Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02866/07
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/19/2017
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONCURSO DE PROFESSORES
GRADUAÇÃO PROFISSIONAL DE PROFESSORES
CRITÉRIO DE PREFERÊNCIA CONJUGAL
Sumário:I. Os concursos em causa de afetação e de destacamento de professores, têm natureza especial, destinando-se a fazer face a necessidades residuais das escolas, nos termos do artigo 30.º e seguintes do D.L. n.º 35/2003, de 27/02.

II. Os critérios de preferência atendem a um conjunto diferenciado de interesses, considerando o universo variado dos candidatos que podem ser opositores, mas sempre tendo em consideração necessidades que são residuais e sem conferir grau de estabilidade à colocação de professores.

III. Tais critérios não constituem uma derrogação dos princípios da organização e da gestão da carreira docente, nem da graduação profissional do professor.

IV. Podendo candidatar-se ao concurso, destinado a satisfazer necessidades residuais, professores integrados num quadro de escola, por terem a sua situação jurídica estabilizada, a sua situação é tutelada mas não como a primeira prioridade em relação a outros professores que se encontrem em situação de maior incerteza e precariedade.

V. A priorização dos critérios previstos no n.º 7 do artigo 30.º do D.L. n.º 35/2003, de 27/02 reflete a ponderação feita pelo legislador das várias situações existentes, por consideração dos diferentes universos de candidatos de professores elegíveis, não se derrogando de forma irreversível e insustentável os princípios da organização e da gestão da carreira docente, nem da graduação profissional do professor.

VI. Tal norma jurídica prioriza as situações e os respetivos candidatos em função do maior nível de proteção que se pretende conferir aos interesses em causa, em termos em que não ofendem o quadro constitucional por violação do princípio de Estado de Direito, nos sub-princípios da proteção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça.

VII. Os critérios de colocação dos professores em concursos para recrutamento de docentes para suprir necessidades residuais das escolas, não são arbitrários, desnecessários, desproporcionais, não violam os direitos ou as expectativas de quem já é titular de uma situação jurídica de maior estabilidade, pela razão da própria natureza do concurso que, destinando-se a satisfazer necessidades residuais e transitórias das escolas, obedecem prima facie a uma maior racionalização e agilização dos meios disponíveis ou que não estão devidamente aproveitados, como sejam os professores dos quadros de zona pedagógica.

VIII. O objetivo do concurso em causa mais do que consistir num concurso geral, aberto a todos os professores e que visa satisfazer as necessidades permanentes das escolas, visa satisfazer necessidades pontuais ou residuais de professores, não pretendendo conferir proteção primária aos professores já colocados, sob um quadro legal que confere maior estabilidade, como os professores integrados num quadro de escola, sob pena de subverter todos os anteriores processos de colocação em escola, por cada colocação conduzir à necessidade de uma substituição do professor colocado e no limite, dar origem a situações sucessivas de colocação ou “em cascata”.

IX. Tal não constitui uma derrogação do princípio da proteção da confiança, nem viola o princípio da proporcionalidade, da boa fé e da justiça.

X. O critério da preferência conjugal, que permite que sejam colocados com prioridade os candidatos casados com cônjuge que seja funcionário ou agente do Estado relativamente aos demais colegas professores, não derroga o princípio constitucional da igualdade, pois não constitui um privilégio ou discriminação positiva arbitrária, desproporcional ou desprovida de motivo justificador, nem absolutamente intolerável em face das diferentes modalidades do concurso para colocação dos docentes, nos termos do D.L. n.º 35/2003, de 27/02.

XI. O legislador não está vedado de proceder a diferenciações de tratamento baseadas em razões sérias e não arbitrárias, visando as normas dos artigos 40.º e 41.º do D.L. n.º 35/2003 tutelar a agregação familiar e conjugal e a proteção da família, enquanto valor juridicamente relevante no quadro constitucional, em famílias em que ambos os cônjuges podem estar deslocados da sua casa de morada de família por razões de emprego público.

XII. Com tal discriminação positiva visa-se procurar criar as condições para gerar a disponibilidade dos docentes em se dispor trabalhar sob tais condições menos favoráveis, no caso de ambos os cônjuges serem trabalhadores em funções públicas.

XIII. Não existe maior respeito ou consideração de umas famílias ou de uns professores em detrimento de outros, mas antes a consideração de valores e de direitos que se colocam sobremaneira no caso de ambos os cônjuges, por razões de emprego público, serem forçados a deixar a sua residência, quando comparada com a situação em que apenas um tiver de residir noutro local.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Sónia ………………………., devidamente identificada nos autos de ação administrativa especial instaurada contra o Ministério da Educação, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão proferido em 03/05/2006, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa 2, que julgou a ação totalmente improcedente, no âmbito da qual a Autora peticiona a anulação das listas de docentes colocados e não colocados para satisfação de necessidades residuais relativas ao grupo de docência 21 (Francês e Português) para o ano escolar de 2005/2006, publicitadas em 28/08/2005 na internet e a condenação à prática de ato devido, de colocação da Autora, atendendo às preferências de colocação manifestadas, com precedência sobre os docentes providos em Quadro de Zona Pedagógica com graduação inferior e ainda, que seja reconhecido o direito à preferência conjugal para efeitos de concurso de destacamento, e ainda que a Entidade Demandada seja condenada ao pagamento de € 500 já vencidos e de mais € 500 por cada mês, desde a citação até efetivo pagamento, a título de indemnização.

Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações (cfr. fls. 156 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“1º A Requerente pediu a anulação da lista de docentes colocados e não colocados, para satisfação de necessidades residuais, relativas ao grupo de docência 21, para o ano escolar 2005/2006. Pediu também a condenação do R. na sua colocação, conforme preferências indicadas, com precedência sobre os docentes com graduação inferior. Adicionalmente peticionou ainda que lhe fosse reconhecido o direito à preferência conjugal.

