ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
106/11.0YFLSB
DATA DO ACÓRDÃO 11/10/2011
SECÇÃO CONTENCIOSO

RE
MEIO PROCESSUAL SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
DECISÃO INDEFERIDA A SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

DESCRITORES SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PREJUÍZO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
PROVA INDICIÁRIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROCESSO DISCIPLINAR
SANÇÃO DISCIPLINAR
PENA DE MULTA
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
LEGISLAÇÃO NACIONAL – ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS, ARTIGOS 170º, 178º

– CÓDIGO DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS, APROVADO PELA LEI Nº 14/2002, DE 22 DE FEVEREIRO, ARTIGOS 112º, 120º

– ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, APROVADO PELA LEI Nº 58/2008, DE 9 DE SETEMBRO, ARTIGO 81º

– DL Nº 155/92, DE 28 DE JULHO, ARTIGO 38º
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL
– ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA DE 26 DE JANEIRO DE 2011, PROC. Nº 4/11.8YFLSB, SUMÁRIO DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT

– ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA DE 27 DE MAIO DE 2003, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 2798/03.


SUMÁRIO
1. A suspensão da eficácia de uma deliberação do Conselho Superior da Magistratura que aplicou a pena disciplinar de multa implica a demonstração indiciária de que, no caso concreto, os prejuízos que o requerente sofrerá com a execução imediata se devem ter como irreparáveis ou de difícil reparação.
2. Essa demonstração exige que esteja indiciariamente assente que a execução imediata vai causar um abaixamento drástico do teor de vida do requerente e do seu agregado familiar, cujas consequências não podem ser eliminadas com a anulação da deliberação e a consequente restituição das quantias entretanto pagas.
3. As multas podem ser pagas em prestações, se assim for requerido.
4. Na falta de pagamento integral e de pedido de pagamento em prestações, procede-se a descontos na remuneração; estes descontos não podem, todavia, exceder a sexta parte da remuneração.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Em 24 de Outubro de 2011, AA veio requerer a suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 12 de Julho de 2011, que lhe aplicou a pena de 55 dias de multa pela prática de diversas infracções disciplinares, por violação dos deveres de administrar justiça, de prossecução do interesse público e de zelo.

Em síntese, alegou que a execução imediata da referida deliberação causará, “à Recorrente e às suas filhas, um prejuízo irreparável ou, pelo menos, de muito difícil reparação” (artigo 170º do Estatuto dos Magistrados Judiciais), uma vez que as despesas que tem de realizar todos os meses “lhe absorvem, normalmente, a maior parte do seu rendimento mensal”, considerando o seu vencimento líquido de “cerca de € 3.800,00” (doc. 1) e a pensão de alimentos de € 200,00 (doc. 2), recebida para as duas filhas menores.

Para o demonstrar, discriminou as despesas fixas mensais (renda de casa, docs. 3 e 4, electricidade, doc. 5, gás, doc. 6, água, doc. 7, televisão e internet, doc. 8, despesas regulares de saúde com uma das filhas, doc. 9, engomadoria e limpeza da casa, doc. 10, alimentação, saúde, combustíveis, telemóvel, vestuário, material e livros escolares e jurídicos, explicações), alegando que montam à “quantia média mensal de € 3.054,35”, e afirmou que ainda suporta “muitos outros gastos adicionais”, apresentando como exemplo os que respeitam à manutenção do automóvel.

Citou jurisprudência deste Supremo Tribunal relativa aos requisitos de suspensão de eficácia – os acórdãos de 12 de Abril de 2005 (proc. nº 1150/05, e não 4334/01), de 14 de Setembro de 2006 (proc. nº 3071/06, e não 3087/06) e de 25 de Junho de 2009 (proc. nº 340/09.3YFLSB, e não 452/08), cujos sumários se encontram disponíveis em www.stj.pt., concluindo que “já se decidiu, em casos semelhantes, que existe, em abstracto, fundamento para a aplicação da suspensão e, aliás, mesmo em situações em que a sanção aplicada (em termos de dias de multa) até foi bem inferior à da Recorrente, não se vislumbram quaisquer razões para que a mesma decisão não deva ser tomada em relação à Recorrente”.

