natureza jurídico-privada – o Requerente pretende averiguar se se extinguiu o motivo explicitado na clausula sexta do contrato de trabalho que celebrou com a Requerida nos termos do Código de Trabalho, também não são aplicáveis as normas que disciplinam o direito de acesso aos registos e arquivos administrativos, que visa garantir a transparência que deve caracterizar a actividade administrativa”.
13. Logo a Requerida não pode ser demandada pela jurisdição administrativa e ser intimada para juntar informação e passar certidões de documentos e informações prestadas no âmbito da relação laboral do direito civil comum.

O M.P. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II) Na decisão recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:

A) Em 18 de Abril de 2017, o ora Requerente, representado por advogado, dirigiu à Directora de Recursos Humanos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o seguinte requerimento:
“…vem ao abrigo do direito fundamental à informação, plasmado no art.º 268º da CRP e concretizado no art.º 82 do CPA e nos art.ºs 5.º e ss. da LADA aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22/08, expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Em 23 de Setembro de 2015, entre o Requerente e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (doravante SCML) foi celebrado um contrato de trabalho a termo incerto com início nesse mesmo dia.
2. Em representação da SCML, esse contrato foi subscrito por V. Exa. pois, segundo é dito no proémio do mesmo, a «PRIMEIRA OUTORGANTE, representada neste ato pela Diretora de Recursos Humanos, Dra. ………………………., por subdelegação de competências do Exmo. Senhor Vogal da Mesa, Dr. …………………….., conforme despacho de 28 de Abril de 2015, de que a Mesa tomou conhecimento através da deliberação n° 487/2015, da sessão ordinária de 12 de Maio de 2015 »
3. Tal contrato de trabalho foi celebrado fundado nos seguintes motivos, segundo reza a sua Cláusula Sexta, com a epígrafe Fundamentação:
«O presente contrato é celebrado a termo resolutivo incerto ao abrigo dos números 1 e 3 conjugados com alínea a) do n° 2, todos do art.° 140° do Código do trabalho, tendo como fundamento para a sua celebração a necessidade por parte da SCML em proceder à substituição direta do trabalhador António …………….., n.° mecanográfico ……………, no exercício das suas funções como Motorista, e indireta dos trabalhadores Emil ………………, n.° mec.° 100873, e Marlene ………………., n.° mec.° …….., em funções idênticas.
Tal contratação é necessária na medida em que, de acordo com critérios de gestão da SCML, o primeiro, António …………, foi identificado e indicado para substituir o segundo, Emil Florea, nas suas funções de Motorista no Instituto Médico Pedagógico Condessa de Rilvas, uma vez que este se encontra a substituir a terceira, Marlene ……………, na Direção de Infância e Juventude, em virtude de esta estar temporariamente impedida de exercer a atividade de Motorista para a qual foi contratada por se encontrar apta condicionalmente, decorrente de doença natural, tal como resulta da ficha de aptidão que se dá como integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos. Atendendo à circunstância que subjaz ao impedimento da Marlene ……………. para o exercício das funções de Motorista, que se encontra associada a motivos imprevisíveis, pode a situação de impedimento ser prorrogada por decisão médica, pelo que se trata de uma necessidade temporária da PRIMEIRA OUTORGANTE.
2. Na sequência do disposto no número anterior, o presente contrato deve durar por todo o tempo em que a trabalhadora Marlene ................ se encontre impedida de exercer a atividade de Motorista e cessa com a extinção do fundamento da contratação, ou seja, com a alta médica da trabalhadora, ou atingido o limite legalmente estipulado por lei para a sua duração, consoante aquele que se verificar primeiro. »