2° O Tribunal recorrido decidiu julgar totalmente improcedente a acção, sendo na decisão indicados como fundamentos as convicções de que:

- O concurso de afectação visa a colocação dos docentes providos em QZP, criados para fazer face a necessidades não permanentes das escolas, enquanto que a criação dos QE foram criados para fazer face às necessidades permanentes, pelo que não se admite a arbitrariedade da norma constante do nº 7 do art. 30º do Decreto Lei nº 35/2003 conjugada com o nº 2 do art. 23° do mesmo diploma

- O QE implica uma maior estabilidade na carreira em relação ao QZP e a A. poderia transitar do QE para o QZP, pelo que a colocação, em causa na acção, não implica a violação do princípio da justiça ou regressão na carreira

- Não foram postergadas as exigências de confiança, certeza e segurança essenciais num Estado de Direito nem os principias da protecção da confiança dos cidadãos, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça.

- Quanto à preferência conjugal, prevista nos art. 40° e 41° do DL 35/2003, por ser um mecanismo excepcional e visar não só os interesses privados dos docentes mas também o interesse público e a gestão do funcionalismo publico, não é, como tal, arbitrária ou violadora do princípio da igualdade e nem do Direito à família consagrados na CRP.

3º Apesar de todo o respeito que nos merece o douto Tribunal a quo, constata-se, no entanto, que a fundamentação apresentada é insuficiente nuns casos e incorrecta noutros, sendo em qualquer caso juridicamente questionável, como acima se demonstrou.

4º O Acórdão de que se recorre viola o principio basilar da organização e da gestão da carreira docente; o princípio da graduação profissional e, concomitantemente, o princípio constitucional da protecção da confiança. Isto porque,

Ao longo de décadas, na vigência de diversos diplomas legais definidores do estatuto da carreira docente e regimes jurídicos de colocação de professores, sempre prevaleceu e sempre foi respeitado o princípio da graduação profissional; excepto durante os dois únicos anos lectivos em que vigorou o Decreto-Lei 35/2003, que agora se colocou em causa.

6º Este facto demonstra inequivocamente as sólidas expectativas da A. relativamente à manutenção do respeito pelo princípio da graduação profissional.

7º A postergação do princípio da graduação profissional pelo legislador, e agora pelo Tribunal recorrido, representa uma violação arbitrária, intolerável e desproporcionada do princípio da protecção da confiança dos cidadãos e constitui uma ofensa ao princípio do Estado de Direito.

8º O Tribunal a quo interpretou de forma errada o princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito, levando-o a tomar uma decisão incorrecta, porque relativamente à A. se verifica:

• Existência de uma legítima expectativa do particular na continuação de uma determinada situação - mais tutelada será essa expectativa se implicar a sustentação de um plano de vida;

• Tal expectativa deve ter sido estimulada, alimentada ou pelo menos tolerada pelo Estado;

• Que o Estado altere, de forma inesperada e imprevisível, o seu comportamento.

9° Quanto à chamada preferência conjugal, que permitiu que fossem colocados com prioridade os candidatos casados em que o cônjuge é funcionário ou agente do Estado relativamente aos demais colegas, verifica-se que o mui douto Acórdão se fundamenta numa argumentação inconstitucional, por violação clara do princípio da igualdade.

10º As dimensões do princípio da igualdade que estão em causa são a proibição da discriminação e do arbítrio na actuação do Estado-legislador, e não a da igualdade de oportunidades, contrariamente ao referido no Acórdão ora em causa.

11° O Tribunal a quo entende natural e legitimo que a família da A., apenas por esta não ser casada com um funcionário público, seja, justificadamente, discriminada e menorizada pelo legislador. Admitindo e considerando correcto que a família da A. seja tratada com menor grau de consideração e respeito face a outro docente em que o cônjuge seja funcionário público. E por isso,

12º A interpretação do princípio da igualdade feita pelo Tribunal a quo está nos antípodas da axiologia constitucional e não aplica as imposições constitucionais, com base na justificação de que estaria em causa o interesse público, que notamos estar muito em voga e parece ser remédio, sem mais, para toda a actuação do Estado que põe em causa os direitos dos particulares. Porém,

13º Não se vê, e nem a douta decisão recorrida justifica, em que é que o facto de ser dada prioridade na colocação a docentes cujo cônjuge seja funcionário público, em detrimento dos docentes cujo cônjuge não o seja, promove o interesse público, porque a admitir-se o tratamento discriminatório ou arbitrário dos cidadãos em nome do interesse público, sem se esclarecer qual o interesse em concreto que está em causa, tal significaria a adopção de um conceito de interesse público tão amplo que, em tese, tudo seria permitido. Uma tal concepção de interesse público é própria de outros Estados que não Estados de Direito Democrático.

14° Finalmente, quanto ao critério da “gestão do funcionalismo público” indicado como justificação no Acórdão, haverá que esclarecer que as opções de gestão pública não podem justificar a postergação de principias constitucionais fundamentais, sob pena de um entendimento contrário significar uma desconsideração pelos direitos fundamentais dos cidadãos e do princípio do Estado de Direito.

15° O Acórdão do Tribunal a quo interpretou a constituição como se esta tivesse um conteúdo meramente programático, mantendo a aplicação de uma legislação inconstitucional, ficando assim, também ferido do mesmo vício.

16º A A. apresentou prova bastante e uma argumentação técnico-jurídica suficientemente sólida, alicerçada no texto constitucional, em jurisprudência do Tribunal Constitucional e na mais proeminente doutrina jus­ publicista, para demonstrar os vícios de inconstitucionalidade de que enferma o n.º 7 do art. 30.º do Dec.­ Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, que determinam a invalidade do acto administrativo que aplicou as respectivas normas.

17º A A. demonstrou que o Ministério da Educação aplicou uma norma inconstitucional da qual resultaram graves danos para os seus interesses.

18º Apesar de a prova bastante e de a argumentação sólida esgrimida pela A. não terem sido neutralizadas, a decisão do Tribunal a quo foi a de não atender ao peticionado pela A.

