Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1719/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ARTº.131, Nº.1, DO C.P.P.T.
AUTOLIQUIDAÇÃO. NOÇÃO.
CARÁCTER POTENCIALMENTE LESIVO DOS ACTOS DE AUTOLIQUIDAÇÃO.
FALTA DE PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO DO REGIME PREVISTO NO ARTº.131, Nº.1, DO C.P.P.T.
Sumário:1. O regime previsto no citado artº.131, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.anteriormente o artº.151, nº.1, do C.P.T.), consagra um dos casos, excepcionais, de reclamação graciosa necessária, prévia à impugnação contenciosa de acto de liquidação, noção aqui utilizada em sentido amplo, compreendendo o conjunto de actos, juridicamente enquadrados, que têm por objectivo a determinação e quantificação da obrigação tributária, podendo abranger, quer as actuações da A. Fiscal, quer as actuações dos contribuintes ou de terceiros.
2. A doutrina e a jurisprudência referem-se à autoliquidação para aludir ao acto cuja iniciativa pertence ao contribuinte, por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração, o que pressupõe as imprescindíveis operações de qualificação (identificação do “an debeatur”) e quantificação (aferição do “quantum debeatur”) necessárias para avaliar o montante de imposto a pagar ou a restituir, normalmente acompanhada do respectivo meio de pagamento (cfr.v.g.artº.89, al.a), do C.I.R.C.; artº.22, nº.2, do C.I.V.A.).
3. Compreende-se a perspectiva da lei ao impor a precisão de reclamação graciosa necessária, no citado artº.131, nº.1, do C.P.P.T., em que a A. Fiscal ainda não tomou qualquer posição sobre a sua relação com o contribuinte, assim não existindo um conflito de pretensões entre o credor tributário e o sujeito passivo que justifique a entrada em cena de um órgão jurisdicional. Nestes termos, justifica-se que, antes de ingressar em Tribunal, a questão mereça uma apreciação por parte da Administração Fiscal. E recorde-se que o carácter potencialmente lesivo dos actos de autoliquidação, apesar de praticados pelos próprios contribuintes, é expressamente reconhecido pelo artº.95, nº.2, al.a), da L.G.T.
4. A reclamação graciosa identificada na factualidade provada não se enquadra no regime previsto no artº.131, nº.1, do C.P.P.T., assim não podendo beneficiar do prazo de dois anos consagrado na mesma norma, antes seguindo o procedimento constante do artº.70, nº.1, do C.P.P.T., e devendo ser apresentada no prazo de cento e vinte dias.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.94 a 104 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente acção administrativa especial, tendo por objecto acto da Direcção de Finanças de Lisboa que indeferiu liminarmente (devido a intempestividade) reclamação graciosa, apresentada pela sociedade recorrida, “N…– P…, L.da.”, ao abrigo, além do mais, do artº.131, do C.P.P.T.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.111 a 119 dos autos) do recurso formulando as sequentes Conclusões:
1-Em 30 de Março de 2010, a AA deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais por valores decorrentes da falta de emissão de facturas ou documentos equivalentes e da circunstância de a contabilidade não revelar parte substancial dos proveitos;
2-Reclamação que foi, nos termos do despacho de 17/06/2010, liminarmente indeferida por extemporaneidade;
3-Decidiu a sentença “a quo”, que o prazo da reclamação é de dois anos contados da autoliquidação nos termos do disposto no art.º 131, do CPPT;
4-Sem atender que a autoliquidação ocorreu aquando da entrega das respectivas declarações periódicas;
5-E o que sucedeu foi que na sequência da acção de inspecção foram apresentadas declarações de substituição (art.º 59, CPPT);
6-As quais foram confrontadas com o facto de se ter apurado na acção inspectiva a existência de valores decorrentes da falta de emissão de facturas ou documentos equivalentes e pela circunstância de a contabilidade não revelar parte substancial dos proveitos;
7-Desse confronto originaram-se as liquidações adicionais de que pretendeu a A reclamar em 2010;
8-E não colhe a posição que reporta as autoliquidações às liquidações adicionais para efeitos de aplicação do prazo previsto no art.º 131.º do CPPT;
