ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
259/06.0TBMAC.E1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR HÉLDER ROQUE

DESCRITORES ÂMBITO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
NULIDADE
LEGITIMIDADE

SUMÁRIO


I - O princípio genérico de que o recurso visa a impugnação da decisão recorrida, mediante o reexame do que nela se tiver discutido e apreciado, e não a apreciação de questões novas, não abrange, todavia, as questões novas de conhecimento oficioso, desde que respeitadas as regras gerais do processo civil, designadamente, as previstas no art. 272.º e segs. do CPC, sobre a alteração do pedido e da causa de pedir.
II - Deste modo, não tendo os autores, no articulado inicial, pedido a declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, mas apenas invocado os fundamentos da respectiva pretensão, limitando-se, tão-só, nas alegações da apelação, a formular esse pedido, mas que os réus, expressamente, rejeitaram, nas contra-alegações de recurso da apelação, estava vedado ao Tribunal da Relação a apreciação da mesma, oficiosamente, com base no princípio da estabilidade da instância.
III - Quando o negócio jurídico constitutivo da propriedade horizontal ofende preceitos regulamentares, de interesse e ordem pública, sendo certo que não é aquele, mas antes o projecto aprovado pela câmara municipal, que define o destino a dar a cada uma das fracções, verifica-se a ofensa de uma disposição legal, de carácter imperativo, com a consequente nulidade, de natureza parcial.
IV - Porém, a legitimidade para impugnar o título constitutivo da propriedade horizontal compete aos condóminos, e, também, ao MP, sobre participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções, e não a todos os interessados, não podendo ser declarada, oficiosamente, pelo tribunal.




DECISÃO TEXTO INTEGRAL
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

AA e mulher, BB, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra CC e mulher, DD, EE e marido, FF, e o Município de Mação, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a retirar os dois pilares construídos no meio da garagem [a], a modificar o portão da garagem, para que o mesmo passe a ter a largura de três metros [b], a repor a letra “E”, no local que foi vendido aos autores, ou seja, em frente ao portão [c], a pagar aos autores a indemnização, a título de danos morais, no valor de €7.500,00 [d], a pagar aos autores uma indemnização mensal de €75,00, pelo não uso da garagem, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia em que os autores reocupem o espaço da garagem, em frente ao portão [e], a reparar os azulejos, espelho, parede, porta principal e móvel, referidos nos artigos 29º a 34º da petição inicial [f], e a pagar aos autores a desvalorização anual do seu carro, no quantitativo de €1.500,00, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia da recuperação do lugar [g], alegando, para tanto, e, em síntese, que os réus construíram vários prédios, em Mação, licenciados pelo réu Município, sendo que os autores compraram a fracção, denominada pela letra “E”, correspondente ao 2.º andar esquerdo, para habitação, com parqueamento na garagem, assinalada pela letra “E”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação, sob o n.º 3940, da freguesia de Mação, situando-se o lugar de estacionamento dos autores, imediatamente, à frente do portão da garagem.

Sucede que os autores não podem, até hoje, guardar a sua viatura nesse local, porque, no dia da escritura, os réus EE e FF mudaram a letra “E” de lugar, retirando-a da frente do portão e colocando-a ao meio da parede frontal ao portão das garagens, de modo que aqueles não conseguem manobrar o carro até esse local.

O projecto aprovado pelo réu Município previa quatro lugares para parqueamento de viaturas, mas este réu autorizou a constituição da propriedade horizontal de cinco fracções e os réus venderam as cinco fracções com parqueamento na garagem.

 Construíram dois pilares no espaço destinado a parqueamento e o portão de entrada ficou com menos 60 cm. de largura do que estava projectado, não podendo aí ser parquedas mais de duas viaturas, sendo certo que o espaço que os réus reservaram aos autores só é utilizável, após o alargamento do portão de entrada e a eliminação dos pilares da garagem.

Acresce que os autores tiveram danos morais devidos ao sofrimento e incómodos causados por esta situação e com a desvalorização acentuada do seu veículo.

Além disso, o apartamento dos autores evidencia alguns defeitos, como sejam, os azulejos partidos, o móvel da cozinha estalado, o espelho da casa de banho riscado e a porta principal descaída.

Na contestação, os réus concluem pela improcedência do pedido, mas com a condenação dos autores como litigantes de má fé e, na parte que ainda interessa considerar, impugnam a matéria alegada por estes, designadamente, que lhes tivessem sido prometidos o lugar de estacionamento, em frente do portão, sendo certo que residem em França, apenas se deslocando a Portugal, em período de férias, não superior a trinta dias, pelo que podem estacionar o seu veículo no lugar que lhes pertence.