19º A sentença emitida pelo Tribunal a quo subscreve a aplicação pela Administração de normas inconstitucionais por violação do princípio do Estado de Direito, nos sub-princípios da protecção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça e por violação do princípio da igualdade.

20° Face ao exposto, a Recorrente vem pedir a substituição da douta decisão recorrida por outra que respeite os preceitos da Constituição da República Portuguesa e que salvaguarde os legitimas direitos da A.”.


*

O Recorrido veio contra-alegar o recurso interposto, formulando as seguintes conclusões (fls. 176 e segs.):

1.ª A Autora é docente do quadro de escola (QE), no grupo de código 21 (Português/Françês), e foi opositora ao concurso “interno” de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar 2005/2006, previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro, com as redacções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 18/2004, de 17 de Janeiro e Decreto-Lei n.º 20/2005, de 19 de Janeiro (adiante designado por Decreto-Lei n.º 35/2003), e aberto pelo Aviso n.º 1413-B/2005, publicado no DR n.º 30 (2.ª série), de 11 de Fevereiro.

2 .ª E, no formulário de candidatura, manifestou preferências nos termos do art.º 12° do Decreto-Lei n.º 35/2003, por quadro de zona pedagógica (de código 11), por escolas e por concelhos, na perspectiva de vir a ser transferido para um desses quadros, mas não veio a obter colocação.

3.ª Candidatou-se ao destacamento para aproximação da residência, a que se refere a alínea b), do n.º 1 do art.º 40.º, do Decreto-Lei n.º 35/2003, não tendo obtido, igualmente, colocação, atentas as preferências manifestadas e os horários disponíveis, tendo em conta o disposto no n.º 6 do citado artº 40°.

4 .ª Tal resultado motivou, no nosso entender, a investida contra o acto que homologou as listas de afectação, dos docentes do QZP, imputando-lhe o vício de inconstitucionalidade por aplicação de normas violadoras do art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa.

5 .ª E, para o efeito, formula os seguintes pedidos:

Que se proceda à anulação das “(...) listas de docentes colocados e não colocados, para satisfação de necessidades residuais, relativas ao grupo de docência 21 (Francês e Português), para o ano escolar 200512006, publicitas em 28 de Agosto”;

Que o Réu seja condenado “à pratica do acto administrativo devido, o qual se traduz na colocação da A., atendendo às preferências manifestadas, com precedência sobre os docentes providos em QZP, que tenham graduação inferior”;

Em alternativa (deste segundo pedido), que seja reconhecida “à A. o direito à preferência conjugal”. E, subsidiariamente, a “que seja concretizado o destacamento da A., para o ano lectivo 200512006 (...), para um estabelecimento de educação da área do distrito de Lisboa, por forma a manter os seus tratamentos (...) que configura a verificação superveniente de um dos requisitos para o destacamento por condições específicas”.

6 .ª O concurso de docentes constitui o processo normal e obrigatório da selecção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (para os quadros de escola e QZP) e obedece ao princípio da unidade, traduzido na apresentação de uma única candidatura, aplicável, por isso, quer a todos os níveis e graus de ensino, quer a todos os momentos em que se desenvolve.

7 .ª A Autora é docente do quadro de escola (QE), no grupo de código 21 (Português/Françês), e foi opositora ao concurso “interno” de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar 2005/2006, previsto e regulado pelo Decreto-Lei n.º 35/2003, na perspectiva de vir a ser transferida para um dos quadros para os quais manifestou preferências nos termos do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2003 (QZP de código 11, escolas e concelhos). Não tendo logrado colocação.

8 .ª Candidatou-se ao destacamento para aproximação da residência, a que se refere a alínea b), do n.º 1 do art.º 40., do Decreto-Lei n.º 35/2003, não tendo obtido, igualmente, colocação, atentas as preferências manifestadas e os horários disponíveis, tendo em conta o disposto no n.º 6 do citado art.º 40.º.

9 .ª O que justificou, no nosso entender, a investida contra o acto que homologou as listas de afectação, dos docentes do QZP, proferido pelo Sr. Director-Geral dos Recursos Humanos da Educação no cumprimento do n.º 9 do art.º 37.º do Decreto-Lei n.º 35/2003, ao qual veio a imputar o vício de inconstitucionalidade por aplicação de normas (as contidas no Decreto-Lei n.º 35/2003, diploma que prevê e regula o concurso de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário) violadoras do art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa, designadamente, dos sub-princípios, da protecção da confiança dos cidadãos, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça.

10.ª Ora, o Decreto-Lei n.º 35/2003 não foi declarado inconstitucional e, por isso, a Administração no concurso em questão, encontrava-se vinculada ao cumprimento das suas normas.

11.ª E, como se verifica do mesmo, o n.º 7 do art. 30° e n.º 1 do art.º 40.º, do Decreto-Lei n.º 35/2003, os quais determinam:

“art.º 30.º

7 - O preeenchimento dos horários é feito, sucessivamente, de acordo com a seguinte ordem:

a) Destacamento dos docentes previstos na alínea a) do nº 4;

b) Afectação dos docentes previstos no nº 5;

c) Destacamento dos docentes previstos na alínea b) do nº 4;

d) Destacamento dos docentes previstos na alínea c) do nº 4;

e) Contratação dos docentes previstos no nº 6”.

“art.º 40.º

1 - Os docentes providos em lugares de quadro de escola que tenham sido opositores a concurso, podem apresentar-se ao concurso de destacamento, sendo ordenados de acordo com as seguintes prioridades:

a) 1ª prioridade - docentes cujo cônjuge ou equiparado seja funcionário ou agente e que, ao abrigo da preferência conjugal, requeiram a sua colocação nos termos do artº 41°;

b) 2ª prioridade - docentes não incluídos na alínea anterior”.

12.ª E, quanto aos destacamentos previstos no art.º 40.º e seguintes do Decreto-Lei nº 35/2003, embora se tratasse de docente do quadro de escola (QE), o certo é que o cônjuge ou equiparado não é funcionário ou agente (já que não fez prova disso), daí que não preenchendo os requisitos exigidos pelo art.º 41.º, do Decreto-Lei n.º 35/2003, nunca poderia vir a ser colocado nos horários disponibilizados para o efeito.

