ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
1552/07.0TBOAZ-E.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/03/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL AGRAVO
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SERRA BAPTISTA

DESCRITORES TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
HIPOTECA
PRESTAÇÕES FUTURAS

SUMÁRIO 1. Toda a execução tem de ter por base um título executivo, pelo qual se determina o seu fim e limites.

O título executivo é, assim, pressuposto de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente. Não havendo execução sem título.

2. A alínea b) do art. 46.º do CPC confere exequibilidade aos documentos exarados ou autenticados por notário que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação, exigindo-se, para que tais documentos sejam título executivo (negocial), que formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, que sejam fonte de um direito de crédito ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída.

3. Alargando o art. 50.º do citado diploma legal a exequibilidade dos mesmos documentos àqueles em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras.

4. Devendo o documento complementar, exigido pelo referido art. 50.º, ser emitido em conformidade com o documento exarado no notário ou autenticado, obedecendo às condições nele estabelecidas.

Sendo a forma desse documento livremente estipulada na escritura.

5. Estipulando-se na escritura onde foi constituída hipoteca a favor do Banco que os “títulos de crédito são considerados com força executiva nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 46.º e 50.º do CPC”, a junção de livrança assinada pelos executados, em complemento daquele documento, é susceptível de certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes. Assim gozando a escritura pública de hipoteca de força executiva, de harmonia com o disposto no referido art. 50.º.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

                ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

                AA e mulher BB e CC e marido DD vieram deduzir oposição à execução que lhes move o EE, S. A., pedindo a extinção da execução.

                Alegando, para tanto, e em suma:

                Há incerteza quanto ao título executivo apresentado, desconhecendo os executados a qual deles se devem opor: se ao emergente da escritura de hipoteca, se ao referente à existência de uma livrança.

                De qualquer modo, ambos os títulos juntos carecem de tutela executiva.

                Pois, se se entender que o título executivo é a escritura de hipoteca, não foram enunciados factos determinantes da constituição de uma obrigação vencida para os executados que os habilite a aferir da legalidade da execução.

                Se se entender que o título executivo é a livrança então a mesma foi abusivamente preenchida pela exequente, não tendo sido assinada pelos oponentes para pagamento da quantia exequenda.

                De todo o modo, não são devedores da quantia exequenda, já que, no contrato de mútuo por eles celebrado, foram pagas diversas quantias, em montante superior ao peticionado

                Veio o exequente contestar, alegando, também em síntese:

                A execução tem, por base a escritura pública de hipoteca, complementada pela livrança, que, passada em conformidade com a escritura, comprova a realização da prestação – arts 46.º, al. b) e 50.º do CPC.

                Assistindo ao exequente receber a quantia titulada pela livrança e os respectivos juros, sendo a mesma documento bastante para prova do seu crédito.

                Por despacho de fls 46 foi ordenada a notificação dos oponentes para concretizarem o alegado nos arts 9.º a 12.º e 16.º a 18.º do seu articulado inicial, uma vez que é aos mesmos que incumbe a alegação e prova da excepção dilatória da falta de exigibilidade da obrigação exequenda.

                Dizendo os oponentes não terem celebrado com o exequente qualquer contrato de mútuo em 31 de Julho de 2002, não tendo emitido qualquer livrança para “garantia da hipoteca executada”.

                Tendo celebrado com o exequente contrato de mútuo em data posterior à emissão da livrança ajuizada, seja, em 1/8/2002.

                Respondeu o exequente, mantendo carecer de fundamento o por aqueles alegado.

                Foi proferido despacho saneador-sentença, que julgou a oposição improcedente, mandando prosseguir a execução.

                Inconformados, vieram os oponentes interpor, sem êxito, recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto.

                Ainda irresignados, vieram os mesmos interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal de justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:         

                1ª - O Acórdão de que ora se recorre deve ser revogado e substituído por outro que julgando procedente as excepções de ineptidão do requerimento inicial e inexistência do título executivo, julgue procedente a oposição deduzida e, em consequência, determine a extinção da presente execução contra os executados, aqui recorrentes, porquanto,

                2ª - O título executivo junto aos autos é um documento exarado por notário.