Que os primeiros réus promoveram a alteração da propriedade horizontal, com o acordo dos outros proprietários, ficando a garagem apenas dotada de três lugares de estacionamento, sem possibilidade de ampliar o portão de entrada na garagem, tendo os pilares sido implantados para aumentar o pé direito da garagem, mas sem que estorvem a entrada e saída dos veículos.

Na réplica, os autores alegam que os réus agiram com dolo, peticionando a sua condenação como litigantes de má fé.

Posteriormente, os autores desistiram dos pedidos formulados, sob as alíneas a) e b), e ampliaram o pedido no sentido de ficar a constar que os réus sejam obrigados a repor a garagem, com a área e composição do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Mação, e a restituir aos autores o espaço da garagem, em frente ao portão desta, designado pela letra “E”, o que foi admitido por despacho, objecto de agravo interposto pelos réus, por considerarem que a ampliação do pedido constitui um mecanismo artificial, sem base legal, criado pelos autores.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, declarou improcedente a arguida excepção da caducidade [A], condenou os réus CC e mulher, DD, a repararem os seguintes defeitos existentes na fracção que venderam aos autores AA e mulher, BB:

- O espelho da casa de banho que apresenta resíduos de silicone;

- Os dois azulejos existentes entre o bidé e a banheira que estão estalados e

- A parede da sala que ficou irregular no redondo da escada [B], absolvendo os réus do demais peticionado [C].

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação, nos termos, pelas razões e fundamentos explanados, e atento o artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, acordado em julgar improcedente o recurso de apelação e, por via disso, em confirmar, inteiramente, a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.

Deste acórdão da Relação de Évora, os autores interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, julgando-se a acção, procedente por provada, formulando as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:

1ª - O Ass do STJ de 10-5-89, in DR, IP S nº 141, de 22-6-89, pag 6127, interpreta o prescrito nos artºs 1414° e 1416° do C. Civil, 59º e 60º do Cod. do Notariado e 15º do DL 445/91, de 20/11, daí derivando a nulidade parcial do título constitutivo de propriedade horizontal desde que e na parte em que o mesmo contrarie e não siga o projecto aprovado e licenciado pela edilidade competente;

2ª - Atento, desde logo, o disposto no artº 294° do C. Civil, sendo tal nulidade do conhecimento oficioso e susceptível de declaração independentemente da invocação das partes, por atingir normas imperativas;

3ª - O Tribunal a quo, seguindo a doutrina harmonizadora do Assento acima referido devia ter considerado nulo o titulo constitutivo da propriedade horizontal, na parte em desconformidade com o projecto, nomeadamente na existência de dois pilares na cave, bem como de cinco lugares de estacionamento, repondo a garagem com as áreas e composição aprovadas;

4ª - Está compreendido nos poderes do Juiz, mesmo que não requerido pelas partes, mas assente na matéria dada como provada, contraditória entre si, na parte em que a propriedade horizontal e o projecto estão desconformes entre si proferir sentença conforme, nos termos do art.º 664 C.P.C.

5ª - Não obstante, ao dar como assentes que "Em virtude do atrás referido, na garagem desse prédio não podem ser parqueadas mais de duas viaturas" e "O estacionamento referido em 2 apenas pode ser utilizado após o alargamento do portão e eliminação dos pilares da garagem", bem como "sendo que a ocupação do lugar designado pela letra A torna impossível o acesso a todos os lugares à excepção do designado pela letra D" o Tribunal a quo dá como certo que os autores não podem utilizar o espaço que adquiriram, o espaço designado pela letra E...

6ª - Provados todos os factos, a alteração do lugar de garagem, a desconformidade da propriedade horizontal com o projecto aprovado, a não utilização da mesma pelos autores, deve ser proferida sentença diversa e a acção ser julgada procedente.

7ª - Motivo pelo qual o Tribunal ao decidir como decidiu violou o disposto nos art.º 294º, 1416º, 1418º Código Civil, bem como o disposto no art.s 668° nº 1, al) C e D do Código de Proc. Civil.

Nas suas contra-alegações, os réus CC e mulher concluem no sentido de que o presente recurso deve ter como objectivo a reapreciação do enquadramento jurídico dado pelo Tribunal da Relação à matéria de facto apurada nos autos [1], que os recorrentes olvidam tudo o que peticionaram nos autos, pugnando por uma nulidade parcial do título constitutivo de propriedade horizontal nunca invocada, em primeira instância, e que não constituiu o cerne, nem a essência do processo dos autos; [2], que não tem cabimento legal, no contexto em que foi desenhada a causa ao pedir e o pedido, o ora peticionado, em sede de recurso [3], que as conclusões A) a F) devem ser julgadas improcedentes [4] e, finalmente, que não se mostram violadas as normas de direito invocadas pelos autores [5].