13.ª Tal implicaria (como veio a suceder) que apenas poderia ser colocado na 2ª prioridade, em horários disponíveis depois da colocação os docentes candidatos à preferência conjugal, nos termos do artº 41.º, atentas as preferências manifestadas, nos termos do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 35/2003.

14.ª E, assim, não sendo o cônjuge ou equiparado da Autora funcionário ou agente, procedeu em conformidade com o que dispunha o n.º 1 do art.º 40.º, do Decreto-Lei n.º 35/2003, quando colocou em 1ª prioridade os docentes cujo cônjuge ou equiparado eram funcionários ou agentes e que, deixando aos outros, os candidatos a destacamento (art.º 40.º não incluídos na alínea a) do n.º 1 do art.º 40.º (situação onde se encontra a Autora), os horários sobrantes.

15.ª Ao proceder desta forma, bem decidiu a Administração, em conformidade, aliás, com o preceituado no n.º 1 do art.º 3º do CPA, não sofrendo, por isso, o acto de qualquer vício.

16.ª Ou seja, o acto em causa, emitido no exercício de poderes vinculados, cumpriu as regras impostas pelo Decreto-Lei n.º 35/2003, porquanto não ofendeu os princípios constitucionais que a Autora refere, como se pretende fazer crer.

17.ª E, assim, porque não é evidente tal inconstitucionalidade, como defendemos, deve prevalecer o princípio da presunção de constitucionalidade e aplicá-la.

18.ª Como é pacífico na Doutrina e na Jurisprudência, a Administração não deve recusar a aplicação de uma norma de direito ordinário, com fundamento em inconstitucionalidade, até que como tal seja declarada com força obrigatória geral, e mesmo assim, com as inerentes reservas.

19.ª Veja-se, o Ac. do STA de 28/10/97, R. 41394 que decidiu: “II - Em obediência ao princípio da legalidade, a Administração está obrigada a actuar em conformidade e a cumprir as leis em vigor, enquanto não forem alteradas, corrigidas ou revogadas ou não forem declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional”.

20.ª No mesmo sentido, veja-se como decidiu o Pleno do STA no Ac. de 19/1/2000, R. 37652, “A inconstitucionalidade de uma norma de direito ordinário não afasta, em princípio, o dever do seu acatamento por parte da administração e dos cidadãos até que sobrevenha uma declaração jurisdicional de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, e, mesmo nesse caso, com ressalva dos casos julgados e com possibilidade de restrição dos efeitos de inconstitucionalidade por razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de especial relevo”.

21.ª Assim, não tendo sido declarada a inconstitucionalidade do diploma em causa, a Administração, no concurso em questão, teria de aplicar as normas do Decreto-Lei n.º 35/2003. E, foi o que a Administração fez.

22.ª Para o concurso de 2005/2006, aplicou os procedimentos referentes ao preenchimento de horários para suprimento de necessidades residuais das escolas, designadamente, os contidos no n.º 7 do art.º 30.º, conjugado com o n.º 1 do art.º 40.º, ambos do Decreto-Lei n.º 35/2003, donde veio a resultar a aplicação à requerente, dos horários sobrantes, em resultado da colocação dos docentes do QE com ausência de serviço educativo, afectação dos docentes do QZP, destacamentos por condições específicas, e destacamento por preferência conjugal (atentas as preferências manifestadas, nos termos do art.º 12.º).

23.ª O destacamento da Autora (no ano escolar 2005/2006), da EB2,3/S Dr. João de Brito Camacho (Concelho de Almodôvar) para estabelecimento de ensino da área do Distrito de Lisboa, no âmbito do destacamento por condições específicas, como pretende, não é possível, sob pena de violação expressa, quer do art.º 9.º al. e) do Decreto-Lei nº 35/2003, quer do ponto 1.8, Cap. 1, do aviso de abertura do concurso, Aviso n.º 1413-B/2005 (2ª série), publicado no DR n.º 30, de 11 de Fevereiro.

24.ª Trata-se de concurso anual e documental, onde no caso, era necessária, em tempo, manifestar a intenção de oposição, vejamos:

“Artº 9°

Candidatura

1 - A candidatura ao concurso é apresentada através de formulário adequado, modelo da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação, organizado de forma a recolher a seguinte informação obrigatória:

e) Manifestação da intenção de oposição ao destacamento por condições específicas e elementos necessários à apreciação da candidatura”.

“1.8 - Os docentes providos em lugar dos quadros de escola ou de zona pedagógica opositores ao concurso interno para efeitos de transferência para outro quadro ou à transição de nível ou grupo de docência podem ser opositores ao concurso de destacamento por condições específicas, se manifestarem a intenção de continuar a concurso para o efeito e apresentarem os elementos necessários à apreciação da candidatura nos termos da alínea e) do artº 9° do Decreto-Lei nº 35/2003.”.

25.ª Para além de manifestarem a intenção de continuar a concurso para o efeito (destacamento por condições específicas), os candidatos têm que reunir os requisitos enunciados no artº 33° do Decreto-Lei nº 35/2003 (ponto 1.7 do aviso de abertura), veja-se para tal a indicação expressa dada no formulário de candidatura (constante do processo administrativo), sobre a matéria:

“2. Situação do candidato

2.6 Pretende candidatar-se ao destacamento por condições específicas? Não. (negrito e sublinhado nosso)

26.º Tratando-se de um concurso anual e documental, é preocupação do legislador que todos os candidatos ao concurso se faça em condições de igualdade, conferindo as mesmas oportunidades a docentes, à partida, possuidores de idênticos requisitos.

27.ª A abertura do concurso obedece ao princípio da unidade, traduzido na apresentação de uma única candidatura, aplicável a todos os níveis e graus de ensino e a todos os momentos do concurso, através do preenchimento de formulário adequado (artigos 8° e 9°, do Decreto-Lei nº 35/2003), tendo sido aberto, para o ano escolar 2005/06, através do Aviso nº 1413-8/2005 (2ª série), publicado no DR nº 30, de 11 de Fevereiro.

