Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1039/16.0BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:06/28/2018
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:AGENTE DE EXECUÇÃO,
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO DE DECISÃO EM PRAZO RAZOÁVEL
Sumário:1. A responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral privado e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, previsto no Dec. 48.051, 21.11.67, entretanto substituído pela Lei 67/2007, 31.12.

2. O atraso em processo executivo por se ter excedido o prazo julgado razoável é imputável ao Estado apenas e tão só no tocante às fases em que a instância tramitou sob a alçada do Tribunal.
Votação:
UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:M…………, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. O tribunal já decidiu que houve violação do direito à justiça em prazo razoável, devendo o Estado, assumir as consequências.
2. O Estado responde pelos actos dos agentes de execução, nomeadamente pela sua inércia, ao contrário do que diz a sentença, pelo que todo o período pelo mesmo tratado tem que ser contabilizado.
3. É intolerável que o tribunal descarte a responsabilidade do Estado quando o processo está sob a tramitação do agente de execução.
4. O agente de execução é um auxiliar da justiça, pelo que os actos ilícitos cometidos na respectiva actuação implicam a responsabilidade civil do Estado
5. O agente de execução age em nome do Estado que tem o monopólio da justiça.
6. Ao contrário da lei processual criminal, as partes não têm qualquer meio processual para pedirem a aceleração processual,
7. Foi violado um direito fundamental previsto na Constituição.
8. Nos autos estava em causa uma execução que durou 11 anos, e não 8 como se alude na decisão.
9. «No que diz respeito à avaliação equitativa do dano moral sofrido em virtude da duração do processo, o Tribunal Europeu considera que uma quantia que varia entre 1000 a 1500 Euros por ano de duração do processo (e não por ano de atraso) é o ponto de partida para o cálculo a efectuar, do que o Tribunal a quo se afastou sem razão.
10. O Tribunal não seguiu a jurisprudência do Tribunal Europeu sobre os montantes das indemnizações, apesar de lhe fazer referência na sentença, reduzindo astronomicarnente as indemnizações para níveis irrisórios e ofensivos. Violando assim, o artigo 1° e 6, n° l e 46° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
11. Os tribunais nacionais são obrigados a seguir a jurisprudência do TEDH.
12. O que está em causa neste processo é a sua duração e não o seu valor. O sofrimento da autora não deixa de ser enorme apesar do valor da ação, e não se pode aludir a Danos não patrimoniais de primeira e de segunda categoria, pois que a Recorrente viveu, triste, angustiada, acabrunhada, enervada, e com constrangimentos financeiros devido à demora na resolução do processo,
13. Para a concessão das indemnizações o Tribunal Europeu tem em conta a duração do processo e não os montantes envolvidos.
14. O tribunal admite que durante mais de 8 anos houve um atraso sem causa justificativa, mas não tirou as conclusões, concedendo uma indemnização punitiva.
15. Assim, deve ser concedida a indemnização de 16.000,00 € (dezasseis mil) peticionada, acrescida de juros desde a citação e não da decisão.
16. A indemnização de mil euros é miserabilista e ofensiva.
17. O TCAS deve ainda ter em conta a própria duração no TCAS, majorando a indemnização, concedendo uma indemnização suplementar.
18. Foram violadas as disposições do artigo 1°, 6°, n° l, e 46° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 22° da CRP e artigo 496° do CC que deveriam ter sido interpretados no sentido das disposições anteriores.
19. Devendo revogar-se a sentença e substituída por acórdão que conceda dezasseis mil euros de indemnização, pelo menos, majorada conforme o atraso no TCAN, acrescida de juros desde a sentença e com pagamento de honorários a advogado a liquidar, como já foi decidido na primeira instância.
20. A formalizar ainda se impetra o douto suprimento para as deficiências do nosso patrocínio, clamando-se JUSTIÇA.

*

O Digno Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado, contra-alegou, concluindo como segue:

1. A sentença recorrida, em sintonia do que é advogado pela recorrente, decidiu que na situação dos autos houve violação do direito à justiça em prazo razoável, entendida como facto ilícito consubstanciado na violação do preceituado nos artigos 6º, nº l da CEDH e 20º nºs. l e 4 da CRP.
2. Com a Reforma da ação executiva de 2003, numa perspetiva da desjudicialização do processo executivo, a tramitação do mesmo passou a ser exercida por solicitadores profissionais liberais, em nome próprio, sob direção e fiscalização pela Câmara de Solicitadores, perante quem respondem disciplinarmente por atos/omissões cometidos no processo, e não perante o Juiz, o não ser excecionalmente.
3. E, cabendo, "o exercício do agente de execução dentro do conceito de privatização orgânica", em que assume "a responsabilidade de execução de uma tarefa pública", a responsabilidade civil que ao mesmo for imputada, no âmbito do exercício da sua ativida.de, obedece ao regime geral, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas.
4. Não se percebendo o propósito do conteúdo da conclusão 6§, já que a sentença recorrida nessa parte, acolheu a tese da recorrente, sempre se dirá que apesar de inexistir obrigação legal, alguma, de ser feito um pedido de intervenção junto do Conselho Superior da Magistratura para poder interferir no andamento processual de uma ação, não se pode descurar que tal entidade é o órgão superior de gestão da magistratura judicial (art. 136a do EMJ, aprovado pela Lei 21/85, de 30/7), a quem compete, nomeadamente, promover assegurar operacionalidade dos serviços, mediante a alteração da distribuição de processos e estabelecer prioridades no processamento das causas [art. 149º, al.s h) e i) da mesma Lei e art.s 15º-2/j) e 18º-4/c) da Lei 36/2007, de 1-4/8]. ,
5. Pelo que, um tal pedido representaria um oportuno alerta perante a quem não pode deixar de ser assacada responsabilidade na matéria, e que poderia levar, até, a que fosse dada uma resposta positiva e eficaz sobre o retardamento da ação.
6. Sendo certo que, esse ato procedimental, junto da hierarquia superior, que detém poder e responsabilidade na matéria, representa um sinal de alguém que denota preocupação, empenho e interesse pela resolução da situação, cuja omissão não poderá, por isso, deixar de ser valorada em termos de causalidade e da culpa.
7. Ao contrário do que advoga a recorrente, quando defende que a indemnização deverá ter como referência o período de duração global do processo, de 11 anos e 12 dias, desde o início até à decisão final, a indemnização deverá reportar-se aos atrasos efetivamente ocorridos, de 8 anos e 12 dias, como foi decidido na sentença recorrida, em consonância com a jurisprudência do TEDH e nacional e com o instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos.
8. Também, de acordo com essa jurisprudência, sendo considerado como duração média razoável de um processo, o período de 3 anos, em 1a instância, subtraindo-se o tempo de suspensão por acordo das partes (de 18/6 a 17/7, de 2009 e de 8/7/2013 a 6/1/2014) e do restante tempo em que esteve a cargo do agente de execução, chega-se ao prazo, de 5 anos, tido como relevante, na sentença recorrida, para sustentar a indemnização atribuída, assente no atraso imputado ao Tribunal.
9. Aderindo, tanto a sentença recorrida corno a recorrente, à tese jurisprudência! de que o montante indemnizatório deve ter como referência o valor anual compreendido entre € l 000,00 e € l 500,00, em função de cada ano de demora, serve apenas de ponto de partida já que poderá oscilar para mais ou para menos dessa grelha, consoante os fatores ou critérios protagonizados pela jurisprudência, nomeadamente, a postura processual das partes; a atuação das entidades competentes no processo; a importância do objeto do litígio para o interessado; da realidade económica e financeira do País; em função de princípios como o da proporcionalidade e razoabilidade; das ex-petativas de êxito na ação atrasada;
10. Tendo em conta a matéria dada como provada perante esses fatores extrai-se uma primeira ilação traduzida ria circunstância de a recorrente se ter limitado a endossar para o tribunal e para o agente de execução o ónus ou a responsabilidade de descobrirem bens penhoráveis, sem que tivesse sido encontrado um qualquer bem móvel ou imóvel à executada, apenas uma pensão social mensal de € 133,94, e tendo sido penhorado o direito indiviso da executada sobre um imóvel e posto à venda mediante proposta por carta fechada não se logrou obter qualquer proposta de aquisição.
11. Nesse contexto, a postura da recorrente na execução resumiu-se a três (3) requerimentos indicados nos pontos 35, 48 e 59 dos factos provados, mas sem que qualquer deles tivesse influência para o desfecho daquela, e nesse sentido é de se lhe atribuir uma atitude passiva ou de inércia, sobre quem não prevê esperança ou viabilidade na cobrança da dívida exequenda, ao arrepio do disposto nos art.s 2º/1 do CPC, 10e/4), do NCPC, (anterior art. 4e/3]; [art. 724°-1/c), do NCPC, (anterior art. 810fi-l/c]; [art. 724s-l/i) do NCPC, (anterior art. 810B, nas l/i) e 5)].
12. Assim, se já no regime do DL 38/03, recaia sobre o ónus de fornecer ao agente de execução, os elementos disponíveis capazes contribuir para a identificação adequada dos bens cuja rápida penhora se pretende essa obrigação tornou-se reforçada com o DL ns 4/2013, de 11/1, em cujo preâmbulo se lê: "... enquanto principal interessado no sucesso da execução, pela sua forma de atuação no processo. Dependendo os resultados da execução em grande medida da rapidez com que o processo é conduzido, a inércia do exequente em promover o seu andamento não pode deixar de legitimar um juízo acerca do interesse no próprio processo".
13. Compreende-se, por isso, que o Estado não possa ser co-responsabilizado por um agente que atua por sua conta, ordem e risco, nem por situações: como a inexistência de bens penhoráveis, avaliação e venda dos bens que dependem de fatores alheios ao processo, e que são independentes do funcionamento e controlo dos tribunais, fatores, esses, diga-se, que até podem acarretar atrasos benéficos à execução, como parece ter sucedido na situação subjudice.
14. Não se percebe como é que a demora de uma execução pode causar danos de qualquer espécie a alguém quando, como aqui sucede, o exequente/recorrente não concretiza bens a penhorar e aqueles que o agente de execução descobre ou são impenhoráveis ou não encontram comprador, o que devia implicar, então, o arquivamento, ainda que condicional, da execução,
15. De resto, foi, precisamente, para evitar que as execuções se eternizassem que o art. 3S do citado DL nº 4/2013, de 11/1, veio determinar a extinção daquelas que se encontrassem a aguardar o impulso do exequente há mais de seis meses, entendimento, esse, consagrado no art. 281°/5 do CPC, que, de resto, vem sancionar a inobservância do prescrito no art. 2º do CPC, que impõe que a pretensão seja regularmente deduzida e o direito passível de ser reconhecido em juízo, suscetíveis de poderem ser cumpridos.
16. Assim sendo, a recorrente só se pode sentir grata por ter sido contemplada pelo não arquivamento da execução, nos sobreditos termos legais, e por manter viva a esperança de ainda poder vir cobrar a quantia exequenda, de outra forma, se a execução tivesse terminado no "prazo razoável", uma vez que a cobrança do crédito exequendo não havia, aí, sido conseguida, tem-se por certo que os alegados danos morais não deixariam de continuar a verificar-se, associados à própria dívida, enquanto esta persistisse, sendo a demora neutra em relação àqueles mesmos danos.
17. E, se em relação ao agente de execução não é apontada qualquer falha na sua atuação, que, a existir, sempre seria extensível ao exequente a título de culpa in elegendo, quantos aos agentes judiciários que tiveram intervenção na ação nada foi dado como provado, o mesmo se dizendo quanto à culpa residual do serviço.
18. No que concerne às repercussões no atraso do recebimento da quantia exequenda de € 076,64, importa realçar que esta é referente a negócios de peças de ouro, no âmbito da atividade comercial da exequente/recorrente, e que a falta desse dinheiro apenas lhe "criou constrangimentos financeiros", donde não estamos perante uma importância, considerada elevada, cuja falta seja idónea a gerar dificuldades acrescidas ou graves impedimentos ou necessidades, sendo que na vertente situação isso, de todo, não sucedeu.
19. Cabe aqui anotar que dos exemplos indicados pela recorrente nenhum deles tem como se uma ação atrasada em que esteja em causa uma execução para cobrança de uma semelhante importância.
20. Quanto ao valor da execução, desvalorizado, em absoluto, pela recorrente nas conclusões 12 e 13, para o sobredito efeito, é óbvio que está contemplado naquele critério sobre "a importância da decisão para as partes"-1'enjeu du litige.
21. Desta feita, no que concerne; às repercussões no atraso do recebimento da quantia exequenda de € 4 076,64, importa recordar que esta é referente a negócios de peças de ouro, no âmbito da atividade comercial da exequente/recorrente, e que a falta desse dinheiro apenas lhe "criou constrangimentos financeiros," pelo que, não estamos perante uma importância considerada elevada, cuja falta seja idónea a gerar dificuldades acrescidas ou dês, sendo que na vertente situação isso, de todo, não sucedeu.
22. A jurisprudência do TEDH e nacional também não é indiferente às condições conjecturais de ordem económica e política, como não o é a doutrina, a exemplo de Paulo Otero, in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, Comentários à Luz da Jurisprudência, AAFDL, pag.s 18 e 19, de Carla Amado Gomes e outros, cujas passagens se reproduzem:
«... se razões de "interesse público de excecional relevo" habilitam derrogações à natureza retroatíva da declaração de inconstitucionalidade, permitindo que se mantenham ou continuem a produzir efeitos normas contrariais à Constituição, num prevalecer de uma razão de Estado sobre ai própria Constituição ... não se pode excluir que razões de "interesse público de excecional relevo" (tal como sucede com uma grave crise financeira do Estado ) possam habilitar restrições à efetivação Io direito à. responsabilidade civil das entidades públicas.
... O juiz não pode deixar de ponderar o interesse público de excecional relevo que a sustentabilidade financeira do Estado representa e, simultaneamente, de ter presente a necessidade de garantir o núcleo essencial ou um mínimo de efetividade do direito fundamental à responsabilidade civil das entidades públicas;
- O juiz, visando sempre alcançar a materialidade da justiça do caso concreto, não pode deixar de ponderar a proteção da confiança dos alegados titulares de direitos de crédito ante o risco de a crise financeira conduzir ao default do Estado ....»
23. Consequência disso, se foram as instâncias europeias quem impuseram ao Estado Português regras económicas e financeiras deveras restritivas, durante o período denominado da "Troika", impeditivas Dele poder dar cumprimento ao disposto no art. 6º da CEDH, parece-nos perfeitamente lógico e de toda a Justiça que se: imponha a suspensão| da aplicação desse normativo com referência ao mesmo período.
24. Posto isso, perante os descritos critérios e a prova dada como provada, temos que, quanto ao montante indemnizatório, fixado pela Mma Juiz recorrida, no valor de € 1000,00 em função dois 5 anos, a Mesma foi extremamente generosa para com a Recorrente, porquanto, esta, a ter direito a alguma importância do Estado/contribuintes, não poderia ir além de uma quantia simbólica, aquela sem menos um zero, o que, de resto, a suceder o mesmo às múltiplas ações pendentes neste TAF, pelo mesmo ilustre mandatário e por idêntica temática, não deixará de constituir um pesado encargo para o Estado.
25. Por último, o alegado na conclusão 16e é futurologia.
26. Donde, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida já que aplicou acertada e criteriosamente as atinentes normas legais à situação em apreço, devendo a mesma ser mantida.
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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência-

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. A sequência cronológica dos atos processuais, no processo de execução de n.° 1463/05.3TBABT encontra-se documentada no "Relatório Descritivo do Processo de Execução N° 1463/05.3TBABT" e seu apenso n.° 1463/05.3TBABT-A, bem como para a nota descritiva de alguns atos processuais neles ocorridos. [c£ acordo conforme ata de audiência prévia e doe. n.° l junto à contestação cujo teor aqui se tempor integralmente reproduzido]
2. Em 06/12/2005 a Autora deu entrada de um requerimento executivo no Tribunal Judicial de Abrantes, que deu origem ao processo a que foi

DO DIREITO

1. decisão singular de mérito do relator - reclamação para a conferência;

O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo DL 329-A/95, podendo a parte afectada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme disposições conjugadas dos artºs. 705º e 700º nº 3 CPC, hoje, artºs. 656º ex vi 652º nº 1 c) e nº 3 CPC da revisão de 2013.
Deduzida reclamação para a conferência “(..) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.
No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (..)” – doutrina constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.02.2015, tirado no rec. nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1.

