ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
90/06.2TBPTL.G1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/23/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTAS
DECISÃO CONCEDIDAS PARCIALMENTE AS REVISTAS
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

DESCRITORES ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
JUROS DE MORA
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 494º, 496º, 566º
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE DE JUSTIÇA, WWW.DGSI.PT , DE:
– 25 DE JUNHO DE 2002, PROC. Nº 02A1321
– 10 DE OUTUBRO DE 2006, PROC. Nº 06A2503
– 7 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. Nº 3515/03.5TBALM.L1.S1
– 28 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. Nº272/06.7TBMTR.P1.S1



SUMÁRIO
1. O prejuízo resultante da incapacidade permanente para o trabalho de que ficou afectado um lesado, que é gerente de uma sociedade composta por dois sócios, o próprio e a mulher, cujos lucros resultam em grande medida do seu esforço e do seu trabalho, não pode ser calculado tendo apenas como base a remuneração auferida como gerente.
2. Não estando determinado o grau da incapacidade temporária parcial profissional de que sofreu durante um determinado período de tempo, cumpre remeter para liquidação o cálculo da indemnização correspondente.
3. Não é excessivo atribuir a indemnização de € 12.500,00 por danos não patrimoniais a um lesado de 47 anos, que até então não sofria de nenhuma enfermidade e que, em virtude do acidente de que foi vítima, ficou afectado na capacidade de trabalho e de ganho, com uma incapacidade permanente de 8%, sofreu seriamente com o acidente, teve de se submeter a diversos tratamentos e ficou a padecer de sequelas que afectam a sua qualidade de vida.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra a Companhia de Seguros ..., SA, pedindo a sua condenação no pagamento da “indemnização global líquida de 81.138,33 €, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento” e da indemnização que vier a ser fixada em virtude de danos que ainda vai sofrer, em resultado do acidente de viação de que foi vítima e que ficou a dever-se ao condutor de veículo automóvel segurado na ré.

A ré contestou, nomeadamente impugnando diversos factos e discutindo as indemnizações pretendidas; houve réplica.

Por sentença de fls. 429, a acção foi julgada parcialmente procedente. A ré foi condenada a pagar ao autor as quantias de € 23.136,33 por danos patrimoniais (€ 8.000,00 pelo período de 8 meses de ITA, 12.600,00 por danos futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho que a IPP de 8% de que ficou afectado provocou, € 1.991,34 por despesas realizadas e € 544,99 pela roupa destruída), com juros de mora à taxa de 4%, contados desde a citação até integral pagamento, e de € 12.500,00 por danos não patrimoniais, com juros desde a sentença até integral pagamento.

Ambas as partes recorreram. Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de fls.512, foi negado provimento ao recurso da ré e concedido provimento parcial ao do autor, subindo para € 20.000,00 a indemnização correspondente aos danos futuros, resultantes da incapacidade permanente parcial de que ficou a sofrer.

Autor e ré recorreram novamente, agora para o Supremo Tribunal da Justiça; os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foram recebidos como revista, com efeito meramente devolutivo.

2. Nas alegações que apresentou, o autor formulou as seguintes conclusões:

“1ª – Não questiona o Recorrente/Apelante a parte do acórdão recorrido, na parte em que atribuiu a culpa na produção do sinistro ao condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula (…), segurado na Ré/Apelante Seguradora Companhia de Seguros ‘..., SA’;

(…) 3ª – Discorda, porém, o Recorrente/Apelante em relação ao valor de 20.000,00 €, que lhe foi ficado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho de 8%;

4ª – Já que é notoriamente insuficiente e irrisório, para ressarcir o Recorrente/Apelante dos danos, a este título, sofridos;

5ª – O Autor/Apelante contava, à data do sinistro dos presentes autos, 48 anos de idade, auferia um rendimento, com o empenho do seu trabalho, de dezoito (18,00) por dia, sem fins-de-semana e sem férias (30 dias x100,00 €) 3.000,00 € (no mínimo) ficou a padecer de uma IPP 8% e a expectativa de vida activa cifra-se nos 75,00 anos de idade [sic];

6ª – O montante de 20.000,00 € fixado a este título é, assim, insuficiente e insuficientes;

