Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08488/12
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/25/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR, AIM, PVP.
Sumário:I. Na concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamento genérico e de fixação de Preço de Venda ao Público (PVP), não existe o dever de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência, sendo os fundamentos de indeferimento.
II. Tal resulta, quer do Estatuto do Medicamento, quer do ordenamento jurídico comunitário, os quais rejeitam a possibilidade de na concessão de AIM as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas.
III. Não se verificando o requisito do periculum in mora, previsto na alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA, nem a adoção das providências requeridas passar no crivo do critério de ponderação de interesses, a que alude o nº 2 do artº 120º do CPTA, não estão reunidos os pressupostos legais de que depende o decretamento das providências cautelares requeridas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A... , AG, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 24/11/2011 que, no âmbito do processo cautelar por si movido contra o INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, o Ministério da Economia e Inovação e as Contrainteressadas, B... (Europe) Limited e C... – Produtos Farmacêuticos, Lda., indeferiu as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed às Contrainteressadas durante o período de vigência da Patente e dos CCPs 20 e 24, de intimação do Infarmed a não autorizar ou a não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas às contrainteressadas e de intimação da DGAE, na pessoa do MEE a abster-se de, enquanto a Patente 96799 e os CCPs nºs 20 e 24 estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa, absolvendo as entidades requeridas do pedido.

Formula a aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 924 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

1. O presente recurso tem efeito suspensivo, nos termos inequívocos e literais do artigo 143.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA em conjugação com o artigo 692.° nº 3 alínea d) do CPC ex vi 140.° do CPTA, e sobe imediatamente e nos próprios autos, nos termos do artigo 147.º, nº 1 do CPTA; caso assim não se entenda, sempre se dirá que o efeito suspensivo deve ser atribuído à luz do n.° 5 do artigo 143.º do CPTA

2. Nos presentes autos cautelares foi julgada provada a seguinte factualidade:

• ponto G) do probatório - que “(...) Em 6.09.2011, o Infarmed concedeu à Contra-Interessada C... autorizações para introdução no mercado para 2 medicamentos contendo como princípio ativo o Valsartam, os quais apresentam a seguinte designação (cfr. docs n.° 7-8 junto com o requerimento inicial, a fls. 386, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): Valsartan + Hidroclorotiazida 80 mg +12,5mg comprimidos e Valsartan + Hidroclorotiazida 160mg +25mg comprimidos (...)

• ponto H) do probatório — que (...) Os genéricos Valsartan B... e Valsartan + Hidroclorotiazida apresentam as mesmas indicações terapêuticas que a invenção patenteada – antagonistas de recetores da angiotensina (por acordo)(...)

No entanto, como resulta do requerimento inicial (artigo 69.º) – aceite pelas partes – e dos Doc.s nºs 7 e 8 dados por provados nos autos, os medicamentos genéricos cujas AIMs foram concedidas à Contrainteressada Sanofi designam-se por Valsartan +Hidroclorotiazida Zentiva 80mg+12,5mg; l60mg+25mg e não por Valsartan +Hidroclorotiazida 80mg+12,5mg; l60mg+25mg, pelo que se deverá proceder à retificação do referido lapso nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 667.°, nºs 1 e 2, ex vi artigo 716.º, n.° 1 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA

3. No que respeita aos factos que deveriam ter sido dados como provados, e não o foram, deverão ser aditados à decisão sobre a matéria de facto os seguintes factos alegados pela Requerente no seu requerimento inicial, que constam de documentos com força probatória plena juntos aos autos (cfr. artigos 370.º e 371.º do CC e artigo 264.º, n.º 2 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA):


“5º

Entre os compostos de bifenilo protegidos pelas reivindicações da Patente, como será aqui explicado adiante em mais pormenor, encontra-se um composto, com a denominação comum internacional de Valsartan, que tem os seguintes nomes químicos:

(a) N-(1-Oxopentil)-N[[2´-(1H-tetrazol5-il)[1,1a-bifenil]-4-il]metil]-L valina;

(b) N-[p-(o-1H-tetrazol5-ilfenil)benzil]-N-valeril-L-valina; e

(c) (S)-N(1-carboxi2-metilprop1-il)-N-pentanoíl-N[2a-(1H-tetrazol5-il)- bifenil-4-ilmetil]amina.

(...)


50º

O CCP 20 foi concedido por referência ao produto da Requerente contendo como substância ativa o Valsartan (cuja marca é o Diovan®), estendendo o período de proteção da Patente para qualquer produto contendo o Valsartan até 23 de setembro de 2013.”

4. A questão jurídica de fundo nestes autos não é a de saber se, no quadro jurídico que o informa, deve ou não o INFARMED verificar da existência de direitos de propriedade industrial respeitantes a produtos sujeitos a procedimentos de autorização de introdução no mercado, pelo que aquilo que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu corresponder à questão principal a apreciar e decidir na ação principal é resultado de uma convolação para uma causa de pedir que não a alegada pela Requerente, ilegal ao abrigo da conjugação dos artigos 660.º, n.° 2, 2ª parte, 664.º e 264.º do Código de Processo Civil, sofrendo assim a sentença do tribunal a quo de nulidade, nos termos do artigo 668.º, n.° 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, por ter condenado em objeto diverso do pedido.

5. Os direitos de propriedade industrial emergentes de uma patente ou de um CCP são direitos temporários de exclusivo, com proteção constitucional, como direitos fundamentais com a natureza de “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição, sendo, ainda considerados direitos fundamentais pelo direito e pela jurisprudência comunitária (cf. artigo 6.°, n.ºs 1 e 3 do TUE e artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).

6. Sendo um ato de concessão de AIM a um medicamento um ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, de outro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade, este será ilegal sempre que não respeite o princípio da legalidade i.e., o chamado bloco de legalidade (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14.02.2008, Processo n.° 03165/07), no qual se insere, prima facie, o princípio constitucional de respeito pelos direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias, pelo que não pode ser aqui invocado o princípio da neutralidade administrativa (cf. Vieira de Andrade no artigo junto ao Requerimento Inicial).

7. Os atos de concessão de AIMs dos autos são atos fulminados de nulidade, nos termos do artigo 133.º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPA, uma vez que são incompatíveis com o do ato de concessão da Patente e do CCP e como tal como violadores da norma do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, por força dos art.ºs 17.º e 18.º da CRP e têm como finalidade permitir, por via de uma autorização administrativa, a prática pelas Contrainteressadas de atos qualificados como criminosos pelo CPI.

8. O direito para o qual a Recorrente busca tutela nestes autos é um direito que, embora fundamental e protegido diretamente pela Constituição, é um direito efémero, sendo que o tempo de exclusivo que ainda resta é apenas de cerca de dois anos, incluindo a prorrogação que lhe foi conferida pelo CCP 20.

9. A sentença que, na ação principal, venha a decretar a nulidade das AIM suspendendas (e que não se espera ver decidida antes de, pelo menos, cinco anos, a contar da sua propositura), apesar de, por força da lei, ter efeitos retroativos, não terá qualquer utilidade prática, uma vez que o exclusivo da Recorrente ter-se-á então, há muito, extinguido, sendo tal sentença incapaz de reintegrar a Recorrente no usufruto desse seu extinto exclusivo, uma vez que não é possível ao INPI nem aos tribunais prorrogarem o prazo de vigência da Patente pelo período em que a sua violação perdurar.

