Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00928/98
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/07/1998
Relator:António Coelho da Cunha
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª. Secção do T.C.A.

1. Relatório

N..., residente na Rua Eng. Adelino Amaro da Costa, Amares, interpôs no T.A.C. do Porto recurso de anulação do despacho do Presidente da Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros nº. 223, de 12.9.95, que em sede de recurso hierárquico manteve a pena disciplinar de demissão aplicada ao recorrente pelo Sr. Inspector Regional de Bombeiros do Norte.

A Mmª. Juiza “a quo” deu provimento ao recurso, anulando o acto impugnado, o despacho de 12.9.95 do Presidente da Direcção do S.N.B. .

É dessa sentença que vem interposto o presente recurso, no qual a recorrente Direcção do Serviço Nacional dos Bombeiros formula as seguintes conclusões:

1ª. - O despacho nº. 223/95, por erro dactilográfico, está datado de 12.09 quando deveria ser de 13.9;

2ª. - O supracitado despacho refere-se à deliberação da Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros de 13.09 (Acta nº. 21/95); mas mesmo que assim não se entenda, o que só por hipótese académica aceitamos, ao considerar-se o despacho nulo, a deliberação é válida, na medida em que foi praticada por órgão competente nos termos da alínea n) do nº. 1 do artº. 10º. do D.L. 418/80 de 29.09, estando por isso o ora despacho ratificado por órgão competente - Direcção do S.N.B.;

3ª. - Por último, o julgador por erro de interpretação violou o disposto no artº. 668º., al. d) nº. 1, 2ª. parte do C.P.Civil;

4ª. - O despacho recorrido não é, pois, nulo.

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste T.C.A. emitiu Parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

* *

2. Matéria de Facto:

A sentença recorrida deu como provada a seguinte factualidade pertinente:

a) O recorrente exercia as funções de Comandante no Corpo de
Bombeiros Voluntários de Amares;

b) Por despacho do Sr. Inspector Regional de Bombeiros do Norte, de 22.5.95, foi mandado instaurar processo disciplinar ao recorrente;

c) E, no mesmo despacho foi determinada a suspensão preventiva do recorrente;

d) Em 19.7.95, o Sr. Inspector Regional Adjunto deduziu a acusação constante da “Nota de Culpa” junta a fls. 7 a 9, aqui dada como reproduzida;

e) Notificado da acusação, o recorrente apresentou a sua defesa por escrito;

f) Em 14.8.95, o Sr. Instrutor - Inspector Regional Adjunto, lavrou o Relatório junto a fls. 10018, aqui dado como reproduzido, onde propôs “a aplicação ao arguido (...) da pena de demissão (...)”;

g) Por despacho de 17.8.95, do Sr. Inspector Regional Adjunto, foi o recorrente punido com “única pena de demissão” (cfr. fls. 255 do P.A.);

h) O recorrente foi notificado deste despacho em 18.8.95;

i) Deste despacho interpôs o recorrente, em 23.8.95, recurso hierárquico, conforme requerimento de fls. 1 a 4 do P.A., aqui dado como reproduzido;

j) Sobre este recurso hierárquico recaiu o despacho nº. 223, de 12.9.95, acto recorrido do Sr. Presidente da Direcção Nacional de Bombeiros, aqui dado como reproduzido;

k) Na mesma data foi prestada a informação nº. DPF/95/95, pelo Sr. Técnico Superior Jurista, junta a fls. 5 a 8 do 2º. P.A., aqui dada como reproduzida;

l) No canto superior dessa informação, em 13.9.95 foi exarado o seguinte despacho:

«A Direcção analisou o processo referente ao recurso hierárquico interposto pelo Sr. Nuno Fernando Almeida Barbosa, Comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de Amares, do despacho do Sr. ... em substituição de 95.8.17 que após processo disciplinar o puniu com pena de demissão.
A Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros ... deliberou manter a pena aplicada.»

3. O Direito

A sentença recorrida, dando provimento ao recurso, anulou o acto impugnado, ou seja, o despacho de 12.9.95 do Sr. Presidente da Direcção do S.N.B., que em sede de recurso hierárquico manteve a pena disciplinar de demissão aplicada ao recorrente N... pelo Sr. Inspector Regional do Norte.