7ª – justo e equitativo é o valor de 40.000,00 €, que se reclama;

8ª – O Meretíssimo Juiz do Tribunal de Primeira Instância – nem o Tribunal de Segunda Instância – não fez qualquer actualização, em relação à indemnização – compensação – pelos danos de natureza não patrimonial;

9ª – não se justifica, assim a aplicação da doutrina expressa no acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio de 2002;

10ª – Os juros incidentes sobre a quantia indemnizatória relativa aos danos de natureza não patrimonial devem, pois, ser fixados, à taxa legal de 4%, desde a data da citação, até efectivo pagamento;

11ª – Decidindo de modo diverso, fez o douto acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas, o disposto nos artigos 496º, 562º, 564º e 805º do Código Civil”.

Por seu lado, a ré apresentou as seguintes conclusões, quando alegou:

“1– O A. não provou qual a percentagem com que ficou parcialmente incapacitado para o trabalho nos 150 dias apurados com ITP, como lhe competia de acordo com as regras de repartição do ónus da prova;

2 – Também não logrou o A. provar que tenha deixado de auferir qualquer rendimento da sua actividade laboral por via das lesões sofridas em consequência do acidente, nos períodos de incapacidade temporária, quer absoluta, quer parcial;

3 – por último não provou o A. que o montante da sua remuneração seja superior a € 500,00 mensais, uma vez que não foram apurados quaisquer outros rendimentos do A., para além dos rendimentos médios enquanto gerente, pelo que será este o valor do rendimento do A. a considerar pelo julgador para efeitos de fixação da indemnização pela IPP e de ITA;

4 – Não tendo o A., nas matérias referidas nas conclusões 1, 2 e 3, logrado provar os factos consubstanciadores do seu direito, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, como definidas na lei substantiva – artigo 342º, nº 1 do C. C. –, deverão tais matérias ser consideradas não provadas;

5 – Excepto naquelas onde apenas está em causa a quantificação dos danos, pois aqui haverá a possibilidade de recurso à equidade;

6 –Porém, o recurso a esta está limitado às situações consagradas no artigo 4º do C.C., sendo certo que, mesmo aqui, tal mecanismo apenas poderá ser utilizado no momento processual próprio – cfr. artigo 378 do C.P.C.;

7 – Em consequência, considerando a idade do A., o rendimento mensal de € 500,00, doze vezes por ano e a data de consolidação médico-legal das lesões decorrentes do acidente, o A. terá direito a uma indemnização pela IPP de 8% em valor não superior a € 7.000,00;

8 – No que tange à indemnização por ITA a atribuir ao A., esta não deverá ultrapassar os € 1.500,00 (€ 500,00x3 meses), sendo que quanto ao demais deverá tal questão ser relegada para liquidação ulterior, ex vi art. 661º, nº 2 e 378º, ambos do C.P.C.;

9 – Relativamente aos danos não patrimoniais, a compensação atribuída ao A. de € 12.500,00 apresenta-se excessiva, face aos danos apurados e à jurisprudência maioritária em casos análogos, entendendo a Recorrente que será de atribuir ao A., com recurso à equidade, uma compensação actualizada de € 10.000,00;

10 – Destarte, o douto acórdão recorrido violou, pelo exposto, o vertido nos artigos 342º, 494º, 496º, 562º e 566º do CC, e, outrossim, o preceituado nos artigos 378º, 516º e 661º, nº 2, todos do Código de Processo Civil”.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

1. No dia 18 de Julho de 2004, pelas 16.50 horas, na Estrada Municipal nº 306, ao quilómetro número 29,350, na freguesia de Rebordões Santa Maria, Ponte de Lima, ocorreu um embate entre o motociclo de matrícula ...-NQ, propriedade do autor e por si conduzido e o veículo de matrícula ...-GZ, propriedade de BB e por si conduzido (A).

2. A Estrada Municipal nº306, no local do embate, configura um traçado curvilíneo, descrito para o lado direito, tendo em conta o sentido Ponte de Lima  São Julião de Freixo (B).

3. E a sua faixa de rodagem tem uma largura de 05,90 metros (C).

4. O motociclo circulava no sentido São Julião de Freixo – Ponte de Lima, pela metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta esse sentido (D).