                3ª - Para ser dotado de força executiva carecia o Banco exequente de, ao abrigo do disposto no artigo 50° do C.P.Civil, alegar e fazer prova, por documento emitido em conformidade com as suas cláusulas, ou revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.

                4ª - No requerimento executivo o exequente não alega factos que determinem o surgimento de uma obrigação vencida para os executados, ora recorrentes.

                5ª - A recorrida não alega, nem demonstra, o incumprimento pelos recorrentes de obrigação exequenda, constituída ao abrigo da escritura que apresenta como título executivo.

                6ª - A escritura pública junta, que se limita a documentar a constituição de uma hipoteca, sem que a correlativa prestação do credor se demonstre constituída e violada, não configura título executivo.

                7ª - Neste sentido vide Ac. STJ de 15-10-92, processo 4194[1] consultado www.dgsi.pt em contradição com o que se recorre. Acresce que,

                8ª - Ao contrário do que entende o tribunal recorrido não se pode retirar tal carácter exequível, certo, necessário e suficiente, da junção aos autos executivos de livrança. Com efeito,

                9ª - A mesma não comprova, de forma convencionada entre as partes e de forma efectiva, as prestações realizadas no desenvolvimento do contrato.

                10ª- É necessário que o título exequendo esteja em condições de certificar a existência da obrigação que entre as partes se constituiu e formou e tal não resulta nem da escritura de hipoteca unilateral nem da livrança, ambas juntas nos autos.

                11ª- Não resulta do requerimento executivo nem a rigorosa conformidade da livrança com o teor da escritura nem o financiamento bancário que efectivamente os oponentes, ora reclamantes, possam ter usufruído.

                12ª- Nem da escritura junta consta que, para efeitos de execução, os documentos juntos com a mesma, em sede executiva, são considerados em conformidade com as cláusulas da mesma e, desde logo, justificativo de que as correspectivas prestações foram realizadas em cumprimento do negócio.

                13ª- E, por tal, passíveis de integrar e constituir o título executivo.

                14ª- Inexiste, assim, título executivo nos autos.

                15ª- Devendo a oposição instaurada ser julgada procedente, por provada, e em consequência, ser a execução extinta quanto aos exequentes/oponentes e aqui recorrentes.

                Não houve contra-alegações.

                Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                Vem dado como PROVADO:

                Do teor da escritura pública dada à execução, extrai-se que a hipoteca constituída visa garantir o "pagamento pontual das obrigações assumidas por eles (AA e esposa BB e ainda por DD e esposa CC, (…) e pela sociedade comercial por quotas AA e Cª, Lda (…) perante o Banco, em conjunto ou separadamente, emergentes de um contrato de mútuo não celebrado hoje, e bem assim de todas as outras responsabilidades assumidas ou a assumir por quaisquer operações bancárias de créditos, em que sejam ou venham a ser intervenientes, designadamente por empréstimos, aberturas de crédito, descontos de letras, livranças, descobertos em conta e outras operações da mesma natureza, até ao limite de € 725 000";

                Extrai-se ainda que " ( ... ) os escritos particulares de confissão ou assunção de dívida, os títulos de crédito, os documentos de débito emitidos, os extractos de conta relativos aos créditos ora garantidos e demais correspondência trocada são considerados títulos com força executiva, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 46° e 50° C.P.Civ.";

                O Exequente juntou à escritura pública que dá à execução uma livrança, assinada por todos os Oponentes, vencida em 9/2/07, que contém a promessa de pagamento ao Exequente da quantia de € 511 832,16.

São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

Resumindo-se á de saber se, para efeitos do art. 50.º do CPC, o documento passado em conformidade com as cláusulas constantes da escritura pública pode constituir um título de crédito, não sendo de exigir nexo com a mesma escritura pública.

Seja, à de saber se os documentos apresentados (escritura pública de hipoteca, complementada pela livrança) devem ou não constituir título executivo.