28.ª E, assim, ao não manifestar a intenção de continuar a concurso para o efeito destacamento por condições específicas, no tempo e pela forma exigida (como ela própria o admite na p.i), não pode, através de uma acção administrativa (invocando o agravamento do seu estado de saúde, que configura a verificação superveniente de um dos requisitos para o destacamento por condições específicas, nos termos da al. b) do nº 1 do artº 33° do Decreto-Lei nº 35/2003), vir agora, com subversão de todas as regras do concurso, pretender que seja concretizado o destacamento por condições específicas, para estabelecimento de ensino da área do Distrito de Lisboa, através de uma decisão judicial.

29.ª Pelo que, nada há a censurar à Ré, uma vez que esta se limitou, no exercício de poderes vinculados, a cumprir as regras impostas pelo Decreto-Lei n.º 35/2003, diploma que regulou o concurso para selecção e recrutamento do pessoal docente da educação escolar e dos ensinos básico e secundário, para o ano escolar 2005/2006, como é o caso dos autos.”.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

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O processo teve os vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, indo agora à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento, em violação dos princípios da organização e da gestão da carreira docente e da graduação profissional e, em consequência, em violação do princípio de Estado de Direito, nos sub-princípios da proteção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça, por aplicação de norma inconstitucional, do n.º 7 do artigo 30.º do D.L. n.º 35/2003, de 27/02;

2. Erro de julgamento em violação do princípio da igualdade no tocante à preferência conjugal.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O acórdão recorrido considerou assentes os seguintes factos:

“1. A A. é docente, realizou o respectivo estágio no ano lectivo de 1995/1995 e foi integrada no Quadro de Zona Pedagógica de Lisboa na data de 1 de Setembro de 1999 (cfr. doc de fls. 26 e admitido por acordo).

2. A A. apresentou, em mais de um ano lectivo, a sua candidatura para integrar o QE, o que veio a conseguir em 1 de Setembro de 2002, sendo provida em QE, no grupo de código 21, na Escola Básica, 2, 3 e Sec Dr. ……………, em A……………… (cfr. doc. de fls. 26 e admitido por acordo).

3. Nos anos lectivos de 2002/2003 e 2003/2004, a A., já docente do QE no grupo de código 21 (Português/ Francês), opositora ao concurso de destacamento para aproximação de residência, foi colocada em escolas da sua preferência, próximas do local da sua residência familiar, com precedência face aos professores que pertenciam aos QZP (admitido por acordo).

4. A A foi colocada, por destacamento, no ano lectivo de 2004/2005, a algumas dezenas de quilómetros da sua residência familiar, na Escola Básica 2, 3 D. ……….., em ……………….. (admitido por acordo).

5. A A. foi opositora ao concurso interno de educadores de infância e de professores dos ensinos básico e secundário para o ano escolar 2005/2006, aberto pelo aviso nº 1413-B/2005, publicado no DR nº 30 (2ª Série) de 11 de Fevereiro (cfr. doc de fls. 26 e 28 e admitido por acordo).

6. E no formulário de candidatura manifestou preferência nos termos do artigo 12º do Decreto-Lei nº 35/2003 por quadro de zona pedagógica (de código 11), por escolas e por concelhos, mas não veio a obter colocação (cfr. doc de fls. 26 a 28 e admitido por acordo).

7. Candidatou-se ao destacamento para aproximação da residência, a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 35/2003, não tendo obtido, igualmente, colocação, atentas as preferências manifestadas (cfr. doc de fls. 26 a 28 e 54 a 60).

8. Pelo que, neste ano lectivo de 2005/2006 exerce funções no estabelecimento de ensino onde se encontra provida em QE – A Escola Básica 2, 3 e Sec. Dr. ………………. ., em ……………, a cerca de 250 Km da sua residência familiar.

9. Docentes providos em QZP com graduação inferior à da A. foram colocados por afectação nas escolas relativamente às quais a A. manifestou preferência para colocação no concurso de destacamento para aproximação de residência referido em 7. (cfr. doc de fls. 29 a 47 e admitido por acordo).

10. Docentes candidatos a destacamento cujo cônjuge é funcionário ou agente do Estado e que requereram a sua colocação ao abrigo da chamada preferência conjugal foram colocados com preferência relativamente aos demais candidatos não casados ou cujo cônjuge não é funcionário ou agente do Estado, a esse mesmo destacamento para aproximação de residência (admitido por acordo).

11. No formulário de candidatura da A consta a resposta “Não” à seguinte pergunta:

2. Situação do candidato

2.6. Pretende candidatar-se ao destacamento por condições específicas?

(cfr. doc. de fls.)”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento, em violação dos princípios da organização e da gestão da carreira docente e da graduação profissional e, em consequência, em violação do princípio de Estado de Direito, nos sub-princípios da proteção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça, por aplicação de norma inconstitucional, do n.º 7 do artigo 30.º do D.L. n.º 35/2003, de 27/02

Insurge-se a Recorrente contra o acórdão recorrido que julgou a ação improcedente, com o fundamento na violação dos princípios da organização e da gestão da carreira docente, da graduação profissional e, em consequência, da proteção da confiança e do Estado de Direito.

Alega que o Tribunal a quo deu como provado o facto de docentes providos em Quadros de Zona Pedagógica (QZP) com graduação inferior à da Autora terem sido colocados por afetação nas escolas relativamente às quais a Autora manifestou preferência para colocação no concurso de destacamento para aproximação de residência, tendo considerado juridicamente irrelevante tal facto, assim como de o legislador ter postergado um princípio fundamental da carreira docente, que consiste a graduação profissional.

No seu entendimento o legislador ao postergar o princípio da graduação profissional, permitindo que todos os colegas da Autora que por terem graduação inferior tenham permanecido no QZP, passaram a ser colocados com precedência sobre a Autora, consente uma situação injusta, revelando má-fé na atuação do Estado e constitui uma ofensa ao princípio do Estado de Direito, por ser uma postergação arbitrária, intolerável e desproporcionada do princípio da proteção da confiança dos cidadãos.