10. A distinção entre as duas fases mencionadas na douta sentença recorrida, ou seja, a da AIM e a da comercialização, não faz qualquer sentido no quadro da questão em análise, se tivermos presente que a AIM, decisão central no procedimento administrativo tendente à comercialização de medicamentos, se destina exclusiva e necessariamente a viabilizar juridicamente a comercialização dos medicamentos, sendo a sua única – e legalmente proclamada – finalidade.

11. A concessão de AIM, como ato licenciador dessa comercialização constitui causa adequada do dano decorrente da mesma comercialização, na medida em que a comercialização dos medicamentos destes autos é uma consequência necessária dos atos cuja suspensão se procura obter pela presente providência.

12. Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causadora de um dano imaterial, consistente na ablação de uma parte do ativo integrador da sua esfera jurídica, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de decisão condenatória a proferir na ação principal, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

13. A recusa da concessão das medidas cautelares aqui pedidas com fundamento em que os danos da Recorrente podem ser compensados por uma indemnização pecuniária violaria o princípio da acessoriedade da indemnização em relação à constituição natural (artigo 566.º do CC) e violaria diretamente o princípio constitucional da tutela efetiva (artigo 20.º n.º 5 da Constituição).

14. O critério aferidor da natureza das providências cautelares reside no conteúdo absoluto da medida que se pede seja ordenada pelo tribunal e não o da sua relação com o conteúdo da decisão a proferir pelo tribunal, pelo que tem natureza conservatória o pedido de abstenção de conduta formulado contra o Requerido MEE/DGAE.

15. Todas as conclusões atrás expressas a propósito das AIMs se aplicam, mutatis mutandis, à fixação do preço de venda ao público dos medicamentos destes autos.

16. Para o decretamento da decisão cautelar de intimação na abstenção da prática de atos administrativos, a alínea f) do n.° 1 do artigo 112.º do CPTA não exige que o procedimento administrativo respetivo esteja em curso, nem é isso que é exigido pelo espírito e pela literalidade da letra da lei, uma vez que o que importa é averiguar se é provável que venha a ser praticado tal ato, sendo tal probabilidade tanto maior quanto menor for o prazo de prolação do ato.

17. Contudo, caso este Tribunal ad quem entenda que é relevante, para o decretamento da providência requerida contra o MEI, apurar se as Contra-Interessadas, após a oposição do MEE, deu inicio aos procedimentos administrativos de autorização dos PVPs, deve o MEE clarificar, nos termos do n.° 3 do artigo 8.° do CPTA, qual a atual situação de tais procedimentos.

18. Ao contrário daquilo que decorre da douta sentença recorrida, a lei não determina que o juiz proceda a uma comparação entre o valor jurídico dos interesses em presença mas entre os danos que para cada parte possam resultar, respetivamente, da adoção ou da recusa da providência requerida.

19. No presente procedimento, estaria sempre o julgador totalmente impossibilitado de ponderar os danos em questão, pela simples razão de que nem o INFARMED nem as Contrainteressadas indicaram quais seriam eles, nem informaram como seriam os mesmos quantificados.

20. Não estando aqui em causa a garantia do acesso ao medicamento dos autos – a Recorrente mantém o mercado abastecido com o seu medicamento Diovan® e CoDiovan® – os únicos interesses aqui em questão são interesses de natureza financeira, de produção de poupanças com os gastos de saúde que, a legitimarem a restrição dos DPI da Recorrente, resulta num confisco, proibido pelo artigo 62.° da CRP.

21. Não faz qualquer sentido poder admitir-se que o direito de propriedade industrial, direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias, seja limitado por um direito social, como o direito à proteção à saúde, o qual tem a natureza de mera diretriz para a atividade legislativa do Estado.

22. Isso mesmo decorre do princípio aplicável aos direitos fundamentais, direitos liberdades e garantias ou a eles análogos, da reserva de lei restritiva consagrado no artigo 18.°, n.° 2 da Constituição, ou seja, o de que tais direitos só podem ser restringidos nos casos expressamente previstos na Constituição e de que só a lei o pode restringir.

23. Fora dos casos previstos no artigo 110º, n.° 2 e n.° 3 do Código da Propriedade Industrial, que não aplicam no presente caso, não podem, nem a Administração Pública ou os Tribunais, decidir pela compressão dos direitos de propriedade industrial.

24. Não se afigura ainda de muita utilidade contrapor, em abstrato, os direitos emergentes da Patente aos “valores da concorrência”, a fim de determinar qual o interesse prevalecente. O direito de patente prevalece, naturalmente, sobre a concorrência como é da sua própria natureza comprimi-la.

25. A propriedade intelectual desempenha um papel fundamental como garante de uma livre e sã concorrência em áreas essenciais para o desenvolvimento económico, tais como a inovação e a qualidade, pelo que não podem as normas legais que protegem a concorrência não podem, no direito nacional, servir de justificação para qualquer compressão ou limitação dos direitos, liberdades e garantias, porque não existe nenhuma lei, de natureza constitucional ou ordinária, que o permita.

26. A supressão ou limitação de conteúdo ou de gozo dos direitos de propriedade está sujeito ao princípio geral do artigo 62.° da CRP, o qual, no seu n.° 2 dispõe que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuados com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”.

27. A concorrência não é um valor em si mesmo, no quadro do direito comunitário. Nenhuma referência lhe é sequer feita no TUE, constituindo, pelo contrário, no Direito Comunitário, um mero instrumento necessário ao bom funcionamento do mercado interno (cf. artigo 3.º, n.° 1, alínea b) do TFUE).

28. A douta decisão recorrida, ao concluir, sem mais, que o direito da Recorrente deve ceder perante “o direito da concorrência e o direito à saúde”, bem como perante os interesses orçamentais do Estado, fez tábua rasa de todas as normas e princípios legais acima referidos, não só nacionais como comunitários, violando de forma frontal e inaceitável tais normas e princípios.

29. Em resumo, a douta decisão recorrida violou e interpretou incorretamente diversas disposições legais, nomeadamente as dos artigos 17.°, 18.° e 266.° da CRP, os artigos 490.° n.° 2, 511.°, 664.° do CPC, os artigos 112°, 120.° n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 2, artigos 133.° n.° 2, alíneas c) e d) do CPA, 110º nºs. 2 e 3 do CPI e 566.° do CC.”.

Termina pedindo que deve ser dado provimento ao recurso.


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Foi atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso, por despacho de fls. 1046.

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As Contrainteressadas, B... (Europe) Limited e C... Produtos Farmacêuticos, Lda. e os recorridos, Infarmed e Ministério da Economia e do Emprego, contra-alegaram, pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, pronunciando-se ainda sobre o efeito do recurso, no sentido da manutenção do efeito meramente devolutivo.

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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da atribuição do efeito devolutivo ao recurso, que a matéria de facto que a recorrente pretende que seja aditada em nada interessa para a decisão da providência e que não estão verificados os requisitos de que a lei faz depender a concessão da providência, concluindo pela improcedência do recurso (cfr. fls. 1197-1208).

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Sobre o parecer emitido, pronunciou-se a recorrente, concluindo pela procedência do recurso (cfr. fls. 1215 e segs.).

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Em 08/03/2012 foi proferido acórdão por este Tribunal, o qual negou provimento ao recurso (cfr. fls. 1279 e segs.).