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:

1. Os réus CC e DD construíram, na vila de Mação, vários prédios urbanos, que constituíram em regime de propriedade horizontal.

2. Por escritura pública, outorgada no Cartório Notarial de Ourém, no dia 6 de Agosto de 2006, exarada de fls. 22 a 24 do Livro n° 222-E, EE, que outorgou, também, na qualidade de procuradora de CC e mulher DD, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, e AA e mulher, BB, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, declarou "que pela presente escritura, e pelo preço, já recebido, de sessenta e nove mil e oitocentos euros, os seus representados vendem ao segundo outorgante varão a fracção autónoma, individualizada pela letra "E", correspondente ao primeiro andar esquerdo, para habitação, com parqueamento, na garagem, assinalado pela letra E, do prédio urbano, designado por lote dois, sito na Rua ..., na vila, freguesia e concelho de Mação, inscrito na matriz, sob o artigo número 4258, com o valor patrimonial correspondente à fracção, de 35 000,00€, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação, sob o número três mil novecentos e quarenta, e lá registados, o titulo constitutivo do regime de propriedade horizontal, pela inscrição F-Um, e a aquisição, a favor dos seus representados, pelas inscrições G-um e G-Dois", e pelo segundo outorgante varão foi dito: “que aceita esta venda, nos termos exarados, e que o prédio adquirido se destina exclusivamente a habitação”.

3. Por vistoria, que teve lugar no dia 13 de Julho de dois mil e seis, na garagem do edifício construído no prédio urbano, sito em Mação, na Rua ..., com o lote número dois, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Mação, sob o artigo 4258, e na Conservatória do Registo Predial, sob a ficha nº 03940, de que é proprietário, em regime de propriedade horizontal, da fracção E, o Sr. AA, executada por GG, Eng. Civil, Chefe de Divisão de Obras e Equipamentos Municipais, HH, Arquitecto, Técnico Superior Principal, II, Técnico de Saúde Ambiental Principal, foi verificado que "1º - A garagem construída não cumpre o projecto aprovado no que respeita: à largura do portão de entrada, que mede 2,40 m em desconformidade com os 3,00 m projectados; à localização da porta de acesso às escadas que foi realizada onde estava projectada a porta de acesso à arrecadação existente sob as escadas, que por sua vez foi reduzida em área; à construção de dois pilares implantados longitudinalmente que não estavam previstos nos projectos de arquitectura ou de estabilidade, e que se localizam a 3.43 m da parede esquerda, a 4.40 m da parede direita, a 4.30 da parede da frente e a 4.40 m da parede do fundo, com um espaço de 2,50 m entre os dois: e à distribuição de cinco lugares de estacionamento contra quatro propostos no projecto que consistiam em três ao fundo da garagem e um transversal à direita da entrada, sendo este agora convertido em dois. -2° - Aos espaços de estacionamento foram atribuídas as letras A e B, aos dois lugares localizados à direita da entrada, e as letras D, E e C aos lugares ao fundo da garagem. respectivamente da esquerda para a direita. O estacionamento nos lugares E, C e B é impossível de efectuar no caso de o lugar A estar ocupado. O estacionamento nos lugares A, E e C é bastante dificultado pela ocupação do lugar com a letra B. O estacionamento simultâneo nos lugares E e C é viável, embora apertado. O lugar com a letra O não é prejudicado nem afecta o estacionamento nos outros lugares.-----------­-- Concluiu-se desta vistoria que a obra, no que respeita à garagem, não foi realizada de acordo com o projecto aprovado, e que a alteração que consistiu na introdução de pilares veio tornar inviável ou mais difícil as manobras de estacionamento em todos os lugares, situação agravada pelo aumento do número de lugares de quatro para cinco, sendo que a ocupação do lugar designado pelo letra A torna impossível o acesso a todos os lugares à excepção do designado pela letra D.

4. Em reunião da Câmara Municipal de Mação, que teve lugar no dia 23 de Abril de 2003, foi deliberado o seguinte “A Câmara Municipal, face à informação dos Serviços Técnicos, que ficou apensa ao requerimento de CC, residente em ..., Açores, registado no secretário, sob o n° 167, em 16 de Abril de 2003, deliberou, por unanimidade, certificar que, efectuada a vistoria ao prédio urbano, sito na Rua ..., em Moção, construído no lote 2, descrito na C.R.P. de Mação, sob o n° 3940, o mesmo reúne os requisitos necessários para submissão ao Regime de Propriedade Horizontal, nos termos dos artigos 1414º e seguintes do Código Civil, sendo constituído pelas seguintes fracções:

Fracção A - Cave direita, destinada a habitação, com três divisões assoalhadas, uma cozinha e uma caso de banho, com a superfície coberta de 78,75 m2 e parqueamento na garagem, assinalado com a letra A, e para o qual se fixa a permilagem de 160, do valor total do prédio,

Fracção B - Rés-do-Chão Direito, destinado a habitação, com quatro divisões assoalhadas, uma cozinha e duas casas de banho, com a superfície coberta de 98,50 m2 e varanda com 3.30 m2, e parqueamento na garagem assinalado com o letra B, e para a qual se fixa a permilagem de 210, do valor total do prédio.