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No citado Acórdão da Relação do Porto é feita referência expressa aos termos gerais de direito no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, o Recorrente restringir o abjecto do recurso, “(..) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do artº 632º nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial. (..)” (1)
O que implica precisar o pressuposto legal de delimitação do âmbito da pretensão recursória e das hipóteses legais de modificação.
A delimitação objectiva do recurso é dada pelas conclusões, cfr. artºs. 635º nº 4, 637º nº 2 e 639º nºs 1 e 2 CPC, na medida em que “(..) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões. (..)
Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisão) visada pela impugnação. (..) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (..)”, cfr. artº 635º nº 4 CPC. (2)
No tocante à ampliação do objecto do recurso, o artº 636º nº 1 CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da acção (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

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Do complexo normativo citado se conclui que o acto processual de convocação da conferência no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC não é configurado como meio adjectivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objecto (artº 635º/4 CPC), nem para desistir do recurso (artº 632º º 5 CPC), posto que “(..) a desistência do recurso apenas é possível até à prolação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso.
Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (..)”,. (3)
Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objecto do recurso proferida pelo relator (artº 652º/1 c) ex vi 656º CPC) ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, cfr. artº 632º nº 5 CPC.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artº 635º nº 4 CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artº 636º nº 1 CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.
Como se diz no Acórdão da Relação do Porto acima citado, no regime do artº 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objecto recursório anteriormente definido nos termos do artº 635º nº 4 CPC.
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No caso concreto, a Recorrente pede a prolação de Acórdão pela Conferência.
O que significa que, conforme regime supra exposto, cabe conhecer do mérito do recurso tendo por objecto o fixado pelas conclusões do Recorrente e mantendo-se a posição processual do Recorrido no âmbito das respectivas contra-alegações.
Ou seja, cumpre em via da reclamação deduzida reapreciar as questões suscitadas em sede de conclusões de recurso, fazendo retroagir o conhecimento de mérito do recurso ao momento anterior à decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator.


2. decisão judicial em prazo razoável - artº 6º § 1 da CEDH – artº 20º nº 4 CRP;


No caso concreto trazido a recurso cabe levar em linha de conta e analisar que na direcção da instância executiva intervém não só o Juiz dos Tribunais do Estado como o solicitador/agente de execução.
De modo que é necessário separar as águas no tocante ao âmbito de eficácia do bloco normativo aplicável, v.g. para efeitos de imputação subjectiva e objectiva em sede de pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado - o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano -, os quais são de verificação cumulativa.

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Diga-se, desde já, o discurso jurídico fundamentador constante da sentença proferida pelo Senhor Juiz de 1ª Instância cobre todo o leque de análise jurídica da questão, pelo que, salvo no tocante aos juros moratórios, se acompanha, in totum.

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O direito a uma decisão em prazo razoável, como uma das valências do direito de acesso à justiça, garantido pelo artº 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e no artº 6º § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, significa que “Toda a pessoa tem direito que o seu caso seja decidido (..) em prazo razoável, por um tribunal (..) que decidirá (..) sobre os seus direitos e obrigações de natureza cível (..)”, pelo que, no quadro dos elementos constitutivos da obrigação de indemnização, cabe analisar o facto concreto donde, na tese do Recorrente deriva a violação do seu direito subjectivo a obter decisão em prazo razoável.
O conceito de “prazo razoável” pressupõe o reporte a um standard ou padrão médio de funcionamento tido como tal em cada época concreta, fundamentado em graus de eficiência do serviço público da administração da justiça.
Segundo a sentença proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem/1ª Secção, procº nº 30273/07 de 11.02.2010, caso Leonardo da Silva c. Luxemburgo, “(..) a razoabilidade da duração de um processo aprecia-se de acordo com as circunstâncias do caso concreto e segundo os critérios consagrados pela jurisprudência, particularmente a complexidade da causa, o comportamento do Autor e das autoridades competentes, bem como o desenrolar da litigância pelas partes interessadas (..)”.


3. deficiente funcionamento dos serviços de justiça – juízo de subsunção;

A omissão de decisão em prazo razoável no processo em concreto terá de ser objecto de um juízo de subsunção no quadro legal das “(..) situações de deficiente funcionamento da justiça que não resultam directamente de actos jurisdicionais em sentido próprio (..) [mas] diferentemente, de uma responsabilidade que, não podendo ser imputada a um concreto interveniente processual resulta do funcionamento anormal do serviço, considerado no seu conjunto, (..) [cujo] dever de indemnizar pressupõe, não apenas um comportamento antijurídico, traduzido na prática de um acto ilícito, como também um juízo de censura que, quando imputável ao serviço em si mesmo considerado, equivale ao conceito de culpa do serviço. (..)”(4 )
Como nos diz a doutrina “(..) é irrelevante saber se e em que medida os prazos processuais foram incumpridos (“não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais, à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso”)(..)
Se os prazos foram cumpridos e, apesar disso, o processo se alongou naqueles termos, é porque o Estado deveria ter providenciado os meios humanos e materiais e a configuração do processo e termos de permitir administrar a justiça em tempo razoável (cfr. Acórdão do STA – 1ª de 5/5/2010, Procº nº 122/10 e o Acórdão do STA – 2ª de 6/11/2012, Procº nº 976/11). (..) (5)

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Continuando e seguindo de perto o Autor citado, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem evoluindo no sentido de qualificar como prazo razoável a duração média do processo, apontando para 3 anos de duração média, na primeira instância, para a generalidade das matérias e para 4 a 6 anos de duração média global da lide, da mesma parecendo resultar uma via de solução articulada em três fases, a saber,
(i) apurar a duração média da categoria de processo,
(ii) apurar os casos de claro de afastamento inaceitável desse padrão médio, salvo culpa do próprio lesado e
(iii) em via de análise mais fina, apurar os restantes casos, com apoio nos critérios orientadores enunciados na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Consequentemente, assente que a ilicitude se refere sempre à duração global do processo e não decorre de uma consideração analítica dos actos de processo e respectivos prazos - que hoje tem como padrão normativo a situação descrita no artº 7º nº 4 Lei 67/2007 para o funcionamento anormal do serviço como aquela em que “atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultados, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos” - cabe concluir que se considera verificada a ilicitude por funcionamento anormal do serviço concretizada nos 25 anos de decurso global da instância no procº nº 14/C/1982 iniciada em 24.02.82 e terminada por decisão com trânsito em julgado em 03.05.2007, do Tribunal Judicial de Alcanena.

Vejamos agora as consequências, do lado da esfera jurídica do lesado.

De acordo com a doutrina exposta no Acórdão STA 1004/16, 11.05.2017, no dever de indemnizar por “(..) danos não patrimoniais, importa atender ao regime legal do art. 496.º do C. Civil que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3] (..) Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos com a lesão do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável. (..)”, sendo que “(..) este Supremo Tribunal tem jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os “… danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso …”, na certeza de que se “… a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu …” [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo seu Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e sucessivamente reiterada, nomeadamente, nos Acs. de 09.07.2009 - Proc. n.º 0365/09, de 01.03.2011 - Proc. n.º 0336/10, de 15.05.2013 - Proc. n.º 01229/12 e de 14.04.2016 - Proc. n.º 01635/15]. (..)”.


4. regime da responsabilidade civil dos agentes de execução;

No tocante à problemática da responsabilidade civil do agente de execução, no Ac. do STJ de 11.04.2013, tirado no procº nº 5548/09.9TVLSNB.L1.S.1 (Abrantes Geraldes), citado na sentença sob recurso, sumariou-se como segue:
1. Embora as atribuições do agente de execução não se circunscrevam às que são típicas de uma profissão liberal, envolvendo também actos próprios de oficial público, para efeitos de responsabilidade civil emergem os aspectos de ordem privatística que resultam, nomeadamente, da forma de designação, do grau de autonomia perante o juiz, do regime de honorários, das regras de substituição e de destituição, da obrigatoriedade de seguro ou do facto de o recrutamento, a nomeação, a inspecção e a acção disciplinar serem da competência de uma entidade que não integra a Administração.
2. A responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto no Dec. Lei nº 48.051, de 21-11-1967 (entretanto substituído pela Lei nº 67/07, de 31-12).
3. Assim acontece com a responsabilidade decorrente da realização indevida de uma penhora, numa ocasião em que a execução se encontrava suspensa por decisão judicial, nos termos do art. 818º, nº 1, do CPC, depois de o executado, que deduzira oposição, ter prEstado caução.

Do citado Ac. do STJ transcreve-se a parte julgada relevante para o caso em apreço.
“(..)
As alegações de recurso desafiam-nos a apreciar se a actuação dos agentes de execução, no âmbito da acção executiva, [3] fica submetida ao regime geral da responsabilidade civil, à semelhança dos demais profissionais liberais, ou antes ao regime jurídico especialmente consagrado para o Estado e outras entidades públicas.
Nos termos dos arts. 2º e 3º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 48.051, de 21-11-67 (entretanto revogado e substituído pela Lei n.º 67/07, de 31-12), o Estado é responsável pelos “actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”. A responsabilidade directa dos “titulares do órgão” e dos “agentes administrativos” fica reservada para os actos praticados fora dos limites das suas funções ou para actos dolosos (art. 3º, n.º 1).
Foi ao abrigo deste regime jurídico que o Tribunal de 1ª instância julgou improcedente a acção, uma vez que a actuação da R. A., alegadamente causadora dos danos, não excederia os limites de uma actuação negligente.[4]
Solução diversa foi assumida pela Relação, depois de concluir que ao caso se ajustava o regime geral de responsabilidade civil extracontratual regulado nos arts. 483º e segs. do CC.

2.2. A dilucidação da questão está fundamentalmente dependente da análise da figura do agente de execução cujo regime emerge do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e também de diversas normas do CPC, abordagem que já foi profundamente efectuada pelo Ac. deste Supremo Tribunal, de 6-7-11 (www.dgsi.pt) profusamente reproduzido no acórdão da Relação.
Aderimos à linha argumentativa que aí foi exposta e que, a partir do regime jurídico que emergente da reforma de 2003, integrou a actividade do agente de execução nos quadros gerais da responsabilidade civil extracontratual. Ressalta de tal aresto a ideia-base de que, pese embora o facto de aos agentes de execução terem sido atribuídos poderes que anteriormente eram exercidos por oficiais de justiça, sob directa subordinação ao juiz do processo, certos aspectos que decorrem do seu estatuto profissional, do modo de designação ou do grau de autonomia que lhes é conferido no âmbito do acção executiva demandam que pelo exercício da sua actividade respondam nos termos do direito privado.
Ainda que nesse aresto estivesse em apreciação uma actuação do agente de execução ocorrida no ano de 2007 (tal como ocorre no caso presente), a adesão a tal enquadramento jurídico não é substancialmente influenciada pelas modificações que entretanto foram introduzidas pelo Dec. Lei n.º 226/08, de 20-11, que, embora acentuando ainda mais o processo de desjudicialização da acção executiva, manteve o perfil estatutário que já anteriormente fora assumido.
Por isso se fará referência genérica à reforma da acção executiva e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores, sem distinção de períodos.

2.3. No âmbito da Reforma da Acção Executiva de 2003, por via do Dec. Lei n.º 88/03, de 10-9, os “solicitadores de execução” foram arvorados numa nova classe profissional, cuja configuração foi integrada por normas aditadas ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores.[5]
Funcionando fora dos limites físicos das secretarias judiciais, foi-lhes permitido que organizassem a sua actividade com um grau de autonomia semelhante ao que é próprio de quem exerce profissões liberais, suportando os custos e arrecadando os correspondentes benefícios.[6]
Naquela primeira iniciativa, a regulação da actividade, quer na vertente inspectiva, quer disciplinar, foi confiada exclusivamente a órgãos internos da Câmara de Solicitadores, sem distinção relativamente aos demais solicitadores (art. 131º, n.º 1, do Estatuto). Já ao nível da intervenção na acção executiva, para além da atribuição de competência para a prática da generalidade dos actos executivos, ficou previsto que a sua destituição, por decisão judicial, ficaria reservada para casos de actuação dolosa ou negligente ou para situações que configurassem violação grave de deveres estatutários (art. 808º, n.º 4, do CPC). Ainda assim, as consequências estritamente disciplinares continuaram a ser um exclusivo da Câmara de Solicitadores.[7]
Com a Reforma de 2008, a figura dos “solicitadores de execução” deu lugar à figura mais ampla de “agentes de execução”, por forma a abarcar também advogados, destacando-se ainda a criação da Comissão para a Eficácia das Execuções (art. 69º-B do Estatuto), com funções inspectivas e disciplinares.
Mas embora tal Comissão constitua uma entidade independente e com pluralidade de elementos de diversas proveniências, alguns dos quais designados por entidades públicas (CSM e Ministérios), na respectiva composição dominam os elementos corporativamente designados, nomeadamente pela Ordem dos Advogados e pela Câmara de Solicitadores.
É verdade que com esta opção saiu algo reforçado o controlo externo do agente de execução. Mas este efeito acabou por ser compensado com a adopção de outras medidas que acentuaram o seu distanciamento relativamente ao juiz.[8]
Com efeito, em lugar do poder geral de controlo que a este era atribuído na anterior versão do nº 1 do art. 809º do CPC, procedeu-se à tipificação das suas intervenções, tendo como contraponto o maior grau de autonomia dos agentes de execução, designadamente em relação aos actos propriamente executivos.
Por outro lado, foi retirado ao juiz o poder de destituição, o qual foi integralmente transferido para o órgão disciplinar de natureza corporativa (CPEE), ao mesmo tempo que, acentuando a natureza privatística do estatuto do agente de execução, se atribuiu ao exequente o poder de proceder à sua livre substituição (art. 808º, nº 6, do CPC).