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Interposto recurso de revista para o STA, o mesmo foi admitido, por acórdão datado de 30/05/2012 (cfr. fls. 1723 e segs.).

Por acórdão datado de 11/09/2012 foi concedido provimento ao recurso, sendo ordenada a baixa dos autos a este Tribunal para conhecimento das questões sobre o periculum in mora e a ponderação de interesses (cfr. fls. 1958 e segs.).


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O processo vai, sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Considerando o teor do anterior acórdão deste Tribunal, designadamente, as questões que nele foram objeto de pronúncia e de decisão e, bem ainda, o teor do acórdão do STA, proferido no âmbito do recurso de revista, nos termos desse aresto, resta decidir sobre os requisitos de decretamento da providência, relativos ao periculum in mora e à ponderação de interesses, isto é, sobre o alegado erro de julgamento de direito quanto ao não decretamento das providências cautelares de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos concedidos pelo Infarmed, de intimação do Infarmed a não autorizar ou a não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas às contrainteressadas e de intimação da DGAE, na pessoa do MEE a abster-se de, enquanto a Patente 96799 e o CCP nº 20 estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa [conclusões 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28. e 29.].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A) A A... AG, é titular da Patente de Invenção Nacional n° 96799, a qual protege um “processo para a preparação de compostos de Bifenilo” (cfr. doc n.° 1, a fis. 63 e s., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

B) O pedido de patente foi apresentado em 18.02.1991, constando da certidão do INEP junta a fls. 64 que: “a patente foi concedida por despacho de 26 de junho de 1998, que foi publicado no BPI 6/1998. A sua validade teve início em 26 de junho de 1998 e termina em 26 de junho de 2013, desde que satisfeitas as respetivas taxas de manutenção”.

C) Foi concedido Certificado Complementar de Proteção n.° 20, para o VALSARTAN ( DIOVAN) em 2.06.1999: BPI n.° 6/1999, de 30.09.1999 (cfr. doc n.° 2, a fls. 241 e s., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

D) E foi concedido Certificado Complementar de Proteção n.° 24, para o VALSARTAN e HIDROCLOROTIAZIDA (CO-DIOVAN) em 6.01.2015: BPI n.° 2/2006, de 27.02.2006 (cfr. doc n.° 3, a fis. 295 e s., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

E) Constando no mesmo como limite de vigência: 2.02.2015 (idem).

F) Em 8.08.2011 o INFARMED concedeu à Contra-Interessada B... autorizações para introdução no mercado para 3 medicamentos, contendo como princípio ativo o Valsartan, os quais apresentam a seguinte designação (cfr. doc.s n° 4-6 junto com o requerimento inicial, a fls. 383, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): Valsartan B... 40 mg comprimidos, Valsartan B... 80 mg comprimidos e Valsartan B... 160 mg comprimidos.

G) Em 6.09.2011 o INFARMED concedeu à Contra-Interessada C... autorizações para introdução no mercado para 2 medicamentos, contendo como princípio ativo o Valsartan, os quais apresentam a seguinte designação (cfr. doc.s no 7-8 junto com o requerimento inicial, a fls. 386, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): Valsartan+Hidroclorotiazida Zentiva 80 mg + 12,5 mg comprimidos e Valsartan+Hidroclorotiazida Zentiva 160 mg + 25 mg comprimidos (nos termos da correção operada pelo Acórdão do TCAS de 08/03/2012).

H) Os genéricos Valsartan B... e Valsartan+Hidroclorotiazida Zentiva apresentam as mesmas indicações terapêuticas que a invenção patenteada – antagonistas dos recetores da angiotensina (por acordo) (nos termos da correção operada pelo Acórdão do TCAS de 08/03/2012).

I) As ora Contrainteressadas não solicitaram nem obtiveram da ora Requerente autorização para, por qualquer forma, explorar a invenção constante da Patente n.° 96799 (por acordo).

J) Os genéricos em causa não se encontram a ser comercializados (por acordo).

L) Não foram requeridos os respetivos PVP junto da DGAE (inf. de fls. 523)

M) Dou por integralmente reproduzido o teor do Relatório Final da Comissão Europeia sobre o Inquérito ao Setor Farmacêutico publicado a 8.07.2009, disponível in (documento na versão portuguesa):

http://ec.europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/communication pt.pdf

M) Do mesmo consta:

3. PRINCIPAIS CONCLUSÕES

3.1. Produtos e Patentes

O setor farmacêutico é um dos principais utilizadores do sistema de patentes O número de pedidos de patente relacionados com produtos farmacêuticos apresentado ao IEP praticamente duplicou entre 2000 e 2007. As patentes relativas a substâncias ativas igualmente denominadas “patentes primárias”, pelo setor, uma vez que constituem as primeiras patentes para os seus medicamentos. Novas patentes relativas a aspetos tais como diferentes formas de dosagem, o processo de produção ou fórmulas farmacêuticas específicas são denominadas pelo setor “patentes secundárias”24. Em geral, as carteiras de patentes associadas a medicamentos «blockbuster» revelam um aumento constante no número de pedidos de patentes ao longo do ciclo de desenvolvimento de um produto e igualmente após o lançamento no mercado. Pontualmente, evidenciam um aumento ainda mais acentuado no termo do período de proteção conferido pela primeira patente. Nos litígios em matéria de patentes, as empresas de medicamentos originais baseiam-se muitas vezes em patentes cujo pedido não havia ainda sido registado aquando do lançamento do produto em questão.

3.2. Concorrência entre empresas de medicamentos originais e genéricos – aspetos problemáticos

As conclusões indicam que as empresas de medicamentos originais recorrem a uma série de instrumentos para prolongar a vida comercial dos seus medicamentos. Os resultados do inquérito sectorial sugerem que o comportamento das empresas contribui para atrasos a nível da entrada dos genéricos.

3.2.1. Estratégias de registo de patentes

As conclusões do inquérito sugerem que, nos últimos anos, as empresas de medicamentos originais têm vindo a modificar as suas estratégias no domínio das patentes Em especial os documentos estratégicos destas empresas confirmam o facto de algumas terem visado o desenvolvimento de estratégias destinadas a alargar o âmbito e a duração da proteção conferida pelas suas patentes.

A apresentação de múltiplos pedidos de patentes para o mesmo medicamento (formando os denominados “aglomerados de patentes” – patent clusters – ou “emaranhados de patentes” – patent thickets) é prática corrente. Os documentos recolhidos durante o inquérito confirmam que um objetivo importante desta abordagem é adiar ou bloquear a entrada no mercado dos medicamentos genéricos”25.

Neste contexto, o inquérito conclui que, no limite, os medicamentos individuais podem ser protegidos por quase 100 famílias das patentes específicas ao produto, as quais podem conduzir a 1300 patentes e/ou pedidos de patente pendentes em todos os Estados-Membros26. Não obstante o número mais reduzido de famílias de patentes subjacentes na base dos pedidos apresentados ao IEP, sob uma ótica comercial, um novo operador pode, na ausência de uma patente comunitária, ter de analisar e, eventualmente, aferir a totalidade das patentes existentes e pedidos de patentes pendentes nos Estados-Membros em que a empresa de genéricos pretende entrar27. Quando o número de patentes e, nomeadamente, de pedidos de patentes pendentes é elevado (aglomerados de patentes), tal pode ser fonte de incerteza para os concorrentes produtores de genéricos e afetar a sua capacidade para entrar no mercado28, As afirmações contidas em documentos internos recolhidos no quadro do inquérito sectorial apontam para o facto de os titulares de patentes estarem conscientes de que algumas das suas patentes podem não ser sólidas.