Em seu entender, no caso, mostram-se “mais do que verificadas, em concreto, e nos termos expostos, as exigências de manutenção da remuneração mensal da Recorrida [Recorrente], na medida em que a privação da mesma é susceptível de colocar em causa a satisfação das necessidades básicas da Recorrente e do seu agregado familiar (composto pelas suas filhas), bem como de obstar ao pagamento de todas as outras despesas mensais (em especial, a renda da casa), com todas as consequências inerentes)”, uma vez que os € 200,00 de pensão de alimentos são manifestamente insuficientes para as satisfazer.

2. Notificado para o efeito, o Conselho Superior da Magistratura veio responder que “não pretende discutir o que, na alegação da requerente, parece consubstanciar um prejuízo de difícil reparação: as dificuldades económicas que a privação imediata do seu vencimento lhe causará e as dificuldades para o cumprimento de diversas obrigações pecuniárias daí decorrente” e que, “nestes termos, entende (…) nada dever opor à pretensão” de “não execução imediata da deliberação (…)”.

3. De acordo com o que este Supremo Tribunal observou já, por diversas vezes, nomeadamente em acórdãos recentes (acórdãos de 16 de Dezembro de 2010, proc. nº 157/10.2YFLSB, de 26 de Janeiro de 2011, proc. nº 4/11.8YFLSB, de 2 de Março de 2011, proc. nº 18/11.8YFLSB, ou de 24 de Maio de 2011, proc. nº 48/11.0YFLSB e proc. nº 51/11.0YFLSB, sendo que se encontra publicado em www.stj.pt o sumário do acórdão de 26 de Janeiro de 2011), é aplicável ao presente pedido de suspensão de eficácia o disposto no artigo 170º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e nos artigos 112º, nº 2, a) e 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei nº 14/2002, de 22 de Fevereiro (cfr. artigo 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais).

Não está em causa a “impugnação de um acto manifestamente ilegal” (cfr. cópia da deliberação impugnada, junta com o requerimento de suspensão de eficácia), nem ocorre nenhuma das demais hipóteses previstas na al. a) do citado artigo 120º, que justificam por si sós que a suspensão seja decretada.

Assim, é ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 170º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na al. c) do nº 1 do artigo 120º (a requerente pretende a antecipação provisória da decisão de anulação da deliberação que impugna) e no nº 2 do mesmo artigo 120º que o pedido de suspensão tem de ser decidido.

No caso presente, todavia, nem releva saber se, para ser decretada a suspensão de eficácia requerida, basta ou não o preenchimento do requisito, previsto no nº 1 do artigo 170º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, de que “a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação”, pressuposto em que assenta o pedido da requerente; nem tão pouco determinar se, a ter ainda aplicação o disposto no nº 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, se trata de uma providência conservatória ou antecipatória.

Com efeito, não pode considerar-se nem indiciariamente assente que os prejuízos que a requerente sofrerá com a imediata execução da deliberação se devam ter como irreparáveis ou de difícil reparação, no sentido legalmente exigido.

É certo que, em abstracto, a circunstância de estar em causa uma condenação no pagamento de uma quantia em dinheiro, correspondente à pena de multa aplicada – e de, nessa medida, ser susceptível de avaliação pecuniária o prejuízo correspondente – não exclui, por si só, a conclusão de que a sua imediata execução possa causar prejuízos que assim se devam qualificar.

Mas cumpre sempre demonstrar, pelo menos indiciariamente, que, no caso concreto, a privação de rendimentos decorrente da aplicação da pena disciplinar é apta a “pôr em risco a satisfação de necessidades básicas do requerente ou do seu agregado familiar, ou (…), de qualquer modo, (…) [a] implicar um drástico abaixamento do seu teor de vida, devendo, na avaliação desse risco, (…) ponderar os factos previsíveis, relacionando-os com a resistência e o quantitativo de outros rendimentos”, nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Maio de 2003, www.dgsi.pt, proc. nº 2798/03, nomeadamente citado pelo já referido acórdão de 26 de Janeiro de 2001 (proc. nº 4/11.8YFLSB).