Fracção C - Rés-do-Chão Esquerdo, destinado a habitação, com quatro divisões assoalhadas, uma cozinha e duas casas de banho, com a superfície coberta de 98,50 m2 e varanda com 3.30 m2, e parqueamento na garagem assinalado com a letra C, e para a qual se fixa a permilagem de 210, do valor total do prédio,

Fracção D - Primeiro Andar Direito, destinado a habitação, com quatro divisões assoalhadas, uma cozinha e duas casas de banho, com a superfície coberta de 98,50 rn2, e varanda com 3,30 m2, e parqueamento na garagem assinalado com a letra D, e para o qual se fixa a permilagem de 210, do valor total do prédio.

Fracção E - Primeiro Andar Esquerdo, destinado a habitação, com quatro divisões assoalhadas, uma cozinha e duas casas de banho, com o superfície coberta de 98,50 m2 e varanda com 3,30 m2 e parqueamento na garagem assinalado com a letra E, e para a qual se fixa a permilagem de 210, do valor total do prédio.

São partes comuns o hall, as escadas, com área global de 43,20 m2, e a garagem destinada a parqueamento, com o área de 91,70 m2, (",) o edifício está em condições de ser submetido ao Regime de Propriedade Horizontal" ("…)".

5. Por escritura pública de 5 de Junho de 2003, outorgada no Cartório Notarial de Moção, EE, casada, natural da freguesia e concelho de Mação, onde reside, no lugar de Ventoso, a qual outorga este acto na qualidade de procuradora de: CC e mulher, DD, casados sob o regime de bens da comunhão de adquiridos, naturais, ele da freguesia de Alcaravela, concelho de Sardoal, ela da freguesia do Ribeiro Seco, concelho do Calheta São Jorge, residentes no lugar de Ribeiro Acima, da dita freguesia de Ribeiro Seco, respectivamente com os NIFS 169.218.996 e 164,844.899, em nome dos seus representados foi dito que: "que são donos do seguinte prédio URBANO, composto por cave esquerdo destinada a garagem, cave direito, rés-do-chão e primeiro andar, com dois fogos cada, destinados a habitação, implantado no lote número dois, sito na Rua ..., em Mação, freguesia e concelho de Mação, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mação sob o número três mil novecentos e quarenta, onde se mostro registada a aquisição a favor dos outorgantes, pelas inscrições G-um (P) e G-um, omisso na motriz, mas já feito o pedido para a sua inscrição. Que satisfazendo o indicado prédio os requisitos legais para nele ser constituído o regime da propriedade horizontal, o vêm agora, constituir nos termos seguintes: o) o citado prédio é formado por cinco fracções autónomas e independentes, distintas e isoladas entre si e com saída própria paro o átrio do prédio, que é parte comum e deste para a via publico; b) Atribuem ao referido prédio o valor de cento e vinte e cinco mil euros; c) As fracções autónomas são: FRACÇÃO A - CAVE DIREITA, destinada a habitação, com parqueamento na garagem assinalado com o letra A. Corresponde a cento e sessenta por mil do valor total do prédio a que atribuem o valor de vinte mil euros. FRACÇÃO B - RÉS-DO-CHÃO DIREITO, destinado a habitação, com parqueamento na garagem assinalado com a letra B. Corresponde a duzentos e dez por mil do valor total do prédio a que atribuem o valor de vinte e seis mil duzentos e cinquenta euros. FRACÇÃO C - RÉS-DO-CHÃO ESQUERDO, destinado a habitação, com parqueamento na garagem assinalado com a letra C. Corresponde a duzentos e dez por mil do valor total do prédio a que atribuem o valor de vinte e seis mil duzentos e cinquenta euros. FRACÇÃO D - PRIMEIRO ANDAR DIREITO, destinado a habitação, com parqueamento na garagem assinalado com a letra D. Corresponde a duzentos e dez por mil do valor total do prédio a que atribuem o valor de vinte e seis mil duzentos e cinquenta euros. FRACÇÃO E - PRIMEIRO ANDAR ESQUERDO, destinado a habitação, com parqueamento na garagem assinalado com a letra E, correspondente a duzentos e dez mil do valor total do prédio a que atribuem o valor de vinte e seis mil duzentos e cinquenta euros. Que são comuns a todas as fracções, as partes referidas no art.º 1421º, do Código Civil, que não tenham ficado afectas ao uso exclusivo de cada condómino;