Tal anulação teve por suporte legal o disposto no artº. 10º. nº. 1 al. n) do Dec-Lei nº. 418(80 de 29 de Setembro - Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros, nos termos do qual compete à Direcção dos S.N.B. “decidir dos recursos em matéria disciplinar,” e não ao seu Presidente, cujas competências estão reguladas no artº. 11º. do citado diploma.

Todavia a recorrente Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros insurge-se contra a decisão recorrida, formulando as conclusões seguintes:

- O despacho nº. 223/95, por erro dactilográfico, está datado de 12.09, quando deveria ser de 13.09;

- O supracitado despacho, refere-se à deliberação da Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros de 13.09 (Acta nº. 21/95), mas mesmo que assim não se entenda, o que só por hipótese académica aceitamos, ao considerar-se o despacho nulo, a deliberação é válida, na medida em que foi praticada por órgão competente nos termos da alínea n) do nº. 1 do artº. 10º. do D.L. 418/80 de 29.09, estando, por isso, o ora despacho ratificado por órgão competente - Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros;
- Por último, o julgador, por erro de interpretação, violou o disposto no artº. 668º. al. d) nº. 1 - 2ª. parte do C.P.C.;

- O despacho recorrido não é, pois, nulo.

Para analisar as questões suscitadas convém recordar os pontos essenciais da matéria de facto provada nos autos:

- Em 19.7.95, o Sr. Inspector Regional Adjunto deduziu a acusação contida na “Nota de Culpa” de fls. 7 a 9 dos autos;

- Notificado da acusação, o recorrente apresentou a sua defesa por escrito;

- Em 14.8.95, o Sr. Instrutor - Inspector Regional Adjunto lavrou o Relatório de fls. 10 a 18 dos autos, propondo a aplicação ao ora recorrente da pena de demissão.

- Por despacho de 17.8.95 do Sr. Inspector Regional Adjunto, foi o recorrente punido com a pena de demissão (cfr. fls. 251 do Processo Instrutor);

- Deste despacho interpôs o recorrente em 23.8.95 recurso hierárquico para o serviço Nacional de Bombeiros na pessoa do seu Presidente.

- Sobre tal recurso hierárquico recaiu o despacho nº. 223, datado de 12.9.95 e acto ora recorrido, da autoria do Sr. Presidente da Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros, do seguinte teor:

«Despacho nº. 223. Nos termos do nº. 1 do artº. 66º. do Dec-Lei nº. 24/84, de 16 de Janeiro, conjugado com a alínea n) do artº. 10º. do Dec-Lei nº. 418/80 de 29 de Setembro, mantenho e aplico a pena de demissão ao Sr. Nuno Fernando Almeida Barbosa de Macedo, Comandante dos Bombeiros Voluntários de Amares, proposta pelo Sr. Instrutor do processo disciplinar.
Nos termos do artº. 69º. do Dec-Lei nº. 24/84 de 16 de Janeiro dê-se conhecimento da decisão ao arguido, seu mandatário, Presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Amares e Sr. Inspector Regional de Bombeiros do Norte.»

Vem agora a recorrente Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros concluir nas suas alegações que o despacho nº. 223/95, “datado por erro dactilografado de 12.09.95 e não de 13.09.95 de acordo com a deliberação da Direcção e respectiva acta nº. 21/95 é o resultado da deliberação do órgão colegial - Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros.

E pergunta a recorrente: “O Tribunal “a quo” ao anular o despacho nº. 223 que adveio da deliberação da Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros, estará concomitantemente a anular esta ? Ou a deliberação mantém-se inalterável, porque legal, e apenas é de anular o referido despacho ?”

Conclui, finalmente, a mesma recorrente que “nesta conformidade, o vício pelo qual a sentença do T.A.C. do Porto veio a anular o acto administrativo contenciosamente impugnado, pese embora tenha sido arguido nas conclusões das alegações do recurso, foi-no em moldes diferentes da interpretação dada pelo julgador, pelo que ao conhecer dela nos termos em que o fez, incorreu em excesso de pronúncia, por erro de interpretação, violando o consagrado na alínea d) do nº. 1 - 2ª. parte do artº. 668º. do C.P.C. aplicável “in casu” por força do artº. 1º. da L.P.T.A.»

