Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06996/03
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:06/22/2006
Relator:António Vasconcelos
Descritores:CONCURSO DE ACESSO
EXAME PSICOLÓGICO
VIOLAÇÃO DE LEI
Sumário:1 - Nos termos do n.º1 do artigo 119.º, da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de Setembro, a carreira de pessoal de investigação criminal é integrada pelas categorias de inspector-coordenador, inspector, subinspector e agente.
2 - A categoria de subinspector é uma categoria intermédia, devendo o concurso aberto para o preenchimento de vagas nela existentes ser classificado como de acesso, conforme o disposto no artigo 6.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, no qual não pode ser utilizado o exame psicológico de selecção dos candidatos, por força do artigo 24.º, n.º2 deste mesmo diploma legal.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO, 1º JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
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José ...., Inspector da Policia Judiciária, com domicilio profissional na Directoria de Lisboa da Polícia Judiciária, veio interpôr o presente recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Ministro da Justiça, de 2 de Fevereiro de 2001, pelo qual foi negado provimento ao recurso hierárquico que interpusera do acto de homologação da lista de classificação final do concurso interno de ingresso para admissão de trinta candidatos ao curso de formação de subinspectores da Polícia Judiciária, nos termos e com os fundamentos constantes da sua petição de recurso que aqui se dão por reproduzidos.
Na sua resposta a autoridade recorrida sustentou a legalidade do despacho impugnado e concluiu pedindo que seja negado provimento ao recurso.
Os recorridos particulares indicados, citados para contestarem, nada disseram.
Cumprido o preceituado no artigo 67º do RSTA o recorrente apresentou alegações onde enunciou as seguintes conclusões:
“1- O recorrente considera que, duma análise conjugada dos artigos 119º, 123º, 72º, alterado pelo Decreto-Lei nº 301/95, de 18 de Novembro, 77º, 81º, 114º e segs, 127º e segs e 137º e segs, todos do Decreto-Lei nº 285-A/90, de 21 de Setembro, resulta que o corpo especial da Polícia Judiciária é composto por várias carreiras, entre as quais se conta a carreira do Pessoal de Investigação Criminal;
2 - Cada carreira é composta por várias categorias. No caso da carreira do Pessoal de Investigação Criminal são: Inspector-Coordenador, Inspector, Subinspector e Agente;
3 - Por sua vez, cada categoria desenvolve-se por níveis, o que no caso do Subinspector, corresponde aos Subinspectores de níveis 1, 2 e 3, com diferentes escalões;
4 - Assim, Subinspector é uma categoria da carreira do Pessoal de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, pelo que a interpretação da autoridade recorrida consubstancia uma violação de lei;
5 - No caso em apreço, o acesso à categoria de Subinspector só pode ser feito por concurso de acesso e nunca de ingresso, o qual só seria possível se Subinspector fosse uma carreira própria com várias com categorias, o que não acontece, pelo que a sua classificação se traduz numa outra violação de lei;
6 - A inclusão neste concurso dos exames psicológicos com carácter eliminatório, em violação dos artigos 19º, 24º, nº 2 e 5 do Decreto Lei nº 204/98, de 11 de Julho, traduz-se num vício de forma (...)
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A autoridade recorrida contra-alegou, tendo enunciado as seguintes conclusões:
a) A interpretação, segundo a qual, às categorias de investigação criminal correspondem a carreira no regime geral da função pública, não integra o vício de violação de lei;
b) Do mesmo modo, e em consequência, a classificação do concurso em apreço como de ingresso e a aplicação do método de selecção do “exame psicológico” também não integram qualquer vício de violação de lei;
c) Igualmente, não se verifica qualquer vício de forma, que de resto o recorrente não explicita devidamente, já que “a inclusão neste concurso dos exames psicológicos” a consubstanciar qualquer vício seria o de violação de Lei (...)”.
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O Exmo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso e anulado o despacho impugnado (cfr. fls 282 dos autos).
