ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2313/07.1TBSTR-B.E1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/20/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR TAVARES DE PAIVA

DESCRITORES EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
BEM IMÓVEL
DIREITO DE RETENÇÃO
REGISTO
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
ACÇÃO DECLARATIVA
CASO JULGADO
EFEITOS DA SENTENÇA
TERCEIRO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
ÁREA TEMÁTICA DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 754.º, 755.º, 759.º,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 814.º, 815.º, 866.º, 868.º
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/10/1989, BMJ 390-363;
-DE 1/2/1995, CJ, ANO XIII, TOMO I, 55;
-DE 20/5/2010, WWW.DGS.PT ;
-DE 17.04 ACESSÍVEL IN WWW.DGSI.PT .


SUMÁRIO
I - O direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que tenha sido registada anteriormente, de harmonia com o preceituado no art. 759.º, n.º 2, do CC.

II - O direito de retenção é conferido para assegurar o reembolso de despesas feitas sobre o imóvel, que contribuíram para conservar ou para aumentar o respectivo valor e nessa medida não prejudica os credores hipotecários, porquanto sem essas despesas o objecto da hipoteca poder-se-ia ter perdido ou deteriorado e evita também que o credor hipotecário se locuplete à custa do terceiro (titular do direito de retenção) que realizou as despesas.

III - A sentença proferida em sede de acção declarativa que reconheça ao exequente a existência do direito de retenção não constitui caso julgado contra o credor hipotecário, que não interveio nessa acção, não lhe sendo por isso oponível, embora não pondo em causa a validade do crédito hipotecário, o certo é que afecta a sua consistência, por oneração do património do devedor, opondo-se ao direito de um terceiro juridicamente interessado, incompatível, em alguma medida, com o direito de retenção sobre a coisa hipotecada.

IV - E, por isso, não tendo o credor hipotecário, em sede de reclamação de créditos, deduzido qualquer impugnação ao crédito garantido pelo direito de retenção, conforme lhe competia e com base em qualquer outro fundamento, para além dos elencados nos arts. 814.º e 815.º, do CPC, dever-se-á ter como reconhecido o crédito assente nesse direito de retenção e graduá-lo em conformidade com os n.os 2 e 4 do art. 868.º do CPC, tendo em conta o preceituado no art. 759.º, n.º 2, do CC.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I-Relatório

   Por apenso à execução que AA e BB movem a  CC Ldª  vieram a ser reclamados os seguintes créditos:

Pelo Banco Espírito Santo SA o crédito no valor de €71.293,00 a título de capital, resultante de um mútuo, acrescido de juros vencidos no valor de € 1.533,60 calculados à taxa de 10,342% ao ano de juros vencidos e vincendos contados desde 20.09.2008 e calculados à taxa supra referida;

 Pela Caixa Geral de Depósitos SA o crédito no valor de €216.000,00 acrescida de juros contados desde 23.09.2008 e calculados à taxa de 15,45% e de imposto de selo;

 Pelo MP, em representação do Estado Português:

  - € 18,18, €18,18, € 145,45, € 26,70 e € 231,00 provenientes de Imposto Municipal sobre Imóveis, a primeira prestação de 2005 e inscrita para cobrança em 2006 , referentes aos prédios inscritos na matriz sob os arts. 00000, 0000000,0000000, 00000 e 00000, da freguesia de Marvila, acrescida de juros de mora desde 1.05.2006.