6. Os autores, através da sua mandatária, enviaram aos réus, que a receberam, a carta constante de folhas 129;

7. EE, FF e o Município de Mação foram citados para os termos da presente acção, em 6 de Dezembro de 2006, e DD e CC, em 13 de Dezembro de 2006;

8. No projecto apresentado à Câmara Municipal de Mação os restantes réus apenas previam o estacionamento para quatro viaturas;

9. Sem a construção de pilares, na zona de estacionamento, e com um portão com três metros de largura;

10. Nos serviços da Câmara, não foi apresentada alteração ao projecto, referido em 4.º e 5.º;

11. Os réus venderam cinco fracções com parqueamento na garagem;

12. Em virtude do referido em 2.3., na garagem desse prédio, não podem ser parqueadas mais de duas viaturas;

13. Dois azulejos existentes entre o bidé e a banheira estão estalados;

14. O espelho da casa de banho apresenta resíduos de silicone;

15. A parede da sala ficou irregular, no redondo da escada.

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:

I – A questão do conhecimento oficioso da nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal.

II – A questão do pedido.

 I. DO CONHECMENTO OFICIOSO DA NULIDADE PARCIAL DO TÍTULO CONSTITUTIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL

I. 1. Sustentam, desde logo, os autores que é de conhecimento oficioso a verificação da nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal, desde que e, na parte, em que o mesmo contrarie e não siga o projecto aprovado e licenciado pela edilidade competente, nomeadamente, quanto à existência de dois pilares na cave, bem como de cinco lugares de estacionamento, devendo ser reposta a garagem com as áreas e composição aprovadas.

Os autores, no articulado inicial, pedem a condenação dos réus a retirarem os dois pilares construídos no meio da garagem [a], a modificarem o portão da garagem, para que o mesmo passe a ter a largura de três metros [b], a reporem a letra “E”, no local que lhes foi vendido, ou seja, em frente ao portão [c], a pagarem-lhes uma indemnização, a título de danos morais, no valor de €7.500,00 [d], a pagarem-lhes uma indemnização mensal de €75,00, pelo não uso da garagem, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia em que reocupem o espaço da garagem, em frente ao portão [e], a repararem os azulejos, espelho, parede, porta principal e móvel, referidos nos artigos 29º a 34º da petição inicial [f] e a pagarem-lhes a desvalorização anual pelo seu carro, no quantitativo de €1.500,00, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia da recuperação do lugar.

Posteriormente, os autores vieram desistir dos pedidos formulados, sob as alíneas a) e b), ampliando o pedido no sentido de ficar a constar que os réus sejam obrigados a repor a garagem, com a área e composição do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Mação, e a restituir aos autores o espaço da garagem, em frente ao portão da mesma, designado pela letra “E”, o que foi admitido por despacho, objecto de agravo interposto pelos réus.

Assim sendo, o pedido dos autores, objecto de conhecimento do mérito, traduz-se na pretensão de os réus serem obrigados a repor a garagem, com a área e composição do projecto, aprovado pela Câmara Municipal de Mação, a restituírem-lhes o espaço da garagem, em frente ao portão da mesma, designado pela letra “E”, e a reporem a letra “E”, no local que lhes foi vendido, ou seja, em frente ao portão [c], a pagarem-lhes uma indemnização, a título de danos morais, no valor de €7.500,00 [d], a pagarem-lhes uma indemnização mensal de €75,00, pelo não uso da garagem, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia em que reocupem o espaço da garagem, em frente ao portão [e], a reparem os azulejos, espelho, parede, porta principal e móvel, referidos nos artigos 29º a 34º da petição inicial [f] e a pagarem-lhes a desvalorização anual pelo seu carro, no quantitativo de €1.500,00, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia da recuperação do lugar [g].

Apreciando o fundo da causa, a sentença condenou os réus CC e mulher, DD, a repararem vários defeitos existentes na fracção que venderam aos autores, ou seja, o espelho da casa de banho, que apresenta resíduos de silicone, os dois azulejos existentes entre o bidé e a banheira, que estão estalados, e a parede da sala, que ficou irregular, no redondo da escada, em tudo o mais os absolvendo, o que, aliás, foi, inteiramente, confirmado pelo acórdão recorrido.

Significa isto que, em relação à totalidade dos pedidos formulados pelos autores, quer no articulado inicial, quer antes da audiência de discussão e julgamento, na sequência da respectiva desistência parcial e da subsequente ampliação do pedido, estes apenas viram julgar procedente a condenação dos réus CC e mulher, DD, a repararem os aludidos vários defeitos existentes na fracção que venderam aos autores.