Pôde ser identificado um segundo instrumento utilizado pelas empresas de medicamentos originais, a saber, a apresentação voluntária de pedidos de registo de “patentes fracionadas’, sobretudo perante o IER, organismo junto do qual é apresentada a maioria dos pedidos de patentes no setor farmacêutico. Estes pedidos, que são previstos no direito de patentes como uma forma legítima de dividir um pedido de base (inicial), não podem extravasar o conteúdo do pedido inicial, nem o período de proteção. Podem, contudo, alargar o período de exame por parte do instituto de patentes, uma vez que a análise dos pedidos de patentes fracionadas prossegue mesmo em caso de retirada ou revogação do pedido de base o que, em determinadas condições pode aumentar a insegurança jurídica para as empresas de genéricos. Em 25 de março de 2009, o IEP tomou medidas que limitam as possibilidades e os prazos para a apresentação voluntária de pedidos de registo de patentes fracionadas29.

3.2.2. Contactos e litígios em matéria de patentes

Fazer valer direitos de patente em tribunal é legítimo e constitui um direito fundamental garantido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos: trata-se de um meio eficaz de assegurar o respeito das patentes. Tal como sucede noutros setores, as conclusões do inquérito demonstram, contudo, que os litígios podem igualmente constituir um meio eficaz para criar obstáculos para as empresas de genéricos, nomeadamente, as empresas mais pequenas. Em alguns casos, as empresas de medicamentos originais podem optar por processos judiciais não tanto pelos seus méritos, mas como um sinal dissuasório destinado a desincentivar a entrada no mercado dos seus concorrentes de genéricos.

Tendo em conta as 219 moléculas contidas na amostra, as empresas de medicamentos originais e as empresas de medicamentos genéricos estiveram implicadas, a nível extrajudicial, em pelo menos 1 300 contactos e litígios relacionados com patentes e respeitantes ao lançamento de produtos genéricos no período 2000-2007. A imensa maioria destes litígios foi desencadeada pelas empresas de medicamentos originais, que invocavam quase sempre as suas patentes primárias, por exemplo, através do envio de cartas de advertência.

O número de litígios entre as empresas de medicamentos originais e de genéricos quadruplicou entre 2000 e 2007. No total registam-se 698 casos de litígios relacionados com patentes entre empresas de medicamentos originais e empresas de medicamentos genéricos, no que diz respeito aos medicamentos objeto do inquérito.

Destes, 223 casos foram objeto de acordos e os tribunais proferiram uma sentença definitiva no âmbito de 149 processos. Os restantes 326 casos encontram-se pendentes ou foram retirados. Muito embora tenham sido as empresas de medicamentos originais que desencadearam a maioria destes casos, as empresas de genéricos ganharam 62% destes 140 processos. A duração média dos processos judiciais foi de 2,8 anos, mas variou consideravelmente consoante os Estados-Membros, tendo oscilado entre um período ligeiramente superior a seis meses e mais de seis anos, em outros casos.

Contrariamente às patentes primárias invocadas na fase de litígio pré-judicial, as empresas de medicamentos originais invocaram essencialmente patentes secundárias durante a fase de processo judicial.

Em 30% dos casos, foram intentadas ações judiciais entre as mesmas partes em mais de um Estado-Membro relativamente ao mesmo medicamento. Em 11% das sentenças finais proferidas, dois ou mais tribunais em diferentes Estados-Membros da UE proferiram sentenças finais divergentes no que respeita à mesma questão de validade ou infração de patentes.

As empresas de medicamentos originais solicitaram a adoção de medidas cautelares em 255 processos, o que lhes foi concedido em 112 ocasiões. A duração média das medidas cautelares concedidas foi de 18 meses. Em 46% dos processos no âmbito do quais foram outorgadas medidas cautelares, a ação judicial subsequente saldou-se quer por uma sentença final a favor da empresa de genéricos, quer por acordos aparentemente favoráveis a esta última, uma vez que autorizavam a entrada antecipada por parte da empresa de genéricos e/ou previam a transferência de um montante a favor da mesma. Além disso, verificaram-se inúmeros outros acordos no domínio das patentes, em relação aos quais não é possível fazer um juízo (ou seja, concluir se foram favoráveis à empresa de genéricos ou à de medicamentos originais).

Estima-se que o custo total na UE dos processos judiciais relacionados com patentes de que se tem conhecimento durante o período 2000-2007 no que diz respeito aos 68 medicamentos em causa, excedeu 420 milhões de euros. Uma proporção significativa destes custos poderia ter sido evitada na ausência da duplicação de ações transfronteiras, resultantes da ausência de uma patente comunitária e de um sistema especializado na resolução de litígios no domínio das patentes.”.

O) Como constante da certidão de fls. 241-242, pende ação de nulidade do CCP nº 20 no Tribunal de Comércio de Lisboa.

P) Como constante da certidão de fls. 295, pende ação de nulidade do CCP nº 24 no Tribunal de Comércio de Lisboa.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade supra fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito quanto ao não decretamento das providências cautelares de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos concedidos pelo Infarmed, de intimação do Infarmed a não autorizar ou a não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas às contrainteressadas e de intimação da DGAE, na pessoa do MEE a abster-se de, enquanto a Patente 96799 e o CCP nº 20 estiverem em vigor, fixar os atos de PVP, para os medicamentos em causa [conclusões 5., 6., 7. 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., 28. e 29.]

Veio a recorrente a juízo recorrer da sentença recorrida com fundamento no erro de julgamento de direito em que incorreu ao denegar as providências cautelares requeridas, de suspensão de eficácia dos atos de Autorização de Introdução no Mercado concedidos pelo Infarmed e de intimação à abstenção de conduta do Infarmed e da DGAE, respetivamente, a não autorizar ou a não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas às contrainteressadas e a não proceder à fixação dos PVP.

Conforme decorre do requerimento inicial e da própria alegação do recurso jurisdicional interposto, a recorrente fundamentou o seu pedido nos direitos que emergem da patente PT 96799, que vigorará até 26/06/2013, e do Certificado Complementar de Proteção (CCP) nº 20, que estende o período de proteção da patente até 23/09/2013, de que é titular, bem como nas obrigações que sobre o Estado e sobre os seus órgãos recaem, de não praticar atos que tenham por objeto a infração dos direitos resultantes dessa patente, pelo que, a questão em causa nos presentes autos é a de saber se um ato administrativo que concede a viabilização de entrada de medicamentos genéricos no mercado irá violar uma patente válida, sendo inválido porque ilegal, por violar direitos de propriedade industrial e, por conseguinte, se for concedido deve ser anulado pelo tribunal.

A sentença recorrida indeferiu as providências requeridas com fundamento na não verificação dos pressupostos a que se referem as alíneas a) e b), do nº 1 e do nº 2 do artº 120º do CPTA, decisão que a recorrente não aceita.