5. A uma velocidade não superior a quarenta/cinquenta quilómetros por hora (E).

6. O veículo ...-GZ circulava no sentido Ponte de Lima – S. Julião de Freixo (F).

7. E transpôs, para a sua esquerda, o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Municipal nº306 (G).

8. E invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atendo o sentido Ponte de Lima – São Julião de Freixo (H).

9. O autor travou, de imediato, o motociclo (I).

10. E encostou-o à sua direita, imobilizando a marcha (J e doc de fls 41 e 42 do procedimento cautelar).

11. Quando se encontrava parado e imobilizado, o motociclo foi embatido pelo veículo automóvel GZ (L).

12. Antes de embater contra o motociclo, o veículo deixou, marcados no pavimento, rastos de travagem com um comprimento de 21,30 metros (M). 

13. Os rastos de travagem tinham o seu início sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº306, tendo em conta o sentido Ponte de Lima – São Julião de Freixo e transpunham o eixo divisório onde se encontrava, pintada a cor branca, uma Linha sem Soluções de Continuidade, e terminavam sobre a metade esquerda da faixa de rodagem (N).

14. O embate ocorreu sobre a metade esquerda da faixa de rodagem da Estrada Municipal nº306, tendo em conta o sentido Ponte de Lima – São Julião de Freixo (O).

15. E verificou-se entre a parte frontal do veículo GZ e a parte frontal do motociclo (P).

16. No dia 8 de Setembro de 2004, a ré pagou ao autor o valor de 1 750,00 euros, relativo à diferença entre o valor venal do motociclo e valor dos seus salvados (Q).

17. Em virtude do embate, o autor sofreu traumatismo na coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo do ombro esquerdo, traumatismos dos dois membros inferiores, escoriações nas duas pernas, dor no ombro esquerdo, traumatismo do tornozelo esquerdo, traumatismo do joelho esquerdo, hematomas e escoriações espalhadas pelo corpo todo (R).

18. O autor foi transportado, de ambulância, para o Centro Hospitalar do Alto Minho, SA, de Ponte de Lima, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência, realizados os exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas, efectuadas lavagens cirúrgicas, desinfecções e curativos às escoriações sofridas (S).

19. O autor teve alta hospitalar no dia do embate (T).

20. Posteriormente, o autor frequentou o consultório do Dr. I...P..., em Ponte de Lima, o qual lhe concedeu consultas, lhe fez exames vários e lhe efectuou tratamentos e curativos diversos (U).

21. E frequentou o consultório do Ortopedista Dr. C...S..., com consultório em Ponte de Lima, o qual lhe receitou uma TAC e uma RMN (V).

22. Posteriormente, o autor frequentou a Casa de Saúde da Boavista, com sede na cidade do Porto, por conta e a expensas exclusivas da ré, onde se dirigiu por quatro vezes (X).

23. Nesta Unidade Hospitalar, o autor realizou infiltração de corticóide, no ombro esquerdo (Z).

24. Após, por indicação da ré e a expensas exclusivas desta, o autor frequentou a Clínica de Reabilitação do Vale do Minho, Lda, com sede na vila de Ponte de Lima, ao longo de vinte e seis sessões (AA).

25. O autor nasceu no dia 11 de Novembro de 1956 (AB).

26. À data do embate e presentemente, o autor exercia e exerce a actividade/profissão de comerciante, do ramo alimentar, através da sociedade “S... – Sociedade Vinícola de Lima, Lda, de que são únicos sócios o autor e sua mulher (AC).

27. No exercício dessa sua profissão/actividade, o autor explora, por conta própria no âmbito da referida sociedade:

- um estabelecimento de armazenamento e venda por grosso, de artigos de papelaria, vinhos e demais bebidas, sito em Ponte de Lima;

- um estabelecimento de café, talho e mini-mercado, sito no lugar de Regatal, freguesia de Arcozelo, Ponte de Lima;

- um estabelecimento de mini-mercado, sito no lugar de Barrosa, freguesia de Arcozelo, Ponte de Lima (AD).

28. A responsabilidade civil causada a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ...-GZ, encontrava-se transferida para a ré através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº5070/8020760, em vigor à data do embate (AE).