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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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Factos com relevo para a decisão:
1 - Pelo Aviso nº 8297 (2ª Série), publicado no DR, II Série, nº 105, de 6 de Maio de 1999, foi tornado público que se encontrava aberto concurso interno de ingresso para admissão de 30 candidatos ao curso de formação de Subinspectores da Polícia Judiciária.
2 - A lista definitiva de classificação final desse concurso, após ter sido homologada, foi publicada no DR, II Série, nº 218, de 20 de Setembro de 2000;
3 - Tendo sido excluído, por ter reprovado no exame psicológico, o recorrente interpôs, da aludida homologação em 2), recurso hierárquico para o Ministro da Justiça.
4 - Sobre esse recurso hierárquico foi emitida informação, datada de 30 de Outubro de 2000 e constante do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual se concluía que o recurso não merecia provimento.
5 - Sobre a informação referida em 4), o Ministro da Justiça proferiu o seguinte despacho, datado de 2 de Fevereiro de 2001:
“Concordo com a presente informação pelo que nego provimento ao recurso”.
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Tudo visto, cumpre decidir:
Veio o presente recurso contencioso interposto do despacho do Senhor Ministro da Justiça, de 2 de Fevereiro de 2001, pelo qual foi indeferido o recurso hierárquico interposto do acto de homologação da lista de classificação final do concurso interno de ingresso para admissão de 30 candidatos ao curso de formação de Subinspectores da Polícia Judiciária, do qual o recorrente foi excluído por ter sido reprovado no exame psicológico.
Entende o recorrente, em súmula, que a categoria de Subinspector prevista no artigo 119º do LOPJ (Lei Orgânica da Polícia Judiciária), é uma categoria intermédia da carreira de pessoal de investigação criminal, pelo que o concurso interno para admissão de candidatos ao respectivo curso de formação deveria ter sido qualificado como concurso de acesso, no qual não podia ser utilizado o exame psicológico de selecção, método de que é exclusivo dos concursos de ingresso, com o que incorreu o acto de homologação, confirmado pelo despacho contenciosamente impugnado, em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, com violação do disposto nos artigos 6º, nº 2, 24º, nº 2 e nº 5 do Dec-Lei nº 204/98, de 11 de Julho, e 119º, nº 1 da LOPJ, aprovada pelo Dec-Lei nº 295º-A/90, de 21 de Setembro.
A autoridade recorrida sustenta, no essencial, que a estrutura do pessoal do quadro da Polícia Judiciária se apresenta de forma significativamente diversa da estruturação do pessoal no regime geral da função pública, e que a “categoria” de Subinspector, que se desenvolve por 3 “níveis distintos, vem definida na LOPJ com as características próprias de uma “carreira” do regime geral, pelo que o acesso a esta representa um ingresso em nova categoria/carreira, muito diferente da de agente.
Conclui, nesta conformidade, que o concurso em causa foi correctamente classificado de ingresso, e que, como tal, era admissível a adopção do método de selecção “exame psicológico”, face ao disposto no artigo 24º do Dec-Lei nº 204/98, de 11-7.
Quanto a nós assiste razão plena ao recorrente pelos motivos aduzidos no Acórdão do STA, de 10 de Maio de 2006, in Rec nº 574/05, que passamos a citar, na parte que interessa; pois trata-se de caso idêntico ao dos autos:
“(...) Na verdade, a posição sustentada pela entidade recorrente [Ministro da Justiça] de que, no corpo da Polícia Judiciária, a categoria do regime geral corresponde a carreira subverte, sem base legitimadora de qualquer espécie, os critérios gerais de distinção entre “carreira” e “categoria” estabelecidos nos nos 1 e 2 do artigo 4º do Dec-Lei nº 248/85, de 15 de Julho, bem como a regra geral de estruturação das carreiras fixadas no artigo 5º do mesmo diploma.