 
- €18,18, €18,18, €145,45, € 26,70 e € 221,00 provenientes de Imposto Municipal sobre Imóveis, da segunda prestação de 2005 e inscrita para cobrança em 2006, referentes aos prédios inscritos na matriz sob os arts. 00000, 00000, 000, 0000 e 00000, da freguesia de Marvila, acrescidos de juros de mora desde 01. 10.2006,
- €18,73, €18,73, €149,82, € 26,70 e € 221,00 provenientes de imposto municipal sobre imóveis, a primeira prestação de 2006 e inscrita para cobrança em 20000, 000000, 00000 e 0000, da freguesia de Marvila, acrescidos de juros de mora desde 01.05.2007,
- €18,72, €18,72, €149,81, € 26,70 e € 221,00 provenientes de imposto municipal sobre imóveis, da segunda prestação de 2006 e inscrita para cobrança em 2007, referentes aos prédios inscritos na matriz sob os arts. 2743-8, 00000, 0000, 00000 e 00000, da freguesia de Marvila, acrescidos de juros de mora desde 01. 10.2007,
- €18,73, €18,73, €149,82, €27,70 e €229,29 provenientes de imposto municipal sobre imóveis, a primeira prestação de 2007 e inscrita para cobrança em 2008, referentes aos prédios inscritos na matriz sob os arts. 00000, 00000, 00000, 00000 e 000000, da freguesia de Marvila, acrescidos de juros de mora desde 01.05.2008.

Cumprido o disposto no art. 866 do CPC, nenhuma contestação foi deduzida.

Foi proferida sentença, reconhecendo os créditos reclamados e graduando-os nos seguintes termos:

« A-  Sobre as fracções autónomas designadas pelas letras «P» e «C» descritas na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob os n. "'s 00000 e 00000, respectivamente:
1. crédito reclamado pelo Ministério Público a título de imposto municipal sobre imóveis e respectivos juros de mora;
2. o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos e respectivos juros de mora até ao limite de três anos;
3.  o crédito exequendo.
B-  Sobre as fracções autónomas designada pelas letras «H», «B» e «C» descritas na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob os n."'s 000000, '" 00000 e  00000, respectivamente:
1. crédito reclamado pelo Ministério Público a título de imposto municipal sobre imóveis e respectivos juros de mora;
2.  o crédito reclamado pelo Banco Espírito Santo, SA e respectivos juros de mora até ao limite de três anos;
3. o crédito exequendo».
       
Os exequentes não se conformaram com esta sentença da 1ª instância e interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, concedendo provimento parcial da apelação, revogou a sentença na parte em que procedeu à graduação dos créditos a satisfazer por conta das fracções autónomas designada pelas letras «H», «B» e «C» descritas na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o s nºs 00000, “00000 e 00000, graduando estes nos seguintes termos:
1. Crédito reclamado pelo MP a título de imposto municipal sobre imóveis e respectivos juros de mora;
2.  O crédito exequendo;
3. O crédito reclamado pelo Banco Espírito Santo SA e respectivos juros de mora até ao limite de três anos;
E no restante manteve o decidido na sentença da 1ª instância.

            O Banco Espírito Santo SA não se conformando com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora e interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.

            O recorrente formula as seguintes conclusões:

1- O recorrente não foi demandado nem teve qualquer intervenção nos autos principais, pelo que a sentença que reconheceu o direito de retenção aos exequentes é-lhe inoponível;
2- O recorrente é um terceiro juridicamente interessado porquanto a sentença proferida nos autos principais traz-lhe é um verdadeiro prejuízo jurídico ao esvaziar a consistência jurídica da hipoteca consagrada pelo artigo 686º do Código Civil;
3- O dano que a sentença proferida nos autos principais traz ao recorrente é um verdadeiro prejuízo jurídico visto que, ao prejudicá-lo economicamente ( em moldes, na prática, totais)esvazia de interesse a hipoteca apesar de não a afectar formalmente ( a sua validade e/ou sua existência)
4- O conteúdo do direito do credor hipotecário é completamente reduzido uma vez que a sua posição é incompatível com o direito de retenção; caso o produto da venda do imóvel não seja suficiente para satisfazer ambos os créditos, só um deles será ressarcido
5-  Do acórdão recorrido resulta a nulificação da hipoteca, na prática de nada serve ao credor a cautela de ter obtido uma garantia real - na prática, o artigo 686º do Código Civil é transformado em letra morta.
6-  Manter o douto acórdão proferido prejudica directamente o recorrente e causa um prejuízo à colectividade, na medida em que ao fragilizar a solidez do crédito hipotecário, aumenta o risco, com todas as inerentes consequências em todo o processo de concessão de crédito ( a sociedade , como um todo, nada ganha com esvaziamento de utilidade das normas do Código Civil que regulam a hipoteca como garantia real, com eficácia erga omnes).
7-  A inoponibilidade implica a impossibilidade de o crédito exequendo ser graduado com preferência sobre o crédito hipotecário
8-  Pelo que a aplicação dos artigos 755nº1 al. f) e 759 nº2 do Código Civil não pode ser literal
9-  Nestes termos, o douto acórdão do qual se recorre violou os artigos 686º do Código Civil e artigo 671 nº1 do CPC.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, assim, revogado o douto Acórdão da Relação proferido .