2.4.Seja como for, em nenhuma das versões da Reforma da Acção Executiva se detectam sinais de qualquer intenção do legislador no sentido de se estabelecer uma equiparação dos solicitadores ou dos agentes de execução aos demais agentes administrativos, ao ponto de ficarem subordinados ao regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e, por inerência, à competência dos tribunais administrativos.[9]
Submetidos a um estatuto híbrido, no qual surgem aspectos ligados à cooperação na Administração da Justiça cível, acaba por prevalecer a vertente liberal da sua actividade, a qual é revelada designadamente através do modo de recrutamento, da forma de designação (art. 808º, n.ºs 3 e 4), do grau de autonomia relativamente ao juiz (n.º 1), a par do grau de dependência em relação ao exequente (n.º 6), da faculdade de delegar a execução de actos (art. 128º do Estatuto), do regime de honorários, com indexação aos resultados (Portaria n.º 708/03, de 4-8), ou da atribuição da função inspectiva e disciplinar a órgãos autónomos que não se confundem com órgãos da Administração.[10]
Tal demanda a integração no regime geral da responsabilidade civil. Com efeito, a submissão dos agentes de execução ao regime de responsabilidade civil prescrito para os servidores do Estado e de outras entidades públicas exigiria um grau de interferência externa e a elevação do nível de controlo a um ponto que acabaria por descaracterizar o perfil estatutário que o legislador inequivocamente pretendeu assumir.

2.5. Não se ignora que aos agentes de execução foram conferidos poderes que interferem com a esfera de terceiros, designadamente do executado, de início, sob o “poder geral de controlo” atribuído ao juiz e, agora, sujeitos à apreciação judicial mediante iniciativa externa (art. 809º, nº 1, do CPC).
Esses e outros aspectos têm levado alguns autores a concluir que se aplica aos agentes de execução o regime da responsabilidade próprio dos agentes administrativos.
Alves de Brito, depois de observar uma forte tendência para a qualificação do vínculo entre o exequente e o agente de execução como “mandato e, em particular, como mandato sem representação, em que o mandatário/agente de execução agiria em nome próprio, conquanto por conta de outrem”, acaba por concluir que, exercendo “verdadeiros poderes de autoridade”, “parece ser possível a hipótese de um novo auxiliar da justiça”, observando em nota de rodapé que “a responsabilização do agente de execução pode constituir o Estado numa obrigação de indemnizar” (Scientia Iuridica, n.º 317º, pág. 165).
Teixeira de Sousa, em “Aspectos gerais da reforma da acção executiva” (Cadernos de Direito Privado, n.º 4), conclui que “o solicitador, apesar de ser uma entidade privada, exerce funções públicas, pelo que se está perante um dos casos de exercício privado de funções públicas” (pág. 8). Já em Cadernos de Direito Privado, Especial n.º 1, num trabalho sobre o novo regime de 2008, afirma que o agente de execução responde ao abrigo do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, sendo o Estado “exclusivamente responsável pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelo agente de execução” (pág. 9).
Também Lebre de Freitas, depois de afastar a integração da relação estabelecida entre o exequente e o agente de execução (ao abrigo do regime de 2003) nos quadros do contrato de serviços de direito privado, considerando que releva a vertente pública da sua actividade (“O agente de execução e poder jurisdicional”, na revista Themis, n.º 7, pág. 26), conclui que, “havendo responsabilidade do solicitador perante as partes ou terceiro, o Estado pode, por sua vez, responder nos termos gerais da responsabilidade do Estado por actos dos seus agentes”(CPC anot., vol. III, pág. 270). Observa ainda que “não impede a responsabilidade do Estado pelos actos ilícitos que o solicitador de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade do Estado pelos actos dos seus funcionários e agentes” (Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., págs. 27 e 28).[11]

2.6. Discordamos da solução apontada, assumindo, ao invés, entendimento semelhante ao que este Supremo Tribunal já expressou no aludido acórdão de 6-7-2011 (www.dgsi.pt).
Na maior parte das diligências (penhora, venda, arrecadação de dinheiros, pagamentos, notificações, etc.) os agentes de execução agem com uma autonomia praticamente total, fora dos limites da secretaria judicial, nos respectivos escritórios. Por isso não se compreenderia que, apesar desse grau de autonomia e do facto de não suportarem os ónus inerentes a um controlo externo e efectivo de entidades públicas, acabassem por ser submetidos ao regime específico da responsabilidade que a estas se aplica, com a inerente assunção, em determinadas circunstâncias, da responsabilidade civil exclusiva do Estado. Sem pretender esgotar o leque de intervenções, na actividade dos agentes de execução são abarcados os seguintes actos (cuja regulamentação consta da Portaria n.º 331-B/09, 30-3):
- Efectuar as consultas e diligências preparatórias da penhora (art. 812º-C);
- Realizar a generalidade das diligências de execução, incluindo citações, notificações e publicações (art. 808º, n.º 1);
- Liquidar créditos e efectuar pagamentos (art. 808º, n.º 2).
Alguns dos actos são de natureza intrusiva na esfera jurídica de terceiros, maxime do executado, como acontece com a penhora ou com a sua venda. Outros actos são de natureza para-jurisdicional, podendo envolver a ponderação de certas circunstâncias de contornos variáveis, como ocorre com a apreciação de pretensões atinentes a determinadas isenções temporárias de penhora ou à redução da penhora de salários (art. 824º, n.ºs 4 a 7), com o fraccionamento de imóvel ou levantamento de penhora (art. 842º-A), com o deferimento do pagamento em prestações (art. 882º, n.º 1) ou com a venda antecipada (art. 886º-C).
Mas a opção pela desjudicialização e desjurisdicionalização (que alguns chegam a apelidar de “privatização”) de alguns actos da acção executiva não pode ter como consequência automática, nem a manutenção da responsabilidade do Estado, em regime de solidariedade, nem a aplicação aos membros das diversas classes profissionais a quem foi atribuída a sua prática do regime de responsabilidade prescrita para os actos da Administração.
Com efeito, na falta de uma clara directriz do legislador noutro sentido, outras características que já foram escalpelizadas no mencionado acórdão do STJ reclamam a submissão dos agentes de execução ao regime de responsabilidade civil aplicável à generalidade dos profissionais liberais, sem embargo de os pressupostos materiais ou substanciais serem aferidos em função do contexto específico de um processo de execução.
Não se compreenderia efectivamente que, transferida para terceiros a competência para a prática de determinados actos, o Estado continuasse a suportar a responsabilidade, por vezes em regime de exclusividade.
A não ser que o legislador o assuma inequivocamente, não devem exponenciar-se, por via interpretativa, as situações em que a um certo afastamento do Estado do exercício de determinadas tarefas continue a corresponder igual ou superior risco da actividade, acabando por arcar com os encargos emergentes.
Risco ainda mais agravado em situações como a que estamos apreciando, em que o poder disciplinar, regulador e inspectivo se encontra confiado exclusivamente a entidades externas (agora a CPEE e, antes, a Câmara de Solicitadores).

2.7. Solução contrária à daqueles autores foi assumida no referido aresto e encontra ainda conforto na análise feita por diversos autores.
Segundo Lopes do Rego, para quem o solicitador de execução é um “profissional liberal independente” (“As funções e o estatuto processual do agente de execução”, em Themis, n.º 9, pág. 44), é bem ténue o vínculo do solicitador de execução relativamente ao juiz do processo de execução, apenas sujeito a um poder de controlo genérico que não coloca em crise o facto de exercer a actividade com autonomia própria semelhante à de quem exerce uma profissão liberal (Comentários ao CPC, 2ª ed., pág. 17).[12]
A submissão prioritária ao regime de responsabilidade civil em geral é igualmente defendida, com múltiplos argumentos (v.g., poder de delegação noutro solicitador, dever de observar determinadas instruções do exequente), por Virgínio Ribeiro, observando que, “na prática, a Reforma de 2003, transformou um profissional liberal num funcionário público, remunerado pelas partes” (“O poder geral de controlo na acção executiva”, em Julgar, n.º 18, pág. 149). Noutro local conclui, essencialmente a partir do actual regime, que a actividade do agente de execução se rege fundamentalmente pelas regras do “contrato de prestação de serviços de direito privado, ainda que na respectiva execução devam ser observadas maioritariamente regras de natureza pública” (As Funções do Agente de Execução, pág. 54), à semelhança do que ocorre com os notários (pág. 51).
Mais preciso é Tomé Gomes que, sem deixar de assinalar a “deficiente definição dos termos da responsabilidade civil, mormente do Estado, por uma eventual actuação danosa do solicitador de execução”, conclui que, nada de específico se prevendo, há que “recorrer aos meios de tutela comuns, tendo em linha de conta que se trata do exercício de uma profissão independente, mas pautada por deveres estatutários específicos, aliás, postulados pela natureza pública da função da administração da justiça em que se inscrevem”, pondo em destaque a obrigatoriedade legal de existência de seguro de responsabilidade civil (“Balanço da reforma da acção executiva”, em Sub Judice, n.º 29º, págs. 31 e 32).
A mesma conclusão advoga Maria da Glória Garcia, para quem a actuação dolosa ou negligente do agente de execução na fase de realização da penhora (e não só) fá-lo incorrer em “responsabilidade civil, nos termos gerais, quando se encontrem preenchidos os requisitos do art. 483º do CC” (A Responsabilidade do Exequente e de Outros Intervenientes Processuais, págs. 36 e 38).[13]

2.8. A justificação para esta solução encontra no sistema apoios suficientes, ainda que de natureza difusa.
Para além de a excepcionalidade do regime de responsabilidade civil dos agentes do Estado impulsionar a restrição da sua aplicação a casos que com ele mantenham um forte paralelismo, certas medidas legislativas que acompanharam a criação da figura do solicitador ou do agente de execução apenas se compreendem num sistema em que a respectiva responsabilidade civil se enquadre no regime geral.
Assim, em termos não exaustivos:
a) O agente de execução pode delegar a prática de actos processuais noutros agentes, nas circunstâncias previstas no art. 808º, n.º 8, sendo que uma tal delegação é feita, segundo a lei, “sob a sua responsabilidade”;[14]
b) O agente de execução pode ter ao seu serviço funcionários a quem, “sob sua responsabilidade”, encarregue da prática de certos actos (art. 808º, n.º 10), responsabilidade que também está expressamente prevista para os casos em que o agente de execução utilize colaboradores na administração dos bens penhorados, nos termos do art. 843º, n.º 3, ou para realização de citações (art. 239º, n.º 6);[15]
c) No art. 864º, n.º 1, in fine, está expressamente prevista para a falta de citação de credores privilegiados a responsabilidade do agente de execução “nos termos gerais”, o que nos remete obviamente para o regime geral da responsabilidade extracontratual;
d) As circunstâncias anteriores e outras que demandam a responsabilidade directa e imediata do agente de execução justificam a previsão da obrigatoriedade de celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil profissional (art. 123º, n.º 1, al. n), do ECS), medida destinada a garantir efectivamente a tutela de terceiros que sejam lesados pela prática de factos ilícitos;[16]
e) Semelhante objectivo é prosseguido pelo Fundo de Garantia (art. 127º-A do ECS) destinado a proteger os interessados contra a dissipação das quantias que tenham sido depositadas à ordem do agente de execução;
f) Dos actos praticados pelo solicitador é legítimo reclamar para o juiz, assim como pode o interessado deduzir a competente impugnação perante o juiz (art. 809º, n.º 1, al. c)), mecanismos processuais que, por um lado, visam impedir a consumação de danos e, por outro, permitem que a actuação do agente de execução acabe por ser respaldada numa decisão judicial, a partir da qual a questão da eventual indemnização por danos causados passa a estar ao abrigo do regime específico ligado à prática de actos judiciais.
Neste contexto, uma solução que admitisse que a actuação do agente de execução se repercutiria imediata e directamente na esfera do Estado submetida ao regime específico, não prescindiria de uma sólida base que, sem risco de incoerências quanto a outras soluções, permitisse sair dos quadros da responsabilidade civil em geral para o campo específico, submetido a regras próprias.
Somos assim impelidos para a integração da responsabilidade civil dos agentes de execução nas regras gerais que constam do Código Civil. (..)”

*
As citações normativas e doutrinárias enumeradas de (4) a (16) no Ac. do STJ transcrito, são as seguintes:

[4] As considerações que forem feitas com base no regime constante do Dec. Lei n.º 48.051 seriam substancialmente idênticas às que seriam produzidas se acaso, atenta a data dos factos, fosse de ponderar a aplicação do novo regime aprovado pela Lei n.º 67/07, de 31-12, que no seu art. 7º, n.º 1, também regula a responsabilidade decorrente de actuações com “culpa leve”.
[5] Consta do Preâmbulo do Dec. Lei n.º 83/03, de 10-9:
Uma das suas linhas estruturantes relaciona-se com a criação de uma nova profissão - o agente de execução - com funções determinantes no desenrolar da acção executiva.
O agente de execução é, preferencialmente, recrutado de entre solicitadores de execução. Nos termos do presente Estatuto, o solicitador de execução é o solicitador que, sob fiscalização da Câmara e na dependência funcional do juiz da causa, exerce as competências específicas de agente de execução e as demais funções que lhe forem atribuídas por lei”.
E, mais adiante, refere-se que se pretende “adequar a Câmara dos Solicitadores à nova realidade que a criação dos solicitadores de execução certamente trará” e que “o solicitador de execução é obrigado a aplicar na remuneração dos seus serviços as tarifas aprovadas por portaria do Ministro da Justiça. As tarifas podem compreender uma parte fixa, estabelecida para cada tipo de actividade processual e dependente do valor da causa, e uma parte variável, dependente da consumação do efeito ou resultado pretendido com a actuação do solicitador de execução.
Os solicitadores de execução, assim como todos os solicitadores, estão sujeitos ao poder disciplinar exclusivo da Câmara dos Solicitadores” (sublinhado nosso).
[6] A respeito da possibilidade que a actual lei prevê de livre substituição do agente de execução designado pelo exequente, no Ac. do Trib. Const., de 24-4-12 (www.tribunalconstitucional.pt), refere-se que “o agente de execução não exerce nem participa na função jurisdicional, e não integra o «tribunal» enquanto órgão de soberania, sendo-lhe consequentemente inaplicável o acervo de garantias que vinculam a função jurisdicional”, acrescentando que, “para além de ser nomeado pelo exequente, o agente de execução pode ser livremente destituído sem ser necessário invocar qualquer fundamento específico para esse efeito, e esse poder de destituição livre do solicitador de execução aproxima-o de uma relação de direito privado de mandato; a introdução da possibilidade de destituição livre do agente de execução pelo exequente veio, afinal, impor a este órgão do processo executivo que actue em sintonia com o interesse do exequente, o que nada tem de constitucionalmente reprovável, tanto mais que, como consequência do seu carácter de profissional liberal, a remuneração que o agente de execução aufere é aquela que respeitar os serviços prEstados” (sublinhado nosso).
[7] É inequívoco o baixo índice de execução dos objectivos de celeridade e de eficácia que se buscavam com a reforma da acção executiva, situação ainda mais agravada com as modificações ocorridas em 2008. Mas, não sendo este o local apropriado a tecer críticas a opções legislativas, limitamo-nos a assinalar que num dos diversos trabalhos publicados reportando-se ainda à reforma inicial de 2003, Paulo Pimenta rematou que tal “reforma da acção executiva ficará para a história como a pior medida legislativa no direito processual civil dos últimos 30 anos” (Reflexões sobre a nova acção Executiva, em Sub Judice, n.º 29, pág. 96).
[8] Consta do Preâmbulo do Dec. Lei n.º 226/08, de 20-11, além do mais, o seguinte:
Assim, reserva-se a intervenção do juiz para as situações em que exista efectivamente um conflito ou em que a relevância da questão o determine (…). Desta forma, eliminam-se intervenções actualmente cometidas ao juiz ou à secretaria que envolvem uma constante troca de informação meramente burocrática entre o mandatário, o tribunal e o agente de execução, com prejuízo para o bom andamento da execução. O papel do agente de execução é reforçado, sem prejuízo de um efectivo controlo judicial, passando este a poder aceder ao registo de execuções, designadamente para introduzir e actualizar directamente dados sobre esta”. E mais adiante “… passa a permitir-se que o exequente possa substituir livremente o agente de execução, no pressuposto de que este é o principal interessado no controlo da eficácia da execução. Esta medida é compensada com um dever de informação acrescido do agente de execução e com o reforço do controlo disciplinar dos agentes de execução através da criação de um órgão de composição plural, apto a exercer uma efectiva fiscalização da sua actuação” (sublinhado nosso).
[9] O mesmo se diga da nova Reforma que neste momento está em discussão na Assembleia da República, já que nela se mantêm tanto a livre substituição do agente de execução por iniciativa do exequente, como se tratasse de um verdadeiro profissional liberal por sua conta, como a exclusividade da destituição e da acção disciplinar confiada à CPEE que especificamente foi criada para o efeito.
[10] Amâncio Ferreira evidencia a natureza híbrida da figura, a meio caminho entre a qualidade de mandatário do credor e de oficial público, acabando por concluir que a entrada no sistema do agente de execução revela um “apelo a uma entidade para-judicial para a prática de diversos actos materialmente administrativos que ocorrem no processo de execução” (Curso de Processo de Execução, 13ª ed., pág. 133).
Mariana França Gouveia refere que se trata de um “oficial semi-público” (“A Reforma da acção executiva: ponto da situação”, na obra ed. do CSM “Balanço da Reforma da Acção executiva”, pág. 54), sobrelevando, ainda assim, a função de “profissional liberal” (“Poder Geral de Controlo”, em Sub Judice, n.º 29, pág. 11).
Orlando Rebelo assinala que o agente de execução age como “mandatário do credor exequente (apesar de continuar a manter um estatuto híbrido, já que ainda tocado pela natureza pública de alguns dos seus poderes …)” (“O juiz no processo de execução”, em Julgar n.º 18, pág. 142).
Elizabeth Fernandez, reportando-se ao regime de 2008, conclui que “foi claramente reforçada a natureza de mandato da relação entre o exequente e o agente de execução, na medida em que este último pode ser livremente escolhido e substituído por aquele” (“A (pretensa) forma da acção executiva”, em Cadernos de Direito Privado, n.º 26, pág. 27).
Cfr. ainda sobre a matéria Paulo Pimenta, “Reflexões sobre a nova acção executiva”, em Sub Judice, n.º 29, págs. 81 e segs., Eduardo Paiva e Helena Cabrita, O Processo Executivo e o Agente de Execução, pág. 15, e Barata Figueira, “O solicitador de execução. O agente de execução”, em Maia Jurídica, ano I, n.º 2, págs. 77 e segs.
[11] Catarina Pires Cordeiro acentua o facto de ao agente de execução caber o “exercício privado de funções públicas”, de modo que, à semelhança do que ocorre com as “instituições particulares de interesse público” ficaria “sujeito a um regime parcialmente administrativo”, sem, no entanto, adiantar qual o regime aplicável à responsabilidade pelos danos que forem causados no exercício das funções (“A responsabilidade do exequente na nova acção executiva: fundamentos e limites”, em Cadernos de Direito Privado, nº 10, pág. 27).
[12] Também Maria Glória Garcia conclui que “o solicitador de execução é um particular (exterior à orgânica judiciária) chamado a colaborar na administração da justiça (em sentido amplo), em A Responsabilidade do Exequente e de Outros Intervenientes Processuais, págs. 19 e 20.
[13] Responsabilidade também expressamente afirmada para os casos em que o agente de execução desempenhe as funções de depositário dos bens penhorados, nos termos dos arts. 839º e 843º do CPC (ob. cit., pág. 44).
A referida autora apenas admite a responsabilidade subsidiária do Estado, ainda assim nos quadros da omissão de acto legislativo, para casos em que não seja possível satisfazer ao lesado a indemnização que, ao abrigo do art. 819º do CPC, seja colocada a cargo do exequente.
Trata-se, porém, de hipótese que nem sequer pode ser considerada no caso concreto.
[14] Além disso, a actividade de agente de execução pode ser exercida não apenas por solicitadores ou advogados em prática individual, mas também por sociedades (art. 119º-A do Estatuto), saindo dos quadros de uma “profissão liberal” para o de uma “actividade liberal” que tornaria ainda mais complexa a submissão a regras que visam explicitamente os agentes da Administração.
[15] A este respeito prevê-se no art. 7º, n.º 1, do Regulamento n.º 431/11, da Câmara de Solicitadores (D. R., II Série, de 15-7-11), que o “agente de execução são subsidiariamente responsáveis civilmente pelos actos praticados pelo sem empregado”.Cfr. Maria da Glória Garcia, que, acerca desta vertente da responsabilidade, afirma textualmente que se trata de “responsabilidade civil, nos termos gerais”, A Responsabilidade do Exequente e de Outros Intervenientes Processuais, págs. 35 e 49.
[16] Deste modo se evita a abertura de uma verdadeira “caixa de Pandora” que resultaria da transferência para o Estado dos encargos decorrentes da prática de uma infinidade de actos. Consequentemente não encontraria justificação racional que, apesar da existência de um contrato de seguro traduzindo a transferência para a Seguradora da responsabilidade concretamente assacada ao agente de execução, acabasse por ser demandado e responsabilizado o Estado naqueles casos em que, segundo o regime específico, responderia directamente, com ou sem direito de regresso.

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Feita a transcrição que releva no contexto das questões trazidas a recurso, nomeadamente as referidas nos itens 2 a 8 das conclusões, conclui-se que a responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, constante da Lei 67/2007 de 31.12, entrada em vigor em 30.01.2008 e revogatória (artº 5º) do DL 48051, de 21.11.1967.

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Consequentemente, no tocante à problemática da responsabilidade civil do agente de execução segundo o regime do direito privado e período imputável ao Estado por violação do prazo razoável quanto às fases da instância sob a alçada do Tribunal, improcede a questão trazida a recurso nos citados itens 2 a 8 das conclusões.

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Assente, de conformidade com o decidido em 1ª Instância, a submissão dos agentes de execução ao regime de responsabilidade civil aplicável à generalidade dos profissionais liberais, cabe analisar a questão trazida a recurso nos itens 9 a 19 das conclusões, ou seja, o valor do arbitramento indemnizatório a título de danos não patrimoniais e cálculo dos juros moratórios.


5. parâmetros indemnizatórios em sede de jurisprudência nacional - Acórdão STA, Procº nº 1004/16, 11.05.2017;