9-Realmente o objecto da reclamação é constituído pelas liquidações adicionais, e o art.º 131.º do CPPT está talhado expressamente para os casos em que se verifica erro na autoliquidação (levada a cabo pelo próprio sujeito passivo), quer nos factos em que assentou a liquidação, quer na aplicação das normas legais respectivas;
10-A reclamação aqui em causa é a reclamação graciosa que pode ter por fundamento qualquer ilegalidade de que enferme o acto de liquidação impugnado ou vício do procedimento ou decisões procedimentais que precedam a decisão final (art.º 70/1, 54/3 e 99, do CPPT);
11-Efectivamente é este o meio adequado de impugnação administrativa de actos de liquidação, que é do que aqui se trata - liquidações adicionais - constitui uma alternativa à impugnação contenciosa directa, na disponibilidade do contribuinte ou dos outros obrigados tributários e deve ser apresentada no prazo ordinário para o efeito - art.º 70 CPPT - ou seja, dentro de 120 dias contados a partir dos factos previstos no n.º 1 do art.º 102, do mesmo diploma;
12-Em regra, esta reclamação graciosa não é obrigatória, os actos de liquidação são materialmente definitivos, podendo ser impugnados directamente pela via contenciosa;
13-Particularmente ajustado à situação “sub-judice” é o estipulado pelo disposto no n.º 6 do art.º 59, do CPPT, quando determina que “Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas.” (Anterior n.º 5 - Redação do n.º 1 do Art.º 7.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho);
14-A sentença, a prevalecer, redunda numa extensão dos prazos de reclamação, o que é expressamente vedado por lei;
15-Pelo que o prazo de reclamação graciosa nunca poderia ser de 2 anos contados da data de submissão das declarações de substituição de IVA, 2008-11-17;
16-Efectivamente, só se poderá entender o prazo de dois anos se contado a partir da submissão das primeiras declarações periódicas de IVA, o que significa que mesmo este prazo já há muito se havia esgotado (em 2007), quando o AA decidiu interpor reclamação em 2010;
17-E é perfeitamente claro da p.i., (art.º 6) que o objecto do recurso não é autoliquidação;
18-As liquidações adicionais não são baseadas em autoliquidações apresentadas pelo contribuinte;
19-E não é assim porque as liquidações adicionais que foram efectuadas pelos serviços se baseiam efectivamente nos dados revelados pela acção inspectiva no que respeita a valores apurados decorrentes da falta de emissão de facturas ou documentos equivalentes e pelo facto de a contabilidade não revelar parte substancial dos proveitos;
20-Factos que deram origem ao apuramento de imposto em falta no valor total de € 42.412,75, naturalmente, face aos valores apurados nas declarações de substituição apresentadas;
21-A interpretação proposta conduz em última análise à aceitação de que a existência de tais condutas (falta de emissão de facturas e omissões contabilísticas) possam, em sede de contencioso administrativo, apesar disso, proporcionar um prazo especial para o exercício do direito de impugnação administrativa;
Isto posto
22-Tendo em conta que a reclamação visa as liquidações adicionais que foram levadas a efeito pela Administração Tributária em consequência da detecção da falta de facturas ou documento equivalente e da omissão de proveitos na contabilidade;
23-Que a lei obsta a que da apresentação de declarações de substituição resulte um prazo de impugnação administrativa superior ao prazo ordinário de reclamação;
24-Que o prazo para apresentação da reclamação graciosa terminou no dia 28/06/2009, e que apenas foi apresentada em 30/03/2010, portanto, para além do prazo estabelecido pelo art.º 70/1, do CPPT;
25-Verifica-se que a decisão ora em crise cometeu um erro de julgamento por errada apreciação da disciplina jurídica aplicável ao caso concreto, redundando numa extensão dos prazos de reclamação o que é expressamente vedado por lei, art.ºs 59/6 e 70/1, do CPPT., não podendo, no respeitante ao segmento decisório, ter condenado a demandada AT no conhecimento do mérito da reclamação graciosa;
26-Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs., deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão do Tribunal “a quo”, com todas as legais consequências, assim se fazendo a Sã, Serena e Costumada Justiça.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (cfr.fls.126 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.96 a 99 dos presentes autos - numeração nossa):