Os exequentes apresentaram contra - alegações, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.

 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

 II- Fundamentação:

    As instâncias consideraram assentes os seguintes factos:
      
     «- fracção autónoma designada pela letra ((P» descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n. º 000000 e inscrita na matriz sob o artº. 000000
- fracção autónoma designada pela letra C descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 000000 e inscrita na matriz sob o artº. 00000;
- fracção autónoma designada pela letra H descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 00000 e inscrita na matriz sob o art.º.000000,
- fracção autónoma designada pela letra B descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 000000 e inscrito na matriz sob o art.º. 000000,
- fracção autónoma designada pela letra C descrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº 00000 e inscrito na matriz sob o art.º.00000.
- o crédito reclamado pelo Estado a título de imposto municipal sobre imóveis (IMI), goza de privilégio creditório imobiliário especial (cfr. art.º. 744º, nº 1, do Cód Civil) e de igual privilégio gozam os juros de mora - cfr. art. 10º, do D/L n.º 49168 de 05.08. 1969, o qual dispõe que «as dívidas provenientes de juros de mora gozam dos mesmos privilégios que por lei sejam atribuídas às dívidas sobre que recaírem», eliminando assim a limitação temporal quanto aos juros de mora que resultaria do disposto no art.º 734º, do Cód Civil».
- o crédito reclamado pelo Banco Espírito Santo, SA goza de hipoteca constituída sobre as fracções «H», «B)) e «C)) descritas na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob os nºs 00000, 00000 e 000000 respectivamente, a qual se encontra registada pela ap. 0000000.
- o crédito reclamado pela Caixa Geral de Depósitos, SA goza de hipoteca constituída sobre as fracções «p) e «C) descritas na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob os n.ºs00000 e 0000, respectivamente, a qual se encontra registada pela ap. 46/191101.
- o crédito do exequente está garantido pela penhora».

Apreciando:

            A questões suscitadas no presente recurso consistem fundamentalmente em  saber se o direito de retenção que foi reconhecido em sentença proferida em acção declarativa e transitada em julgado, pode ser  oponível ao credor hipotecário, a ponto de ser graduado à frente do crédito que beneficia de hipoteca e a outra prende-se com o facto de o credor reclamante, aqui, recorrente, não ter deduzido qualquer impugnação ao direito de retenção em sede da própria reclamação de créditos, não obstante ter sido notificado  nos termos do art. 866 do CPC, circunstância que implica o reconhecimento do crédito assente no direito de retenção e  a sua consequente graduação em  observância do comando do art. 759 nº 2 do C. Civil.

            Conforme se colheu dos autos e foi referenciado no Acórdão recorrido o direito de retenção que incide sobre as fracções «H», «B» e «C» descritas na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o s nºs 00000,000000 e 00000 consta do título oferecido à execução, a sentença em que esse direito é reconhecido, conforme salienta o Acórdão recorrido.
 