No que concerne aos pressupostos materiais e parâmetros indemnizatórios seguidos pela jurisprudência nacional no tocante á responsabilidade por omissão de decisão judicial em prazo razoável, transcreve-se a fundamentação constante do Acórdão STA 1004/16, 11.05.2017, no segmento julgado relevante ao objecto do presente recurso, como segue:
“(..) II. Mostra-se adquirido e consensualizado nos autos que, no plano do ordenamento jurídico português à data vigente [nomeadamente, arts. 20.º, n.ºs 4 e 5 e 268.º, n.ºs 4 e 5 da «CRP», 06.º e 13.º da «CEDH» (aprovada por ratificação através da Lei n.º 65/78, de 13.10 (DR I Série, n.º 236) e aplicável na ordem jurídica interna desde 09.11.1978 (cfr. Aviso de depósito do instrumento de ratificação - Aviso do «MNE» publicado no DR, I Série, n.º 1/79, de 2.01) e DL n.º 48051, de 21.11.1967], o direito de acesso à justiça em prazo razoável constituía uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva extensível a qualquer tipo de processo [cível, penal, administrativo/tributário, laboral, etc.] e que a infracção a tal direito, ocorrida no caso, constituiu o E.P. em responsabilidade civil extracontratual [art. 22.º da «CRP», 06.º e 13.º do «CEDH» em conjugação/articulação com o regime legal ordinário interno decorrente do referido DL n.º 48051].
XXVII. (..) estamos, agora, habilitados a proceder à análise do outro segmento impugnatório e que se prende com a discussão em torno da adequação ou do acerto quanto ao que foi o quantum indemnizatório arbitrado a título de danos não patrimoniais ao A..
XXVIII. E neste contexto o A. ataca a decisão numa dupla vertente já que, por um lado, o valor fixado não considerou, como devia, aquilo que, nesta jurisdição, foi o próprio atraso na administração da justiça em prazo razoável ocorrido na presente ação indemnizatória e, por outro lado, que o montante concretamente arbitrado é “miserabilista” ou insuficiente, considerando aquilo que são os factos apurados e os padrões indemnizatórios a atender neste domínio decorrentes, mormente, da jurisprudência do «TEDH».
XXIX. Começando pelo primeiro fundamento o Recorrente insurge-se contra o segmento do acórdão recorrido no qual, em sede de apreciação da adequação do cômputo da indemnização fixado pelo «TAF/A» e que era devida pela demora excessiva havida na duração do processo judicial no TJ de Ovar, se sustentou “… que contrariamente ao que pretende o Recorrente, não havia que atender ou emitir qualquer pronúncia sobre a demora excessiva da presente ação de responsabilidade civil, que agora vem invocada, visto que a causa de pedir na presente ação assenta apenas na demora excessiva do processo identificado no probatório e, pela natureza das coisas, nunca poderia destinar-se à apreciação da sua própria demora, a qual só pode ser verificada uma vez terminada a ação …”.
XXX. Extrai-se de jurisprudência reiterada do «TEDH» [desenvolvida em sede de aferição, à luz, mormente, dos arts. 13.º e 34.º da «CEDH» e presentes os critérios definidos para esse efeito pelo próprio Tribunal, em especial, o da celeridade, quanto à existência ou não, no plano interno, de um “recurso” que permitisse ao demandante ter obtido a reparação dos danos decorrentes da duração excessiva dum processo judicial], que, perante a ausência de prazos específicos legalmente definidos para a duração/conclusão de um meio contencioso destinado a obter uma indemnização, “… a falta de celeridade dos tribunais internos para decidir um recurso de indemnização não torna este meio de recurso não efetivo, sobretudo se o tribunal competente dispuser da possibilidade de assumir o seu próprio atraso e de conceder ao interessado uma reparação suplementar a este título para não o penalizar uma segunda vez …” [cfr., entre outros, os Acs. do «TEDH» de 29.03.2006 (GC) (c. «Cocchiarella v. Itália», § 97/98), de 29.03.2006 (GC) (c. «Scordino v. Itália/n.º 1», § 207), de 10.06.2008 (c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 53), de 24.09.2009 (c. «Sartory v. França», § 26), de 12.04.2011 (c. «Domingues Loureiro e outros v. Portugal», §§ 43, 45 e 61), e de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», § 93)].
XXXI. Mercê da necessidade daquela ação indemnizatória dever ser decidida de forma célere e rápida temos que, perante uma ausência de cumprimento garantístico de tais exigências da Convenção, entende o «TEDH» que os tribunais, internamente, no momento em que procedem ao julgamento da pretensão e a quando da enunciação, mormente, do juízo de avaliação e arbitramento dos danos deverão aferir e apurar, até aquele concreto momento, da existência de atraso naquela ação e, caso este ocorra, considerá-lo para efeitos do montante a fixar, arbitrando valor suplementar a esse título.
XXXII. E tal possibilidade, afirma-o aquele Tribunal, existe no nosso ordenamento [cfr. citado Ac. do «TEDH» de 29.10.2015 (c. «Valada Matos das Neves v. Portugal», § 93 parte final - onde se refere “[o] Tribunal releva que esta possibilidade está aberta às jurisdições nacionais que julgam este tipo de casos, como expõe o Governo”], e que tal mostra-se comprovado e ocorre, aliás, como resulta do julgamento que havia sido feito, internamente, no quadro da ação indemnizatória em referência no âmbito da queixa apreciada pelo também citado acórdão do mesmo Tribunal de 12.04.2011 [c. «Domingues Loureiro e outros v. Portugal», §§ 29, 43, 45, 61 e 68].
XXXIII. De harmonia com este entendimento do «TEDH», quanto à interpretação que faz da «CEDH» e do modo e das exigências que devem ser observadas na e para a efetivação do direito à obtenção da justiça mediante uma decisão judicial proferida em prazo razoável e, bem assim, para a integral e cabal reparação da esfera jurídica do lesado naquele direito, ressalta ou deriva a existência, mesmo na ausência da dedução de articulado/pretensão por parte do lesado, dum dever de diligência e de conduta oficiosa que impende sobre cada tribunal, o qual, aferindo e constatando a existência de atraso desrazoável na prolação de decisão na própria ação indemnizatória deverá, no juízo de equidade a realizar, fixar um valor adequado à reparação dos danos não patrimoniais sofridos tomando ou levando em consideração também o atraso nesta ação, valor esse que, todavia, terá como limite sempre o valor que se mostre peticionado na ação.
XXXIV. De facto, perante constatação de situação de atraso nesta ação indemnizatória e ainda que o lesado não haja feito uso dos meios e mecanismos adjetivos que o processo lhe faculta e confere para promoção e defesa dos seus direitos, sempre caberá ao julgador, uma vez assegurado o devido contraditório, diligenciar pela adequação do montante indemnizatório aos danos havidos, fixando um montante [com o tal limite aludido caso não haja havido ampliação nos termos processualmente previstos] que permita realizar a plena reposição e reintegração da lesão sofrida pelo A. no seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável, reintegração plena essa que passa e só se concretiza, efetivamente, através do arbitramento duma indemnização que considere não apenas os danos derivados do atraso na resolução do litígio e que fundou a instauração da ação indemnizatória para efetivação da responsabilidade civil do Estado-Juiz, mas, também, os danos naquele mesmo direito do A. gerados ou agravados pelo atraso da própria ação indemnizatória.
XXXV. Só assim se logrará quebrar todo um ciclo vicioso de sucessivas ações de indemnização a instaurar para reparação dos atrasos havidos na ação antecedente em constante e permanente lesão da «CEDH» e do direito consagrado na mesma à administração da justiça em prazo razoável.
XXXVI. Um tal entendimento estriba-se no princípio da subsidiariedade e decorrente dever do juiz nacional de interpretar e aplicar o direito interno em conformidade com a «CEDH» [cfr., quanto ao referido princípio e suas consequências, nomeadamente, em sede interpretativa para o juiz nacional, os Acs. deste STA de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07 e de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08].
XXXVII. Com efeito, de harmonia com o princípio da subsidiariedade, nos termos interpretados e afirmados pelo «TEDH» e, bem assim, daquilo que é interpretação que aquele Tribunal faz da «CEDH», mormente, em matéria de aferição, fixação ou quantificação/computo do montante adequado à reparação do dano não patrimonial ou moral, impenderá sobre o juiz nacional um dever de conformação e de decisão que, na observância de tais interpretações, assegure e adeque no plano interno, nos termos do art. 13.º da «CEDH», a efetividade dos mecanismos existentes de modo a conferir proteção dos direitos e liberdades reconhecidos naquela Convenção, interpretando e aplicando o direito interno em conformidade com a mesma, cientes de que este outro atraso agrava a lesão e demonstra-se pela própria materialidade da ação e sem necessidade de alegação de factos novos.
XXXVIII. Nesse quadro, assegurado que se mostra in casuo devido contraditório quanto à discussão dos termos da questão por parte do R. em sede de contra-alegações, não poderá manter-se a linha fundamentadora em que se estribou o juízo de improcedência inserto no acórdão recorrido, impondo-se, assim, centrar agora nossa análise na segunda vertente do segmento impugnatório que se mostra dirigido ao acórdão recorrido e que se prende com a adequação ou acerto do montante indemnizatório que se mostra fixado a título de reparação pelo dano não patrimonial sofrido pelo A..
XXXIX. É certo que para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].
XL. O dever de indemnizar compreende não só os danos patrimoniais, mas também os danos não patrimoniais, importando quanto a estes atender, no plano interno, também ao regime legal que decorre do art. 496.º do CC.
XLI. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos “danos não patrimoniais” que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3].
XLII. Resulta, assim, que o julgador nacional, para a decisão a proferir no que respeita à concreta valoração pecuniária dos “danos não patrimoniais” em questão, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar e de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei, interpretada nos termos e à luz do que se mostra a conformação dada no caso pelo «TEDH» como referido supra, e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada.
XLIII. Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofridos com a lesão do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
XLIV. A lei não enuncia ou enumera quais os “danos não patrimoniais” indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1, do CC.
XLV. E, no quadro da matéria aqui ora em discussão, este Supremo Tribunal tem jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os “… danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso …”, na certeza de que se “… a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu …” [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo seu Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e sucessivamente reiterada, nomeadamente, nos Acs. de 09.07.2009 - Proc. n.º 0365/09, de 01.03.2011 - Proc. n.º 0336/10, de 15.05.2013 - Proc. n.º 01229/12, e de 14.04.2016 - Proc. n.º 01635/15].
XLVI. Extrai-se da fundamentação expendida no referido Acórdão de 09.10.2008 [Proc. n.º 0319/08] e no âmbito daquilo que aqui ora releva que “… para que haja obrigação de indemnizar será necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, inclusivamente o nexo de causalidade entre o atraso na tramitação do processo e os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados. (…) A possibilidade de a mera ofensa de um direito fundamental ser geradora da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, é imposta pelo próprio artigo 22.º da CRP (…) admite a possibilidade de indemnização por tais violações independentemente de prejuízos (danos materiais) …”, sendo que “… não se trata de um «dano automático», decorrente da constatação de uma violação de um direito fundamental …” já que “… para haver obrigação de indemnizar por atraso indevido na administração da justiça é necessário demonstrar que existe ilicitude no atraso, dano reparável e nexo de causalidade adequada. (Podem encontrar-se na mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, casos em que, apesar de afirmar que ocorreu violação do art. 6.º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por ser excedido o «prazo razoável», entendeu que não haver lugar a indemnização por danos morais decorrentes dessa violação, por o prejuízo moral invocado ter outra causa, o que significa, assim, que a indemnização por danos morais decorrentes não é automática, dependendo da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se consideram provados. (…) A título de exemplo, podem ver-se os seguintes acórdãos: (…) - de 9.1.2007, proferido no caso Kříž contra República Checa, processo n.º 26634/03 (…) e de 9.1.2007, proferido no caso Mezl contra República Checa, processo n.º 27726/03 …”.
XLVII. Para, de seguida, afirmar que “… o TEDH vem entendendo que é de presumir - embora se admita prova em contrário - que da violação do direito à obtenção em prazo razoável da decisão judicial que regule definitivamente o caso que submeteu a juízo resulta um dano moral. (…) Esta jurisprudência do TEDH foi adotada pelo STA. Esta jurisprudência, foi reiterada no acórdão deste STA de 28.11.07, rec. P. 308/07, salientando-se a propósito da densificação do conceito de danos morais indemnizáveis para efeitos do art 6.º § 1.º da CEDH, o seguinte: (…) «… Reconhecida a importância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devemos, então, porque interessa ao caso sujeito, ter em conta a posição dessa instância europeia quanto a danos morais, por falta de decisão em prazo razoável, que encontramos assim resumida no ponto 94 do acórdão n.º 62361, de 29 de março de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália): (…)
(i) O Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; (…)
(ii) O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente. (…)
Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41.º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo. (…)
Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral …” e que a jurisprudência daquele Tribunal “… relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral …”, razão pela qual “… estando em causa uma violação do art. 6.º, § 1.º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496.º/1 do C. Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80 do acórdão de 29 de março de 2006, proferido no processo n.º 64890/01, no caso Apicella c. Itália) …”.
XLVIII. Este entendimento corresponde, aliás, ao que havia sido reafirmado pelo «TEDH» no seu acórdão de 10.06.2008 [c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», § 54], supra citado, quando refere que “… o ponto de partida do raciocínio das jurisdições nacionais na matéria deve ser a presunção sólida, ainda que elidível, nos termos da qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral. Bem entendido, em determinados casos, a duração de um processo não gera senão um dano moral mínimo, ou nem sequer qualquer dano moral. O juiz nacional deverá então justificar a sua decisão motivando-a suficientemente (Scordino c. Itália (n.º 1) [GC], supra, § 204) …”, constituindo jurisprudência uniforme e que vem sendo sucessivamente reiterada.
XLIX. A fixação do quantum debeatur relativo à indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais mostra-se uma tarefa árdua e difícil, que envolve sempre margem de controvérsia, posto que o seu montante, como supra já aludimos, deve ser “fixado equitativamente” [cfr. n.º 3 do citado art. 496.º do CC].
L. Não se trata de uma atividade arbitrária já que convoca e impõe a emissão dum juízo que terá de levar em consideração na sua fundamentação a ponderação da gravidade dos danos, os fins gerais e especiais prosseguidos pela indemnização neste âmbito e a prática jurisprudencial em situações similares.
LI. Assim, e desde já, quanto a este ponto socorrendo-nos nesta sede daquilo que tem sido a jurisprudência do «TEDH» firmada quanto aos fatores que importa atender e considerar no juízo de equidade definidor do valor a arbitrar pelos danos não patrimoniais extrai-se:
i) consideração da duração do processo, que deve ser feita levando em conta os anos que o mesmo esteve pendente, apurando-se no seu conjunto e não isoladamente por cada ano de demora/atraso;
ii) a importância do litígio e seu impacto na esfera jurídica da parte [especial relevância para as ações laborais, sobre o Estado e capacidade das pessoas, sobre pensões, relativas à saúde ou à vida das pessoas];
iii) o comportamento da parte durante o processo;
iv) o levar em consideração o próprio nível de vida do país;
v) e conduz à redução do montante a arbitrar o serem apuradas condutas que hajam importado ou contribuído para o retardamento do processo, o facto da participação no procedimento ter sido curta ou breve, o facto do litígio e sua decisão assumir pouca importância na esfera jurídica e patrimonial da parte ou, ainda, o facto desta já ter obtido/recebido quantia em dinheiro destinada a indemnizar a lesão do direito a uma decisão judicial em prazo razoável [cfr., entre outros, Ac. do «TEDH» de 10.11.2004 (c. «Musci v. Itália», § 27)].
LII. E quanto aos montantes que concretamente têm sido fixados pelo «TEDH» no quadro de petições dirigidas contra o E.P., aqui também R., invocando a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, ressaltam, nomeadamente, as condenações de:
- 4.000,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 27.10.2009, no c. «Ferreira Araújo do Vale», §§ 22, 24 e 27 - relativo ao atraso verificado em ação (declarativa e executiva) instaurada no Tribunal de Trabalho ainda pendente e que se estendia já por 04 anos e 09 meses para uma só instância];
- de 3.500,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 13.04.2010, no c. «Ferreira Alves n.º 6», §§ 23 e 51 - relativo ao atraso verificado, nomeadamente, em ação de regulação de poder paternal/direito visitas que durou 07 anos e 11 meses, para dois graus de jurisdição];
- de 28.000,00 € [para um A.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 43.000,00 € do que foi o montante arbitrado ao mesmo na ação indemnizatória interna] e de 11.000,00 € [para outros dois AA.] [valor final esse correspondente à redução ao montante de 21.000,00 € do que foi o montante arbitrado aos mesmos na ação indemnizatória interna] [no Ac. daquele Tribunal de 12.04.2011, no c. «Domingues Loureiro e outros», §§ 55, 60 e 68 - relativo aos atrasos verificados em ação cível (acidente de viação) e na ação indemnizatória fundada no atraso na administração da justiça, que, respetivamente, duraram 14 anos, e 20 dias para três instâncias percorridas, e 12 anos, 06 meses e 19 dias, numa só instância];
- de 1.200,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 20.09.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 7», §§ 38 e 53 - relativo ao atraso verificado em ação cível para cobrança de dívida que durou 08 anos, 08 meses e 12 dias para três instâncias percorridas];
- de 7.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.10.2011, no c. «Ferreira Alves n.º 8», §§ 69/71 e 95 - relativo ao atraso verificado em três ações cíveis que duraram, respetivamente, 10 anos, 06 meses e 28 dias para duas instâncias, 12 anos, 05 meses e 01 dia para duas instâncias, e 09 anos e 14 dias para quatro instâncias];
- de 16.400,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 31.05.2012, no c. «Sociedade C. Martins & Vieira n.º 4», §§ 48/49 e 68/70 - relativo ao atraso verificado em duas ações cíveis (falência/verificação créditos e ação para efetivação de responsabilidade contratual por construção defeituosa de um imóvel) que, respetivamente, duraram 15 anos, 05 meses e 03 dias, para três instâncias, e 04 anos, 03 meses e 28 dias para duas instâncias] [aquele montante corresponde ao valor global arbitrado, resultante da soma duma primeira verba indemnizatória de 14.400,00 € (respeitante aos danos não patrimoniais decorrentes do atraso na ação falimentar) e duma segunda de 2.000,00€ (relativa aos danos pelo atraso na outra ação)];
- de 5.000,00 € [para uns requerentes] e de 4.800,00 € [para outros requerentes] [no Ac. daquele Tribunal de 16.04.2013, no c. «Associação de Investidores do Hotel Apartamento Neptuno e outros», §§ 48/50 e 77 - relativo ao atraso verificado em ações cíveis (de recuperação empresas, de falência, de reclamação e verificação créditos e ação para execução especifica de contrato-promessa) que, respetivamente, duraram 16 anos, 01 mês e 01 dia, para três instâncias, 18 anos, 04 meses e 13 dias para três instâncias, 14 anos, 03 meses e 20 dias em duas instâncias, e 14 anos, 05 meses e 12 dias numa só instância];
- de 15.600,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 30.10.2014, no c. «Sociedade C. Martins & Vieira e outros», §§ 50 e 73 - relativo ao atraso verificado em processo penal que durou 14 anos e 09 meses numa só instância] [quantia essa a ser repartida pelos três requerentes - 5.200,00 €];
- de 3.750,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 04.06.2015, no c. «L.P.F.P.», §§ 88 e 100 - relativo ao atraso verificado em ação laboral que durou 09 anos e 07 meses, para três instâncias];
- de 11.830,00 € [no Ac. daquele Tribunal de 29.10.2015, no c. «Valada Matos das Neves», §§ 111 e 117 - relativo ao atraso verificado em ação de reconhecimento de direito quanto à existência de contrato trabalho com autarquia que durou 09 anos, 11 meses e 20 dias, num único grau de jurisdição].
LIII. Já no plano interno e quanto aos litígios que concretamente têm sido julgados por este Supremo e os montantes fixados nas condenações do Estado Português por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável resulta, nomeadamente, o seguinte:
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 28.11.2007 (Proc. n.º 0308/07) - relativo ao atraso verificado em ação cível (despejo), que intentada em 18.01.1995 ainda estava pendente em 2003, percorrendo duas instâncias];
- 5.000,00 € [2.500,00 € para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 09.10.2008 (Proc. n.º 0319/08) - relativo ao atraso verificado em execução sentença cível, intentada em 30.01.1997 e que perdurou até 22.02.2002, data em que foi declarada suspensa a instância nos termos do art. 882.º do CPC (na redação à data vigente), percorrendo duas instâncias];
- 10.000,00 € [no Ac. do STA de 09.07.2009 (Proc. n.º 0365/09) - relativo ao atraso verificado em ação cível (acidente de viação) intentada em 15.07.1983 e que perdurou até 30.10.2003 (data em que se iniciaria a audiência de discussão e julgamento e em que o processo terminou por transação), correspondendo a uma duração superior a 20 anos numa só instância];
- 10.000,00 € [para um A.] e 5.000,00 € [para cada um dos dois outros AA.] [no Ac. do STA de 01.03.2011 (Proc. n.º 0336/10) - relativo ao atraso verificado em ação cível (inventário facultativo instaurado em 13.12.1981), pendente à data da instauração indemnizatória, ia para 26 anos, e sem que tivesse terminado, tendo percorrido duas instâncias];
- 3.550,00 € [para um A.] e 1.500,00 € [para o outro A.] [no Ac. do STA de 15.05.2013 (Proc. n.º 01229/12) - relativo aos atrasos verificados em processos tributários (impugnações judiciais - uma relativa a «IVA» e outra a «IRC»), processos que, tendo sido apresentados em juízo em 19.02.2003 só foram julgados em 18.10.2006, isto é, cerca de 03 anos e 08 meses depois da sua apresentação, sem que tivessem ocorrido incidentes anormais e em que os atrasos, fundamentalmente, resultaram de duas «paragens» do processo, a primeira, entre a contestação e a inquirição de testemunhas - mais de um ano - e, a segunda, entre a notificação para a apresentação das alegações finais e o julgamento - quase dois anos -, tendo percorrido apenas uma instância];
- 4.000,00 € [no Ac. do STA de 14.04.2016 (Proc. n.º 01635/15) - relativo ao atraso verificado em processo de menores (regulação do poder paternal), instaurado em 07.07.1999 e concluído em 18.01.2011, sempre na mesma instância, sendo que no valor arbitrado foi considerado apenas o período de duração (de 04 anos) e até ao seu termino correspondente ao período que a A. interveio, após ter atingido a maioridade];
- 4.800,00 € [para cada um dos AA.] [no Ac. do STA de 30.03.2017 (Proc. n.º 0488/16) - relativo ao atraso verificado em processo penal, no qual foi deduzida acusação em 30.04.2003 e que após cerca de 12 anos (à data da emissão da sentença na ação indemnizatória - 23.07.2015) ainda estava pendente mercê de suspensão aguardando a decisão dos processos tributários de impugnação judicial instaurados relativamente às liquidações de «IRC» e de «IVA»].
LIV. Munidos do enquadramento e dos considerandos acabados de desenvolver importa aferir, então, do acerto e adequação do juízo de equidade feito pelo «TCAN» no que tange ao montante arbitrado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A., no montante de 3.200,00 € [valor esse a ser subtraído o montante de 1.500,00 € já arbitrado a esse título pelo «TEDH»], tendo presente aquilo que é o quadro situacional a atender no caso sub specie, na certeza de que, como afirmado por este Supremo no seu recente Acórdão de 30.03.2017 [Proc. n.º 0488/16 supra citado], tal “… juízo de equidade, como é sabido, parte sempre do direito positivo, como expressão histórica máxima da justiça, embora tenha muito particularmente em conta as circunstâncias do caso concreto, mediante a sua ponderação à luz de regras da boa prudência, da justa medida das coisas, e da criteriosa ponderação das realidades da vida …” e em que “… os respetivos critérios têm ainda uma origem intrajurídica, o que o aproxima mais do direito do que do plano factual”.
LV. Assim, ressalta da análise do quadro factual apurado, desde logo, que o dano não patrimonial a reparar não excede o comum destas situações já que o A. não logrou fazer prova de dano não patrimonial superior ou em concreto agravado, tanto mais que resulta apenas apurado que durante o período em que decorreu o processo o A. não pode prever a data em que terminaria gerando situação de incerteza [mormente, na planificação das decisões a tomar] e que sofreu ansiedade, depressão, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos, sentindo-se frustrado pela ineficácia do sistema, já que tinha a expectativa de receber o prédio e o dinheiro resultante da ocupação e aplicá-lo [cfr. n.º VII) dos factos provados].
LVI. Temos, por outro lado, que nos autos está em causa a análise da dilação excessiva havida na ação cível de reivindicação de propriedade que instaurada pelo aqui A. no então TJ de Ovar, em 28.01.1999, só veio a terminar em 05.06.2007, após percorrer três instâncias, e a que se seguiu execução de sentença deduzida em 07.09.2007 e concluída em 27.11.2007, com a entrega do imóvel reivindicado, sem que derive da tramitação ali havida um qualquer comportamento do A. conducente ou que haja contribuído para o fazer perdurar ou atrasar aquela acção [cfr., nomeadamente, n.ºs I), II), III), IV), V) e VI), dos factos apurados e análise dos documentos juntos autos e em apenso]. (..)”.