29. Não chovia (1).

30. E o pavimento asfáltico da Estrada nº306 encontrava-se limpo e seco (2).

31. Logo que termina a curva indicada em B, a Estrada nº306 desenvolve-se em traçado rectilíneo, em direcção a São Julião de Freixo (3).

32. Ao longo de uma distância superior a cento e cinquenta metros (4).

33. Para quem circula pela Estrada Nacional nº306, em qualquer dos seus dois sentidos de marcha, não consegue avistar a sua faixa de rodagem em toda a sua largura, ao longo de uma distância superior a trinta metros (5).

34. Em consequência do traçado curvilíneo aludido em B (6).

35. Sobre o eixo divisório da faixa de rodagem da Estrada Municipal nº306 existia, no local do embate, pintada a cor branca, uma Linha Sem Quaisquer Soluções de Continuidade (7).

36. O motociclo circulava com os rodados a uma distância não superior a 0,50 metros do limite da metade direita da faixa de rodagem, tendo em conta o sentido São Julião de Freixo - Ponte de Lima  (8).

37. O veículo QZ circulava a uma velocidade superior a noventa quilómetros por hora (9).

38. E ao passar a descrever a curva aludida em B, o veículo QZ não travou, nem reduziu a velocidade a que circulava (10).

39. O veículo GZ efectuou o descrito em G no local onde existe pintada a cor branca, uma linha sem solução de continuidade (11).

40. E numa altura em que o motociclo se encontrava a uma distância não superior a dez metros dele (12).

41. A ré propôs ao autor o pagamento da quantia aludida em Q por carta datada de 6 de Agosto de 2004 solicitando o envio da documentação necessária ao envio do respectivo recibo (13).

42. O autor só enviou a documentação indicada em 13 no dia 3 de Setembro de 2004 (14).

43. E apresentou o recibo emitido pela ré a pagamento no dia 8 de Setembro de 2004 (15).

44. Durante a época do verão, o autor utilizava i motociclo diariamente (16).

45. No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor sofreu um enorme susto e receou pela sua própria vida (17).

46. O autor sofreu dores muito intensas, em todas as regiões do seu corpo atingidas, nomeadamente na coluna lombar, dorsal e cervical, no ombro esquerdo, nos dois membros inferiores, no tornozelo esquerdo (18).

47. Essas dores afligiram o autor, ao longo de um período de tempo superior a um ano (19).

48. Como sequelas sofridas, o autor apresenta:

- SEQUELAS LESIONAIS:

- alterações tróficas cicatriciais, hipermelanizadas, que ocupam parcialmente a face anterior da perna direita;

- dano estético, ao nível a perna direita (face anterior);

- alterações tróficas, hipermelanizadas, que ocupam a face anterior da perna esquerda;

- dano estético, ao nível da perna esquerda (face anterior);

- dor no ombro esquerdo;

- limitação funcional do ombro esquerdo;

- dor localizada na face anterior do ombro esquerdo;

- sinais de tendiopatia crónica;

- limitação dolorosa marcada, sobretudo nos movimentos de abdução, do membro superior esquerdo, agravando-se com o esforço;

- SEQUELAS FUNCIONAIS:

- limitação de todos os movimentos de elevação do membro superior esquerdo;

- dor que se manifesta de forma intensa, com os movimentos de elevação do membro superior esquerdo;

- SEQUELAS SITUACIONAIS:

- condicionadas todas as tarefas que impliquem esforço com o membro superior esquerdo;

- limitação de todas as tarefas que impliquem movimento e esforços com os dois membros inferiores;

- compromisso marcado da actividade profissional do autor, de exploração, com fins lucrativos, de estabelecimentos de mercearia e de talhos, pela necessidade de executar tarefas diárias de elevação e transporte de embalagens e de peças e de carcaças de carne;

- dores nas regiões do corpo atingidas – coluna lombar, dorsal e cervical, além de outras, nas mudanças climatéricas (20).

49. À data do embate, o autor não padecia de nenhuma enfermidade, nem nunca tinha sofrido qualquer acidente (21).

50. O autor sente-se desgostoso com as sequelas indicadas em 20 (22).

51. O autor sofreu um período de doença de trinta dias, com igual período de tempo com Incapacidade Temporária Absoluta Geral para o trabalho (23).