4. Sucede que, contrariamente ao que resulta implícito no segundo período do primeiro parágrafo da cláusula antes transcrita, a este contrato ou, melhor dito, à cópia deste contrato que foi entregue ao Requerente, não foi anexa a «ficha de aptidão que», segundo ali se declara, «se dá como integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos ».
5. Ora, a coberto de correio registado com aviso de recepção, o Requerente recebeu da SCML em 03/04/2017 o ofício n.º 01108, datado de 31MAR2017, com a seguinte comunicação:
«Comunica-se a V. Exa., que o Contrato de trabalho a termo incerto iniciado em 23 de Setembro de 2015, cessará, por caducidade, no dia 31 de Março de 2017, uma vez que se extingue o respetivo motivo justificativo, explicitado na cláusula 6.ª do referido contrato.
Nesta oportunidade, solicitamos a devolução do cartão de colaboradora [sic], que, lembramos, decorre do acordado no n. º 3 da cláusula 8.ª do contrato acima identificado, informando-se igualmente que, na mesma data, procederemos à entrega da Declaração de Situação de Desemprego e do Certificado de Trabalho.»
6. Face ao que antecede, o Requerente tem necessidade – e o direito – de saber, por via de informação e dos documentos em poder da SCML, se, sim ou não, se extinguiu o motivo justificativo, explicitado na Cláusula Sexta do seu contrato, supra transcrita.
7. Sucede ainda que o Requerente se apercebeu que, recentemente, a SCML admitiu ao seu serviço, pelo menos, três motoristas. A saber:
a) Um há cerca de sete meses (Luís ……………..);
b) Outro há cerca de três meses (Pedro …………..);
c) E outro ainda há cerca de um mês (Carlos …………).
8. O que lhe faz suscitar ainda maiores dúvidas sobre a alegação de que se haja extinguido o motivo justificativo do seu contrato.
9. Acresce que, tanto quanto julga saber, a trabalhadora Marlene ……………… ................ deixou de ser motorista e passou a exercer funções administrativas nos Serviços Centrais da SCML.
Termos em que, ao abrigo do direito fundamental à informação, plasmado no art.º 268º da CRP, concretizado no art.º 82º do CPA e nos art.ºs 5º ss da LADA aprovada pela Lei n.º 26/2016, de 22/08, e tutelado nos art.ºs 104º ss do CPTA, requer-se a V. Exa. que lhe sejam prestadas as informações, fornecidos os documentos e passadas as certidões seguintes:
a) Informação com valor de certidão sobre se, sim ou não, a SCML admitiu ao seu serviço no último ano trabalhadores – designada, mas não exclusivamente, os acima indicados – com a função de motorista, para que postos de trabalho, em que regime contratual e com que fundamentos;
b) Cópia autenticada da «ficha de aptidão» que no primeiro parágrafo da cláusula sexta do contrato do Requerente foi dada «como integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos»;
c) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actual mente estavam e estão a ser desempenhadas pela trabalhadora Marlene ………. ................, n.° mec.° …………..;
d) Cópia autenticada do documento onde, eventualmente, conste a prorrogação da situação de impedimento da trabalhadora Marlene …………… ................, n.° mec.°……….;
e) Informação com valor de certidão se, sim ou não, a situação de impedimento da antes referida trabalhadora se tornou definitiva e, caso afirmativo, quando se tornou;
f) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pelo trabalhador António ……………, n.° mecanográfico ………………….;
g) Declaração, com valor de certidão, das funções que, designadamente, à data de 31/03/2017 em que foi feito cessar o contrato do Requerente, e actualmente estavam e estão a ser desempenhadas pelo trabalhador Emil……….. n.° mec.° ………...” (cf. documento junto com o Requerimento Inicial).