*
Feita a transcrição no segmento julgado pertinente ao caso em apreço, cumpre decidir.


6. deficiente funcionamento dos serviços de justiça – prazo razoável – valor dos danos não patrimoniais;

Aplicando a doutrina acima transcrita do Acórdão STA de 11.05.2017 tirado no Procº nº 1004/16 ao caso trazido a recurso, cumpre aferir a omissão de decisão em prazo razoável no procº nº 1463/05.3TBABT apenas no tocante ao período em que a instância executiva tramitou sob a alçada do Tribunal comum, retirando o tempo de suspensão da instância a pedido das partes.

*
Sobre esta matéria e tendo em conta a factualidade levada ao probatório, fundamentou-se em 1ª Instância como segue:
“(..) Concretizando, resulta da factualidade dada como provada que a instância executiva se iniciou com a apresentação pela Autora de requerimento executivo em 06/12/2005 [cf. ponto 2. do elenco dos factos provados], tendo, desde essa data, e até à data da aceitação pelo agente de execução da sua nomeação, que ocorreu, em 14/12/2005 [cf. ponto 6. do elenco dos factos provados], a tramitação cabido ao Tribunal (durante o prazo de 6 dias).
Após a aceitação da nomeação pelo agente de execução do processo nº 1463/05.3TBABT em 14/12/2005, a tramitação do processo passou a ser da responsabilidade deste até a Executada ter dado entrada da oposição à execução em 30/04/2007 [cf. pontos 6. a 14. do elenco dos factos provados].
O Solicitador/Agente de Execução foi assim, responsável pela tramitação do processo desde 14/12/2005 até á entrada em juízo da oposição à execução, em 30/04/2007 [cf. pontos 6. e 14. do elenco da factualidade dada como provada].
A partir dessa data, e por força da entrada da oposição à execução que tramitou como apenso ao processo executivo nº 1463/05.3TBABT, sob o nº 1463/05.3TBABT, a tramitação dos autos passou a ser imputável ao Tribunal E a este esteve cometida até 18/06/2009, data em que foi proferido despacho a determinar a suspensão da instância a pedido das partes [cf ponto 26. do elenco dos factos provados].
Dessa feita a ação tramitou sob a alçada do Tribunal durante esse período, pelo lapso de tempo de 2 anos, l mês e 19 dias (o que somado ao prazo em que o processo tinha até à data sido objeto de tramitação pelo Tribunal perfaz um total de 2 anos, l mês e vinte e cinco dias).
Após a prolação do despacho, em 18/06/2009, e até 01/07/2009, data em que a Autora deu entrada de um requerimento a comunicar a impossibilidade de se chegar a acordo a instância esteve suspensa com vista à obtenção de acordo das partes [cf. pontos 26. e 27. do elenco dos factos provados].
Assim sendo, o lapso de tempo em que a instância esteve suspensa por acordo das partes com vista à resolução extrajudicial do litígio [de 18/06/2009 a 17/07/2009], ainda que irrisório, não é de atender para efeitos de determinação da prolação de decisão em prazo razoável pelo Tribunal
Em 17/01/2009 deu entrada requerimento a comunicar a impossibilidade de obtenção de acordo entre as partes [cf. ponto 27. da factualidade dada conto provada], termos nos quais, a partir dessa date a tramitação dos autos passou a depender novamente do Tribunal, até ser devolvida ao agente de execução.
Tal devolução só veio, no entanto, a ocorrer quando se tomou possível o prosseguimento da tramitação dos autos de execução pelo agente de execução no âmbito dos poderes que lhe estão acometidos, o que sucedeu em 17/10/2012 [cf pontos 39. e 40. do elenco dos factos provados].
Assim sendo a tramitação do processo esteve cometida ao Tribunal de 17/01/2009 a 17/10/2012, ou seja, durante o período de 3 anos e 9 meses (o que somado aos demais períodos em que tramitação esteve dependente do Tribunal: perfaz um total de 5 anos, 10 meses e 25 dias).
De 17/10/2012, data em que o processo voltou a ser tramitado pelo agente de execução, até 08/01/2013, data em que o Advogado da Executada renunciou ao mandato no processo executivo n.° 1463/05.3 TBABT [cf. ponto 43. do elenco dos factos provados], a tramitação do processo esteve a cargo do agente de execução.
Com a apresentação do requerimento de renúncia do mandato pelo Advogado da Executada a tramitação do processo passou a estar dependente: de despacho do juiz, estando, assim cometida ao Tribunal, desde essa data [08/01/2013], até ter sido ter sido devolvida a tramitação ao agente de execução.
Tal sucedeu com a notificação ao mesmo, em 14/05/2013, do despacho a identificar a modalidade de venda do bem penhorado à executada [venda judicial por meio de propostas em carta fechada], a realizar em 08/07/2013 fixando o valor base da mesma [cf. pontos 46. e 47. do elenco dos factos provados].
A tramitação processual esteve, pois, a cargo do Tribunal durante 4 meses e 6 dias (o que somado aos períodos em que essa tramitação tinha Estado anteriormente acometida ao mesmo perfaz um total de 6 anos, 3 meses e um dia).
De 14/05/2013 a 05/07/2013, data em que a Autora e a Executada deram entrada de um requerimento de suspensão da instância homologação do acordo de pagamentos celebrado entre ambas [cf. ponto 50. do elenco dos factos provados], a tramitação do processo coube ao agente de execução.
De 05/07/2013 até prolação pelo Tribunal de despacho sobre tal requerimento, a tramitação do processo esteve, mais uma vez a cargo do Tribunal.
Sendo que o Tribunal proferiu despacho a determinar o arquivamento dos autos em 08/07/2013 [cf. ponto 52. do elenco dos factos provado].
Assim sendo, durante este lapso de tempo a tramitação do processo executivo esteve a cargo do Tribunal por 3 dias (o que somado aos anteriores períodos de tramitação a cargo do Tribunal perfaz um total de 6 anos, 3 meses e 4 dias de tramitação processual pelo Tribunal).
De 08/07/2013 até 06/01/2014, data em que o agente de execução deu entrada da suspensão do acordo de pagamentos nos termos do artigo 882º do CPC [cf. ponto 54. do elenco dos factos provados] o processo esteve suspenso por acordo das partes sendo a execução do acordo de pagamentos acompanhada pelo agente de execução.
Assim sendo, e conforme retro expendido, este período não é de contabilizar para efeitos da apreciação da prolação de decisão em prazo razoável pelo Tribunal.
A partir de 06/01/2014, por força da suspensão do acordo de pagamentos, a tramitação do processo votou a estar na dependência de despacho do Tribunal, até 14/10/2015 data em que o agente de execução e o mandatário da Autora foram notificados do prosseguimento da execução com agendamento de data para a realização da abertura de propostas para venda judicial do direito da Executada penhorado nos autos [cf. ponto 60. do elenco dos factos provados].
Dessa feita, a tramitação do processual durante esse período de l ano, 9 meses e 8 dias esteve cometida ao Tribunal (o que somado aos demais períodos em que a tramitação do processo coube ao Tribunal perfaz um total de 8 anos e 12 dias de tramitação).
A partir de 14/10/2015 até à satisfação da pretensão da Autora em 18/01/2016 [cf. ponto 64. do elenco dos factos provados] a tramitação do processo executivo coube ao agente de execução.
De todo o exposto, decorre pois, que a tramitação imputável ao Tribunal do processo executivo nº 1463/05.3TBABT, durou um total de 8 anos e 12 dias de tramitação. (..)”.

*
O considerado período global de 8 anos e 12 dias de tramitação é, efectivamente excessivo e subsumível no quadro legal das “(..) situações de deficiente funcionamento da justiça que não resultam directamente de actos jurisdicionais em sentido próprio (..) [mas] diferentemente, de uma responsabilidade que, não podendo ser imputada a um concreto interveniente processual resulta do funcionamento anormal do serviço, considerado no seu conjunto, (..) [cujo] dever de indemnizar pressupõe, não apenas um comportamento antijurídico, traduzido na prática de um acto ilícito, como também um juízo de censura que, quando imputável ao serviço em si mesmo considerado, equivale ao conceito de culpa do serviço. (..)” (6 )
Como nos diz a doutrina “(..) é irrelevante saber se e em que medida os prazos processuais foram incumpridos (“não deveremos perder-nos na floresta dos meandros processuais, à procura de saber se foi ou não cumprido religiosamente cada um dos prazos dos actos daquele percurso”)(..)
Se os prazos foram cumpridos e, apesar disso, o processo se alongou naqueles termos, é porque o Estado deveria ter providenciado os meios humanos e materiais e a configuração do processo e termos de permitir administrar a justiça em tempo razoável (cfr. Acórdão do STA – 1ª de 5/5/2010, Procº nº 122/10 e o Acórdão do STA – 2ª de 6/11/2012, Procº nº 976/11). (..) ( 7)

*
Como já referido, o conceito de prazo razoável pressupõe o reporte a um standard ou padrão médio de funcionamento tido como tal em cada época concreta, fundamentado em graus de eficiência do serviço público da administração da justiça.
Continuando e seguindo de perto o Autor citado, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem evoluindo no sentido de qualificar como prazo razoável a duração média do processo, apontando para 3 anos de duração média, na primeira instância, para a generalidade das matérias e para 4 a 6 anos de duração média global da lide, da mesma parecendo resultar uma via de solução articulada em três fases, a saber,
(i) apurar a duração média da categoria de processo,
(ii) apurar os casos de claro de afastamento inaceitável desse padrão médio, salvo culpa do próprio lesado e
(iii) em via de análise mais fina, apurar os restantes casos, com apoio nos critérios orientadores enunciados na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Consequentemente, assente que a ilicitude se refere sempre à duração global do processo e não decorre de uma consideração analítica dos actos de processo e respectivos prazos - que actualmente tem como padrão normativo a situação descrita no artº 7º nº 4 Lei 67/2007 para o funcionamento anormal do serviço como aquela em que “atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultados, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos” - cabe concluir que se considera verificada a ilicitude por funcionamento anormal do serviço concretizada nos 8 anos e 12 dias de decurso global da instância no tocante ao processo nº 1463/05.3TBABT, sob a alçada do Tribunal comum.
Ou seja, 5 anos além do período de duração média julgado normal em 1ª Instância.

*
De acordo com a doutrina exposta no Acórdão STA 1004/16, 11.05.2017, no dever de indemnizar por “(..) danos não patrimoniais, importa atender ao regime legal do art. 496.º do C. Civil que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3] (..) Tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais sofridos com a lesão do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável. (..)”, sendo que “(..) este Supremo Tribunal tem jurisprudência firme e consolidada no sentido de que os “… danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na atuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respetiva relevância, sem prejuízo de prova em contrário, ou de diferente causalidade, em cada caso …”, na certeza de que se “… a parte que invoca a lesão alegar e procurar provar mais danos do que os comuns, mas não conseguir provar que os sofreu, nem por isso fica prejudicada no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante, salvo quando se provar que em concreto, mesmo este, não ocorreu …” [cfr. jurisprudência iniciada pelo Ac. deste Supremo de 28.11.2007 - Proc. n.º 0308/07, seguida e aprofundada pelo seu Ac. de 09.10.2008 - Proc. n.º 0319/08, e sucessivamente reiterada, nomeadamente, nos Acs. de 09.07.2009 - Proc. n.º 0365/09, de 01.03.2011 - Proc. n.º 0336/10, de 15.05.2013 - Proc. n.º 01229/12 e de 14.04.2016 - Proc. n.º 01635/15]. (..)”.

*
No caso trazido a recurso o pedido indemnizatório fundado em omissão de decisão judicial em prazo razoável reporta-se ao citado processo executivo nº 1463/05.3TBABT sendo o valor global da quantia exequenda de € 5.847,10 – vd. capa do processo executivo apenso com três cheques no valor unitário de 509,58, um de 222,30 e outro de 4.076,64, todos emitidos a favor da ora Recorrente.
Valor reduzido para € 4.076,64 por improcedência parcial do peticionado, conforme referido no item 34. do probatório.
Deste modo o montante de € 16.000,00 peticionado a título de danos não patrimoniais mostra-se claramente destituído de base de razoabilidade, quatro vezes superior ao da dívida exequenda, na medida em que inexiste matéria de facto alegada e provada sobre circunstâncias lesivas na esfera jurídica da Recorrente que extravase do padrão comum dos danos morais constituído pela tristeza e enervamento derivado da espera pela resolução do processo, danos levados ao item 71. do probatório.
Pelo que vem de ser dito, cabendo fixar um valor pecuniário indemnizatório, no regime do artº 566º nºs. 2 e 3 C. Civil cumpre atender, em primeiro lugar, à diferença de situações, isto é, entre a situação danosa não patrimonial em que a demora pela decisão no processo executivo deixou o lesado, ora Recorrente, e a situação hipotética em que o Recorrente estaria sem a ocorrência dos danos morais julgados provados, tomando o Tribunal por referência a data mais recente, ou seja, a data da decisão em 1ª Instância (artº 566º/2 CC).
Em segundo lugar, dando-se a circunstância de não ser possível determinar o valor exacto dos danos morais (a tristeza, o desgosto, o enervamento com a demora) cabe julgar segundo critérios de equidade, dentro dos limites provados se ou houver (artº 566º/3 CC).(8)
Tudo visto, considera-se adequado manter o quantum indemnizatório por danos não patrimoniais de € 1.000,00 por aplicação do padrão referencial de um quarto do valor da dívida exequenda, metodologia consignada no procº nº 0678/11.OBEPRT do TCAN em acórdão tirado em 04.11.2016.