I. 2. Porém, os autores, nas alegações da apelação, mas sem que, até então, o tenham efectuado, pedem a declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, formalizado em desconformidade com o projecto aprovado, o que reeditaram, em sede da presente revista.

Será, então, admissível a apreciação desta nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal?

O acórdão recorrido considerou, a este propósito, que se trata de uma «questão nova», não suscitada, anteriormente, pelos autores, nomeadamente, na sua petição inicial ou na réplica, mas apenas invocada na apelação, pelo que não podia já a Relação tomar conhecimento da mesma, a que acresceria o facto da impossibilidade da sua declaração oficiosa, pelo tribunal, antes tendo de ser arguida, por qualquer dos condóminos ou pelo Ministério Público, como, aliás, está, expressamente, consagrado, no artigo 1416º, nº 2, do Código Civil (CC).

Em primeiro lugar, a pretendida declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal não foi objecto de decisão, pela sentença proferida em 1ª instância, enquanto que o acórdão recorrido não apreciou a sua essência, apenas a abordando, para efeitos de declarar a sua natureza não oficiosa, e, consequentemente, rejeitar o seu conhecimento.
Ora, podendo as decisões judiciais ser impugnadas, por meio de recurso, como decorre do estipulado pelo artigo 676º, nº 1, do CPC, tem sido entendido, uniformemente, que a natureza do recurso visa modificar a decisão recorrida e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo, consequentemente, tratar-se no mesmo de questões que não hajam sido suscitadas, perante o Tribunal recorrido, a menos que se reconduzam a hipóteses de conhecimento oficioso, em que é, obviamente, desnecessária a alegação das partes, e que o Tribunal de recurso deve conhecer, quer respeitem à relação processual, quer à relação material controvertida.
De todo o modo, o princípio genérico de que o recurso visa a impugnação da decisão recorrida, mediante o reexame do que nela se tiver discutido e apreciado, e não a apreciação de questões novas, não abrange, todavia, as questões novas de conhecimento oficioso, desde que respeitadas as regras gerais do processo civil, designadamente, as previstas no artigo 272º e seguintes, do CPC, sobre a alteração do pedido e da causa de pedir[2].
Com efeito, os autores, no articulado inicial, não solicitaram a declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, tendo apenas invocado os fundamentos do respectivo pedido, limitando-se, tão-só, nas alegações da apelação, a formular essa pretensão, que os réus, expressamente, rejeitaram, nas suas contra-alegações do recurso da apelação.
Ora, tratando-se de uma questão nova suscitada na apelação, que implicou um novo pedido, que nem sequer foi admitido pelos réus, estava, por conseguinte, até com base no princípio da estabilidade da instância, vedada ao Tribunal da Relação a apreciação da mesma, oficiosamente, em conformidade com o disposto pelo artigo 272º e seguintes, do CPC.
E, na falta de acordo, o pedido apenas pode ser alterado, na réplica, nos termos do preceituado pelo artigo 273º, nº 2, do CPC.
Dispõe ainda o artigo 294º, do CC, que “os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.
E à disposição legal de carácter imperativo deve equiparar-se a norma de interesse e ordem pública[3].
Por seu turno, preceitua o artigo 1416º, do CC, no seu nº 1, que “a falta de requisitos legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal…”, compreendendo-se, no âmbito destes «requisitos legalmente exigidos», não só os constantes do artigo 1415º, também, do CC, segundo o qual “só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública”, como ainda aqueles outros que são concretizados pelas competentes autoridades camarárias, de acordo com as normas que regem as construções urbanas.
E, no domínio das normas que regem as construções urbanas, destaca-se, no que interessa à questão decidenda, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas[4], onde se estipula que “os projectos de novas construções e de reconstrução, ampliação e alteração de construções existentes serão sempre indicados o destino da edificação e a utilização prevista para os diferentes compartimentos” [artigo 6º], que “a concessão de licença para a execução de quaisquer obras será sempre condicionada à observância das demais prescrições do presente regulamento, dos regulamentos municipais em vigor e bem assim de quaisquer outras disposições legais cuja aplicação incumba à administração municipal assegurar” [artigo 3º, § único], que “a utilização de qualquer edificação nova, reconstruída, ampliada ou alterada, quando da alteração resultem modificações importantes nas suas características carece de licença municipal” e que “as câmaras municipais só poderão conceder as licenças a que esta artigo se refere em seguida à realização da vistoria nos termos do § 1.º do artigo 51.º do Código Administrativo, destinada a verificar se as obras obedeceram à respectiva licença, ao projecto aprovado e às disposições legais e regulamentares aplicáveis” [artigo 8º e § 1º].
 Ao estabelecer a observância do que houver sido determinado pelo projecto de construção, o Regulamento Geral das Edificações Urbanas, em especial, o respectivo artigo 8º, § 1º, impõe uma especial exigência de conformidade das obras com o projecto aprovado, sendo certo, porém, que o negócio jurídico constitutivo da propriedade horizontal desrespeitou o que ficara consagrado no projecto de construção, ofendendo o preceituado pelo supracitado normativo legal.
E, porque o negócio jurídico constitutivo da propriedade horizontal, violou preceitos regulamentares, de interesse e ordem pública, sendo certo que não é aquele, mas antes o projecto aprovado pela câmara municipal que define o destino a dar a cada uma das fracções e que estabelece o que devem ser as partes comuns, verificando-se a ofensa de uma disposição legal, de carácter imperativo, ocorre a sua nulidade, de acordo com o disciplinado pelo artigo 294º, de natureza parcial, atento o disposto pelo artigo 292º, ambos do CC, uma vez que o negócio jurídico de constituição do condomínio não teria sido realizado, sem a referida parte viciada[5].
Porém, a legitimidade para impugnar o título constitutivo da propriedade horizontal compete, de acordo com o preceituado pelo artigo 1416º, nº 2, do CC, “…[a]os condóminos, e também [a]o Ministério Público sobre participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções”.
Efectivamente, a legitimidade para invocar a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal não cabe a todos os interessados, nem pode ser declarada, oficiosamente, pelo Tribunal, em conformidade com os princípios gerais da nulidade, consagrados pelo artigo 286º, do CC, mas, tão-só, aos condóminos e ao Ministério Público[6], neste caso, como já se disse, “sobre participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções”[7].
Assim sendo, por se não tratar de uma nulidade de conhecimento oficioso, não podia a Relação, como, outrossim, não pode este Supremo Tribunal de Justiça, apreciar o seu enquadramento jurídico e sancionar as consequências legais que lhe estão associadas, e isto, repita-se, por se estar perante uma questão nova suscitada, pela primeira vez, no acórdão recorrido.
Como assim, improcede o pedido de condenação dos réus a repor a garagem, com a área e composição constantes do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Mação.