1-Na sequência de acção de inspecção externa à contabilidade da A., “N… - P…, L.da.”, motivada por falta de entrega de todas as declarações periódicas de IVA do ano de 2004, efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária da DF de Lisboa, incidente sobre os exercícios de 2004 e 2005, foram detectadas alegadas irregularidades na determinação da matéria tributável em sede de IVA (cfr.relatório de inspecção junto a fls.113 a 124 do processo de reclamação graciosa apenso);
2-A acção de inspecção teve início em 15/09/2008 e conclusão em 22/12/2008 (cfr. relatório de inspecção junto a fls.113 a 124 do processo de reclamação graciosa apenso);
3-Na pendência da acção inspectiva a A. procedeu à entrega das seguintes declarações (cfr.relatório de inspecção junto a fls.113 a 124 do processo de reclamação graciosa apenso; documentos juntos a fls.60 a 83 do processo de reclamação graciosa apenso):
a)Declaração periódica de substituição de IVA referente ao 1.º trimestre de 2005, submetida em 2008.11.17, no montante de € 4.441,39;
b)Declaração periódica de substituição de IVA referente ao 2.º trimestre de 2005, submetida em 2008.11.17, no montante de € 18.265,05;
c)Declaração periódica de substituição de IVA referente ao 3.º trimestre de 2005, submetida em 2008.11.17, no montante de € 28.762,64;
d) Declaração periódica de substituição de IVA referente ao 4.º trimestre de 2005, submetida em 2008.11.17, no montante de € 16.070,29;
4-No seguimento da apresentação das declarações periódicas de substituição o procedimento de inspecção foi arquivado, “por se encontrar regularizada a situação”, tendo sido emitidas, em 13/12/2008, as seguintes liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios (cfr.relatório de inspecção junto a fls.113 a 124 do processo de reclamação graciosa apenso; documentos juntos a fls.85 a 92 do processo de reclamação graciosa apenso):
a)Liquidação adicional de IVA n.º 08351730, referente ao 1.º trimestre de 2005, no valor de € 919,67;
b)Liquidação adicional de IVA n.º 08351732, referente ao 2.º trimestre de 2005, no valor de € 3.701,08;
c)Liquidação adicional de IVA n.º 08351734, referente ao 3.º trimestre de 2005, no valor de € 20.176,67;
d)Liquidação adicional de IVA n.º 08351736, referente ao 4.º trimestre de 2005, no valor de € 17.615,33;
e)Liquidação de juros compensatórios n.º 08351731, referente ao 1.º trimestre de 2005, no valor de € 127,59;
f)Liquidação de juros compensatórios n.º 08351733, referente ao 2.º trimestre de 2005, no valor de € 482,26;
g)Liquidação de juros compensatórios n.º 08351735, referente ao 3.º trimestre de 2005, no valor de € 2.421,20;
h)Liquidação de juros compensatórios n.º 08351737, referente ao 4.º trimestre de 2005, no valor de € 1.932,38;
5-As liquidações identificadas no nº.4 ascendem ao montante total de Euros 47.376,18, e tinham como prazo de pagamento voluntário o dia 28/02/2009 (cfr.documentos juntos a fls.85 a 92 do processo de reclamação graciosa apenso);
6-As liquidações adicionais de IVA tinham como fundamentação: “Liquidação adicional efectuada nos termos do artigo 87.º do Código do IVA em resultado do processamento da declaração correctiva e relativamente a um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica (…)” (cfr.documentos juntos a fls.85, 87, 89 e 91 do processo de reclamação graciosa apenso);
7-Em 29 de Março de 2010 a A. deduziu reclamação graciosa, com fundamento nos artigos 70 e 131 do CPPT, tendo por objecto as liquidações identificadas no nº.4 (cfr.articulado inicial junto a fls.2 a 12 do processo de reclamação graciosa apenso; data de registo postal constante do documento junto a fls.93 do processo de reclamação graciosa apenso);
8-Em 17 de Junho de 2010 o Chefe da Divisão de Justiça Administrativa da DF de Lisboa, no uso de subdelegação de poderes, indeferiu liminarmente a reclamação graciosa identificada no nº.7, concordando com o teor da seguinte informação prévia (cfr. documentos juntos a fls.133 e 134 do processo de reclamação graciosa apenso):
“(…)
II – ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA
A presente reclamação graciosa é legal (artº 68.º do CPPT), mas intempestiva, uma vez que foi apresentada após 120 dias, do início do prazo que terminou em 29-06-2009 (n.ºs 1 do art.º 70.º do CPPT), embora o reclamante tenha legitimidade (art.º 65.º LGT e art.º 9.º do CPPT), é de indeferir liminarmente o pedido.