Estando aqui só em apreço a questão da obediência do exequente ao mencionado art. 50.º.

O acórdão recorrido assim entendeu[2].

De tal discordando os recorrentes, sustentando que, sendo o título executivo junto aos autos um documento exarado pelo notário, para ser dotado de força executiva, carecia o exequente de, por força do preceituado no aludido art. 50.º, alegar e provar, por documento emitido em conformidade com as suas cláusulas, ou revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.

Assim não sucedendo, limitando-se a escritura pública a documentar a constituição de uma hipoteca, sem a correlativa prestação do credor se mostrar constituída e violada, não constitui a mesma título executivo.

                Cumprindo dizer, antes de mais:

Estamos, in casu, perante a oposição a uma acção executiva, fundada, segundo alega o exequente, numa escritura pública de hipoteca complementada por uma livrança, a qual, passada em conformidade com a escritura, comprova a realização da prestação, em obediência ao disposto nos arts 46.º, al. b) e 50.º do CPC.

                               Ora, toda a execução, como é bem sabido, tem por base um título executivo[3], pelo qual se determina o seu fim e limites – art. 45º, nº 1 do CPC.

                                De facto, para que possa ser pedida a realização coactiva de uma prestação, o dever de prestar respectivo tem de, desde logo, constar de um título, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere um grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva[4].

                Não bastando alegar a existência do título, sendo antes necessário exibi-lo, sendo sempre indispensável que ele tenha força executiva.

                                Cumprindo o título executivo uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo Tribunal[5].

                A exequibilidade extrínseca da pretensão é, pois, conferida pela sua incorporação num título executivo, num documento que formaliza por via legal “a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida”.

                O título executivo é, assim, pressuposto ou condição geral de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente. Não havendo acção executiva sem título.

                Os títulos executivos são os indicados na lei como tal (art. 46º do CPC), estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – nullus titulus sine lege – sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo[6].

Conferindo a al. b) do citado art. 46º, na redacção aqui vigente, exequibilidade aos documentos exarados ou autenticados pelo notário que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

Exigindo-se, em princípio, para que tais documentos sejam título executivo (negocial) que formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, que sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída.

Alargando, porém, o art. 50.º do mesmo diploma legal, a exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados pelo notário àqueles em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras.

Assim rezando este mesmo normativo legal, acerca da exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados por notário:

“Os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.

Este preceito corresponde ao anterior nº 2 do mesmo art. 50.º (§ único do art. 51.º do CPC de 1939), cujo nº 1 passou, com nova formulação, para o art. 46.º, al. b).

Tal normativo legal, no texto anterior à revisão do CPC, deu lugar a dificuldades de interpretação, sendo certo que após aquela também não ganhou clarificação textual.

Podendo, a propósito, ler-se em Lebre de Freitas[7]:

“Nele (na redacção do aqui vigente art. 50.º) se prevêem dois tipos de situação: a convenção de prestações futuras e a previsão da constituição de obrigações futuras.  No primeiro caso, exige-se a prova de que “alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio”; no segundo, a de que “alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.

Correspondendo a primeira formulação à do direito anterior, a subsituação da expressão “em cumprimento do negócio” pela expressão ”para conclusão do negócio” abona a ideia de que se quis exigir a prova complementar da realização da prestação constitutiva dum contrato real prometido por documento autêntico ou autenticado, assim consagrando nesta parte, embora em termos que podiam ser mais claros, a interpretação mais racional do preceito revogado. Os contratos de abertura de crédito bem como os de promessa de mútuo, fornecimento, comodato, depósito ou locação, são abrangidos por esta primeira previsão do preceito. Quanto à segunda previsão, procura abranger casos em que as partes não se tenham vinculado, bilateral ou unilateralmente, à celebração de um negócio jurídico, mas se tenham limitado a prever, em documento autêntico ou autenticado, a possibilidade dessa celebração, nomeadamente constituindo logo garantia (maxime hipotecária) que cubra a realização dessa previsão”.