Vejamos:

O objecto do presente recurso para o Tribunal de 1ª. instância, como é óbvio, era apenas o acto administrativo impugnado e não qualquer outro.

E, como resulta claramente do teor da petição inicial, o único acto impugnado pelo recorrente foi o despacho nº. 223, datado de 12 de Setembro de 1995 e assinado pelo Sr. Presidente da Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros (S.N.B.), que na sequência do recurso hierárquico interposto manteve e aplicou a pena de demissão.

De resto, ao recorrente não havia sido notificado qualquer outro despacho ou deliberação, nomeadamente a aludida deliberação da Direcção do S.N.B. datada de 13 de Setembro.

Como alega o recorrido com pertinência, “o ali recorrente foi notificado do despacho nº. 223, assinado pelo Sr. Presidente da Direcção do S.N.B. em 21 de Setembro de 1995, ou seja, muito depois da deliberação da Direcção ocorrida em 13 de Setembro, nada justificando, por isso, a omissão de notificação da dita deliberação em lugar do despacho 223”.

Em suma, o Tribunal “a quo” no âmbito do presente recurso só poderia conhecer, como efectivamente conheceu, da validade ou invalidade do acto supra identificado, não tendo que se ocupar da deliberação de 13.9.95 da Direcção de Serviço Nacional de Bombeiros, que nem sequer lhe foi notificada e em princípio não era do conhecimento do recorrente.

Vejamos, agora, se o Tribunal “a quo” analisou correctamente o arguido vício de incompetência.

A incompetência pode ser definida como o vício que consiste “na prática, por um órgão da administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da administração” (cfr. Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, vol. III, 1989, p. 298).

A “incompetência relativa”, ou “incompetência por falta de competência” é aquela que se verifica quando um órgão de uma pessoa colectiva pública pratica um acto que está fora da sua competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva (cfr. Freitas do Amaral, ob. cit., p. 299).

Segundo o Dec-Lei 418/80 de 29 de Setembro, o Serviço Nacional de Bombeiros ... é um organismo dotado de personalidade jurídica de direito público, sendo (artº. 1º.), sendo seus órgãos centrais o conselho superior de bombeiros, a direcção e o conselho administrativo (artº. 6º.).

Para o que nos interessa, as competências da Direcção estão previstas no artº. 10º., cuja alínea n) é do seguinte teor: “Decidir dos recursos em matéria disciplinar interpostos de acordo com a legislação em vigor”.

Lendo-se esta norma em conjugação com o disposto no artº. 27º. nº. 4, alínea h) (competência das Inspecções Regionais de Bombeiros para aplicar as penas previstas na lei aos comandantes dos corpos de bombeiros privativos e de associações de bombeiros), resulta claro que a competência para decidir o recurso hierárquico necessário interposto pelo recorrente só podia caber à Direcção do S.N.B., como o entendeu a sentença recorrida.

Na verdade a competência do Presidente está prevista no artº. 11º. e nada tem a ver com matéria disciplinar.

De resto o S.T.A. já decidiu nestes termos: “Segundo o regime instituído pelo Dec-Lei nº. 418/80 de 20.09 (Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros), da punição aplicada em processo disciplinar a um comandante de bombeiros cabe recurso hierárquico para a Direcção do S.N.B.” - (fr. Ac. S.T.A. 10.10.91).

Finalmente é de dizer que o aludido vício de incompetência foi clara e expressivamente alegado pelo recorrente nos arts. 32 e ss. da p.i., pelo que a decisão recorrida, ao analisá-lo e reconhece-lo não incorreu em qualquer excesso de pronúncia por violação do disposto no artº. 668º. nº. 1, 2ª. parte al. d) do C.P.Civil.

Improcedem, pois, todas as conclusões da agravante.

4. Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas por delas estar isenta a recorrente.

Lisboa, 7 de Maio de 1998

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Helena Maria Ferreira Lopes
Carlos Manuel Maia Rodrigues