52. E um período de tempo de doença de duzentos e dez dias, com igual período de tempo com Incapacidade Temporária Parcial Geral para o trabalho (24).

53. E um período de doença de noventa dias, com igual período de tempo com Incapacidade Temporária Absoluta Profissional para o trabalho (25).

54. E um período de tempo de cento e cinquenta dias, com igual período de tempo com Incapacidade Temporária Parcial Profissional para o trabalho (26).

55. E um “Quantum Doloris” de grau 3, numa escala de 0 a 7 (27).

56. E sofreu um “Coeficiente de Dano” de grau 1, numa escala de o a 4 (28).

57. E sofreu um “Dano Estético” de grau 1, numa escala de 0 a 7 (29).

58. O autor ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente Geral e profissional de 8% de acordo com a Tabela Nacional das Incapacidades (30 e 31).

59. Antes do embate, o autor trabalhava nunca menos de dezoito horas, por dia, no exercício da sua actividade comercial (32).

60. Sem descanso semanal, nos feriados e dias santos, a não ser um pequeno período de tempo, compreendido entre as 16,00 horas e 20,00 horas, dos domingos (33).

61. E sem nunca retirar qualquer período de tempo para o gozo de férias anuais (34).

62. Os estabelecimentos comerciais do autor facturavam cerca de 3 000,00 euros ilíquidos por dia, obtendo uma margem de lucro de 15%, retirando o autor, enquanto gerente, uma remuneração média na ordem dos 500,00 euros mensais (35 e 36).

63. O autor irrita-se com frequência, várias vezes ao dia, perante tarefas que se vê na necessidade de executar e não consegue, como sucedia antes do embate (37).

64. Perante a irritabilidade sentida, o autor interrompe os seus trabalhos e faz permanentes intervalos de descanso, várias vezes ao dia (39).

65. O autor recorre, com frequência, a um ajudante, que o passou a acompanhar, a complementar e a substituir, em tarefas que ele não é capaz de executar ou executar sozinho (41).

66. O autor efectuou as seguintes despesas:

- consultas médicas e obtenção do relatório médico, 691,00 euros;

- medicamentos, 469,22 euros;

- meios de diagnóstico, 324,20 euros;

- taxas moderadoras, 17,60 euros;

- uma certidão de nascimento, 15,00 euros;

- táxis, 78,00 euros;

- certidão da participação de acidente, 7,12 euros;

- deslocações em carro próprio, para se deslocar a Ponte de Lima, para sessões de fisioterapia – 26 vezes – e para se deslocar o Porto, para tratamentos, nos Serviços Clínicos da ré – 4 vezes –, num total de 1 112 kms x 0,35, 389,20 euros (42).

67. No momento do embate, o autor usava um blusão, um par de calças e um par de sapatos, no valor de 450,00 + 65,00 + 29,99, respectivamente (43).

68. Os quais ficaram danificados e inutilizados (45).

4. Cumpre conhecer dos recursos.

            Ambos os recorrentes questionam o montante da indemnização atribuída por danos patrimoniais futuros, decorrentes da incapacidade parcial permanente para o trabalho, fixada em 8%. A discordância centra-se no montante remuneratório mensal a utilizar como base do cálculo, que a Companhia de Seguros situa em € 500,00 (valor do rendimento médio como gerente da sociedade de que o autor é sócio) e que o autor fixa em € 3.000,00; e é portanto este o ponto que será analisado.  

            As instâncias tomaram como referência o montante de € 1.000,00, tendo em conta que se não pode ignorar a contribuição decisiva do autor para os lucros da sociedade. Como a Relação observou, em resposta à alegação da ré, “(…) sendo o autor e a esposa os únicos sócios da sociedade e dedicando-se o autor em exclusivo e intensamente à actividade de exploração dos estabelecimentos da sociedade, tem de se considerar que os lucros e rendimentos da sociedade pertencem indirectamente ao autor e que foi este (e o casal constituído por si e pela sua esposa) quem ficou prejudicado com a perturbação da exploração dos estabelecimentos da sociedade. É, pois, forçoso concluir que o real rendimento do autor, afectado pelas lesões sofridas, tinha ser superior ao valor da remuneração auferida como gerente, dele fazendo parte os rendimentos auferidos pela sociedade.”

