Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:655/15.1BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:12/12/2017
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
PENHORA DE AUTOMÓVEL
OPONIBILIDADE DO REGISTO
Sumário:1) No que respeita ao registo automóvel, é a certidão de direitos, ónus e encargos, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel que faz a prova da existência de todas as inscrições em vigor à data em que a mesma é emitida.
2) Não existe ofensa da posse ou de direito incompatível da embargante, quando a penhora foi registada em momento anterior ao da alienação do automóvel, objecto de penhora, dado que são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
... – Indústria e Serviços do Comércio de Automóvel, S.A., interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 106/109, que julgou improcedentes os Embargos por esta intentados contra a penhora do veículo automóvel de marca Citroen, matrícula ..., efectuada no processo de execução fiscal n.º ..., que corre termos contra C... – Comercialização Aluguer e Representação Veículos Peças e Combustíveis, S.A.
Nas alegações de recurso de fls. 143/147, a recorrente formula as conclusões seguintes:
«I. Foi dado como provado, com interesse para o presente recurso, o seguinte:
- B) Ao abrigo do processo de execução referido na alínea anterior, foi feita penhora do veículo automóvel de marca Citroen, matrícula ... (cfr. fls. 7 e 8 do PEF);
- C) A penhora do veículo identificado na alínea precedente, foi registada em 10/12/2013, (cfr. fls. 8 do PEF);
- D) Em 24/04/2012 foi celebrado contrato de locação financeira entre ... e ..., S.A., referente ao veículo de, matrícula ... (cfr. fls. 16 a 23 do PEF);
- E) Em 07/05/2012 foi emitida fatura pelo ... referente ao veículo melhor identificado na alínea antecedente (cfr. fls. 13 dos autos);
- F) Em 17/06/2014, o veículo encontrava-se registado no Registo Automóvel, como sendo da propriedade de C... Comercialização Aluguer e Representação Veículos Peças e Combustíveis, S.A. (cfr. fls. 28 e seguintes do PEF);
- G) Em 19/03/2015, a Embargante adquiriu o veículo automóvel à ..., após o término do prazo de leasing, porque tinha um potencial cliente para o mesmo (cfr. depoimento das testemunhas em confronto com a fatura de fls. 12 dos autos).
II. A penhora efectuada pela Fazenda Nacional do veículo de marca Citroen, com a matrícula ..., não pode manter uma vez que que a Recorrente quando adquiriu a viatura de marca Citroen, com a matrícula ..., em 19 de Março de 2015, desconhecia, por completo, a eventual penhora que sobre tal viatura impendia.
III. A viatura em causa é adquirida pela Recorrente à sociedade comercial A..., S.A. que, por sua vez, havia celebrado com a Caixa ... ... um contrato de locação financeira, sendo que enquanto perdurou o contrato de locação a viatura pertencia ao ... e não à identificada A....
IV. O ... não procedeu ao registo da viatura, conforme lhe competia, enquanto perdurou a locação financeira, permitindo que a mesma se mantivesse em nome da sociedade comercial C..., S.A., facto que originou que a penhora viesse a ocorrer.
V. O veículo deixou de pertencer à C..., S.A., em Abril de 2012, sendo certo que a penhora efectuada pela Fazenda Nacional apenas tem lugar em Dezembro de 2013, ou seja um ano e oito meses depois!
VI. Questão esta que, com o devido respeito que temos, não foi devidamente compreendida e apreciada pelo Tribunal "a quo", já que este, não obstante considerar tais factos como provados, nos pontos C, D e E, da factualidade provada, a verdade é que não aplicou de forma acertada o direito, impondo-se que seja a decisão recorrida alterada e substituída por outra que determine que a penhora efectuada sobre o veículo já supra identificado deverá ser extinta.
VII. Nesta conformidade, e tendo em conta tudo quanto decorre dos autos, designadamente dos documentos juntos e comprovativos dos factos alegados, afigura-se que, uma vez reapreciada a prova documental junta aos autos, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine que o registo da penhora que impende sobre a viatura identificada nos autos deve ser cancelado.
VIII. Andou mal o Tribunal "a quo" ao manter a penhora sobre o veículo, tendo feito uma errada aplicação do direito atentos os factos dados como provados
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Não há registo de contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 152/153), no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