O legislador não pode dispor livremente do princípio da graduação profissional, consoante os interesses conjunturais em causa, pois ele é estruturante da carreira docente, funcionando como trave mestra da segurança jurídica, da proteção da confiança e da justiça no âmbito da colocação dos docentes.

O tribunal a quo também deu como provado o facto de docentes candidatos a destacamento cujo cônjuge é funcionário ou agente do Estado e que requeiram a sua colocação ao abrigo da preferência conjugal foram colocados com preferência relativamente aos demais candidatos não casados ou cujo cônjuge não é funcionário ou agente do Estado, situação que constitui uma violação do princípio da igualdade, na vertente de proibição da discriminação e do arbítrio.

Vejamos.

Compreendendo antes de mais os factos que relevam para a aplicação do direito, no caso em presença a ora Recorrente é professora, integrada no Quadro de Escola (QE) e foi opositora ao concurso de educadores de infância e de professores dos ensino básico e secundário para o ano de 2005/2006, previsto e regulado no D.L. n.º 35/2003, de 27/02, pretendendo ser transferida para um dos quadros para os quais manifestou preferência, nos termos do artigo 12.º do citado diploma.

Não tendo obtido colocação, candidatou-se ao concurso de destacamento para aproximação de residência, a que se refere a al. b), do n.º 1 do artigo 40.º do citado D.L. n.º 35/2003, no ano escolar de 2005/2006, onde manifestou preferências, não tendo igualmente obtido colocação (cfr. n.ºs. 3 e 7 do probatório).

Encontra-se demonstrado no ponto 9. do probatório assente que docentes providos em Quadros de Zona Pedagógica (QZP), com graduação inferior à da Autora, foram colocados por afetação nas escolas relativamente às quais a Autora manifestou preferência para colocação no concurso de destacamento para aproximação de residência.

Do mesmo modo, também resultou demonstrado nos autos que docentes candidatos a destacamento cujo cônjuge é funcionário ou agente do Estado e que requereram a sua colocação ao abrigo da chamada preferência conjugal foram colocados com preferência relativamente aos demais candidatos não casados ou cujo cônjuge não é funcionário ou agente do Estado, a esse mesmo destacamento para aproximação de residência.

Tal motivou a impugnação do ato de homologação das listas de afetação dos docentes do QZP.

No que respeita ao enquadramento de direito, tem aplicação o regime aprovado pelo D.L. n.º 35/2003, de 27/02, o qual regula o concurso para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

Dispõe o seu artigo 30.º, sob epígrafe “Necessidades residuais”, sobre a ordem dos critérios de preenchimento dos horários:

“1 - As necessidades residuais de pessoal docente são recolhidas pela Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação, mediante proposta dos órgãos de gestão dos estabelecimentos de educação ou de ensino ou de agrupamentos, estruturada em horários, completos ou incompletos, disponíveis.

2 - O processo e a data de recolha das necessidades referidas no número anterior são definidos por despacho do Ministro da Educação.

3 - O preenchimento dos horários é efectuado através de destacamento, afectação ou contratação.

4 - São colocados em regime de destacamento:

a) Os docentes que se encontrem providos em quadro de estabelecimentos de educação ou de ensino nos quais se verifique em cada ano lectivo a ausência de serviço educativo que lhes possa ser distribuído, nos termos do regime do destacamento por ausência de serviço previsto no presente diploma;

b) Os docentes que requeiram o destacamento por condições específicas, nos termos previstos no presente diploma;

c) Os docentes que se apresentem ao concurso de destacamento, nos termos previstos no presente diploma.

5 - São colocados em regime de afectação os docentes providos em lugar de quadro de zona pedagógica, incluindo os que não tenham, nos termos do presente diploma, obtido recondução.

6 - São colocados em regime de contrato administrativo de serviço docente os candidatos que, em sede de concurso externo, não obtiveram colocação nos quadros.

7 - O preenchimento dos horários é feito, sucessivamente, de acordo com a seguinte ordem:

a) Destacamento dos docentes previstos na alínea a) do n.º 4;

b) Destacamento dos docentes previstos na alínea b) do n.º 4;

c) Afectação dos docentes previstos no n.º 5;

d) Destacamento dos docentes previstos na alínea c) do n.º 4;

e) Contratação dos docentes previstos no n.º 6.

8 - O destacamento previsto na alínea a) do número anterior realiza-se antes da mobilidade prevista nas alíneas b), c) e d) da mesma disposição; os destacamentos das alíneas b) e d), bem como a afectação prevista na alínea c), realizam-se, simultaneamente, de forma a possibilitar a recuperação de horários, sendo, contudo, respeitadas as prioridades referidas.”.

A ora Recorrente insurge-se contra o disposto no n.º 7 do artigo 30.º, alegando a sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da organização e da gestão da carreira docente e da graduação profissional e, em consequência, do princípio de Estado de Direito, nos sub-princípios da proteção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça.

Sem razão, não tendo o acórdão recorrido incorrido no erro de julgamento que lhe é assacado.

Os concursos em causa nos autos e nos quais a ora Recorrente se apresentou, de afetação e de destacamento, têm natureza especial, destinando-se a fazer face a necessidades residuais das escolas, nos termos do artigo 30.º e seguintes do D.L. n.º 35/2003, de 27/02.

Os critérios de preferência atendem a um conjunto diferenciado de interesses, considerando o universo variado dos candidatos que podem ser opositores, mas sempre tendo em consideração necessidades que são residuais e sem conferir grau de estabilidade à colocação de professores.

A ora Recorrente, como professora titular, integrada no Quadro de Escola (QE) tem uma posição jurídica já tutelada e devidamente assegurada, num quadro de maior estabilidade, não integrando o universo dos candidatos a quem a lei confere a primeira precedência.