A recorrente discorda da decisão proferida, com fundamento, em que um ato administrativo de concessão de AIM a um medicamento, é um ato que viabiliza juridicamente a atividade de comercialização de um medicamento genérico, que irá violar uma patente válida e em vigor, os direitos de exclusivo emergentes da titularidade de uma patente e a violação de normas constitucionais, nomeadamente, os artºs. 62º e 266º, que visam a proteção de um direito fundamental – os direitos de propriedade industrial da recorrente emergentes da patente.

Mais invoca que da emissão da AIM resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade à ação, assim como prejuízos de difícil reparação.

Mostrando-se já apreciado o requisito de decretamento das providências requeridas do fumus bonis iuris, à luz do disposto na alínea a) e na 2ª parte da alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, onde, nomeadamente, relevam os efeitos da entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12/12/2011, a qual “cria um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 182/2009, de 7 de agosto, 64/2010, de 9 de junho, e 106-A/2010, de 1 de outubro, e pela Lei n.º 25/2011, de 16 de junho, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 106-A/2010, de 1 de outubro” (cfr. artº 1º), no sentido de não se poder configurar uma situação de fumus malus iuris, resta apreciar os demais, previstos na alínea b) do nº 1 e no nº 2 do artº 120º do CPTA, referentes ao periculum in mora e à ponderação de interesses, respetivamente.

Vejamos.

Nas situações em que não é evidente a procedência da pretensão material a formular no processo principal, depende a concessão da providência cautelar da verificação do periculum in mora.

Nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 120º, do CPTA, depende a concessão da providência do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou (em alternativa) da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da requerente (periculum in mora) e que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni iuris).

Deste modo, interessa como parâmetro decisório do primeiro segmento do critério previsto na al. b), do nº 1, do nº 120º, do CPTA, respeitante ao periculum in mora, aferir da existência de um perigo de inutilidade da decisão a proferir no processo principal, ainda que meramente parcial, pela constituição de uma situação de facto consumado ou pelo receio de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

Para tanto, deve o julgador proceder a um juízo de prognose ou de probabilidade das razões que determinam o receio de inutilidade da sentença a proferir na ação principal, pelo perigo da constituição de uma situação de facto consumado ou de se produzirem prejuízos de difícil reparação.

No que respeita ao perigo de, sendo a providência recusada, tornar-se impossível ou difícil, proceder à reintegração da situação conforme à legalidade, em caso de procedência do processo principal, este pressuposto relaciona-se com a possibilidade de se produzirem prejuízos de difícil reparação, considerando que, contrariamente ao sentido da “ideia antiga”, como refere J. C. Vieira de Andrade, inA Justiça Administrativa (Lições)”, 5ª edição, pág. 299, não se afere esta dificuldade de reparação à possibilidade de avaliação ou quantificação pecuniária dos danos, mas antes à dificuldade de reintegração da situação que deveria existir caso o ato administrativo não tivesse sido praticado ou executado.

Assim, contrariamente ao entendimento anterior à reforma do contencioso administrativo, não procede à luz do atual regime, para afastar a dificuldade de reparação desses prejuízos, a exigência da irreparabilidade dos danos ou o argumento de os prejuízos serem suscetíveis de avaliação pecuniária ou passíveis de indemnização.

Quanto ao requisito do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, alega a requerente que se a presente providência não vier a ser decretada, as contrainteressadas ficarão administrativamente livres de lançar os genéricos no mercado português e só uma ação declarativa para obtenção de uma ordem judicial para a impedir de comercializar os genéricos seria suscetível de impedir tal situação, demorando cinco ou mais anos até se obter uma decisão judicial final.

Ora, para que se pudesse entender pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, forçoso seria formular um juízo no sentido de a demora do processo principal acarretar na esfera jurídica da requerente uma situação de irreparabilidade dos danos, na ótica de uma reintegração específica, ou por se ter consumado, com a demora da decisão, uma situação de facto incompatível com a sentença a proferir no processo principal, por forma a torná-la inútil, em caso de procedência (neste sentido, J.C. Vieira de Andrade, obra cit., pág. 308).

Isto é, verifica-se o pressuposto do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado quando, à data em que a sentença da causa principal é prolatada, em sentido favorável ao demandante, não seja mais possível a reintegração no plano dos factos, da situação conforme à legalidade que deveria existir se não fosse praticado tal decisão ilegal.

Atendendo à configuração da situação jurídica trazida a juízo e ao tipo de danos que a requerente alega, não é possível assim concluir, no sentido que, caso a requerente venha a obter vencimento na ação administrativa especial de que a presente lide cautelar depende e a providência cautelar requerida não venha a ser concedida, não é possível concluir pela verificação de qualquer situação de facto consumado, impeditiva da reintegração da ordem jurídica.

Assim, concluindo, embora alegue a requerente o fundado receio ou o perigo de consolidação da situação jurídica legitimada pelos atos jurídicos suspendendos, isto é, que caso não seja decretada a providência requerida e, porventura, venha a obter uma decisão no processo principal de conteúdo favorável, se torne impossível ou de grande dificuldade a execução do julgado, não é possível assim concluir.

Sem prejuízo, importa agora atender ao pressuposto da verificação de prejuízos de difícil reparação para os interesses da requerente.

No que concerne ao fundado receito da produção de prejuízos de difícil reparação, alega a requerente que se a providência não vier a ser decretada têm as contrainteressadas franqueado o acesso à atividade ilícita que visam prosseguir, o que causará, tal como configurado em juízo, prejuízos imateriais e materiais.

No que respeita aos danos imateriais alega a requerente ficar impedida dos direitos de exclusivo decorrentes da patente, do uso e fruição do exclusivo da patente e quanto aos danos materiais está em causa a afetação da sua quota de mercado, isto é a diminuição da sua quota de mercado, com a corresponde perda dos lucros associados.

Vejamos.

Antes de mais e como questão preliminar aos danos alegados pela requerente impõe-se analisar mais detalhadamente os contornos do litígio em presença.

Isto porque, encontra-se a apreciação do pressuposto em causa, do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, na dependência de um anterior juízo sobre aquela que constitui a questão essencial em litígio e da adequação e instrumentalidade dos atos suspendendos para a produção dos prejuízos alegados, no sentido de serem os mesmos causa adequada à sua produção.

Para tanto, torna-se necessário conhecer com maior pormenor o recorte normativo do procedimento em causa, de AIM e dos efeitos jurídicos que o mesmo é suscetível de produzir ou não na esfera jurídica da requerente, em contraponto com o tratamento que a dogmática administrativa faz da irreparabilidade dos danos.

Conforme já supra adiantamos, o juízo sobre a dificuldade de reparação dos prejuízos não depende da suscetibilidade ou insusceptibilidade da sua avaliação ou quantificação pecuniária, mas antes mediante a aferição da possibilidade ou não de reintegração específica na esfera jurídica do interessado, da situação que deveria existir caso o ato administrativo não tivesse sido praticado.

Daí extrair-se igualmente o entendimento que nem todos os prejuízos integram o conceito legal de irreparabilidade ou de difícil reparação, situação em que não se encontra justificado o recurso à tutela cautelar.

Atendendo ao que antecede, cumpre, pois, antes de mais, aferir se os atos ora suspendendos têm a aptidão jurídica de produzir os danos ou prejuízos de difícil reparação alegados pela requerente.

Resulta com suficiente clareza dos articulados apresentados pelas partes em juízo, que as mesmas estão de acordo que o procedimento de AIM constitui a primeira das fases ou o primeiro dos procedimentos administrativos que conduzem à introdução de medicamento genérico do mercado, com vista à sua comercialização.