Segundo o referido artigo 4º, “a carreira é o conjunto hierarquizado de categorias às quais correspondem funções da mesma natureza a que os funcionários terão acesso de acordo com a antiguidade e o mérito evidenciado no desempenho profissional” (nº 1), e “categoria é a posição que os funcionários ocupam no âmbito de uma carreira, fixado de acordo com o conteúdo e qualificação da função ou funções, referida à escala salarial da função pública” (nº 2).
E o artigo 5º estabelece a distinção entre carreiras verticais, horizontais e mistas, nos seguintes termos:
a) Verticais, quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional, diferenciadas em exigências, complexidade e responsabilidade;
b) Horizontais, quando integram categorias com o mesmo conteúdo funcional cuja mudança de categoria corresponde apenas à maior eficiência na execução das respectivas tarefas;
c) Mistas, quando combinem características das carreiras verticais e das horizontais.
Sendo inquestionável que o método “exame psicológico de selecção” só pode ser utilizado eventualmente com carácter eliminatório em concursos de ingresso (artigo 24º, nº 2 do Dec-Lei nº 204/98, de 11 de Julho), importa definir a caracterização do concurso aqui em causa, por referência à natureza das vagas a preencher.
Ora, o artigo 6º, nº 2 do Dec-Lei nº 204/98, dispõe expressamente:
“O concurso pode ainda classificar-se, quanto à natureza das vagas, em concurso de ingresso ou de acesso, consoante vise o preenchimento de lugares das categorias de base ou o preenchimento das categorias intermédias e de topo das respectivas carreiras.
Tudo se reconduz, pois, a saber se a categoria de “Subinspector”, a que se reporta o concurso em análise, é definida na LOPJ, aprovada pelo Dec-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro (diploma aplicável àquele concurso), como “categoria de base” ou como “categoria intermédia ou de topo”.
E a resposta a tal questão não pode deixar de ser contrária à que lhe é dada pela autoridade agravante, como bem se decidiu.
O artigo 119º da LOPJ, sob a epígrafe “carreira”, dispõe no seu nº 1:
“A carreira de pessoal de investigação criminal é integrada pelas seguintes categorias:
a) Inspector-coordenador;
b) Inspector;
c) Subinspector;
d) Agente.
E, segundo os nos 2 e 3 do preceito, as categorias referidas desenvolvem-se por níveis, sendo cada um destes integrado por escalões.
No que toca aos Subinspectores, dispõe o artigo 123º que “a categoria de Subinspector compreende três níveis”, estatuindo o artigo 77º, nº 1 que “o ingresso nas carreiras de investigação criminal faz-se, conforme o caso, na categoria de inspector estagiário ou agente estagiário”.
Do referido quadro legal, bem com do mapa III anexo ao citado diploma, resulta com suficiente clareza que a estruturação do pessoal do quadro da Polícia Judiciária, bem como o desenvolvimento das respectivas carreiras, se mostra delineado de acordo com os termos gerais da estrutura das carreiras do regime geral, fixada nos transcritos preceitos do Dec-Lei nº 248/85, de 15 de Julho, e que nada autoriza a afirmação da entidade agravante, de que a “categoria” de Subinspector definida na LOPJ se reconduz, afinal, a uma “carreira” do regime geral, e que o acesso a esta representa um ingresso numa carreira diferente da carreira de agente.
É confusão conceptual a mais, ao arrepio completo da clareza do texto legal e da unidade do sistema.
Da lei resulta cristalinamente, como se deixou referido, que o pessoal de investigação criminal da Polícia Judiciária está estruturado numa única carreira, em que a categoria de topo e a categoria base são, respectivamente, as de inspector-coordenador e de agente;
O que sucede, como bem observa a Exma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, é que esta carreira tem características de carreira vertical, se considerarmos, do topo para a base, as posições de inspector-coordenador, inspector, subinspector e agente; mas também tem características de carreira horizontal, se considerarmos a evolução por níveis, de cada uma dessas posições, podendo, assim, falar-se de categoria, quer relativamente a cada uma daquelas posições, quer relativamente a cada um dos níveis.