(…)”.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a presente acção administrativa especial, em consequência do que anulou o acto que lhe é objecto (cfr.nº.8 do probatório), determinando que a Entidade Demandada e ora recorrente conheça do mérito da reclamação graciosa, se a tal nada mais obstar.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante aduz, em sinopse, que não é correcta a posição que reporta as autoliquidações às liquidações adicionais para efeitos de aplicação do prazo previsto no artº.131, do C.P.P.T. Que o objecto da reclamação graciosa constante dos presentes autos é constituído pelas liquidações adicionais, sendo que o artº.131, do C.P.P.T., está talhado expressamente para os casos em que se verifica erro na autoliquidação efectuada pelo sujeito passivo. Que o prazo para apresentação da reclamação graciosa objecto do processo terminou no dia 28/06/2009, e esta apenas foi apresentada em 30/03/2010, portanto, para além do prazo estabelecido pelo artº.70, nº.1, do C.P.P.T. Que a decisão recorrida cometeu um erro de julgamento por errada apreciação da disciplina jurídica aplicável ao caso concreto (cfr.conclusões 1 a 25 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O artº.131, nº.1, do C.P.P.T., estipula:
1-Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
(…)”.
Dir-se-á que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.11, da L.G.T.; artº.9, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
O regime previsto no citado artº.131, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.anteriormente o artº.151, nº.1, do C.P.T.), consagra um dos casos, excepcionais, de reclamação graciosa necessária, prévia à impugnação contenciosa de acto de liquidação, noção aqui utilizada em sentido amplo, compreendendo o conjunto de actos, juridicamente enquadrados, que têm por objectivo a determinação e quantificação da obrigação tributária, podendo abranger, quer as actuações da A. Fiscal, quer as actuações dos contribuintes ou de terceiros (cfr.Joaquim Freitas Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 6ª. Edição, Almedina, 2018, pág.230 e seg.; Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Cadernos do IDEFF, nº.19, Almedina, 2015, pág.156).
A doutrina e a jurisprudência referem-se à autoliquidação para aludir ao acto cuja iniciativa pertence ao contribuinte, por disposição legal, consubstanciando-se na apresentação de uma declaração, o que pressupõe as imprescindíveis operações de qualificação (identificação do “an debeatur”) e quantificação (aferição do “quantum debeatur”) necessárias para avaliar o montante de imposto a pagar ou a restituir, normalmente acompanhada do respectivo meio de pagamento (cfr.v.g.artº.89, al.a), do C.I.R.C.; artº.22, nº.2, do C.I.V.A.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/5/2003, rec.316/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/10/2011, proc.3520/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/04/2017, proc.887/11.1BELRA; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.405 e seg.; Manuel M. Pires Fernandes, Glossário de Direito Fiscal, Dislivro, 2007, pág.48; Paulo Marques, ob.cit., pág.155 e seg.).
Compreende-se a perspectiva da lei ao impor a precisão de reclamação graciosa necessária, no citado artº.131, nº.1, do C.P.P.T., em que a A. Fiscal ainda não tomou qualquer posição sobre a sua relação com o contribuinte, assim não existindo um conflito de pretensões entre o credor tributário e o sujeito passivo que justifique a entrada em cena de um órgão jurisdicional. Nestes termos, justifica-se que, antes de ingressar em Tribunal, a questão mereça uma apreciação por parte da Administração Fiscal. E recorde-se que o carácter potencialmente lesivo dos actos de autoliquidação, apesar de praticados pelos próprios contribuintes, é expressamente reconhecido pelo artº.95, nº.2, al.a), da L.G.T. (cfr.Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.406; Joaquim Freitas Rocha, ob.cit., pág.251).