Assim, conforme o que supra já deixamos escrito e as partes alegam, diga-se desde já com o acolhimento do texto da lei, a prática dos atos administrativos de autorização de introdução de medicamento no mercado, não conduz imediatamente à entrada do citado medicamento no mercado, nem tão pouco à sua imediata comercialização – cfr. nº 1 do artº 14º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 182/2009, de 7 de agosto, 64/2010, de 9 de junho e 106-A/2010, de 1 de outubro, e pelas Leis n.ºs 25/2011, de 16 de junho e 62/2011, de 12 de dezembro.

Até que qualquer medicamento genérico entre no mercado é pois forçoso que prossiga dois procedimentos faseados, dos quais o segundo é logicamente dependente do anterior, a saber, o procedimento de autorização de introdução no mercado, previsto na Subsecção I, Secção I, do Capítulo II, nos artigos 14º e seguintes e o procedimento de comercialização, consagrado na Secção I, Capítulo IV, nos artigos 77º e seguintes, do D.L. n.º 176/2006, de 30 de agosto de 2006, distinção esta que ora se encontra acentuada pelo legislador do D.L. nº 176/2006, em relação aos normativos anteriores.

No próprio texto preambular do Estatuto do Medicamento refere-se ainda a preocupação de permitir uma maior oferta e concorrência, no mercado nacional, no que concerne aos medicamentos e ainda os objetivos de consolidação num único diploma do conjunto de matérias até aqui dispersas e de transposição coerente e sistemática das mais recentes diretivas emanadas pelos órgãos competentes da Comunidade Europeia – vide pontos 5 e 7.

Assim, porventura também com a finalidade de dissipar algumas das dúvidas interpretativas da lei anterior, o legislador procurou esclarecer o âmbito dos dois procedimentos administrativos, a autorização de introdução de medicamento no mercado e o de comercialização efetiva (vide alínea l) do nº 1 do artº 3º), o que exige a compreensão dos seus respetivos âmbitos e alcance.

Com base no que antecede é inequívoco que o legislador do atual Estatuto do Medicamento quis acentuar a distinção do procedimento de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos, em relação ao procedimento de comercialização [vide noção na respetiva a alínea nn) do art.º 3º], no sentido de estarmos perante duas decisões distintas, tomadas por entidades administrativas diferentes, a primeira praticada pelo Infarmed, o ato administrativo consubstanciado na autorização de introdução no mercado e a segunda, de comercialização do medicamento autorizado.

Do confronto de um e de outro procedimentos o que resulta inequivocamente é que apenas com a decisão administrativa de fixação do preço de venda ao público do medicamento genérico, tomada pela Direção Geral das Atividades Económicas é que se encontra tal medicamento em condições do ponto de vista do Estatuto do Medicamento, para poder ser comercializado – cfr. nº 1 do artº 1º e nº 1 do artº 4º do D.L. n.º 65/2007, de 14/03, alterado pelo D.L. nº 184/2008, de 05/09, republicado pelo D.L. nº 48-A/2010, de 13/05 e alterado pelo D.L. n.º 106º-A/2010, de 01/10 e pela Lei nº 62/2011, de 12/12, que estabelece o regime de preços dos medicamentos de uso humano sujeitos a receita médica e dos medicamentos não sujeitos a receita médica comparticipados.

Pelo que, só podem ser comercializados no território nacional medicamentos que beneficiem de uma autorização ou de um registo, válidos e em vigor, concedidos pelo Infarmed ou por órgão competente da Comunidade Europeia.

Assim, podemos desde já firmar que, atenta a estanquicidade dos identificados procedimentos administrativos no recorte normativo do D.L. nº 176/2006, de 30/08, muito embora o ato de concessão de AIM constitua um pressuposto essencial e indispensável para a entrada de um medicamento no mercado, não possui, no entanto, a potencialidade de gerar de forma imediata os prejuízos invocados pela requerente, por os mesmos a existirem, só se concretizarem no momento da respetiva comercialização.

E tal é patente no que respeita aos prejuízos materiais invocados pela requerente, pois com a simples prática dos atos em apreciação em juízo não se vislumbram como possam ocorrer quaisquer danos de natureza patrimonial na sua esfera jurídica.

Donde, em concreto em relação aos danos materiais alegados, são os mesmos insuscetíveis de serem considerados como consequência direta, imediata e necessária da prática dos atos de autorização pelo Infarmed, sendo por isso, antes danos mediatos ou meramente indiretos de tais atos administrativos.

Já quanto aos danos imateriais, para a sua análise, importa atender, a par das normas legais contidas no Estatuto do Medicamento, também ao disposto no Código da Propriedade Industrial.

Com efeito, embora se reconheça uma potencialidade lesiva da AIM em relação aos direitos decorrentes da patente invocada pela requerente, tal não se basta para se darem por violados tais direitos imateriais, sendo a solução obtida, quer através do Estatuto do Medicamento, quer pelas normas legais contidas no Código da Propriedade Industrial, isto é, em face do regime jurídico da patente, disciplinado nos artºs. 97º e seguintes do citado Código.

Senão vejamos, tendo presente primeiramente o que estabelece o Estatuto do Medicamento.

Para efeitos de decisão final a proferir sobre o procedimento de AIM, o Infarmed, após a receção do requerimento do interessado, averigua da regularidade da apresentação do requerimento, podendo solicitar ao interessado que forneça, no prazo que fixar para o efeito, os elementos e os esclarecimentos que sejam considerados necessários (cfr. artº 15º e nº 1 do artº 16º).

Concluída a fase de instrução e após a emissão dos pareceres técnicos favoráveis, médico, farmacêutico e de biodisponibilidade e bioequivalência, o Infarmed decide sobre o pedido de autorização de introdução no mercado de um medicamento no prazo de duzentos e dez dias, contados da data da receção do requerimento válido, em conformidade com o disposto no artigo 15º e no n.º1 do art. 16º (cfr. artº 23º do Estatuto do Medicamento).

Com relevo, o nº 1 do art. 25º do Estatuto do Medicamento enumera taxativamente os casos que dão lugar ao indeferimento do requerimento de autorização de introdução no mercado, a saber:

(…) a) O requerimento, apesar de validado, não foi apresentado em conformidade com o disposto no art. 15º;

b) O processo não está instruído de acordo com as disposições do presente decreto-lei ou contém informações incorretas ou desatualizadas;

c) O medicamento é nocivo em condições normais de utilização;

d) O efeito terapêutico do medicamento não existe ou foi insuficientemente comprovado pelo requerente;

e) O medicamento não tem a composição qualitativa ou quantitativa declarada;

f) A relação benefício-risco é considerada desfavorável, nas condições de utilização propostas,

g) O medicamento é suscetível, por qualquer outra razão relevante, de apresentar risco para a saúde pública.”.

Pelo que, a questão da violação ou não dos direitos de propriedade industrial advenientes da patente, apenas poderá assumir relevo na segunda etapa do procedimento, a comercialização do medicamento autorizado e não no âmbito do procedimento de autorização, em que os atos suspendendos foram praticados (cfr. n.º 3 do art. 19º).

Acresce ainda que em face do quadro legal normativo vigente no direito nacional sobre a propriedade industrial, constante do Código da Propriedade Industrial é possível ainda reforçar este entendimento.