Na verdade, um tal abaixamento drástico pode ter consequências que nem a eventual anulação da decisão disciplinar e a consequente restituição das quantias entretanto pagas consiga eliminar; pense-se, apenas como exemplo, em eventuais repercussões na vida escolar dos filhos, na saúde dos elementos do agregado familiar ou numa hipotética perda da casa de habitação.

4. Ora, ainda que se adoptasse o critério enunciado pela requerente – que se reconduz à comparação entre a sua remuneração mensal, acrescida da pensão de alimentos, e as despesas mensais do agregado familiar, o que não é necessariamente equivalente ao confronto entre o rendimento global ou a situação patrimonial da requerente e essas mesmas despesas –, a verdade é que não se pode dar como verificado o requisito em análise.

Segundo o que agora releva do regime aplicável à execução das penas disciplinares de multa, constante do artigo 81º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, e do artigo 38º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, o pagamento da multa pode ser efectuado em prestações mensais, se assim tiver sido requerido; só na falta de pagamento integral ou deste requerimento para pagamento em prestações é que se procede a descontos na remuneração, e sempre com o limite previsto no nº 2 do citado artigo 81º: “em prestações mensais que não excedam a sexta parte da remuneração” (para o nº 2 do artigo 91º do Decreto-Lei nº 28/84, de 16 de Janeiro, o limite era de um quinto).

Tanto basta para que não possa proceder a suspensão requerida. No limite, só lhe poderia ser imposta a privação de 1/6 da sua remuneração.

Independentemente de saber quais os componentes da remuneração constante do doc. 1 é que contam para o cálculo da multa, não procede, pois, a alegação de que a execução imediata da pena apenas deixaria à recorrente, “para fazer face às despesas deste concreto agregado familiar”, os € 200,00 de pensão de alimentos.

5. A requerente cita decisões deste Supremo Tribunal, atrás identificadas, que, nas suas palavras, demonstram que “já se decidiu, em casos semelhantes, que existe, em abstracto, fundamento para a aplicação da suspensão e, aliás, em situações em que a sanção aplicada (em termos de dias de multa) até foi bem interior à da Recorrente (…)”.

Refere-se em especial à que foi apreciada no acórdão de 12 de Abril de 2005 (proc. nº 1150/05), cujo sumário, disponível em www.stj.pt, relata estar em causa uma pena de suspensão do exercício de funções por 15 (quinze) dias.

Na realidade, e consultado o texto do acórdão, não publicitado, verifica-se ser de 150 (cento e cinquenta) dias a pena aplicada.

Seja como for, e sendo sempre necessário ter em conta que, no caso, a pena implicava o não pagamento do vencimento (a “privação do vencimento”, em sentido estrito), cumpre observar que, para saber se ocorre ou não insusceptibilidade ou dificuldade de reparação do prejuízo, não tem cabimento confrontar duas situações, tomando apenas como termo de comparação o quantitativo da remuneração perdida ou afectada pelo pagamento da multa. Trata-se de um requisito que só em concreto pode ser aferido, o que obriga a uma consideração conjunta da medida da pena e da situação patrimonial em que especificamente se encontra o requerente.

Esta mesma observação se pode dirigir ao confronto com os demais acórdãos citados.

6. Torna-se pois desnecessário indagar sobre o preenchimento (e alegação) dos demais requisitos previstos no artigo 120º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

7. Nestes termos, indefere-se a suspensão de eficácia requerida.

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 ucs.

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Novembro de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Fonseca Ramos

Oliveira Vasconcelos

Isabel Pais Martins

Fernanades da Silva

Paulo Sá

Maia Costa

Henriques Gaspar