B) A Entidade Requerida não respondeu ao requerimento referido na Alínea anterior.

III) Fundamentação jurídica

Sendo o objecto dos recursos delimitados pelas conclusões das respectivas alegações, importa começar a análise do mesmo começando por referir que a questão abordada pela recorrente na conclusão 1ª das alegações de recurso – a concessão de apoio judiciário, por deferimento tácito do requerido – se encontra prejudicada dado o requerimento de concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo ter sido expressamente deferido, conforme se retira de mensagem de correio electrónico remetida aos autos pelo Núcleo de Assuntos Jurídicos e Contencioso do Centro Distrital de Lisboa do Instituto da Segurança Social, I.P..

Entrando agora no mérito recurso, que ataca a decisão recorrida por entender que deveria a recorrida ter sido intimada a emitir as certidões pretendidas.
Vejamos:

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é, de acordo com o artigo 1º dos respectivos Estatutos, aprovados pelo D.L. nº 235/2008, de 3 de Dezembro “uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa”, estando sujeita, de acordo com o artigo 2º dos mesmos Estatutos, a tutela, exercida pelo membro do Governo que superintende a área da segurança social.

Relativamente ao regime actualmente consagrado quanto ao âmbito de aplicação do Código de Procedimento Administrativo, prevê o artigo 2º nº 1, na versão que resulta do D.L. nº 4/2015, de 7 de Janeiro que “As disposições do presente Código respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à actividade administrativa são aplicáveis à conduta de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adoptada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo.”, norma que o recorrente entende ser aplicável à recorrida Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, para daí retirar que, ao abrigo do direito à informação procedimental, deveria o T.A.C. de Lisboa ter decidido em sentido contrário, deferindo a pretensão formulada.

Se as disposições do C.P.A. respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à actividade administrativa são aplicáveis à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o mesmo só sucede quando a actuação da Santa Casa seja adoptada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, o que não sucede no caso em apreço, dado que, conforme resulta expressamente da matéria de facto, as certidões que o recorrente pretende sejam emitidas prendem-se com a pretensão de saber se se extinguiu o motivo justificativo que esteve na origem da celebração do contrato de trabalho de trabalho a termo resolutivo incerto, celebrado entre o recorrente e a recorrida, pretensão essa que emerge do facto de a recorrida ter comunicado ao recorrente que o referido contrato de trabalho, celebrado em 23 de Setembro de 2015, cessaria por caducidade no dia 31 de Março de 2017, dado se ter extinguido o motivo justificativo que esteve na génese e justificou a celebração do mesmo.

Esta actuação da recorrida não é adoptada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, logo o regime previsto no C.P.A., na parte aplicável por força do artigo 2º nº 1, não se aplica à pretensão formulada pelo recorrente.

Em reforço do supra referido e continuando a afastar os fundamentos do recurso dirigido à sentença proferida pelo T.A.C. de Lisboa, é de referir, na esteira do supra aludido, não estarmos perante o exercício do direito à informação procedimental, regulado nos artigos 82º a 84º do C.P.A. desde logo porque, ao contrário do sustentado pelo recorrente, a cessação, por caducidade, do contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre o recorrente e a recorrida não ocorrer no âmbito de um procedimento administrativo nem tal cessação reveste as características de um acto administrativo.

Com efeito, se a definição de procedimento administrativo é “…a sucessão ordenada de actos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”, conforme resulta do artigo 1º nº 1 do C.P.A. – e se a lei – o C.P.A. no artigo 148º - define como acto administrativo “…as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.”, o entendimento da recorrida de considerar que o contrato de trabalho a termo incerto, celebrado ao abrigo dos números 1 e 3 conjugado com a alínea a) do nº 2 do artigo 140º do Código do Trabalho, cessou por caducidade dado se ter extinguido o respectivo motivo justificativo, não foi precedido de qualquer procedimento regulado por normas de direito administrativo, mas sim de direito de trabalho, no caso em apreço o Código do Trabalho, nem tal entendimento, ou se assim se quiser, tal decisão é tomada ao abrigo do exercício de poderes jurídico-administrativos, pelo que é afastar o entendimento do recorrente segundo o qual o direito à informação que pretende exercer se subsumiria no direito à informação procedimental, ao qual subjaz a existência de um procedimento administrativo, no caso inexistente.

Importará agora, prosseguindo a análise do recurso, determinar se a recorrida estará obrigada a satisfazer a pretensão do recorrente ao abrigo da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, diploma que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, incluindo em matéria ambiental.

De acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 3º do diploma supra referido “Para efeitos da presente lei, considera-se: a) «Documento administrativo» qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material (…)”, prescrevendo o artigo 4º quanto ao âmbito de aplicação subjectivo da Lei em apreço:
“Artigo 4.º
Âmbito de aplicação subjectivo
1 - A presente lei aplica-se aos seguintes órgãos e entidades:
a) Órgãos de soberania e os órgãos do Estado e das regiões autónomas que integrem a Administração Pública;
b) Demais órgãos do Estado e das regiões autónomas, na medida em que exerçam funções materialmente administrativas;
c) Órgãos dos institutos públicos, das entidades administrativas independentes e das associações e fundações públicas;
d) Órgãos das empresas públicas;
e) Órgãos das autarquias locais, das entidades intermunicipais e de quaisquer outras associações e federações públicas locais;
f) Órgãos das empresas regionais, municipais, intermunicipais ou metropolitanas, bem como de quaisquer outras empresas locais ou serviços municipalizados públicos;
g) Associações ou fundações de direito privado nas quais os órgãos e entidades previstas no presente número exerçam poderes de controlo de gestão ou designem, directa ou indirectamente, a maioria dos titulares do órgão de administração, de direção ou de fiscalização;
h) Outras entidades responsáveis pela gestão de arquivos com carácter público;
i) Outras entidades no exercício de funções materialmente administrativas ou de poderes públicos, nomeadamente as que são titulares de concessões ou de delegações de serviços públicos.
2 - As disposições da presente lei são ainda aplicáveis aos documentos detidos ou elaborados por quaisquer entidades dotadas de personalidade jurídica que tenham sido criadas para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial, e em relação às quais se verifique uma das seguintes circunstâncias:
a) A respectiva actividade seja maioritariamente financiada por alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número;
b) A respectiva gestão esteja sujeita a um controlo por parte de alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número;
c) Os respectivos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados por alguma das entidades referidas no número anterior ou no presente número.

Considerou a sentença recorrida que a ora recorrida “…apenas está sujeita ao regime jurídico instituído pela Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, nos termos da alínea i), do nº 1, do seu artigo 4º, ou seja, quando actue no exercício de funções materialmente administrativa ou de poderes públicos.”, entendimento que o recorrente refuta, argumentando que a sujeição da requerida à Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto resultará das alínea b) e c) do nº 2 do artigo 4º.

Vejamos:

Prescreve o artigo 1º dos Estatutos da recorrida, aprovados pelo D.L. nº 235/2008, de 3 de Dezembro:
“Artigo 1.º
Denominação e natureza jurídica
1 - A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, adiante designada por SCML, é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa.

Prevêem os nºs 1 e 2 do artigo 4º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa:
“Artigo 4.º
Fins estatutários
1 - A SCML tem como fins a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de acção social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular actuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de actividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas no âmbito da economia social.
2 - A SCML desenvolve ainda as actividades de serviço ou interesse público que lhe sejam solicitadas pelo Estado ou outras entidades públicas.
(….)

Os supra transcritos artigos 1º e 4º dos Estatutos da recorrida permite concluir que a requerida é uma entidade dotada de personalidade jurídica e foi criada para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, não sendo dotada de carácter industrial ou comercial, resultando, do nº 1 do artigo 1º, que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa, estando sujeita a tutela exercida pelo membro do Governo que superintende a área da segurança social, de acordo com o artigo 2º nº 1 dos Estatutos da requerida, tutela essa que abrange, além dos poderes especialmente previstos nos estatutos, “…a definição das orientações gerais de gestão, a fiscalização da actividade da Misericórdia de Lisboa e a sua coordenação com os organismos do Estado ou dele dependentes”, de acordo com o nº 2 do artigo 2º dos Estatutos da requerida, concluindo-se, assim, que a gestão da requerida está sujeita a um controlo, por parte do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, pelo que a aplicação do regime previsto na Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa se fará por força da alínea b) do nº 2 do artigo 4º da Lei de Acesso à Informação Administrativa, dado a gestão da recorrida Santa Casa da Misericórdia de Lisboa estar sujeita a controlo por parte do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, sendo dotada de personalidade jurídica e criada para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial

A questão que se coloca, aqui chegados, consiste em saber se a requerida apenas está sujeita ao regime consagrado na Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, conforme constitui fundamentação da decisão recorrida, quando actue no exercício de funções materialmente administrativas ou de poderes públicos, de acordo com a alínea i) do nº 1 do artigo 4º da referida Lei, entendimento que este Tribunal não acolhe, dado a alínea b) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto não fazer tal distinção, ao contrário do que sucede quanto às entidades titulares de concessões ou de delegações de serviços públicos.