A corroborar o entendimento assumido no Estatuto do Medicamento, estabelece o regime substantivo da propriedade industrial que os direitos conferidos pela patente não abrangem os atos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes – cfr. alínea c) do artº 102º do Código da Propriedade Industrial.

E tal como esta mencionada norma legal ressalva, apenas assim não acontece em relação à comercialização, ou melhor, na letra da lei, não obstante o direito conferido pela patente não abranger os ensaios clínicos no âmbito de processos administrativos destinados à aprovação de produtos pelas entidades nacionais competentes, não pode, contudo, iniciar-se a exploração industrial ou comercial desses produtos antes de se verificar a caducidade da patente.

Trata-se afim e ao cabo da solução legal que foi acolhida pelo legislador do atual Estatuto do Medicamento, isto é, fazendo incidir a proteção legal dos direitos conferidos pela patente na fase da comercialização e não a da aprovação ou autorização administrativa de produtos.

Pelo que, em face do bloco da legalidade aplicável, quer das normas do Estatuto do Medicamento, quer das normas do Código da Propriedade Industrial de modo perfunctório é de entender não assistir razão à requerente, donde concluirmos que o procedimento administrativo do qual emerge a prática dos atos de AIM não conduz à violação da patente em vigor.

Porque assim é, o legislador apelando a uma correta compreensão de cada um dos procedimentos administrativos em causa, consagrou a norma legal nos termos da qual a concessão de uma autorização não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular da autorização de introdução no mercado ou do fabricante (cfr. nº 4 do artº 14º), isto é, que se impõe ao titular da AIM, não obstante ser titular dessa concreta AIM, assegurar-se da caducidade da patente para efeitos de início da exploração industrial ou comercial do medicamento genérico autorizado.

Pelo que, em face do enquadramento do Direito aplicável, entendemos ser de afastar a lesão dos danos imateriais invocados pela requerente, por não se vislumbrar que os atos de AIM violem o regime da propriedade industrial consagrado na ordem jurídica nacional.

Concluindo, se por um lado os atos de AIM não podem provocar os danos materiais invocados, já quanto aos danos imateriais, que constituem matéria de Direito e não de facto, atenta a análise e estudo já efetuados do bloco da legalidade aplicável, não é possível concluir como defende a requerente.

Sem prejuízo do todo que antecede e ainda que assim não se entendesse, é nosso entendimento que o não decretamento da providência de suspensão de eficácia requerida, nunca seria de molde a originar prejuízos de difícil ou impossível reparação na esfera jurídica da requerente, pelo que, obtendo a ora requerente uma decisão judicial a seu favor, senão pela via de uma pronúncia condenatória, sempre por via da execução de julgado, teria direito a ver reconstituída a sua situação jurídica, de facto e de Direito, como a existente à data da atuação da entidade requerida julgada ilegal.

Deve pois concluir-se que o não decretamento do ora requerido não compromete a reintegração específica da situação jurídica anterior, decorrente de uma eventual pronúncia de mérito favorável.

Assim, em face do todo que antecede, entende-se que em face do probatório apurado, caso a providência não seja decretada, não existe o perigo de inutilidade da decisão judicial a proferir no processo principal, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com essa decisão, nem tão pouco que ocorram prejuízos de difícil reparação para a requerente.

Muito embora neste juízo, o ónus da prova da requerente se baste com a existência de um grau de probabilidade, não exigindo a lei um grau de certeza, tanto mais que, tratando-se de uma providência de natureza conservatória, essa exigência é menor, o certo é que, nos termos em que a requerente estruturou o pedido e alegou e demonstrou os prejuízos em causa, não se poderá adotar solução divergente.

Embora de conhecimento sumário, balizou o legislador em que termos deve o Tribunal orientar a sua decisão, em função dos critérios estabelecidos, devendo entender-se que não se afigura que pelos atos administrativos se vá originar uma situação de facto consumado, pois que, em qualquer momento, assim o Tribunal na ação principal ou noutras instâncias judiciais porventura a instaurar, decida nesse sentido, poderá a requerente ocupar a posição jurídica que se arroga, com as demais consequências a esse facto inerentes, nem tão pouco que tenha a requerente provado em juízo o fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação, dando-se, com consequência, o pressuposto previsto na primeira parte da alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA, referente ao periculum in mora, por não verificado.


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No que respeita à verificação da segunda parte do critério, que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada (ou a formular) no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, ou seja, o fumus boni iuris), encontra-se o mesmo já apreciado, nos termos que resultam do acórdão do STA.

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Pelo exposto, considera-se não estar preenchido o pressuposto do periculum in mora, previsto na alínea b), que possibilita a concessão da providência requerida, devendo a mesma ser recusada.

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Sem prejuízo, no respeitante ao requisito previsto no nº 2, do artº 120º, do CPTA, isto é, à ponderação dos interesses em presença, ainda que assim não se concluísse, isto é, ainda que se verificasse o preenchimento do pressuposto da alínea b), do nº 1 do artº 120º do CPTA, afigura-se-nos in casu dizer o seguinte.

Os direitos conflituantes que estão em causa, constituem por um lado interesses privados, da requerente e das contrainteressadas e, por outro, o interesse público prosseguido pelo Infarmed.

Desde já firmamos ser nosso entendimento serem maiores os danos que resultariam da concessão da providência requerida, quando comparados com os danos decorrentes da sua recusa.

Remetendo para o probatório apurado não só a prática dos atos cuja suspensão se requer não são aptos a produzir os danos imateriais e materiais alegados pela requerente, como atenta a configuração do litígio, sempre é de entender assumirem igual relevância os interesses da requerente e das ora contrainteressadas, por estarem em causa interesses contrapostos entre si de conteúdo semelhante, pelo que não pode o Tribunal optar por uns em detrimento dos outros, isto é, por esta razão não pode obter maior tutela do Direito uma parte, isto é, a requerente, em detrimento da outra, as ora contrainteressadas.

Por outro lado o que constitui interesse distintivo constitui o interesse decorrente do procedimento administrativo, de natureza pública, destinado à prossecução do interesse público assumido no D.L. nº 176/2006, de 30/08, interesse este que decorre, portanto, ope legis (vide último parágrafo do ponto 5 do texto preambular e nº 1 do artº 4º, do D.L. nº 176/2006, de 30/08 e, de forma igualmente impressiva, o teor da Lei nº 62/2011, de 12/12/2011).

Deve mesmo entender-se que em face da atual situação económico-financeira que o país enfrenta, mostra-se reforçado o interesse público prosseguido com a entrada de medicamentos genéricos no mercado, pelo que, o juízo de ponderação de interesses a que alude o disposto no nº 2 do artº 120º do CPTA, não poderá ser favorável à requerente.

Por fim, não procedendo a presente instância a uma definição definitiva do direito, não será demais aguardar pela resolução definitiva do litígio, para a tutela dos interesses em causa.

Assim, igualmente o aconselha o princípio da proporcionalidade dos interesses em jogo, na sua dimensão de equilíbrio, nomeadamente perante a probabilidade dos danos que podem advir com a concessão das providências requeridas.

No caso sub judice releva, concretamente, a falta de prova produzida sobre o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação na esfera jurídica da requerente.

Pelo que, improcedem as conclusões do recurso, sendo de manter a sentença recorrida, embora com diferente fundamentação.