A recorrente alega que tomar como base de cálculo uma quantia superior a € 500,00 (cfr. ponto 62 dos factos provados) significa estar a indemnizar o autor por danos da sociedade, que não é parte em juízo e que é uma entidade juridicamente diferente dos sócios que a compõem.

No entanto, a matéria de facto provada justifica a posição adoptada pelas instâncias, que em nada contraria a autonomia jurídica da sociedade e apenas reconhece a especificidade de uma sociedade composta por dois sócios, que são marido e mulher, cujos lucros resultam em grande medida da intensidade do esforço e do trabalho do autor. É sem qualquer dúvida acertado concluir que o prejuízo por ele efectivamente sofrido é muito superior à remuneração de gerente. A final, e independentemente da autonomia patrimonial da pessoa jurídica sociedade, a quebra de rendimento repercute-se no património do autor (e de sua mulher, o que agora não está em causa).

Ora a indemnização deve corresponder à “diferença entre a situação patrimonial do lesado (…) e a que teria (…) se não existissem danos”, nas palavras do nº 2 do artigo 566º do Código Civil; considerar apenas o montante que auferia como gerente não conduziria ao ressarcimento do autor, porque não era esse o rendimento que realmente retirava do seu trabalho.

Tendo em conta o que se disse e o que vem provado – que a sociedade obtinha uma “margem de lucro de 15%” de € 3.000,00 por dia, ou seja, de € 450,00, e que é constituída pelo autor mas também por sua mulher, que igualmente trabalha na sociedade – eleva-se para € 2.000,00 o rendimento mensal a tomar como referência.

            Assim sendo, e nada havendo a apontar ao método adoptado pelo acórdão recorrido para o cálculo da indemnização, que se mantém salvo quanto à multiplicação por 14 do rendimento global do autor, que apenas deve ser multiplicado por 12, alcança-se o montante de € 34.000,00, como indemnização adequada à perda de capacidade de ganho de que o autor ficou a sofrer.

            5. Ainda no que respeita aos danos patrimoniais, a ré discorda da indemnização conferida ao autor pela incapacidade temporária para o trabalho, absoluta ou parcial, verificada nos meses subsequentes ao acidente.

Em primeiro lugar, por não ter ficado provado que tenha deixado “de auferir qualquer rendimento da sua actividade laboral (…) nos períodos de incapacidade temporária, quer absoluta, quer parcial”. Não deve, portanto, ser-lhe atribuída qualquer indemnização.

A recorrente refere-se, como se sabe, ao rendimento auferido como gerente.

Em segundo lugar, e a não se entender assim, porque não se apurou o grau de incapacidade parcial e a incapacidade absoluta apenas se manteve por 90 dias, “a indemnização pelos 90 dias não ultrapassará os € 1.500,00 (€ 500,00 x 3 meses), sendo que quanto ao demais deverá tal questão ser relegada para liquidação ulterior, vide art. 661º, nº 2 e 378º, ambos do C.P.C.”.

Da lista de factos provados consta que, por um período de 90 dias, o autor sofreu de incapacidade temporária absoluta profissional (ponto 53) e que durante mais 150 dias ficou afectado de incapacidade temporária parcial profissional (ponto 54).

Amas as instâncias trataram conjuntamente os 240 dias de incapacidade, fixando em € 8.000,00 a indemnização (€ 1.000,00 por mês).

O acórdão recorrido justificou este caminho invocando que se ignora o grau da incapacidade parcial, mas que se sabe que “a actividade do autor era intensa e exclusivamente dedicada aos estabelecimentos comerciais e, consequentemente, determinante para o seu bom funcionamento”. Assim, “de novo em harmonia com a equidade, deverá ser considerado o rendimento mensal médio de 1.000,00 euros por inteiro, durante todo o período de 240 dias (8 meses) de incapacidade temporária”.

Todavia, a ré tem razão quando sustenta que a equidade não pode ser aqui invocada para ultrapassar a falta de prova sobre o significado ou a proporção da incapacidade parcial profissional.