                                       II. DO PEDIDO

Defendem, por fim, os autores que, provando-se a alteração do lugar da garagem, a desconformidade da propriedade horizontal com o projecto aprovado e a não utilização da mesma por aqueles, deve ser proferida decisão diversa e a acção ser julgada procedente, isto é, condenando-se os réus a repor a garagem, com a área e composição do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Mação, a restituir aos autores o espaço da garagem, em frente ao portão da mesma, designado pela letra “E”, a repor a letra “E”, no local que lhes foi vendido, ou seja, em frente ao portão, a pagar uma indemnização, a título de danos morais, no valor de €7.500,00, a pagar uma indemnização mensal de €75,00, pelo não uso da garagem, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia em que reocupem o espaço da garagem, em frente ao portão [e] e a pagar a desvalorização anual pelo seu carro, no quantitativo de €1.500,00, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia da recuperação do lugar.

Efectuando uma síntese explicativa do essencial da matéria factual que ficou demonstrada, importa reter, neste particular, que, no dia 23 de Abril de 2003, a Câmara Municipal de Mação deliberou, por unanimidade, certificar que, efectuada a vistoria, o edifício, constituído, entre outras, pela fracção “E”, referente ao primeiro andar esquerdo, destinado a habitação, e parqueamento na garagem, assinalado com a letra “E”, reúne os requisitos necessários para submissão ao regime da propriedade horizontal, pelo que, entretanto, em 5 de Junho de 2003, os réus CC e mulher constituíram o edifício, formado por cinco fracções, nomeadamente, a mencionada fracção “E”, segundo o regime da propriedade horizontal.

Posteriormente, a vistoria realizada, no dia 13 de Julho de 2006, concluiu que a obra, no que respeita à garagem, não foi realizada de acordo com o projecto aprovado, e que a alteração que consistiu na introdução de pilares veio tornar inviável ou mais difícil as manobras de estacionamento, em todos os lugares, situação agravada pelo aumento do número de lugares de quatro para cinco, sendo que a ocupação do lugar, designado pelo letra “A”, torna impossível o acesso a todos os lugares, com excepção do designado pela letra “D”.

Por fim, no dia 6 de Agosto de 2006, os aludidos réus declararam vender ao autor, pelo preço de sessenta e nove mil e oitocentos euros, já recebido, a fracção autónoma do aludido do prédio urbano, individualizada pela letra "E", correspondente ao primeiro andar esquerdo, para habitação, com parqueamento, na garagem, assinalado pela letra “E”.