Tal não constitui, porém, uma derrogação dos princípios da organização e da gestão da carreira docente, nem da graduação profissional do professor, pois os concursos e as suas finalidades são diferenciados, com âmbitos e naturezas diferentes, não sendo por isso, de estranhar que tenham critérios de precedência quanto ao universo dos candidatos também diferenciados.

Embora a Autora, ora Recorrente, integrada num Quadro de Escola se possa candidatar ao concurso em causa, destinado a satisfazer necessidades residuais, não vê a sua situação tutelada como a primeira prioridade em relação à de outros professores, em situação de maior incerteza e maior precariedade.

A priorização dos critérios previstos no n.º 7 do artigo 30.º reflete a ponderação feita pelo legislador das várias situações existentes, por consideração dos diferentes universos de candidatos de professores elegíveis, não se vislumbrando que derrogue de forma irreversível e insustentável os princípios da organização e da gestão da carreira docente, nem da graduação profissional do professor, determinantes de um juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio de Estado de Direito, nos sub-princípios da proteção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça.

Tal norma jurídica prioriza as situações e os respetivos candidatos em função do maior nível de proteção que se pretende conferir aos interesses em causa, em termos em que não ofendem o quadro constitucional principiológico, invocado pela Recorrente.

Da aplicação dessa norma legal à situação particular da Recorrente não resulta uma afetação ou interferência do direito à progressão na função e na carreira, nem da respetiva graduação profissional, antes representa uma forma racional de satisfação de necessidades residuais de professores, na prossecução do interesse público, em obediência a juízos de ponderação da tutela das diferentes situações.

Os critérios de colocação dos professores em concursos para recrutamento de docentes para suprir necessidades residuais das escolas, não são arbitrários, desnecessários, desproporcionais, não violam os direitos ou as expectativas de quem já é titular de uma situação jurídica de maior estabilidade, pela razão da própria natureza do concurso, o qual, destinando-se a satisfazer necessidades residuais e transitórias das escolas, obedecem prima facie a uma maior racionalização e agilização dos meios disponíveis ou daqueles não estão devidamente aproveitados, como sejam os professores dos quadros de zona pedagógica, no âmbito dos quais a ora recorrente não se encontra, por ser titular de uma situação jurídica com maior estabilidade, por estar integrada no quadro de escola.

O objetivo do concurso em causa mais do que consistir num concurso geral, aberto a todos os professores e que visa satisfazer as necessidades permanentes das escolas, visa satisfazer diretamente necessidades pontuais ou residuais de professores, não pretendendo com isso, conferir proteção primária aos professores já colocados, sob um quadro legal que confere maior estabilidade, sob pena de subverter todos os anteriores processos de colocação em escola, por cada colocação conduzir à necessidade de uma substituição do professor colocado e no limite, dar origem a situações sucessivas de colocação ou “em cascata”.

A razão de ser dos quadros de escola prende-se precisamente com a estabilização da colocação dos professores e do corpo docente, o que ficaria séria e gravemente comprometido.

Assim, em razão das finalidades de cada um dos concursos e em razão do percurso legalmente previsto e estabelecido para a carreira docente, no âmbito do disposto no n.º 7 do artigo 30.º do D.L. n.º 35/2003, de 27/02, não podem ser privilegiados os docentes do quadro de escola que, tendo provimento definitivo, satisfazem necessidades das escolas.

Tal não constitui uma derrogação do princípio da proteção da confiança, nem viola o princípio da proporcionalidade, da boa fé e da justiça no caso concreto da Recorrente.

Nestes termos, improcedem as conclusões do presente recurso no tocante à inconstitucionalidade invocada, decorrente da aplicação do n.º 7 do artigo 30.º do D.L. n.º 35/2003, de 27/02, por violação do princípio de Estado de Direito, nos sub-princípios da proteção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça, por não provadas.

2. Erro de julgamento, em violação do princípio da igualdade no tocante à preferência conjugal

No que concerne ao erro de julgamento assacado ao acórdão recorrido, com fundamento na violação do princípio da igualdade no tocante à preferência conjugal, também não assiste razão à Recorrente.

Estabelece o artigo 40.º do já citado D.L. n.º 35/2003 os critérios de ordenação dos candidatos docentes providos em lugares do quadro de escola que tenham sido opositores a concurso de destacamento:

“Artigo 40.º

Concurso de destacamento

1 - Os docentes providos em lugares de quadro de escola que tenham sido opositores a concurso podem apresentar-se ao concurso de destacamento, sendo ordenados e colocados de acordo com as seguintes prioridades:

a) 1.ª prioridade: docentes cujo cônjuge ou equiparado seja funcionário ou agente e que, ao abrigo da preferência conjugal, requeiram a sua colocação nos termos do artigo 41.º;

b) 2.ª prioridade: docentes não incluídos na alínea anterior.”.

O critério da preferência conjugal, que permite que sejam colocados com prioridade os candidatos casados com cônjuge que seja funcionário ou agente do Estado relativamente aos demais colegas professores, não derroga o princípio constitucional da igualdade, pois não constitui um privilégio ou discriminação positiva arbitrária, desproporcional ou desprovida de motivo justificador, nem absolutamente intolerável em face das diferentes modalidades do concurso para colocação dos docentes, nos termos do D.L. n.º 35/2003, de 27/02.

Tal como decidido no acórdão recorrido o princípio da igualdade releva enquanto princípio de igualdade de oportunidades e de condições reais de vida, obrigando o legislador a tratar de forma igual situações iguais e de forma desigual situações diferentes, o que não se verifica na situação configurada na lei em relação à discriminação positiva de professores casados com trabalhadores em funções públicas.

O legislador não está vedado de proceder a diferenciações de tratamento baseadas em razões sérias e não arbitrárias, visando as normas dos artigos 40.º e 41.º do D.L. n.º 35/2003 tutelar a agregação familiar e conjugal e a proteção da família, enquanto valor juridicamente relevante no quadro constitucional e legal, em famílias em que ambos os cônjuges podem estar deslocados da sua casa de morada de família por razões de emprego público.