A) Em 07/01/2013 foi instaurado contra C... Comercialização Aluguer e Representação Veículos Peças e Combustíveis, S.A., o processo de execução fiscal nº ... (cfr. fls. 1 do PEF);
B) Ao abrigo do processo de execução referido na alínea anterior, foi feita penhora do veículo automóvel de marca Citroen, matrícula ... (cfr. fls. 7 e 8 do PEF);
C) A penhora do veículo identificado na alínea precedente, foi registada em 10/12/2013, (cfr. fls. 8 do PEF);
D) Em 24/04/2012 foi celebrado contrato de locação financeira entre ... e ..., S.A., referente ao veículo de, matrícula ... (cfr. fls. 16 a 23 do PEF);
E) Em 07/05/2012 foi emitida fatura pelo ... referente ao veículo melhor identificado na alínea antecedente (cfr. fls. 13 dos autos);
F) Em 17/06/2014, o veículo encontrava-se registado no Registo Automóvel, como sendo da propriedade de C... Comercialização Aluguer e Representação Veículos Peças e Combustíveis, S.A. (cfr. fls. 28 e seguintes do PEF);
G) Em 19/03/2015, a Embargante adquiriu o veículo automóvel à ..., após o término do prazo de leasing, porque tinha um potencial cliente para o mesmo (cfr. depoimento das testemunhas em confronto com a fatura de fls. 12 dos autos);
H) Em 26/03/2015 a Embargante vendeu a J... o veículo melhor identificado na alínea B) (cfr. fls. Fatura de fls. 46 do PEF);
I) Em 22/06/2015 a PSP apreendeu o veículo referido na alínea anterior (cfr. fls. 38 e 39 do PEF);
J) Em 22/07/2015, o Veículo automóvel foi rebocado da Embargante para as instalações do Serviço de Finanças de ... (cfr. fls. 57 a 59 dos autos);
K) Em 04/08/2015 foi emitida pela Embargante a J... nota de crédito no valor de €12.200 (cfr. fls. 43 dos autos);
L) Em 10/08/2015 foram intentados os presentes embargos (cfr. fls. 6 dos autos).»

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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no PEF junto aos autos e no depoimento das testemunhas e declarações de parte.

A..., por ser administrador da executada, ser sócio da Embargante e ter trabalhado para a ..., S.A., esclareceu o tribunal sobre a aquisição do veículo automóvel pela Embargante, sobre os factos relativos ao contrato de locação financeira e ainda sobre o motivo da emissão da nota de crédito junta aos autos. O seu depoimento mostrou-se credível por ter conhecimento direto dos factos.

A testemunha S… prestou depoimento sobre os factos relativos à venda do veículo a J... e esclareceu ainda ao tribunal que a Embargante, a Executada e a ..., S.A. pertencem todas ao mesmo grupo de empresas.»

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2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 106/109, que julgou improcedentes os Embargos intentados por “... – Indústria e Serviços do Comércio de Automóvel, S.A.” contra a penhora do veículo automóvel de marca Citroen, matricula ..., efectuada no processo de execução fiscal n.º ..., que corre termos contra C... – Comercialização Aluguer e Representação Veículos Peças e Combustíveis, S.A.
2.2.2. Para julgar improcedentes os presentes embargos, a sentença estruturou a argumentação seguinte:
«Resulta da factualidade assente que a penhora foi registada em 10/12/2013.
Mais resulta que a Embargante apenas em 19/03/2015, adquiriu o veículo penhorado, pelo que, à data do ato posto em causa, a Embargante não era titular de qualquer direito de propriedade ou posse incompatível com aquele.
Não releva para a decisão dos autos, o trato sucessivo que a Embargante procurou demonstrar porque o momento relevante para a apreciação do direito da mesma é a data do registo da penhora.
Acresce que, não tem razão a Embargante ao invocar o desconhecimento da penhora, pois a mesma encontrava-se registada desde 2013 e sendo a Embargante uma empresa cuja atividade comercial se refere a compra e venda de automóveis, que se encontra inserida num grupo de empresas que integra também a executada e ainda a alegada vendedora ..., S.A., tinha o dever acrescido de consultar o registo automóvel referente ao veículo em causa, antes de o adquirir ou mesmo, vender a terceiro de boa-fé.
Pelo precedente, não logrou a Embargante provar que tem um direito (direito de propriedade) ou posse incompatível com a penhora feita ao veículo melhor identificado nos autos».
2.2.3. A recorrente assaca à sentença sob escrutínio erro de julgamento quanto ao direito aplicável.
Alega que a penhora em causa nos autos não se pode manter, seja porque desconhecia a existência da mesma, seja porque a omissão do registo da venda é imputável a entidade terceira, que não a embargante.
Vejamos.