Explicitando[8], ainda a propósito da interpretação do segundo (novo) segmento do aludido preceito legal, atinente à previsão de constituição de obrigações futuras, que é frequente, na prática bancária, em escrituras de constituição de hipoteca, a inserção de cláusula pela qual ela garantirá qualquer obrigação futuramente contraída pelo proprietário do bem hipotecado ou pelo terceiro a favor de quem é constituída[9].

Afigurando-se que esta parte do preceito visa aplicar-se a situações deste tipo, quando não se promete logo a celebração do contrato.

Sendo certo que pelo art. 46.º, al. b) já citado, e não fora este preceito, a escritura pública não constituiria título executivo, já que por si não importa a constituição nem o reconhecimento de uma obrigação[10].

Prevendo, pois, o falado art. 50.º dois tipos de casos: a convenção de prestações futuras e a constituição de obrigações futuras. Contemplando a primeira hipótese, desde logo, a abertura de crédito e a de contrato de fornecimento, sendo que, para que o documento notarial sirva de base à execução, torna-se necessário provar que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio. Já na segunda hipótese, de vinculação futura à satisfação de certa importância, torna-se necessário provar que a obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes. Sendo o caso da hipoteca constituída para garantir obrigação futura, cujo cumprimento não pode ser exigido sem se comprovar que o proprietário do bem hipotecado (ou o terceiro) contraíram a obrigação. Fazendo-se essa prova, em ambos os casos, ou pelo documento previsto para esse efeito no documento notarial ou, em caso de omissão, por documento revestido de força executiva bastante, de harmonia com o preceituado no art. 46.º e ss[11].

Bem se compreendendo a necessidade de prova de que a obrigação foi efectivamente contraída.

Pois, convencionando-se ou prevendo-se prestações futuras, tal convenção ou previsão mais não contém senão uma promessa de empréstimo, que, só por si, não pode, naturalmente, constituir título executivo contra o creditado.

Só surgindo a obrigação deste no momento em que o crédito é concedido, nascendo, consequentemente, a dívida[12].

Nascendo a obrigação do devedor – as prestações futuras a que o art. 50.º alude são as que devem ser efectuadas pelo credor e não as que o devedor tenha de satisfazer[13] - quando levanta o dinheiro ou recebe os bens a consumir.

Assim sendo necessária a prova complementar[14]

Escrevendo, a propósito de tal prova, embora no âmbito do CPC antes de revisto e interpretando o então nº 2 do citado art. 50.º, que agora, com alterações, como já dito, integra o próprio preceito legal, Lopes Cardoso[15]:

“… se a escritura exequenda indicar expressamente a forma que há-de revestir o documento comprovativo da cada prestação parcelar, só essa forma tem de ser exigida; (…)

Se a escritura exequenda nada disser quanto à forma que devem ter os documentos comprovativos das prestações, cada uma destas só poderá ser provada por documento revestido de força executiva segundo os arts 46.º e 51.º.

E, assim, para ser possível a execução, ou seja, para que possa ser conferida força executiva aos documentos autênticos ou autenticados, em que se convencionem, ou nos quais os interessados nelas prevejam a constituição de novas prestações futuras, não basta o originário documento autêntico ou autenticado, sendo indispensável a apresentação de um documento adicional através do qual o exequente demonstre: (i) que alguma prestação futura foi realizada para conclusão do negócio; (ii) que alguma nova obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.

Especificando-se que o documento adicional a apresentar, quando esteja em causa a prova da realização de uma prestação “quoad constitutionem” ou quando haja sido constituída uma nova obrigação a cargo do executado, deverá ter a forma exigida pelas cláusulas do documento originário, exarado no notário ou autenticado e, só quando este for omisso sobre tal questão, poderá o exequente provar a existência da prestação futura ou a constituição da nova obrigação através de documento revestido de força executiva própria, nos termos genericamente previstos no art. 46.º[16].

Devendo o documento complementar, convencionada ou prevista a constituição de obrigações futuras, nos documentos exarados pelo notário ou autenticados, ser emitido na sua conformidade, obedecendo às condições estabelecidas no documento notarial, que é o título-base.