O que explica a referência do legislador a “carreiras”, nos artigos 77º e 83º da LOPJ, compreendendo-se que ele tenha apenas em mente momentos verticais (no artigo 77º) e momentos horizontais (no artigo 83º) de uma mesma carreira.
Aliás, a ser como pretende a autoridade agravante, ou seja, se cada uma das referidas posições correspondesse a uma carreira, então o legislador não teria usado no artigo 77º, nº 1, a conjunção ou (o ingresso ... na categoria de inspector estagiário ou agente estagiário), que confere o sentido de alternativa, nem se compreenderia a limitação da previsão normativa ao ingresso nessas duas “carreiras”, antes se teria referido ao ingresso em todas elas, incluindo a de Subinspector, que nem sequer ali é referida.
Fica, deste modo, sem sentido a argumentação que a entidade recorrente pretende extrair daqueles dispositivos.
As especiais exigências inerentes à evolução da categoria base de Agente para a categoria intermédia de Subinspector, no âmbito da normal progressão dentro da carreira de pessoal de investigação criminal, decorre da especificidade das funções a desempenhar em cada uma dessas categorias, mas não permite concluir, como faz a entidade recorrente, estarmos perante carreiras distintas (...)” – Fim de citação.
Assim, sendo a categoria de Subinspector uma categoria intermédia, será através de um concurso de acesso, e não de ingresso, que devem ser preenchidos os lugares nela vagos.
Não se nos afigura, pois, de perfilhar o entendimento expresso no despacho impugnado que na Polícia Judiciária a categoria corresponde a carreira no regime geral e o nível equivale a categoria, pelo que as várias alíneas do citado artigo 119º nº 1, se referiam a carreiras.
Efectivamente, esta interpretação, para além de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º, nº 2 do Código Civil), não tem em conta a unidade do Sistema jurídico ou coerência intrínseca do ordenamento (nº 1 do artigo 9º citado), pois não se compreenderia que só no âmbito da Polícia Judiciária conceitos como o de “carreira” e “categoria” não correspondessem aos da lei geral e que há muito já foram adquiridos.
Acresce que do artigo 81º da LOPJ resulta que o legislador distingue o acesso e categoria superior do acesso ao nível seguinte, pelo que não existe coincidência entre estes conceitos (cfr. Ac deste TCAS, de 20 de Janeiro de 2005, in Proc. nº 5358/01).
Por conseguinte, o concurso em questão deveria ter sido qualificado como de acesso, não podendo nele ser utilizado o exame psicológico de selecção, motivo por que o despacho impugnado, ao não entender desta forma, enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, com infracção dos artigos 6º, nº 2 e 24º, nº 2 do Dec-Lei nº 204/98, de 11 de Julho, e 119º da LOPJ, aprovada pelo Dec-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro.
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Refira-se, por último que, na conclusão 6ª o recorrente faz menção à verificação de um vício de forma que, no entanto, não parece ter qualquer autonomia relativamente ao vício de violação de lei invocado e que foi julgado procedente. Porém, se se entender que a arguição desse vício de forma se refere ao facto de do Aviso de abertura do concurso não constar, como legislação aplicável, o Regulamento dos Concursos de Ingresso e de Acesso do Pessoal de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, sempre ele deveria ser julgado improcedente, pois, que não era aplicável por haver caducado.
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Acordam, pois, os juizes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo, 1º Juízo Liquidatário deste TCAS, em conceder provimento ao recurso contencioso e anular o despacho impugnado.
Sem custas por a entidade recorrida delas estar isenta e os recorridos particulares não terem contestado (artigos 2º e 3º, ambos da Tabela das Custas).
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Lisboa, 22 de Junho de 2006
as.) António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos (Relator)
Magda Espinho Geraldes
Mário Frederico Gonçalves Pereira