Com efeito, no projecto apresentado na Câmara Municipal de Mação, que não sofreu qualquer alteração, os réus apenas previam o estacionamento para quatro viaturas, sem a construção de pilares, na zona de estacionamento, e com um portão, com três metros de largura, tendo, porém, vendido cinco fracções, com parqueamento na garagem, não podendo, contudo, nesta serem parqueadas mais de duas viaturas.

Porém, tendo-se provado que, na garagem do prédio, apenas podiam ser parqueadas duas viaturas, não se demonstrou que os autores tenham ficado privados do uso da garagem, e que tenham sofrido prejuízos, de natureza patrimonial ou não patrimonial, com essa situação.

A este propósito, refira-se, para assim se desmontar um dos «argumentos», que não «questões» suscitadas pelos autores, que, não obstante o registo nos factos consagrados de que “a vistoria realizada, no dia 13 de Julho de 2006, concluiu… que a alteração consistiu na introdução de pilares…, sendo que a ocupação do lugar designado pela letra A torna impossível o acesso a todos os lugares à excepção do designado pelo letra D”, não se demonstrou que os autores tenham ficado privados do uso da garagem, não sendo a prova pericial mais do que um meio de suporte da convicção do Tribunal, submetida como está, no âmbito da prova pericial civil, ao princípio da livre apreciação, constante do artigo 655º, nº 1, do CPC[8].

Deste modo, improcedem os pedidos de condenação dos réus a pagar aos autores uma indemnização, a título de danos morais, no valor de €7.500,00, uma indemnização mensal de €75,00, pelo não uso da garagem, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia em que reocupem o espaço da garagem, em frente ao portão, e a desvalorização anual pelo seu carro, no quantitativo de €1.500,00, desde o dia da escritura de compra e venda até ao dia da recuperação do lugar.

Por outro lado, merecendo resposta negativa o ponto nº 1 da base instrutória, onde se perguntava se “o lugar da garagem correspondente à letra “E” situava-se imediatamente à frente do portão da garagem?”, improcede, desde logo, por falta de sustentação fáctica, o pedido de condenação dos réus a restituir aos autores o espaço da garagem, em frente ao portão desta, designado pela letra “E”, e a repor a letra “E”, no local que lhes foi vendido, ou seja, em frente ao portão, em virtude destes não terem demonstrado os elementos, essencialmente, constitutivos do seu alegado direito, como lhes pertencia, na decorrência do preceituado pelo artigo 342º, n 1, do CC.

CONCLUSÕES:

I – O princípio genérico de que o recurso visa a impugnação da decisão recorrida, mediante o reexame do que nela se tiver discutido e apreciado, e não a apreciação de questões novas, não abrange, todavia, as questões novas de conhecimento oficioso, desde que respeitadas as regras gerais do processo civil, designadamente, as previstas no artigo 272º e seguintes, do CPC, sobre a alteração do pedido e da causa de pedir.
II - Deste modo, não tendo os autores, no articulado inicial, pedido a declaração de nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal, mas apenas invocado os fundamentos da respectiva pretensão, limitando-se, tão-só, nas alegações da apelação, a formular esse pedido, mas que os réus, expressamente, rejeitaram, nas contra-alegações de recurso da apelação, estava vedado ao Tribunal da Relação a apreciação da mesma, oficiosamente, com base no princípio da estabilidade da instância.
III - Quando o negócio jurídico constitutivo da propriedade horizontal ofende preceitos regulamentares, de interesse e ordem pública, sendo certo que não é aquele, mas antes o projecto aprovado pela câmara municipal, que define o destino a dar a cada uma das fracções, verifica-se a ofensa de uma disposição legal, de carácter imperativo, com a consequente nulidade, de natureza parcial.
IV - Porém, a legitimidade para impugnar o título constitutivo da propriedade horizontal compete aos condóminos, e, também, ao Ministério Público, sobre participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções, e não a todos os interessados, não podendo ser declarada, oficiosamente, pelo tribunal.

DECISÃO[9]:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.                                                

Custas da revista, a cargo dos autores.                                                 

Notifique.

--------------------------------

[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.

[2] STJ, de 10-5-2000, BMJ nº 497, 343.

[3] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 269.

[4] Aprovado pelo DL nº 38382, de 7 de Agosto de 1951.

[5] Assento do STJ, de 10-5-1989, DR nº 161/89, série I, de 17-5-1989. 

[6] STJ, de 9-5-1985, BMJ nº 347, 404.

[7] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição, revista e actualizada, reimpressão, 1987, 401 e 402.

[8] STJ, de 16-10-2010, Pº nº 819/06.9TBFLG.P1.S1, www.dgsi.pt

[9] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.