7. juros de mora - cumulação juros de mora/correcção monetária - uniformização de jurisprudência – STJ (566º/2 e 805º/3, CC);

Última questão, relativa ao termo a quo dos juros legais por mora nas obrigações pecuniárias por facto ilícito.
Esta questão foi resolvida no sentido de serem devidos juros de mora contados desde a decisão em 1º Instância e não desde a citação, invocando-se como fundamento a doutrina firmada em uniformização de jurisprudência no Ac. do STJ tirado em 09.05.2002, no procº nº 4/2002 (Garcia Marques).

Todavia, nesta parte não se acompanha o julgado na sentença sob recurso.

*
No Ac. do STJ tirado em 09.05.2002 no procºnº4/2002 (Garcia Marques) em via de uniformização de jurisprudência, deu-se resposta à seguinte questão:
“(..) sempre que fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no artº 566º nº 2 o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão em 1ª instância – como foi o que aconteceu no caso sub judice - pode ele, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na segunda parte do nº 3 do artº 805º, referido ao nº 1 do artº 806º ? (..)”
O que significa que o Ac uniformizador de jurisprudência trata a questão da plausibilidade jurídica de ordenar em via de sentença a cumulação de juros moratórios e correcção monetária.
E decidiu-a em sentido negativo: não pode haver cumulação.
“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação

*
Mas se não houver correcção monetária, os juros moratórios serão contados desde a citação.
Como é o caso do Ac. STJ de 26.01.2016 tirado no procº nº 2185/04.8TBOER.L1.S1 (Fonseca Ramos), em que se decidiu matéria de responsabilidade extracontratual por acidente de viação e, para o que ora importa, se fundamentou e decidiu como segue:
“(..) Os danos não patrimoniais foram e são de acentuada magnitude, pelo que a compensação que é devida, com base na equidade e que se tem como justa, deve ser fixada como é, em € 45.000,00, uma vez que não se procede a actualização dos valores arbitrados.
Assim a Ré vai condenada a pagar ao Autor a quantia global de € 195.000,00.
Sobre os valores em causa incidem juros de mora, desde a citação às taxas legais sucessivamente vigentes – artºs. 559º nº 1, 804º nº 1, 805º nº 1, 806º nº 1 todos do Código Civil e Portaria nº 291/03 de 8 de Abril e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 2002, DR I Séie A, nº 146 de 27 de Junho de 2002.
Decisão:
Nestes termos, concede-se parcialmente a revista condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 195.000,00 (cento e noventa e cinco mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal, que sucessivamente vigorar, contados desde a citação até integral reembolso. (..)”.

*
No citado Ac. do STJ nº 4/2002 de 09.05.2002 a fundamentação respeitante ao segmento decisório uniformizador é a seguinte:
“(..) 4.1 –
A questão de direito a resolver prende-se com a determinação do momento de início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais e a danos patrimoniais futuros por incapacidade geral permanente (ver nota 10).
Trata-se de interpretar a segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, na sua ligação sistemática com o artigo 566.º, n.º 2, ambos do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem referência da origem.
Na verdade, conforme se adopte uma ou outra das orientações em confronto, adquirida que esteja a atribuição de uma indemnização actualizada, ou seja, objecto de correcção monetária, também o sentido do artigo 805.º, n.º 3, no seu segmento final, na sua necessária articulação com o artigo 566.º, n.º 2, terá que obedecer a uma interpretação literal ou restritiva.
Para utilizar os termos utilizados pelo acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça citado na nota 10, «trata-se, mais especificamente, de indagar se existe compatibilidade entre os referidos normativos ou se, pelo contrário, a compatibilização exige uma interpretação restritiva de qualquer deles».
Ou seja, trata-se de saber se o juiz pode arbitrar uma indemnização em dinheiro segundo o critério de cálculo actualizado prescrito no citado n.º 2 do artigo 566.º e, ao mesmo tempo, declarar que o responsável se encontra em mora pelo pagamento de tal quantia desde a citação, acrescentando-lhe, por isso, juros de mora desde a data da mesma, como parece resultar das disposições combinadas da segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º e do n.º 1 do artigo 806.º (ver nota 11); e de, no caso de não ser possível tal cumulação, definir o modo de compatibilizar a disciplina constante de ambos os normativos.
Com singeleza, a questão pode ser assim equacionada: há ou não incompatibilidade entre a segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, e o n.º 2 do artigo 566.º? Se há, de que modo é que ela deve exprimir-se?

Vejamos.

4.2 - Sobre tal questão, a jurisprudência, maxime, a deste Supremo Tribunal está de há muito dividida.
Assim, no sentido da orientação que advoga a existência de uma harmonia sistemática entre os dois preceitos, isto é, a admissibilidade da acumulação de juros de mora desde a citação com a actualização da indemnização em função da taxa da inflação, podem enumerar-se, sem preocupações de exaustividade, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 17 de Novembro de 1992 (ver nota 12), de 17 de Janeiro de 1995 (ver nota 13), de 30 de Maio de 1995 (ver nota 14), de 28 de Setembro de 1995 (ver nota 15), de 3 de Dezembro de 1998 (ver nota 16), de 13 de Janeiro de 2000 (ver nota 17) e de 23 de Novembro de 2000 (ver nota 18).
Sustentando, pelo contrário, a inadmissibilidade da referida acumulação, ou seja, entendendo que os dois preceitos se sobrepõem num espaço da sua estatuição, o que impõe a necessidade da interpretação restritiva do falado segmento do n.º 3 do artigo 805.º, podem enumerar-se os seguintes acórdãos, também deste Supremo Tribunal de Justiça: de 6 de Outubro de 1987 (ver nota 19), de 20 de Dezembro de 1990 (ver nota 20), de 26 de Fevereiro de 1991 (ver nota 21), de 14 de Março de 1991 (ver nota 22), de 31 de Março de 1993 (ver nota 23), de 15 de Dezembro de 1998 (ver nota 24), de 12 de Julho de 2001 (ver nota 25), de 6 de Novembro de 2001 (ver nota 26) e de 12 de Março de 2002 (ver nota 27).
4.3 - O principal argumento aduzido pelos defensores da primeira orientação radica no distinto objecto e na diversa natureza que preside à actualização da expressão monetária da indemnização relativa ao período compreendido entre a data da citação e a data da decisão actualizadora, por um lado, e, por outro, ao pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, na medida em que aquela visa a manutenção do valor real da indemnização, ao passo que este visará compensar o lesado pela demora na reparação dos danos sofridos. Pode ainda dizer-se que, de acordo com este entendimento, os juros de mora a atribuir não revestem apenas natureza compensatória, mas também uma função sancionatória, a que não é alheio o facto de a obrigação de indemnizar resultar da prática de um facto ilícito ou da criação de um risco especial.
Pelo contrário, para a segunda orientação, que, diga-se, desde já, acompanhamos, não é defensável a cumulatividade de juros de mora desde a citação, em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 805.º com a actualização da indemnização, na medida em que ambas as providências influenciadoras do cálculo da indemnização devida obedecem à mesma finalidade, que consiste em fazer face à erosão do valor da moeda no período compreendido entre a localização no tempo do evento danoso e o da satisfação da obrigação indemnizatória (ver nota 28).
4.4 - Cumpre, pois, responder às perguntas deixadas oportunamente em aberto.
Ou seja, sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no artigo 566.º, n.º 2, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1.ª instância - como foi o que aconteceu no caso sub judice - pode ele, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, referido ao n.º 1 do artigo 806.º?
E, não o podendo fazer, como deverá compatibilizar a expressão normativa dos dois preceitos em confronto?
Em matéria de cálculo da indemnização em dinheiro, o n.º 2 do artigo 566.º consagra a teoria da diferença, que define como a medida da «diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Desenvolvendo este ponto, escreve-se no citado Acórdão proferido na Revista 1861/00:
«Este critério de cálculo da indemnização em dinheiro não é, naturalmente, aplicável à indemnização por 'danos não patrimoniais' e ajusta-se mal à indemnização por 'danos futuros previsíveis' (cf. artigo 564.º, n.º 2).
Em todo o caso, o método de aferir o cálculo da indemnização pela data mais recente que o tribunal puder atender, que é uma das traves mestras do 'princípio da diferença', deverá ser, também, um dos princípios basilares da indemnização dos referidos danos, uma vez que se trata de ideia que decorre do próprio princípio geral da indemnização, definido no artigo 562.º
No cálculo da 'diferença', relevam, como não podia deixar de ser, os danos derivados da demora da liquidação da indemnização.
E, porque se trata de indemnizar em 'dinheiro', um dos componentes da 'diferença', como efeito pernicioso dessa demora, deverá ser, também, a inflação, a 'décalage' entre o valor da moeda à data da ocorrência do dano e o que se verifica na citada 'data mais recente'.
As novas soluções introduzidas no Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 262/83 visaram combater o fenómeno da 'inflação' e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco.» (ver nota 29). 4.5 - Os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização.
No entanto, e no seguimento do que já se disse, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 200-C/80, aos juros moratórios passou a estar cometida não só a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação, mas também a de contrabalançar a desvalorização monetária, numa indirecta reacção contra o princípio nominalista consagrado no artigo 550.º (ver nota 30).
Os efeitos conjugados da inflação e do protelamento das acções sobre os pedidos dos lesados era tal que o juiz não podia, muitas vezes, atribuir a indemnização que lhe impunha o n.º 2 do artigo 566.º, isto é, uma indemnização à medida do valor da moeda à data da sentença.
Chegados, porém, tempos, como os que correm, caracterizados por uma relativa estabilidade no valor da moeda, passou a acontecer, com frequência, que esse condicionalismo, associado à elevação dos pedidos indemnizatórios e ao desincentivo do protelamento das acções, resultante da já falada alteração introduzida ao n.º 3 do artigo 805.º, passaram a permitir ao juiz, sem violar o princípio do pedido, atribuir indemnizações actualizadas em conformidade com a referida norma do n.º 2 do artigo 566.º, levando já em conta não só todos os danos alegados, mas também a correcção monetária.
Como lucidamente se adverte no acórdão que vimos acompanhando, «fazer, então, incidir sobre tais quantias actualizadas juros moratórios entre a citação e a sentença será esquecer a teleologia da regra acrescentada ao n.º 3 do artigo 805.º, pelo mencionado Decreto-Lei n.º 262/83, seria fechar os olhos à função de correcção monetária atribuída aos juros moratórios, seria, enfim, transformar um antídoto da inflação numa atribuição patrimonial injustificada, à revelia do princípio indemnizatório definido no dito n.º 2 do artigo 566.º e do próprio princípio geral consignado no artigo 562.º Aos prejuízos decorrentes do atraso da liquidação da indemnização, responde, assim como aos demais prejuízos directa ou indirectamente decorrentes do facto ilícito, o n.º 2 do artigo 566.º, não havendo, pois, razão para, em tais circunstâncias, se considerar que o responsável caiu em mora a partir da citação, pelo pagamento da obrigação pecuniária em que se converteu a obrigação de indemnização».
A aplicação da norma do n.º 2 do artigo 566.º em toda a sua expressão normativa, com a função de regra geral indemnizatória que claramente desempenha, faz com que, inevitavelmente, o n.º 3 do artigo 805.º deva sofrer uma restrição interpretativa, para a qual aponta também a consideração de que o princípio actualista que preside ao enunciado declarativo do n.º 2 do artigo 566.º não se confina ao aspecto da correcção monetária.
Sendo certo que a regra do n.º 3 do artigo 805.º teve em vista «combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco», se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário.
Importa então concluir, como no acórdão citado, que, nesse caso, «a sua intervenção só se justifica , por força da interpretação restritiva do n.º 3 do artigo 805.º, a partir da data da sentença em 1.ª instância, que, no que toca ao cálculo da correcção monetária, constitui, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º, a mais recente que pode e deve ser tida em conta».
A aplicação simultânea do n.º 2 do artigo 566.º e do artigo 805.º, n.º 3, conduziria a uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, pelo que o n.º 3 do artigo 805.º cederá quando a indemnização for fixada em valor determinado por critérios contemporâneos da decisão (ver nota 31).
4.6 - Por outro lado, não merece acolhimento uma interpretação do artigo 805.º, n.º 3, que permita pensar que o legislador de 1983 teria deixado na disponibilidade do lesado a opção entre o critério geral de indemnização actualizada previsto no n.º 2 do artigo 566.º e o do n.º 3 do artigo 805.º, que supõe a fixação da indemnização a valores do tempo da petição inicial (ver nota 32).
O critério regra é o estabelecido no n.º 2 do artigo 566.º, limitando-se o critério introduzido pela nova redacção do n.º 3 do artigo 805.º a ter um valor complementar do primeiro, «destinado a garantir a plena eficácia da respectiva intenção normativa» (ver nota 33).
Nem se diga que a cumulação de juros e correcção monetária poderia encontrar fundamento na função não meramente indemnizatória (e de correcção monetária) dos juros de mora, mas também na componente sancionatória que lhes corresponderia.
É que, por um lado, e tal como se disse, a ideia que presidiu à retroacção da mora, nos casos dos créditos ilíquidos provenientes de responsabilidade civil por facto ilícito e pelo risco, não teve origem em qualquer pretensão sancionatória ou punitiva, visando tão-somente combater os efeitos nefastos da inflação. Acresce, por outro, que a referida vertente punitiva não é de todo conciliável com a responsabilidade pelo risco (ver nota 34).
Como se explicou no acórdão proferido na Revista n.º 1861-00, a intenção do legislador de 1983 foi nitidamente a de apenas compensar o prejuízo da inflação relativamente ao que falhava na previsão do n.º 2 do artigo 566.º, ou seja:
a) Quando, por efeito da inflação, o valor do pedido se depreciava em termos tais que a actualização com referência à data da sentença conduzia a um valor superior ao do pedido, que o tribunal não podia, assim, considerar atenta a limitação resultante do artigo 661.º, n.º 1, do CPC;
b) Por não prever a possibilidade de actualização monetária em via de recurso, razão por que o n.º 2 do artigo 566.º lhe fixava o limite temporal na «data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal», «data esta que, por força dos mecanismos do processo, só pode ser a da sentença em 1.ª instância».
Justifica-se uma advertência.
A actualização monetária da obrigação pode, porém, não ocorrer apenas em 1.ª instância, podendo ter lugar na Relação ou até, excepcionalmente, no Supremo Tribunal de Justiça.
Considerando o carácter geral e tão abrangente quanto possível que deverá ter a solução uniformizadora, a qual deverá abarcar, sendo caso disso, a actualização monetária expressamente efectuada nas decisões proferidas pelos tribunais superiores, será preferível que, na sua formulação, a norma interpretativa a adoptar, em vez de aludir à «sentença proferida em 1.ª instância», faça referência ao conceito de «decisão actualizadora», interpretado nos termos acabados de indicar.
4.7 - Diga-se ainda que, nesta problemática, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do n.º 2 do artigo 566.º
Nem se argumente, enfim, que, a vencer a tese da não cumulação, se frustrará o propósito prosseguido pelo legislador de 1983. Na verdade, sempre continua reservado à nova formulação do n.º 3 do artigo 805.º um largo campo de incidência.
Assim, reproduzindo as considerações, a propósito, tecidas pelo acórdão que temos vindo a acompanhar, poder-se-á desenhar o seguinte quadro:
1.º A interpretação restritiva que se adopta só sé aplica relativamente à obrigação de indemnização e não a qualquer outra obrigação ilíquida, de diferente origem e natureza;
2.º Nos casos em que o juiz não pode valer-se do n.º 2 do artigo 566.º, por o pedido estar muito desactualizado, e não ter sido ampliado, os juros de mora podem e devem ser contados desde a citação, em cumprimento do n.º 3 do artigo 805.º;
3.º Se não tivesse sido alterado no sentido em que o n.º 3 do artigo 805.º foi pelo legislador de 1983, não seria possível contar juros de mora sobre o montante indemnizatório a partir da sentença condenatória, independentemente do trânsito em julgado (a «teoria da diferença» só opera até à sentença); a partir desta, já nada obsta, por aplicação do n.º 3 do artigo 805.º, a que comecem a contar-se juros de mora.
5 - Acerca do momento a partir do qual devem ser contados, no caso concreto, submetido a recurso, os juros moratórios, quer para a indemnização fixada pela Relação de Évora relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente AA, quer quanto à indemnização, agora arbitrada, por danos patrimoniais futuros e por danos não patrimoniais sofridos pelo menor DD, deve ponderar-se que os quantitativos indemnizatórios atribuídos na esteira do que fora oportunamente decidido pelas instâncias - já tiveram em linha de conta o critério actualista definido no n.º 2 do artigo 566.º, compreendendo, assim, uma avaliação dos danos reportada à data da sentença da 1.ª instância - cf. fls. 217 e 263 v.º
Improcede, pois, neste ponto a pretensão dos recorrentes, devendo os juros moratórios, conforme o decidido pelas instâncias, e de acordo como atrás exposto, correr a partir da data da prolação da sentença em 1.ª instância.
6 - Termos em que se decide:
a) Conceder parcialmente a revista, condenando-se a ré Companhia de Seguros F....., S. A., a pagar aos AA. BB e mulher CC, por si e em representação de seu filho menor DD, a importância de (euro) 9975,96, correspondente a 2000000$00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, e ainda a importância de (euro) 14963,94, correspondente a 3000000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) Em tudo o mais confirmar o acórdão recorrido. Custas a cargo dos recorrentes na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
7 - Tendo em vista a uniformização de jurisprudência, acordam na seguinte norma interpretativa:
Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação. (..)”