Ao nível do regime de colocações de professores, tais normas jurídicas prosseguem finalidades que não se esgotam na tutela direta dos interesses privados ou particulares dos professores, antes tutelam o interesse público associado à colocação de professores fora da sua área de residência habitual e com vista à satisfação de necessidades docentes que são meramente residuais e, portanto, sem carácter duradouro ou com suficiente estabilidade.

Visa-se com tal discriminação positiva, procurar criar as condições para gerar a disponibilidade dos docentes em se dispor trabalhar sob tais condições menos favoráveis, no caso de ambos os cônjuges serem trabalhadores em funções públicas, o que constitui um motivo suficientemente sério e atendível para tal diferenciação.

No caso de ambos os cônjuges serem trabalhadores em funções públicas, poderá dar-se o caso de ambos se encontrarem fora da sua área de residência habitual, em claro prejuízo para o direito à proteção da família, o que constitui uma situação materialmente distinta do caso de apenas um dos cônjuges tiver que se ausentar da sua residência.

Não existe maior respeito ou consideração de umas famílias ou de uns professores em detrimento de outros, mas antes a consideração de valores e de direitos que se colocam sobremaneira no caso de ambos os cônjuges, por razões de emprego público, serem forçados a deixar a sua residência, quando comparada com a situação em que apenas um tiver de residir noutro local.

Nestes termos, nenhuma censura há a dirigir ao decidido, que será de manter integralmente.


*

Termos em que será de negar provimento ao recurso interposto pela Autora, por não provados os seus fundamentos.


***


.Sumariando, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Os concursos em causa de afetação e de destacamento de professores, têm natureza especial, destinando-se a fazer face a necessidades residuais das escolas, nos termos do artigo 30.º e seguintes do D.L. n.º 35/2003, de 27/02.

II. Os critérios de preferência atendem a um conjunto diferenciado de interesses, considerando o universo variado dos candidatos que podem ser opositores, mas sempre tendo em consideração necessidades que são residuais e sem conferir grau de estabilidade à colocação de professores.

III. Tais critérios não constituem uma derrogação dos princípios da organização e da gestão da carreira docente, nem da graduação profissional do professor.

IV. Podendo candidatar-se ao concurso, destinado a satisfazer necessidades residuais, professores integrados num quadro de escola, por terem a sua situação jurídica estabilizada, a sua situação é tutelada mas não como a primeira prioridade em relação a outros professores que se encontrem em situação de maior incerteza e precariedade.

V. A priorização dos critérios previstos no n.º 7 do artigo 30.º do D.L. n.º 35/2003, de 27/02 reflete a ponderação feita pelo legislador das várias situações existentes, por consideração dos diferentes universos de candidatos de professores elegíveis, não se derrogando de forma irreversível e insustentável os princípios da organização e da gestão da carreira docente, nem da graduação profissional do professor.

VI. Tal norma jurídica prioriza as situações e os respetivos candidatos em função do maior nível de proteção que se pretende conferir aos interesses em causa, em termos em que não ofendem o quadro constitucional por violação do princípio de Estado de Direito, nos sub-princípios da proteção da confiança, da proibição do excesso, da boa-fé e da justiça.

VII. Os critérios de colocação dos professores em concursos para recrutamento de docentes para suprir necessidades residuais das escolas, não são arbitrários, desnecessários, desproporcionais, não violam os direitos ou as expectativas de quem já é titular de uma situação jurídica de maior estabilidade, pela razão da própria natureza do concurso que, destinando-se a satisfazer necessidades residuais e transitórias das escolas, obedecem prima facie a uma maior racionalização e agilização dos meios disponíveis ou que não estão devidamente aproveitados, como sejam os professores dos quadros de zona pedagógica.

VIII. O objetivo do concurso em causa mais do que consistir num concurso geral, aberto a todos os professores e que visa satisfazer as necessidades permanentes das escolas, visa satisfazer necessidades pontuais ou residuais de professores, não pretendendo conferir proteção primária aos professores já colocados, sob um quadro legal que confere maior estabilidade, como os professores integrados num quadro de escola, sob pena de subverter todos os anteriores processos de colocação em escola, por cada colocação conduzir à necessidade de uma substituição do professor colocado e no limite, dar origem a situações sucessivas de colocação ou “em cascata”.

IX. Tal não constitui uma derrogação do princípio da proteção da confiança, nem viola o princípio da proporcionalidade, da boa fé e da justiça.

X. O critério da preferência conjugal, que permite que sejam colocados com prioridade os candidatos casados com cônjuge que seja funcionário ou agente do Estado relativamente aos demais colegas professores, não derroga o princípio constitucional da igualdade, pois não constitui um privilégio ou discriminação positiva arbitrária, desproporcional ou desprovida de motivo justificador, nem absolutamente intolerável em face das diferentes modalidades do concurso para colocação dos docentes, nos termos do D.L. n.º 35/2003, de 27/02.

XI. O legislador não está vedado de proceder a diferenciações de tratamento baseadas em razões sérias e não arbitrárias, visando as normas dos artigos 40.º e 41.º do D.L. n.º 35/2003 tutelar a agregação familiar e conjugal e a proteção da família, enquanto valor juridicamente relevante no quadro constitucional, em famílias em que ambos os cônjuges podem estar deslocados da sua casa de morada de família por razões de emprego público.

XII. Com tal discriminação positiva visa-se procurar criar as condições para gerar a disponibilidade dos docentes em se dispor trabalhar sob tais condições menos favoráveis, no caso de ambos os cônjuges serem trabalhadores em funções públicas.

XIII. Não existe maior respeito ou consideração de umas famílias ou de uns professores em detrimento de outros, mas antes a consideração de valores e de direitos que se colocam sobremaneira no caso de ambos os cônjuges, por razões de emprego público, serem forçados a deixar a sua residência, quando comparada com a situação em que apenas um tiver de residir noutro local.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos.

Custas pela Recorrente – artigos 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º e 12.º n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Cristina Santos)


(Paulo Gouveia)