            No que concerne ao crédito do reclamante o Banco Espírito Santo SA  goza de hipoteca constituída sobre as fracções «H», «B» e «C»  descritas na Conservatória do Registo Predial de Santarém  sob os nºs 0000000, 0000000 e 000000, respectivamente,  a qual se encontra registada pela ap. 0000000.

 O direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deve ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfazer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela - arts. 754º e 755 do C. Civil .
Trata-se de um direito real de garantia – que não de gozo - em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma conexão eleita pela lei, e não por exemplo da própria natureza da obrigação, representa uma garantia directa e especialmente concedida pela lei ( cfr. Ac. do STJ de 17.04 acessível in www.dgsi.pt ).
            A propósito do âmbito do direito de retenção sublinhe-se desde que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito de garantia, válido erga omnes ( cfr. Calvão da Silva in “ Cumprimento e Sanção Pecuniária  Compulsória “ 339 e segs. ;  Vaz Serra “ Direito de Retenção”  in BMJ 65º- 103 e segs).
            Sobre a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca in Garantia das Obrigações, Almedina  ( publicações dos trabalhos do Mestrado - Trabalho de Belchior do Rosário Loya e Sapuile)  com Coordenação do Prof. Sinde Monteiro escreveu-se : “ O carácter singular e controverso do direito de retenção no confronto com a hipoteca resulta, sem dúvida, do disposto no nº2 do art. 759 através do qual a lei atribui prevalência sobre esta, ainda que tenha sido registada anteriormente “.
Não reentrando o direito de retenção no âmbito dos privilégios creditórios imobiliários especiais( arts. 755º nº3 , 746º e 751º) o legislador ao acordar ao titular do direito de retenção a prevalência sobre a hipoteca, introduziu uma dupla excepção : por um lado, à hierarquia dos credores e, por outro lado, ao princípio da prioridade de registo.”
  
    
            Ora, no caso dos autos o crédito em que assenta o reconhecido direito de retenção não foi impugnado pelo credor reclamante, aqui, recorrente em sede da reclamação de créditos.
            É certo que a regra da eficácia relativa do caso julgado, isto é, a de que a sentença só tem força de caso julgado entre as partes, só vinculando o Juiz em novo processo, se estas forem as mesmas que  o anterior .( Cfr. Manuel Andrade , Noções Elementares de Processo Civil , 1976 , 308) .

            A propósito da extensão do caso julgado a terceiros não intervenientes no processo o Ac. deste STJ de de 20.05.2010 acessível in www.dgs.pt   escudando-se   no Prof. Manuel Andrade in  Noções  Elementares de Processo Civil  referiu que   “ sendo certo que o caso julgado só produz em princípio efeito entre as partes , é por vezes , extensivo a terceiros , que não podem alhear-se dos efeitos de sentenças transitadas e proferidas em processos nos quais não são intervenientes e da correspondente definição jurídica da relação material controvertida, desde que sobre  eles possam repercutir-se esses efeitos, ou seja, quando a sentença não lhes cause qualquer prejuízo jurídico, porque deixa íntegra a consistência jurídica do seu direito, embora lhes cause um prejuízo de facto ou económico”.
            E o citado Acórdão deste Supremo adianta que é o que pode acontecer com as pessoas que a doutrina qualifica como terceiros, juridicamente, indiferentes, como acontece com os credores, relativamente às sentenças proferidas nos pleitos em que seja parte o seu devedor, sujeito de relações conexas, a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico, na medida em que não afecta, nem a existência, nem a validade, nem o conteúdo ou efeitos do seu direito, embora lhe possa causar prejuízo de facto ou económico.

             É certo que o reclamante Banco Espírito Santo SA, recorrente, não interveio na acção declarativa em que foi reconhecido o direito de retenção, mas quando teve oportunidade par o fazer ao abrigo do art. 866 do CPC nada alegou nomeadamente sobre eventual prejuízo jurídico, ou prejuízo de facto.
             E  para isso não basta alegar sem sustentabilidade fáctica, como  o recorrente faz, nomeadamente sob as conclusões 2ª e 3ª das suas alegações de recurso.