*
Dentre os votos de vencido exarados (nove), ajuda a perspectivar a controvérsia a declaração de voto que se transcreve:
“(..)Declaração de voto
1 - A questão que vem colocada é a de saber se existe e é devida a «cumulação», em relação ao mesmo período de tempo, o que vai da data da citação até à da sentença (rectius, data do encerramento da discussão), da actualização da expressão monetária da indemnização por danos, patrimoniais ou não, com juros de mora.
Desde já se adianta a resposta: esta «cumulação» é devida, cada um dos factores tem a sua causa própria, distinta da do outro, não há qualquer enriquecimento sem causa em tal situação.
De harmonia com o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil:
«[...] a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos.»
E, por força do disposto no artigo 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:
«[...] deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento de discussão.»
Este preceito legal é aplicável ao julgamento da relação, perante a qual se reabre, dentro de certos limites, a discussão da matéria de facto, por força do disposto no artigo 713.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Adaptando estes preceitos legais à fixação da indemnização por danos, verifica-se que a esta nada tem a ver nem com o tempo em que o acidente ocorreu, nem com a data em que a acção foi intentada ou o réu foi citado.
A fixação da expressão monetária do desvalor a compensar com atribuição da indemnização só tem a ver com a data em que se encerra a discussão (na 1.ª ou na 2.ª instância). É nessa data e em relação a ela que caberá avaliar qual a situação em que o lesado se encontra e aquela em que se encontraria se não fosse a lesão, achar a diferença e exprimir esta diferença em dinheiro, atendendo ao valor deste, ao seu poder aquisitivo à data da decisão, com recurso à equidade.
Se a indemnização tivesse sido fixada logo no próprio dia em que a lesão ocorreu certamente que a sua expressão monetária seria diferente daquela que assumirá se vier a ser fixada cinco anos mais tarde (em regra esta será maior já que a inflação também é a regra).
Porém, esta diferença de expressão monetária do desvalor que é o dano não significa que no segundo momento a indemnização seja maior: o que cresce não é a indemnização, que continua a ser a mesma, mas a sua expressão monetária em consequência de ter baixado o poder aquisitivo da moeda.
Claro que isto é assim se nestes cinco anos o dano se não tiver agravado; porque se tal agravamento ocorrer, sendo o desvalor maior à data da decisão, então é que a própria indemnização terá que ser maior (porque será maior a diferença a que o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil manda atender) e não apenas a sua expressão monetária.
A obrigação de pagamento de juros sobre a expressão monetária da indemnização não tem a ver com a reparação da lesão a que me venho referindo.
Tem a ver com um outro mal, o da demora na compensação do lesado pelo dano sofrido.
Quem pela prática de facto ilícito causa a outrem um dano tem o dever de o reparar imediatamente. É a regra estabelecida no artigo 805.º, n.º 2, alínea b), do Código Civil:
«Há [...] mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito.»
Esta regra conhece uma excepção no caso de iliquidez do crédito do lesado.
Esta excepção, após o aditamento do Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho, ao n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, é a seguinte:
«Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, [...]; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos [...]»
Esta excepção àquela regra (a de o devedor por facto ilícito se constituir imediatamente em mora, no próprio dia em que praticou o facto, sem necessidade de interpelação) deve exprimir-se assim:
«Em caso de responsabilidade civil por facto ilícito, ou pelo risco, sendo o crédito ilíquido, o devedor constituiu-se em mora a partir da interpelação feita mediante citação para a acção judicial em que se peça a sua condenação a pagar.»
Seguramente que em termos puramente lógicos, de uma lógica geométrica, não joga bem a constituição em mora com a iliquidez da obrigação (seja pelo que respeita à obrigação em si, seja pelo que respeita à forma do seu cálculo); para quem se limite a raciocinar em tais termos resulta incompreensível que se sancione o devedor, obrigando-o ao pagamento de juros, por não pagar imediatamente, ainda antes de saber quanto tem que pagar.
O que acontece é que a solução da lei não se justifica por aquela razão de construção lógica, não sendo expressão de justiça meramente retribuitiva.
A razão de ser da lei é a equidade: é justo e adequado que o devedor compense o credor, no caso de responsabilidade civil por facto ilícito (e, até, pelo risco), pela demora no cumprimento resultante da duração do processo, da demora de solução da questão inerente à necessidade de assegurar ao devedor a respectiva defesa (ver nota 1). É justo, é equitativo, que seja o devedor, em tais hipóteses de facto ilícito ou de risco, a suportar o preço da demora, aliás compensado por pagar mais tarde.
Releva, aqui, também, o carácter e função de sanção (e não apenas de compensação) da obrigação de indemnizar com fundamento na prática de facto ilícito ou de criação de um risco especial.
O legislador, com realismo e conhecimento da vida, verificou que a demora do processo (que os devedores frequentemente provocavam) redundava, em especial, em época de inflação elevada, em grande benefício para o devedor que, aplicando o capital respectivo nos negócios, obtinha, com o tempo ganho, muito maiores benefícios que o do aumento da indemnização a pagar. Isto era de tal sorte que em certas épocas, pagar meia dúzia de anos mais tarde era, em termos financeiros, o mesmo que nada pagar (e quiçá continua a ser ainda hoje) (ver nota 2).
O legislador, sempre com realismo, não se esqueceu que, na aplicação deste preceito legal, se encontra, as mais das vezes, um conflito entre o lesado em acidente de viação (a sofrer danos, patrimoniais e não patrimoniais, que podem ser muito graves e exigir rápida indemnização) e uma (ou mais) companhias de seguros com ampla capacidade económica. Por isto, entendeu ser equitativo sacrificar em alguma medida o devedor, em benefício de interesse atendível do credor.
O legislador de 1983 não desconhecia o disposto nos artigos 566.º, n.º 2, do Código Civil, e 663.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, tendo que se aceitar que foi de caso pensado, conscientemente, que ao disposto naqueles preceitos legais aditou ao artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil o apontado regime.
Cabe não esquecer, de resto, que foi o mesmo legislador quem aditou ao artigo 806.º do Código Civil o seu actual n.º 3, que permite ao credor, sempre em caso de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, reclamar indemnização pela mora em montante superior ao dos juros de mora.
E, também, quem introduziu no mesmo Código o actual artigo 829.º-A, em especial, pelo que aqui nos interessa, o seu n.º 4, criando uma sanção pecuniária compulsória.
Em conclusão: os juros devidos nos termos da regra aditada ao n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil pelo legislador de 1983 visam compensar um mal diferente do mal da lesão pelo próprio facto ilícito: uma coisa é a indemnização devida pelo mal do facto ilícito, outra coisa é o mal de o lesado ter de esperar longo tempo, às vezes anos e anos, sem horizonte, pelo pagamento da indemnização.
O legislador, aliás, optou por uma solução de equilíbrio, de compromisso: apesar de se tratar de obrigação proveniente de facto ilícito não manda contar a mora a partir da lesão [cf. artigo 805.º, n.º 2, alínea b), do Código Civil], mas apenas a contar da citação (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil).
2 - Entre as duas posições em confronto, discutidas no acórdão, ainda é possível uma terceira, intermédia, visando conciliar o disposto nos artigos 566.º, n.º 2, e 805.º, n.º 3, parte final, do Código Civil, em lugar de sacrificar a segunda (como se fez neste acórdão, em que fico vencido).
Sabe-se que os juros legais são (em regra) de taxa superior à da inflação. De tal modo que na taxa daqueles se compreende uma parcela destinada a compensar esta.
É possível (e fácil de aplicar) calcular a indemnização em termos actualizados à época da sentença (o que corresponde à consideração da inflação entre a época do dano e da sentença) e acrescentar o diferencial entre a taxa da inflação e a dos juros pelo tempo que medeia entre a citação e a sentença.
Por outras palavras, a questão coloca-se em relação ao tempo que vai da citação à sentença.
No acórdão em que fico vencido sacrifica-se o artigo 805.º, n.º 3, segunda parte, do Código Civil, em relação a este tempo.
Na interpretação que aqui proponho, considera-se que a actualização a que se refere o artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, a inflação, está compreendida na taxa dos juros de mora, pelo que, aplicando esta taxa, nos termos do artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil, se respeita igualmente o disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil.
No mais (juros de mora) compreende-se o menos (inflação), mas não o contrário. Considerar apenas a inflação é querer meter o Rossio na Betesga, é violar a lei.
Respeitem-se os dois preceitos em confronto, em lugar de revogar um deles pela via de errada interpretação.
3 - Pelas razões expostas no n.º 1, votei a uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:
Em caso de responsabilidade civil por facto ilícito, ou pelo risco, mesmo sendo o crédito ilíquido, o devedor constituiu-se em mora a partir da interpelação feita mediante citação para a acção judicial em que se peça a sua condenação a pagar.
(nota 1) Continua a ser a equidade que levou o legislador a aceitar que os juros possam incidir sobre um capital que à data da citação seria inferior ao que venha a ser apurado com referência à data do encerramento da discussão.
(nota 2) Continua a ser vantajoso fazer investimento adquirindo a crédito bens não consumíveis.
Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês. (..)”

*
Feitas as transcrições que competem, voltemos ao caso em apreço.

No caso trazido a recurso, a acção funda-se exclusivamente no deficiente funcionamento dos serviços de justiça por omissão de decisão em prazo razoável verificado no procº executivo nº 1463/05.3TBABT para cobrança da dívida exequenda de € 5.847,10, reduzida a € 4.076,64 por improcedência parcial do peticionado, conforme referido no item 34. do probatório.
Na alçada do Tribunal, a tramitação do processo alongou-se por 8 anos e 12 dias.
Em 1ª Instância não se procedeu (nem foi pedida) a actualização da indemnização em função da taxa da inflação (artº 566º/2 C. Civil), pelo que a solução em matéria dos peticionados juros de mora segue o regime constante das disposições conjugadas do artº 805º nº 3 ex vi 806º nº 1 CC, contados desde a citação.
Todavia, no caso concreto há que fazer os necessários ajustamentos.
Como já afirmado, o atraso em processo executivo por se ter excedido o prazo julgado razoável é imputável ao Estado apenas e tão só no tocante às fases em que a instância tramitou sob a alçada do Tribunal.
O que significa que, tomando por termo a quo não a citação no processo executivo – dado que nesta fase a execução corre no âmbito de competência do solicitar/agente de execução – mas, por analogia, as fases de tramitação sob a alçada do Tribunal, o termo a quo ocorre com a dedução da oposição à execução, sendo a estes períodos que cabe atender para efeitos de cálculo dos juros moratórios, às taxas legais sucessivamente vigentes, até efectivo pagamento, vd. artsº. 559º nº 1, 805º nº 1, 806º nº 1 C. Civil, Portaria 291/03, 08.04 e Ac. de uniformização de jurisprudência do STJ de 09.05.2002, in DR, I Série-A, nº 146 de 27.06.2002.
De acordo com o probatório e fundamentação constantes da decisão do Tribunal a quo, tais períodos são os seguintes:
· da entrada da oposição em 30.04.2007 a 18.06.2009 – pontos 6, 14 e 26 do probatório;
· de 17.01.2009 a 17.10.2012 – pontos 7, 39 e 40 do probatório;
· de 08.01.2013 a 14.05.2013 – pontos 43, 46 e 47 do probatório;
· de 05.07.2013 a 08.07.2013 – pontos 50 e 52 do probatório;
· de 06.01.2014 a 14.10.2015 – ponto 60 do probatório.

Pelo exposto, procede parcialmente a questão trazida a recurso nos itens 9 a 19 das conclusões.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em, na procedência parcial do recurso,
A. confirmar a sentença proferida no tocante à condenação do E....... a pagar à Recorrente a quantia de 1.000,00 € (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça;
B. acrescida de juros de mora à taxa legal que sucessivamente vigorar sobre os períodos a seguir enumerados e até integral pagamento:
· de 30.04.2007 a 18.06.2009;
· de 17.01.2009 a 17.10.2012;
· de 08.01.2013 a 14.05.2013;
· de 05.07.2013 a 08.07.2013;
· de 06.01.2014 a 14.10.2015.

Custas por ambas as partes na proporção do vencido, levando-se em conta o benefício de apoio judiciário do Recorrente.



Lisboa, 28.JUN.2018

(Cristina dos Santos) ……………………………………………….

(Ana Celeste Carvalho) …………………………………………….

(Pedro Marchão Marques) …………………………………………




(1) Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, Almedina/2013, pág. 85.

(2) Abrantes Geraldes, in Recursos no novo Código de Processo Civil, págs. 115, 84/85.

(3) Abrantes Geraldes, Recursos do novo Código de Processo Civil, págs. 71/72.

(4) Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2ª ed. Coimbra Editora/2011, págs.198/199.

(5) Luís Fábrica, Comentário ao Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Universidade Católica Editora/2013, págs.333/334.

(6) Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2ª ed. Coimbra Editora/2011, págs.198/199.

(7) Luís Fábrica, Comentário ao Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, Universidade Católica Editora/2013, págs.333/334.

(8) Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol. I, Almedina/1973, págs.763/767.