***

Do mesmo modo se deve entender em relação às providências requeridas em (ii) e em (iii) do pedido, quanto à intimação do Infarmed a não autorizar ou não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas às contrainteressadas, valendo as razões de direito anteriormente expendidas em relação à providência cautelar de suspensão de eficácia.

***

No que respeita à providência requerida na alínea (iv) do pedido, relativa à intimação do Ministério da Economia e Inovação para se abster de, enquanto a patente PT 96799 e a extensão do seu âmbito de proteção garantida pelo CCP 20 se encontrarem em vigor, emitir os PVPs requeridos ou a requerer pelas contrainteressadas ou a abster-se de emitir os referidos atos sem suspender a sua eficácia que termina com a caducidade do CCP 20 dos medicamentos referidos, importa dizer o seguinte.

A providência requerida respeita ao pedido de adoção da providência cautelar de intimação à abstenção de conduta, visando impedir a prática de atos de fixação dos preços de venda ao público dos medicamentos genéricos em causa nos autos.

Nos termos da matéria de facto apurada, resulta que os genéricos em causa não se encontram a ser comercializados e que não forem requeridos os respetivos PVP junto da DGAE [cfr. alíneas J) e L) do probatório], pelo que, não foi promovido por cada uma das contrainteressadas, o procedimento de aprovação de preço de venda ao público dos medicamentos genéricos em causa.

Assim, nada resulta demonstrado donde resulte que exista o fundado receio da violação de normas de direito administrativo na prossecução de tal procedimento administrativo, não ocorrendo o pressuposto essencial típico da tutela cautelar, que consiste o periculum in mora.

Assim, fazendo valer aqui os entendimentos anteriormente explanados sobre a providência cautelar conservatória de suspensão de eficácia dos atos de AIM´s praticados pelo Infarmed, não se encontram razões para deferir o peticionado pela requerente.

Além disso, acrescem duas ordens de razões.

A primeira respeita aos limites da jurisdição dos Tribunais Administrativos, isto é, à competência atribuída a esta ordem de tribunais.

A segunda prende-se com o entendimento anteriormente firmado, relativo à distinção entre o procedimento de autorização de medicamento genérico no mercado e a fase de comercialização.

Os Tribunais Administrativos consideram-se materialmente competentes para apreciar e decidir litígios como o dos autos, na exata medida em que as pretensões da requerente não se fundamentem única e exclusivamente na existência de direitos de propriedade industrial, decorrentes de patente de que seja titular.

Ainda que a requerente se arrogue titular de direitos de propriedade industrial em relação aos medicamentos (substância ativa) e processo de fabrico, o que está verdadeiramente em causa consiste em aferir do respeito e do cumprimento pelas entidades públicas requeridas das regras legais aplicáveis aos procedimentos administrativos de autorização de introdução de medicamento genérico no mercado e de fixação de preço de venda ao público, isto é, na alegada violação de normas legais relativas ao processo de formação e emissão dos respetivos atos administrativos de autorização de introdução no mercado de medicamento e de fixação de preço de venda ao público e decidir se tais procedimentos administrativos, porventura, contendem com a posição jurídica subjetiva que a requerente se arroga em juízo e em face das causas de pedir alegadas.

Para tanto, não constitui objeto da presente lide aferir se a requerente é ou não titular dos direitos conferidos pela patente que invoca, por não consistir esse o objeto do litígio e nem ainda conhecer do regime de caducidade da patente ou conhecer da nulidade dos direitos de propriedade industrial, ou sequer assegurar a tutela de outros direitos das requerente, decorrentes do regime jurídico da propriedade industrial e da titularidade da patente [cfr. alínea O) dos factos assentes, segundo a qual, pende ação de nulidade do CCP nº 20, no Tribunal de Comércio de Lisboa].

Por outro lado, a requerente não logra alegar vícios próprios ao procedimento de fixação de preço de venda ao público, da competência da DGAE, do Ministério da Economia e da Inovação, fundamentando única e exclusivamente o pedido de adoção das providências cautelares requeridas nos invocados direitos de propriedade industrial e na alegação que a entrada no mercado dos medicamentos lhes causará danos.

Isto é, alega os fundamentos das respetivas providências cautelares, sem assacar um qualquer vício próprio ao procedimento da competência do Ministério da Economia e da Inovação.

Assim, a única questão que se mostra alegada é a da invocada titularidade dos direitos decorrentes da patente e do CCP nº 20, sendo certo que esse fundamento mostra-se insuficiente perante os tribunais administrativos para obter a tutela que é requerida, visto não serem estes os competentes para fazer valer os direitos de propriedade industrial de que se arroga a requerente.

Deste modo deve ser entendido, porque além dos direitos invocados, decorrentes da patente, nada mais é invocado pela requerente no que respeita à pretensa ilegalidade da futura e hipotética atuação do Ministério da Economia e da Inovação.

Sem prejuízo, deve ainda dizer-se que apenas com a comercialização efetiva, isto é com a entrada no mercado dos medicamentos genéricos, é possível concluir pela lesão das posições jurídicas subjetivas da requerente e, mesmo assim, condicionada à verificação da validade dos direitos de propriedade industrial de que se arroga em juízo.

A par do procedimento administrativo de AIM, cuja entidade competente é o Infarmed e do procedimento administrativo de fixação de preço de venda ao público, da competência da Direção Geral das Atividades Económicas, do Ministério da Economia e da Inovação, encontra-se regulada a fase de comercialização, no artº 77º e segs. do D.L. nº 176/2006, de 30/08, da competência do Infarmed.

Assim, não é possível defender que de forma imediata, desde logo com a fixação do preço de venda ao público, estão verificados todos os pressupostos para a comercialização efetiva do medicamento, pois nos termos do disposto no nº 2, do artº 77º, do D.L. nº 176/2006, a comercialização de medicamentos tem ainda de observar os requisitos legais previstos no presente diploma para a distribuição por grosso.

Naturalmente que se vai avançando nos procedimentos que são necessários, aproximando-se da fase de comercialização efetiva, mas não é possível associar ao procedimento de fixação de preço de venda ao público, a imediata comercialização do medicamento ou a comercialização efetiva do medicamento e, consequentemente, os danos invocados pela requerente.


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Termos em que, com base nas razões apresentadas, será de indeferir o pedido de intimação à abstenção de conduta contra o Ministério da Economia e da Inovação, relativamente à decisão de fixação de preço de venda ao público, por não verificados os respetivos pressupostos legais.

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Concluindo, será de julgar improcedente o recurso, improcedendo as conclusões que se mostram formuladas contra a sentença recorrida, a qual se mantém, embora com diferente fundamentação.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Na concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamento genérico e de fixação de Preço de Venda ao Público (PVP), não existe o dever de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência, sendo os fundamentos de indeferimento.

II. Tal resulta, quer do Estatuto do Medicamento, quer do ordenamento jurídico comunitário, os quais rejeitam a possibilidade de na concessão de AIM as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas.

III. Não se verificando o requisito do periculum in mora, previsto na alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA, nem a adoção das providências requeridas passar no crivo do critério de ponderação de interesses, a que alude o nº 2 do artº 120º do CPTA, não estão reunidos os pressupostos legais de que depende o decretamento das providências cautelares requeridas.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus respetivos fundamentos.

Custas pela recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)