            A propósito desta questão o citado Ac do STJ de 20.5.2010 conclui a sentença que reconheceu ao exequente o direito de retenção sobre o imóvel penhorado não forma caso julgado quanto à reclamante, sendo-lhe consequentemente inoponível, porque isso equivaleria a criar um direito, em desfavor desse credor, sem que o mesmo tivesse a possibilidade de defender a prioridade do seu crédito, até contra eventuais conluios  existentes entre as partes naquela acção. ( Crf.  neste sentido também o Ac deste Supremo de 1/2/1995 in CJ Ano XIII Tomo I 55)
            O Acórdão alinha os seguintes fundamentos para essa conclusão:
“ Muito embora a aludida sentença não ponha em causa a existência ou a validade do direito hipotecário da reclamante, não se limita a afectar a sua consistência prática, face á restrição ou redução do património executado , porquanto se confronta com o direito de um  terceiro, juridicamente , interessado, de algum modo incompatível com o direito de retenção reconhecido ao exequente, afectando-lhe a sua consistência jurídica”.
 Com efeito, se não existisse o direito de retenção, a hipoteca conferia á reclamante… , o direito de ser paga pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas , pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo , atento o disposto pelo art. 686 nº1 , enquanto o direito de retenção em análise prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada, anteriormente , como decorre do preceituado pelo artigo 759º nº2 do C. C.
É que a concorrência de um crédito hipotecário com um prédio garantido pelo direito de retenção não se situa no mesmo plano do crédito comum que vê reconhecido outro crédito comum, hipótese esta que a concorrência entre ambos se efectua, em igualdade de circunstâncias, e em que o único prejuízo do primeiro se traduz em poder não ser totalmente, pago, tendo de ratear com o outro crédito o produto da garantia patrimonial do devedor, ao passo que, naquela primeira situação, se verifica uma graduação entre tais créditos, com prevalência do segundo, podendo inclusivamente, acontecer que, pago este crédito, nada reste já para satisfazer o crédito hipotecário.
Aliás, mesmo antes deste possível prejuízo económico, já existia um efectivo prejuízo jurídico, na medida em que o valor potencial da hipoteca foi, desde logo, diminuído, com a declaração da existência do direito de retenção, que ficou numa ordem preferente, em relação ao crédito hipotecário.

Também o Ac. do STJ de 10.10.1989, BMJ 390-363 tirou o seguinte sumário:
I-O direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente , de harmonia com o preceituado no art. 759 nº2 do C. Civil II- A sentença que reconheça ao exequente o direito de retenção sobre a coisa penhorada, não é oponível ao credor hipotecário, pois ainda que não ponha em causa a existência e validade do crédito hipotecário, afecta a sua consistência prática, por redução do património do devedor , opondo-se ao direito de um terceiro juridicamente interessado, incompatível , em alguma medida, como direito de retenção sobre a coisa hipotecada  (e penhorada na execução).

            Ainda a respeito da prevalência do direito de retenção e protecção de terceiros refere o  Estudo acima citado ( Direito das Obrigações, Almedina)  que é fundamental realçar que a preferência acordada ao retentor não é  em função da publicidade do título executivo, que é essencial no processo de execução, como se ausência de registo comportasse a perda do direito, mas em função da garantia exclusiva do crédito do retentor face à hipoteca anterior, porque se não lhe fosse conferida a prevalência , tal situação teria dado lugar ao enriquecimento sem causa do credor hipotecário à custa do retentor. A este propósito e citando os Profs. Pires de Lima e A. Varela anotam:
            O direito de retenção é conferido para assegurar o reembolso de despesas feitas com o imóvel, que contribuíram para o conservar ou para aumentar o respectivo valor. Bem vistas as coisas, o direito de retenção nestes termos não prejudica os credores hipotecários, pois, sem as despesas realizadas por terceiro (titular do direito de retenção) o objecto da hipoteca ter-se-ia perdido ou deteriorado, ou não teria aumentado de valor, na hipótese de as despesas se haverem traduzido na realização de benfeitorias úteis…
 O direito de retenção não é só não é injusto, como evita que o credor hipotecário se locuplete à custa do terceiro que realizou despesas (…) com a coisa hipotecada.”
    