Assim demonstrando a efectiva realização de alguma prestação ou da constituição da obrigação, no seguimento do previsto pelas partes (citado art. 50.º).

E, se não for junto tal documento, não há prova da existência da obrigação dotada de força executiva[17].

Sendo a forma desse documento – comprovativo da realização da prestação ou da constituição de obrigações – livremente estipulada na escritura, obedecendo às condições nesta previstas[18].

E, assim, convencionadas que foram, mediante escritura pública, prestações futuras a efectuar pelo Banco e junta que foi a livrança comprovativa de tais prestações, goza a escritura de força executiva, de harmonia com o aludido art. 50.º[19]/[20].

Tendo como bons estes princípios, vertidos na doutrina e na jurisprudência, vejamos o que dizer do caso concreto dos autos.

O Banco exequente intentou execução contra os ora agravantes com base numa escritura de hipoteca, celebrada em 18/7/2002, que juntou, a qual visa garantir o pagamento pontual das obrigações assumidas pelos executados (ora agravantes) e pela sociedade por quotas AA & Cª, Lda perante o Banco, em conjunto ou separadamente, emergentes de um contrato de mútuo e de todas as outras responsabilidades assumidas ou a assumir por quaisquer operações bancárias de créditos, em que sejam ou venham a ser intervenientes, designadamente por empréstimos, abertura de crédito, desconto de letras, livranças, descobertos em conta e outras operações da mesma natureza até ao limite de € 725 000.

Mais aí se dizendo, alem do mais, que os títulos de crédito são considerados títulos com força executiva nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 46.º e 50.º do CPC.

Tendo o exequente junto a tal escritura pública, que arvora em título executivo, uma livrança assinada por todos os oponentes, vencida em 9/2/2007.

Tudo, afinal, em conformidade com a lei, que atrás procuramos devidamente interpretar.

E em harmonia com o clausulado na escritura de hipoteca, que visava garantir o pagamento das responsabilidades assumidas perante o Banco.

Sendo tal escritura pública de hipoteca, complementada com o aludido título de crédito (livrança[21]), naquela estipulada, desde logo, como documento complementar para efeito de execução, título executivo bastante e suficiente.

Livrança essa que, na realidade, deve ser considerada como complementando a escritura em apreço para efeito de exequibilidade, já que resulta do acordado pelas partes na dita escritura e é, como tal, consentida pelo citado art. 50.º.

Comprovando tal livrança as prestações (do credor) convencionadas e aquelas que se previu virem a ser constituídas.

Certificando a mesma a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, assim representando o facto jurídico constitutivo do crédito e que do próprio título (complementar) emerge.

E, assim, convencionadas que foram, mediante a dita escritura pública de hipoteca, prestações futuras a efectuar pelo Banco e junta que foi a livrança das mesmas comprovativa, tal escritura goza de força executiva, ao abrigo do citado art. 50.º.

Comprovando a livrança, de harmonia com os termos da escritura, mesmo que eventualmente a se não constituísse título executivo, o crédito do exequente, contendo ínsita uma promessa de pagamento do mesmo.

Constituindo, assim, o documento complementar pela dita escritura exigido para comprovação do crédito respectivo.

Constituindo, portanto, título executivo.

Resumindo, para concluir:

1. Toda a execução tem de ter por base um título executivo, pelo qual se determina o seu fim e limites.

O título executivo é, assim, pressuposto de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente. Não havendo execução sem título.

2. A alínea b) do art. 46.º do CPC confere exequibilidade aos documentos exarados ou autenticados por notário que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação, exigindo-se, para que tais documentos sejam título executivo (negocial), que formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, que sejam fonte de um direito de crédito ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída.

3. Alargando o art. 50.º do citado diploma legal a exequibilidade dos mesmos documentos àqueles em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras.

4. Devendo o documento complementar, exigido pelo referido art. 50.º, ser emitido em conformidade com o documento exarado no notário ou autenticado, obedecendo às condições nele estabelecidas.