«O possuidor cuja posse seja ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo» (artigo 1285.º do Código Civil).

Estabelece o artigo 237.º/1, do CPPT, que «[q]uando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro».
Não sofre dúvida que «[n]o nosso ordenamento jurídico consagrou-se aquilo que se denomina por concepção subjectiva da posse, ou seja, uma concepção que envolve um elemento objectivo e um elemento subjectivo; um corpus e um animus. O primeiro elemento caracteriza-se pelo exercício de poderes de facto sobre uma coisa; o segundo pela existência de uma intenção de, ao exercer tais poderes, estar a agir como titular do direito a que os actos praticados correspondem. Acórdão do TCAS, de 19.05.2016, P. 09492/16..
Por outro lado, determina o artigo 5.º 1 do Código do Registo Automóvel - CRA (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54/75, de 14 de Fevereiro), o seguinte:
«Estão sujeitos a registo: a) O direito de propriedade e de usufruto; (…) // h) A penhora, o arresto, o arrolamento, a apreensão, a apreensão em processo penal ou quaisquer outras providências ou atos judiciais ou administrativos que afetem a livre disposição de veículos».
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, do CRA, «[o] registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respectivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».
Do probatório resulta o seguinte:
i) A penhora do veículo identificado na alínea precedente foi registada em 10/12/2013;
ii) Em 19/03/2015, a Embargante adquiriu o veículo automóvel à ....
«São inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados» - artigo 819.º do Código Civil.
A propósito do valor do registo dos actos relativos a veículos automóveis, cumpre reiterar que «no que respeita ao registo automóvel, é a certidão de direitos ónus e encargos, emitida pela Conservatória do Registo Automóvel, nos termos do disposto no artº.112, nº.1, do Código do Registo Predial, "ex vi" do artº.29, do dec.lei 54/75, de 12/2, que faz a prova da existência de todas as inscrições em vigor à data em que é emitida a mesma e incidentes sobre a viatura em causa, sendo que, tanto a aquisição de propriedade, como a penhora incidentes sobre veículos automóveis constituem factos sujeitos a registo, nos termos do artº.5, do citado dec.lei 54/75, de 12/2» Acórdão do TCAS, de 27-11-2014, P. 08060/14..
De onde resulta que, no que respeita ao veículo objecto de penhora, a embargante não demonstra a titularidade da posse ou direito incompatível com a penhora efectuada, a qual ocorreu em momento anterior à aquisição do bem por parte da embargante. Esta última não pode, de forma eficaz, invocar o desconhecimento da penhora do veículo inscrita no registo, porquanto é seu dever o de verificar, através da certidão a emitir pela Conservatória do Registo Automóvel, as inscrições em vigor, na data da aquisição do veículo. O que alegadamente não terá sucedido no caso em exame. Daí não decorre a inoponibilidade do registo da penhora em relação ao posterior adquirente do veículo, no caso, a ora embargante/recorrente. Sem que a mesma logre invocar, de forma fundada, direito incompatível com a diligência executiva em apreço, porquanto os actos de disposição do bem penhorado são inoponíveis à execução.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)