O regime constante da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto aplica-se à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa por força da alínea b) do nº 2 do artigo 4º, sendo inquestionável que a actividade da Santa Casa Misericórdia de Lisboa é materialmente administrativa, conforme resulta dos preceitos supra transcritos.

A propósito da natureza jurídica da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa afigura-se útil transcrever, parcialmente, teor de Acórdão do Tribunal Constitucional nº 595/2012, proferido em 6 de Dezembro de 2012 (1):

“Tem sido doutrinalmente controversa a natureza jurídica da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa [Cf. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, pág. 922; Marcello Rebelo de Sousa, Os Novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Estudos de Direito Público, pág. 43 e segs.; José Carlos Vieira de Andrade, Os Novos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Estudos de Direito Público, pág. 99 e segs.)]. Os Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei 235/2008, de 3 de dezembro, na sequência do Decreto-Lei 322/91, de 26 de agosto, definem-na como pessoa coletiva de direito privado de utilidade pública administrativa. A SCML prossegue fins de ação social, de prestação de cuidados de saúde, educação, cultura, e outras atribuições que lhe sejam cometidas pelo Estado, sobretudo em proteção dos mais desfavorecidos. Como meio de obtenção de receitas, é concessionária ex lege da exploração dos jogos sociais do Estado, em regime de exclusivo para todo o território nacional, aliás na sequência de uma longa tradição. Como salienta Pedro Gonçalves (que propõe a sua qualificação como instituto privado do Estado), «[o] Governo exerce sobre ela vastos poderes de tutela e de superintendência - define as orientações gerais de gestão, determina os critérios de atuação e os objetivos a prosseguir, autoriza, aprova e homologa inúmeros atos, regras e negócios jurídicos da instituição, fiscaliza a sua atividade: é, de facto, o Governo que determina, estabelece ou marca a 'agenda da instituição' além de nomear os titulares dos Órgãos de administração (Provedor e Mesa), assim como a maioria dos titulares dos órgãos consultivos e de fiscalização». O qualificativo de pessoa coletiva de utilidade pública administrativa reflete a primariedade pública dos fins que a SCML é chamada a realizar, numa relação que não se resume à prossecução em coexistência cooperante e controlada, e corresponde a uma inserção de modo mais intenso na Administração e na sujeição a poderes de controlo que se aproximam do poder de superintendência (Marcello Rebelo de Sousa, loc. cit., pág. 63).

Revela-se igualmente útil transcrever, parcialmente, Acórdão proferido pelo S.T.A. em 30 de Maio de 2012, proferido no âmbito do Proc. 0263/12, ainda que no domínio da Lei nº 46/2007, de 24/8, mas cuja argumentação é aplicável aos presentes autos:
(…)
“Para a intimação proceder quanto ao B……, é necessário que os dados pretendidos pela recorrente possam ser qualificados como «documentos administrativos» (arts. 1º e 2º, n.º 1, da LADA). O art. 3º, n.º 1, al. a), do diploma define «documentos administrativos» como «qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome». Vê-se, assim, que o critério determinativo do que sejam «documentos administrativos» deixou de partir da natureza e função dos documentos para se relacionar com a identidade do seu possuidor.”
(…)
“Já sabemos que a LADA erigiu, como critério determinante do que sejam «documentos administrativos», a identidade institucional do seu possuidor. Partiu, pois, da ideia de que, cabendo ele no elenco do art. 4º, os documentos que possuísse ou detivesse «nomine suo» seriam, em princípio, administrativos. Contudo, porque a LADA também explicitou que «não se consideram documentos administrativos para o efeito da presente lei os documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa» («vide» o art. 3º, n.º 2, al. b), temos que a referência às várias entidades elencadas no art. 4º e a afirmação de que são administrativos os documentos que elas possuam arranca de uma espécie de presunção: a de que tais entidades desempenham uma actividade administrativa material, ao menos «lato sensu».”

É assim de reiterar o entendimento, supra expendido, que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa está sujeita à aplicação do regime consagrado na Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, por força da alínea b) do nº 2 do artigo 4º.

Em reforço do supra referido importará recordar que o provedor da recorrida é nomeado por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e do membro do Governo que exerce a tutela sobre a SCML (n.º 1 do artigo 11.º dos Estatutos) e que o vice-provedor e os vogais são nomeados pelo membro do Governo que exerce a tutela sobre a SCML, ouvido o provedor (n.º 1 do artigo 13.º dos Estatutos), pelo que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa também está sujeita à LADA por força da alínea c) do nº 2 do artigo 4º dado os respectivos órgãos de administração serem compostos por membros designados também por entidades sujeitas à LADA.

Aqui chegados e tendo presente que estamos no domínio do direito à informação não procedimental, importa determinar o âmbito de aplicação de tal direito, que se encontra previsto e delimitado no artigo 5º nº 1 da Lei em apreço, de acordo com o qual “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.”, prevendo, ainda, o nº 2 do mesmo preceito que “o direito de acesso realiza-se independentemente da integração dos documentos administrativos em arquivo corrente, intermédio ou definitivo.”
Conclui-se do artigo 5º que o direito de acesso aos documentos administrativos está limitado aos direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo, não se mostrando incluído no mesmo a faculdade de exigir a emissão de certidões, contendo informações que se pretenda ver a aqui recorrida ser intimada a prestar, entendimento que o artigo 13º da mesma Lei reforça, quando refere que o acesso aos documentos se faz por consulta gratuita, reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual, sonoro ou electrónico ou certidão, prevendo o nº 6 do mesmo preceito que “a entidade requerida não tem o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido”.

Assim, e tendo presente o teor do requerimento dirigido à recorrida, e não satisfeito por esta, apenas se poderia equacionar a possibilidade de intimar a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a emitir, nos termos pretendidos pelo recorrente, cópia autenticada da ficha de aptidão que no primeiro parágrafo da cláusula sexta do contrato do ora recorrente foi dado “como integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos” – alínea b) do requerimento dirigido em 18 de Abril de 2017 à Directora de Recursos Humanos da ora recorrida (cfr. item A) dos factos apurados) - bem como cópia autenticada, existindo o mesmo, de documento onde conste a prorrogação da situação de impedimento da trabalhadora Marlene …………… ................, nº mecº……, dado as pretensões contidas nas alíneas a), c), e), f) e g) do referido requerimento extravasarem os limites do direito de acesso a documentos administrativos, com a definição e contornos previstos na Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, dado não pressuporem a reprodução de documentos mas sim a prestação de informações “…com valor de certidão...”, como pretendido pelo recorrente que é realidade distinta e não está contido no direito de acesso a documentos administrativos, já existentes.

Aqui chegados, importa analisar se, face ao regime legal vigente, deve a recorrida ser intimada a emitir cópia autenticada da ficha de aptidão que no primeiro parágrafo da cláusula sexta do contrato de trabalho celebrado com o ora recorrente foi dado “como integralmente por reproduzida para todos os devidos e legais efeitos”, bem como cópia autenticada do documento onde, eventualmente, conste a prorrogação da situação de impedimento da trabalhadora identificada pelo recorrente no requerimento inicial.