Sendo a forma desse documento livremente estipulada na escritura.

5. Estipulando-se na escritura onde foi constituída hipoteca a favor do Banco que os “títulos de crédito são considerados com força executiva nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 46.º e 50.º do CPC”, a junção de livrança assinada pelos executados, em complemento daquele documento, é susceptível de certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes. Assim gozando a escritura pública de hipoteca de força executiva, de harmonia com o disposto no referido art. 50.º.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar provimento ao agravo, assim se confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 03 de Novembro de 2011

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

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[1] Há evidente lapso, já que, na anterior indicação do acórdão fundamento, os recorrentes se referem ao que tem o nº convencional JSTJ00020562, datado, na realidade, de 7/10/93 (Faria de Sousa), proferido no Pº 083762. A data de 15/10/92 é a do acórdão da RL, proferido no Pº 4194.
[2] Tendo-se decidido no acórdão apresentado como fundamento que a escritura pública que se limita a documentar a constituição de uma hipoteca, sem que a correlativa prestação do credor tivesse sido ainda constituída, não configura título executivo, ainda que o exequente junte àquele documento prova da abertura do crédito garantido pela referida hipoteca.
[3] Pode definir-se o título executivo, meio de demonstração do direito do exequente, perfilhando o ensinamento de Castro Mendes, como o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução – Direito Processual Civil, vol. I, p. 333.
[4] Lebre de Freitas, A Acção Executiva, p. 26.

[5] Ac. do STJ de 4/5/99, Bol. 487, p. 242.

[6] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, p. 26 e Amâncio Ferreira, Curso do Processo de Execução, p. 21.
[7] A Acção Executiva Depois da Reforma, p. 54 e ss, que agora seguimos de perto.
[8] CPC Anotado, vol. 1.º, p. 103.
[9] Cfr. art. 686.º, nº 2 do CC, que nos diz que a obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional.
[10] Pois a escritura pública que constituiu a hipoteca (art. 686.º, nº 1 do CC) não é instrumento de constituição de qualquer obrigação, ainda que futura, não provando a existência da mesma. Limitando-se tal escritura publica a constituir a hipoteca, que é um direito acessórios, que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro – citado ac. do STJ de 7/10/93 (Faria de Sousa), in www.dgsi.pt, sítio onde se encontrarão os demais  arestos citados sem referência expressa.
[11] Amâncio Ferreira, Curso do Processo de Execução, p. 30.
[12] A. Reis, Processo de Execução, vol. I, p. 162, embora a propósito de anotação do art. 51,º, § único (respeitante à convenção de prestações futuras) do CPC de 1939.
[13] Ac. do STJ de 11/2/99, CJ S Ano VII, T. I, p. 105.
[14] Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. I, p. 107.
[15] CPC Anotado, p. 74.
[16] Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, p. 87/88.
[17] Ac. do STJ de 6/2/2007 (Sebastião Póvoas), CJ S. Ano XV, T. I, p. 70/71.
[18] Ac. do STJ de 4/5/99 (Silva Paixão), Pº 99A310.
[19] Ac. do STJ de 11/2/2003 (Pinto Monteiro), Pº 02A1314.
[20] Recorde-se que a livrança, como título de crédito, apenas tem de conter os requisitos elencados no art. 75.º da LULL e como documento que titula o direito cambiário nele inscrito, constitutivo que é do título de crédito, goza, alem do mais, das características da literalidade, pelo que só os dizeres nele constantes podem servir para definir e delimitar o conteúdo do direito nele “incorporado” e da abstracção. O que significa que o direito nele incorporado é uma realidade nova, não sendo uma parte da relação fundamental – Pinto Furtado, Títulos de Crédito, p. 41 e ss.
[21] A livrança é um título de crédito constituído pelo escrito através do qual o seu emitente declara que pagará a certa pessoa ou à sua ordem, uma quantia concreta em dinheiro, em época determinada – Pinto Furtado, ob. cit., p. 213.