Como se escreveu, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 3515/03.5TBALM.L1.S1), a equidade a que o tribunal deve recorrer quando não puder averiguar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil), “tem de ser factualmente justificada, sob pena de insusceptibilidade de controlo da decisão que a invoca (veja-se, por exemplo, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2006, www.dgsi.pt, proc. nº 06A2503).”

Para além disso, não está provado que o autor tenha deixado de receber a remuneração correspondente à sua qualidade de gerente; o que significa que tem de ser descontada nos € 2.000,00 de remuneração mensal a que atrás se chegou.

Assim, fixa-se desde já, a título de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, por 3 meses (90 dias), a indemnização de € 4.500,00 [3 x (2.000,00 -500)].

Quanto à indemnização a atribuir pelo restante período de 150 dias, remete-se o respectivo cálculo para liquidação, nos termos do nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, por haver que apurar o grau de incapacidade a ter em conta. A quantia a apurar não pode, no entanto, exceder os € 3.500,00, porque o autor não recorreu do acórdão da Relação quanto ao montante de € 8.000,00.

6. No que toda aos danos não patrimoniais, a ré afirma que “face aos dados apurados e à Jurisprudência maioritária em casos análogos” é excessivo o montante fixado (€ 12.5000,00), sustentando que não deve ultrapassar os € 10.000,00; e o autor discorda do momento a partir do qual se marcou o início da contagem dos juros de mora.

Como se tem recordado em diversos acórdãos deste Supremo Tribunal, para a determinação da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº 1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º). Este recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Como se escreveu no acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321), cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes”.

Tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, de acordo com o já citado nº 3 do artigo 566º do Código Civil, como o Supremo Tribunal da Justiça observou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”.

Foi a esse controlo que se procedeu quanto à indemnização por danos patrimoniais futuros.

Ora, ficou provado que o autor tinha 47 anos à data do acidente (factos nºs 1 e 25) e não sofria de nenhuma enfermidade (facto nº 49); que, para além de ficar afectado na sua capacidade de trabalho e de ganho, com uma incapacidade permanente de 8% (o que, em si mesmo, é um dano de natureza não patrimonial), sofreu seriamente com o acidente, teve de se submeter a diversos tratamentos (cfr., por exemplo, os factos nºs 17 a 24, 45 a 48, 50 a 57) e continua a padecer de sequelas que o afectam na sua qualidade de vida (cfr. por exemplo os factos 63 e 64).

Não ocorre nenhuma das situações que, nos termos do disposto no artigo 494º do Código Civil, poderia conduzir a uma redução do montante indemnizatório adequado à reparação do dano.

A recorrente não indica a que jurisprudência se refere, quando invoca a desconformidade da quantia atribuída.

Assim, não se encontram quaisquer razões que justifiquem a diminuição do montante arbitrado pelas instâncias.

7. Também não procede a objecção formulada pelo autor quanto aos juros de mora correspondentes à indemnização por danos não patrimoniais. Como a Relação observa, a coincidência entre o montante peticionado e aquele que foi arbitrado não dá nenhuma indicação sobre o momento que o cálculo teve em conta. Para além disso, o acórdão recorrido esclarece que o juízo de equidade que formulou, ao confirmar o montante fixado em 1ª Instância, teve como referência a data da sentença; a procedência da objecção do autor, neste ponto, implicaria uma correcção que o Supremo Tribunal da Justiça, pelos motivos já apontados, não encontra razões para introduzir.

8. Nestes termos, decide-se:

a) Julgar parcialmente procedente o recurso do autor, fixando em € 34.000,00 (trinta e quatro mil euros) a indemnização pela incapacidade permanente parcial de que ficou afectado;

b) Julgar parcialmente procedente o recurso da ré, atribuindo a indemnização de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) pelos 90 (noventa dias) de incapacidade profissional absoluta e remetendo para liquidação a indemnização correspondente ao período de 150 (cento e cinquenta) dias de incapacidade profissional parcial, com o limite de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros);

c) Revoga-se o acórdão recorrido quanto aos pontos correspondentes, confirmando-o quanto ao mais.

Custas por ambos os recorrentes, na proporção do decaimento que vier a apurar-se.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Novembro de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lopes do Rego

Orlando Afonso