Revertendo ao caso dos autos, haverá que saber se o mesmo se pode encaixar no conceito de autoliquidação, para efeitos de enquadramento no regime previsto no examinado artº.131, nº.1, do C.P.P.T.
Pensamos que não.
Expliquemos porquê.
Conforme se retira da factualidade provada (cfr.nºs.4 a 7 do probatório), a reclamação deduzida pela sociedade autora e ora recorrida, “N… – P…, L.da.”, tem por objecto as liquidações adicionais de I.V.A. e juros compensatórios, estruturadas pela Fazenda Pública em 13/12/2008 e ao abrigo do artº.87, do C.I.V.A. Ora, tendo a reclamação graciosa deduzida por objecto as ditas liquidações adicionais de I.V.A., já estruturadas pela A. Fiscal, falta um dos pressupostos de aplicação do regime previsto no examinado artº.131, nº.1, do C.P.P.T., qual seja, estarmos perante situação em que a A. Fiscal ainda não tomou qualquer posição sobre a sua relação com o contribuinte. De resto, a situação de autoliquidação prevista no C.I.V.A. encontra consagração nuclear nos artº.27 e 41, do mesmo diploma, situação esta em que a cobrança de imposto é efectuada na sequência da declaração preenchida e apresentada pelo sujeito passivo (cfr.artº.1, nº.1, al.a), do dec.lei 229/95, de 11/9, diploma que consagra o regime de cobrança e reembolso de I.V.A.). E a conclusão acabada de expressar não sofre qualquer revés pelo facto de as liquidações adicionais identificadas no nº.4 do probatório terem sido efectuadas com base nas declarações de substituição apresentadas pela sociedade recorrida (cfr.nº.3 da matéria de facto), dado que estas, como o próprio nome indica, já vieram substituir as autoliquidações produzidas pelo sujeito passivo nos termos dos artºs.26 e 40, do C.I.V.A., em vigor no ano de 2005, tudo conforme se retira do relatório de inspecção junto a fls.113 a 124 do processo de reclamação graciosa apenso (cfr.nºs.1 e 2 do probatório), autoliquidações estas que a mesma sociedade reconhece ter apresentado no articulado de reclamação graciosa identificado no nº.7 da matéria de facto (cfr.artºs.54 a 57 da reclamação graciosa).
Com estes pressupostos, óbvia é a conclusão de que a reclamação graciosa identificada no nº.7 da factualidade provada não se enquadra no regime previsto no artº.131, nº.1, do C.P.P.T., assim não podendo beneficiar do prazo de dois anos consagrado na mesma norma, antes seguindo o procedimento constante do artº.70, nº.1, do C.P.P.T., e devendo ser apresentada no prazo de cento e vinte dias, com termo inicial a ocorrer, de acordo com os factos previstos no artº.102, nº.1, do citado diploma, em 1/03/2009, e o termo final a verificar-se em 29/06/2009 (cfr.artº.279, als.b) e e), do C.Civil). Ora, sendo a dita reclamação graciosa apresentada somente em 29 de Março de 2010, é a mesma intempestiva, conforme decidiu a Fazenda Pública.
Em conclusão, padece a decisão recorrida de erro de julgamento de direito, consubstanciado no exame da norma constante do artº.131, nº.1, do C.P.P.T., assim devendo manter-se o despacho de indeferimento identificado no nº.8 do probatório.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o recurso deduzido e revoga-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, MAIS JULGANDO IMPROCEDENTE a presente acção administrativa especial.
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Condena-se a sociedade recorrida em custas, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça devida no âmbito da presente instância de recurso, visto não ter contra-alegado.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 3 de Maio de 2018



(Joaquim Condesso - Relator)



(Cristina Flora - 1º. Adjunto)



(Lurdes Toscano - 2º. Adjunto)