Conforme consta do requerimento dirigido pelo recorrente à Directora de Recursos Humanos da recorrida – cfr. item A) dos factos apurados – o recorrente foi contrato dado a trabalhadora Marlene ................ “…estar temporariamente impedida de exercer a actividade de Motorista para a qual foi contratada por se encontrar apta condicionalmente, decorrente de doença natural, tal como resulta da ficha de aptidão que se dá como integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos. Atendendo à circunstância que subjaz ao impedimento da Marlene ................ para o exercício das funções de Motorista, que se encontra associada a motivos imprevisíveis, pode a situação de impedimento ser prorrogada por decisão médica, pelo que se trata de uma necessidade temporária da PRIMEIRA OUTROGANTE.”

De acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto, “para efeitos da presente lei, considera-se: b) «Documento nominativo» o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de protecção de dados pessoais;”
Por sua vez, de acordo com o n.º 5 do artigo 6.º:
“Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos:
a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder;
b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação”.

Os artigos 3.º, n.º 1, alínea b), e 6.º, n.º 5, têm, assim de ser conjugados com o disposto na Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro (2) - Lei de Protecção de Dados Pessoais:

Este diploma contém, na alínea a) do seu artigo 3.º, o conceito de «dados pessoais»:
“qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social”.

À luz da supra referida definição é patente que os documentos de que o recorrente pretende obter cópia autenticada são documentos nominativos, dado conterem, para além do no nome da trabalhadora da requerida, o que não é decisivo para o presente recurso, dados especialmente sensíveis, relativos ao seu estado de saúde, dado se tratar de ficha de aptidão da trabalhadora da recorrida, da qual constará que a mesma esteve “…apta condicionalmente, decorrente de doença natural” sendo que o documento, a existir, nos termos que são colocados pelo recorrente, onde conste a prorrogação da situação de impedimento da mesma trabalhadora conterá também, dado se tratar de atestar a prorrogação da situação de impedimento “…por decisão médica”, conforme consta da cláusula sexta do contrato de trabalho a termo incerto, parcialmente reproduzido no requerimento dirigido à Directora de Recursos Humanos da recorrida, dados relativos ao estado de saúde da mesma.

Ora, tais dados são, inquestionavelmente dados pessoais, respeitantes ao núcleo da privacidade de cada um, são “dados pessoalíssimos”.

Tendo presente que tais documentos – o segundo, se existir – conterão, necessariamente, dados com as referidas características e tendo presente que o recorrente não está munido da autorização prevista na alínea a) do nº 5 do artigo 6º, a questão de saber se deve ser a recorrida intimada a emitir as referidas cópias autenticadas passa pelo juízo de proporcionalidade previsto na alínea b), do nº 5 do artigo 6º, de acordo com o qual apenas poderá o terceiro – o aqui recorrente – ter acesso a tais documentos “se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”

Entende este Tribunal que não obstante o recorrente ter um interesse directo, pessoal e legítimo que justificaria, em abstracto, o acesso à informação, dado pretender saber se se extinguiu o motivo justificativo explicitado na Cláusula Sexta do contrato de trabalho a termo incerto, tal direito não se pode sobrepor ao direito da trabalhadora da recorrida à intimidade da vida privada, no caso concreto ao núcleo mais essencial da mesma, que é o seu estado de saúde.

Com efeito, a informação sobre o estado de saúde da trabalhadora da recorrida, identificada pelo recorrente, constitui algo que radica do núcleo irredutível da esfera da vida privada da mesma, núcleo da vida privada que o interesse invocado pelo recorrente – saber se cessou o motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo incerto - não tem a aptidão de derrubar, não podendo ser facultadas, por entidades patronais, como é o caso da recorrida, cópias de documentos que contenham informações sobre o estado de saúde, actual ou pretérito, dos seus trabalhadores, pelo que a pretensão recursiva formulada pelo recorrente está, com a antecedente fundamentação, votada ao insucesso.

IV) Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento, com a antecedente fundamentação.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2018


Nuno Coutinho

José Gomes Correia

Paulo Vasconcelos

(1) Publicado na IIª Série do D.R. nº 13 de 18 de Janeiro de 2013.
(2) Alterada pela Lei nº 103/2005, de 24 de Agosto.