    
             A esta prevalência do direito de retenção nos termos que deixamos expostos, acresce ainda, no caso dos autos, o circunstancialismo do reclamante quando teve oportunidade para o fazer nos termos do citado art. 866 nada o fez, pelo que o crédito que  teve como base o direito de retenção, foi reconhecido e graduado em conformidade com o art. 868 nºs 2 e  4 do CPC com referência ao nº2 do art. 759 do C. Civil .

            Efectivamente, as reclamações podem ser impugnadas, pelo exequente e pelo executado no prazo de 15 dias, a contar da respectiva notificação, e, em igual prazo  gozam os restantes credores da faculdade de impugnar os créditos garantidos por bens sobre os quais tenham invocado, também qualquer direito real de garantia , incluindo o crédito exequendo,  bem como as garantias reais invocadas , quer pelo exequente, quer pelos outros credores , com fundamento em qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência  ( cfr. arts. 866 nºs 2,  e 4 do CPC).

            No caso dos autos o reclamante, aqui recorrente, embora não abrangido pelo eficácia do caso julgado formado na acção declarativa, notificado em conformidade com o citado art. 866 não deduziu qualquer impugnação ao direito de retenção, como o deveria ter feito e com base em qualquer outro fundamento, para além dos constantes dos artigos 814º e 815º do CPC, pelo que os termos do nº2 e 4 do art. 868 do CP C , não havendo qualquer impugnação, nem lugar a qualquer produção de prova , ter-se-ão como reconhecidos os créditos e respectivas  garantias reais, proferindo-se sentença que os gradue.

             Foi o que fez o Acórdão recorrido em observância ao preceituado no art. 759  nºs 1 e 2 do CC , não merecendo, por isso, qualquer censura.

            Em conclusão:

1- O direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente de harmonia com o preceituado no art. 759 nº2 do C. Civil.
2- O direito de retenção é conferido para assegurar o reembolso de despesas feitas  sobre o imóvel, que contribuíram para o conservar ou para aumentar o respectivo valor  e nessa medida não prejudica os credores hipotecários , porquanto sem essa despesas o objecto da hipoteca poder-se-ia ter perdido ou deteriorado e evita também que o credor hipotecário se locuplete à custa do terceiro ( titular de direito de retenção) que realizou as despesas       

3- A sentença proferida em sede de acção declarativa que reconheça ao exequente  a existência do direito de retenção não constitui caso julgado contra o credor hipotecário, que não interveio nessa acção, não lhe sendo por isso oponível, embora não pondo em causa a validade do crédito hipotecário, o certo é que afecta a sua consistência , por oneração do património do devedor, opondo-se ao direito de um terceiro juridicamente interessado, incompatível em alguma medida  com o direito de retenção sobre a coisa hipotecada.
4-  E, por isso, não tendo o credor hipotecário reclamante em sede de reclamação de créditos, não obstante ter sido notificado em conformidade com o art. 866 do CPC, deduzido qualquer impugnação ao crédito garantido pelo direito de retenção, conforme lhe competia e com base em qualquer outro fundamento, para além dos elencados nos artigos 814º e 815 do CPC , dever-se á ter como reconhecido o crédito assente nesse direito de retenção e graduá-lo em conformidade com os nºs 2 e 4 do art. 868 do CPC, tendo em conta o preceituado no  art. 759 nº  2 do C. Civil.

III- Decisão:

 Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.

 Custas da revista pelo recorrente.

 Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Outubro de 2011


Tavares de Paiva (Relator)
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva