ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
718/03.6TBPNI.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/15/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GABRIEL CATARINO

DESCRITORES PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
MODIFICAÇÃO
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
LEGITIMIDADE ACTIVA
CONHECIMENTO OFICIOSO
PARTES COMUNS
SERVIDÃO DE PASSAGEM
EXTINÇÃO

SUMÁRIO

I - As partes comuns, definidas como tal no titulo constitutivo da propriedade horizontal, devem manter-se inalteradas ou, pelo menos, sem possibilidade de modificação por acção individual, própria e autónoma dos proprietários das fracções, até que por acordo de todos os condóminos (art. 1419.º. n.º 1, do CC).
II - A modificação do título apenas pode ser efectuada por acordo de todos os condóminos.
III - Pretendendo os condóminos autores que seja declarada extinta, por desnecessidade, uma servidão de passagem constituída por acto negocial, na própria escritura de constituição de propriedade horizontal, e que onera uma parte comum do condomínio, falta um pressuposto processual, a saber, a legitimidade activa, se estão na acção desacompanhados de outro condómino e não provam que sejam os administradores do condomínio, com poderes especiais para o efeito (art. 1437.º, n.º 3, do CC).
IV - A verificação dos pressupostos processuais, neste caso da excepção dilatória de ilegitimidade activa, é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida em qualquer momento do processo.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

I. – Relatório.
Desavinda com o decidido na apelação que interpôs da decisão proferida no tribunal Judicial de Peniche que tendo julgado improcedentes os pedidos formulados pelos autores/recorrentes, AA e mulher BB, recorrem de revista, havendo que considerar os sequentes,
I.1. – Antecedentes Processuais.
“I. AA e BB intentaram contra CC, DD e EE, acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo que:
- Se declare nula a cláusula da constituição de propriedade horizontal que considera bem comum do condomínio “dois corredores, um na parte lateral norte e outro no tardoz, lado poente, os quais dão também de servidão de passagem de pessoas para os anexos contíguos a poente”;
- Se declare a extinção da servidão de passagem, em causa;
- Se condenem os 2.º e 3.º réus – DD E EE –, presentes e/ou futuros inquilinos destes, de se absterem de praticar quaisquer actos que impeçam ou diminuam o pleno exercício do direito de propriedade dos autores sobre os corredores em causa;
- Se condenem os réus a pagarem aos autores uma indemnização por todos os danos, prejuízos e despesas causados com a presente situação, a apurar em execução de sentença.
Alegaram, em síntese, que os autores são donos e legítimos possuidores da fracção “A” do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na CRP de Peniche sob o n.º 01519, a qual adquiriram livre de ónus ou encargos; que a referida fracção “A” é uma moradia, composta também por logradouro, e é geminada com a moradia pertença da 1.ª ré, designada de fracção “B”; que a confrontar e contíguos com a propriedade dos autores – na parte do logradouro - encontram-se os prédios pertencentes aos 2° e 3° réus; que atravessando o logradouro da propriedade dos autores encontram-se dois corredores os quais são partes comuns, porquanto assim foram afectos pela constituição do regime propriedade horizontal, servindo igualmente de justificação de passagem para a propriedade dos 2° e 3° réus, sendo, no entanto, tal manutenção da servidão de passagem desnecessária, devendo, por isso, ser extinta; que a 1ª ré não necessita dos corredores para aceder à via pública, podendo aceder a esta pela sua própria fracção; que o titulo constitutivo de propriedade horizontal estabelece uma restrição ao direito de propriedade dos autores, ao constituir como bem comum do condomínio, um bem próprio daqueles, fora dos casos legal e taxati-vamente previstos no art. 1421.º, do CC, pelo que deve ser considerada nula a cláusula do título constitutivo de propriedade horizontal, que estatui que são bens comuns “dois corredores um na parte lateral norte e outro no tardoz, lado poente, os quais dão também de servidão de passagem de pessoas para os anexos contíguos a poente”; que há violação do durei-to de propriedade dos autores pela passagem desnecessária de pessoas pelo referido logradouro para os prédios vizinhos contíguos pertencentes aos 2° e 3° réus, porquanto os terrenos onde estão construídos os edifícios e seus anexos, pertença destes, sempre tiveram acesso directo (ou sua possibilidade) à estrada – via pública, podendo utilizá-la como passagem das pessoas e bens que a eles se dirigem; que os 2º e 3º réus arrendaram os ditos anexos a terceiros, mas impediram-nos do acesso à estrada pelo terreno onde estão construídos; e que, os 2° e 3° réus abusivamente, contra a vontade dos autores beneficiam da passagem em propriedade alheia e recusam-se, obstinadamente, a deixar de o fazer, apesar dos réus já terem sido várias vezes interpelados para esse efeito.
Os réus DD e EE contestaram conjuntamente e defenderam-se por impugnação e por excepção.
Por excepção invocaram a ilegitimidade passiva do réu DD, por não ter sido demandada a mulher deste (FF).
Por impugnação alegaram, em suma, que os corredores em causa não são propriedade dos autores uma vez que é a própria escritura de constituição de propriedade horizontal que estabelece que os dois corredores são bens comuns; que quando os autores adquiriram a fracção de que são proprietários tinham pleno conhecimento que existiam dois corredores que eram partes comuns; que tais corredores são uma servidão de passagem, há mais de 40 anos, porquanto o terreno (onde está implantada a moradia dos autores e a dos 2.º e 3.º réus) pertencia a um único proprietário, era um terreno único – entre estradas – Travessa da Fonte dos Dominguinhos e Rua Francisco Jesus Salvador, tendo posteriormente (há mais de trinta anos) sido dividido em lotes; que os anexos, propriedade dos réus não têm, nem nunca tiveram, passagem através do logradouro propriedade destes; que os prédios do 2.º e 3.º réus não estão encravados no que diz respeito ao “prédio mãe”, mas os anexos encontram-se encravados pois não têm qualquer acesso à via pública que não seja pelos corredores em causa, situação esta que já dura há mais de 40 anos, mantendo-se os anexos tal como haviam sido construídos, sendo a passagem dos mesmos pública, visível e permanente; que o acesso dos anexos à via pública pelas propriedades dos réus implicaria alterações nas casas estes; que para além da servidão de passagem há sempre que atender à servidão vistas, uma vez que existem duas portas abertas para a servidão de passagem, e que já existem há mais de quarenta anos; e que ao autores litigam de má-fé, devendo ser condenados numa multa e numa indemnização não inferior a € 10.000.
Concluem, pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada, absolvendo-se os réus do pedido e se condenem os autores como litigantes de má-fé.
A ré CC contestou, tendo alegado que toda a situação se encontra bem definida e esclarecida desde o início; que é alheia ao presente litígio; que os autores quando adquiriram a fracção tinham conhecimento da passagem de acesso aos prédios dos 2.º e 3.º réus; que não existem factos posteriores à compra que tenham alterado os limites do direito de propriedade dos autores; e que os autores litigam de má-fé, devendo ser condenados em multa e em indemnização de valor não inferior a € 5.000,00.
Conclui, pedindo que a acção seja julgada improcedente por não provada, absolvendo-se os réus do pedido e se condenem os autores como litigantes de má-fé.
Os autores replicaram, tendo requerido a intervenção principal provocada de FF.
Neste articulado alegaram ainda que a servidão de passagem não foi constituída por usucapião e que o que se encontra em causa nos autos não é o modo de aquisição dos RR., mas a desnecessidade objectiva e subjectiva da manutenção da servidão de passagem. 
Concluem pedindo que seja considerada sanada a ilegitimidade passiva do réu DD e, como consequência dos pedidos formulados na petição inicial, se ordene o encerramento e tapamento das portas dos anexos dos 2.º e 3.º réus, bem como a condenação dos réus e respectiva mandatária forense como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a fixar pelo tribunal.
Por despacho de fls. 200 foi admitida a requerida intervenção principal de FF.
Citada, silenciou.
Foi elaborado despacho saneador e organizada a condensação com os factos assentes e a base instrutória.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção improcedente, sendo os réus absolvidos dos pedidos, tendo os autores sido condenados como litigantes de má fé, na multa de 4 UC e na indemnização a favor dos réus, a fixar oportunamente.
Desta decisão foi interposta apelação, tendo, por douto acórdão, de 22 de Fevereiro de 2011, o Tribunal das Relação de Lisboa, julgado parcialmente procedente a apelação “[revogando] a sentença recorrida na parte em que na mesma se condenaram os autores como litigantes de má fé, em multa e em indemnização, absolvendo-os do mesmo pedido”.   
Interposto recurso de revista, pelos demandantes, não obteve resposta por parte dos recorridos.  
I.2. – Quadro Conclusivo.
Para a pretensão que impetram, alinham os recorrentes o epítome conclusivo que a seguir queda extractado.
“A) - O objecto do presente recurso é o Douto Acórdão, a fIs. ... , dos autos do Venerando Tribunal da Relação “a quo”, que considerou a passagem existente no prédio dos ora recorrentes foi constituída por destinação do pai de família e não a declarou extinta. Ainda absolveu os recorridos dos pedidos de condenação em indemnização e de litigância de má fé. Contudo, salvo o devido respeito por melhor opinião, perante os factos provados, não houve uma correcta e Justa aplicação do Direito.
B) - Desde logo, verificou-se a incorrecta qualificação da constituição da passagem por destinação do pai de família, pela inaplicabilidade do art. 1549.º do Código Civil, aos factos provados constantes nos pontos 1), 4), 5), 9) a 13) e 28), porquanto,
existiu um terreno que pertencia a um único proprietário, que foi divido em 4 lotes pertencentes, cada um, a proprietários diferentes;
quando era um único terreno, inexistia a passagem, em causa, e
a passagem sequer ficou consignada em documento, aquando da separação dos prédios ou fracções em relação de domínio.
C) - A própria evolução histórica do desmembramento e divisão da propriedade (dos terrenos), fez carecer de sentido a aplicação dos princípios do “destino de pai de família”, em áreas urbanas ou urbanizáveis.
D) - Acresce que, a passagem, em causa, não tinha natureza real (art. 1306.º, n.º 1 do Cód. Civil)
E) - Desde logo, porque, inicialmente, os segundos e terceiros recorridos acediam à via pública, quer pelos seus próprios terrenos, quer por passagem pelo lote descampado (que haveria de pertencer aos recorrentes). Esta passagem era, assim, utilizada por mero comodismo daqueles. Depois, foi edificada a habitação (que pertence, actualmente, aos ora recorrentes) e os recorridos apenas a pretenderam manter abusivamente, porque sempre serena, objectiva e subjectivamente, desnecessária, inútil e ilegal.
F) - Mais, o prédio dos ora recorrentes foi adquirido livre de quaisquer ónus ou encargos [conforme Escritura Pública (doc. 3, junto à p.i.)] e nunca constou na respectiva descrição Predial, qualquer averbamento de ónus ou encargo de passagem, relativamente ao prédio dos ora recorrentes – cfr. doc. 1, junto à p.i. e factos 1), 2), 4) e 6) da matéria assente.
G) - Assim, ficou afastada a existência de alguma servidão (cfr. Acórdão do S.T.J., de 19 de Julho de 1979, no BMJ, 289.º, págs. 326 e segs.) consubstanciando, a passagem, um parcelamento – restrição ilegal e nula da propriedade dos ora recorrentes – art. 1306.º, n.º 1 do Cód. Civil.
H) - Nesta esteira, a previsão – no titulo constitutivo da propriedade horizontal – dos “dois corredores, um na parte lateral norte e outro no tardoz, lado poente, os quais dão também de servidão de passagem a pessoas para os anexos contíguos a poente” também não surtiu quaisquer efeitos, sequer em beneficio dos segundos e terceiros recorridos, alheios ao condomínio. Era manifestamente injustificada e ilegal.
I) - In casu, os corredores não servem de passagem comum a dois ou mais condóminos e estão afectos ao uso exclusivo dos ora recorrentes. Aliás, a primeira recorrida carecia de interesse na passagem (designadamente, pelo facto constante no ponto 15. da matéria assente) e legitimidade na presente demanda, até porque desde 2006 deixou de ser condómina, conforme certidão permanente do registo predial online, com o código de acesso PP-0469-86820-1º 140 1-00 1519, que se junta como doc. 1.
J) - Isto é, inexistia qualquer interesse colectivo dos titulares, ou seja, os corredores não podiam ser afectos ao condomínio, sendo inaplicável o art. 1421.º, n.º 1 e n.º 2, alínea e) do Cód. Civil, cfr Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 9-11-1977: CJ, 1977, 5.º -1048
K) - Podendo os condóminos constituir a propriedade horizontal, também a podem alterar e extinguir, incluindo a previsão da passagem. Está na vontade dos condóminos acabar com a Propriedade Horizontal, esvaziando o princípio do destino de pai de família.
L) - Assim, o Venerando Tribunal “a quo “, nesta parte, fez uma aplicação incorrecta dos preceitos legais, pelo que, deve ser revogado e alterado de forma a julgar os corredores em causa, propriedade – única e exclusiva dos ora recorrentes, seus legítimos possuidores [cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.03.1992 C.J., 1992, tomo II, pág. 117 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.1998 (JST J00035242JtIj.net)].
M) - Por conseguinte, o direito de propriedade dos ora recorrentes, consagrado nos arts. 1305.º, 1306.º do Código Civil e art. 62.º, n.º 1 da C.R.P, foi manifestamente desrespeitado por se encontrar limitado por passagem que – por alteração das circunstâncias, construção da habitação dos recorrentes, aumento demográfico e implementação de infra-estruturas na zona urbana onde aquela se insere - se tornou desnecessária e inútil (objectiva e subjectivamente) sem interesse para qualquer dos prédios, sequer dos segundos e terceiros recorridos, dado que, não se encontram encravados e têm acesso directo à estrada - via pública [factos provados nos pontos 15) a 17), confirmados pela Inspecção Judicial ao local e Relatório pericial, a fls. .... ]
N) - Ora, os Princípios enformadores do nosso ordenamento jurídico repudiam “servidões” meramente pessoais, inúteis e desnecessárias, conforme consagrado no art. 1543.º e 1569.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 2009, www.dgsi.pt. proc. Nº 08B3995 e de 1 de Março de 2007, bem como, Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.01.2003.
O) - Aliás, sempre houve legitima, pública e veemente oposição à passagem, que os recorridos pretenderam manter de má fé, ilícita e abusivamente [vide docs. 14 a 32, juntos à p.i., a fls .... e ponto 26) da matéria de facto assente] - art. 334° do Cód. Civil.
P) - Com aquela conduta, os recorridos causaram, directa e necessariamente, aos ora recorrentes, graves prejuízo, porquanto,
Q) - A sua intimidade e privacidade familiar é constantemente devassada, dado que, quem quiser, passa pelo corredor do seu logradouro invadindo a sua propriedade, sem aviso, o que é contrário aos Direitos de Personalidade e da Ordem Pública.
A área de terreno própria e exclusiva dos ora recorrentes está limitada por uma passagem de terceiros (proprietários dos lotes de terrenos contíguos, que confrontam directamente com a rua/estrada pública) sem qualquer necessidade ou utilidade de usar tal logradouro, com depreciação do respectivo terreno.
R) - A constituição de uma propriedade horizontal – sem nexo, sem qualquer efeito para os condóminos, mas para a passagem desnecessária e abusiva dos dois proprietários dos prédios confinantes.
S) - Pelo que, também os direitos de personalidade dos recorridos protegidos pelos arts. 70.º e 80.º do Código Civil e artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, foram desrespeitados.
U) - Assim, o douto Acórdão, na parte sub judicie, não atendeu aos Princípios e normas, indicados, consequentemente, deve ser revogado e alterado por outro que declare a passagem extinta, bem como, condene os recorridos, presentes e/ou futuros inquilinos destes, de se absterem de praticar quaisquer actos que violem os direitos de personalidade e impeçam ou diminuam o pleno exercício do direito de propriedade, dos recorrentes, assim como, ordenado o encerramento e tapamento das portas dos anexos, situados nos respectivos prédios, com as demais consequências legais
V) - Sem prescindir e sempre com o devido respeito por melhor opinião, no Douto Acórdão também não se verificou a correcta aplicação do art. 483.º, do Código Civil, porquanto, a conduta ilícita e abusiva dos recorridos, causou directa e necessariamente danos aos recorrentes devidamente invocados, pelo que, deviam ser condenados a pagar uma indemnização, a fixar em liquidação de Sentença (art. 569.º do Cód. Civil)
X) - Por fim, o Douto Acórdão deve alterado para que os recorridos sejam condenados por abuso de direito (art. 334.º do Código Civil) e litigância de má fé. [art. 456.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), c) e d) e art. 457.º, do C.P.C.]
Z) - Face ao acima, salvo o devido respeito por melhor opinião, o Douto Acórdão, sub judice desrespeitou o Direito e a Justiça; nomeadamente, os arts. 70.º, 80.º, 334.º, 483.º, 569.º, 1302.º, 1305.º e 1306.º, 1415.º, 1421.º n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea e), 1549.º, 1569.º, n.º 2 e 3 todos do Código Civil; art. 2.º, n.º 1 alíneas a), b) e u) do Código do Registo Predial; arts. 456.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), c) e d) e art. 457.º, do C.P.C. e arts. 26.º, n.º1 e 62.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa; devendo ser revogado e/ou alterado por outro que condene os recorridos, conforme peticionado, quer na petição inicial, quer na réplica, com as demais consequências legais.”
I.3.– Questões a ser objecto de apreciação.
Em face das conclusões supra extractadas têm-se por pertinentes para o conhecimento da revista, as seguintes questões:
a) – Propriedade horizontal; Servidão de passagem; Extinção, por desnecessidade; Legitimidade activa.
c) - Violação dos direitos de personalidade (privacidade e reserva da vida familiar); Abuso de Direito. 
II. - FUNDAMENTAÇÃO.
II.A. – DE FACTO.
Têm-se por adquirida a factualidade que queda extractada infra:
“1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche o prédio urbano – Dominguinhos – Parcela de terreno para construção – 399,75 m2 – Norte, Caminho dos Dominguinhos e GG; sul, HH e outros; nascente, rua; II. Omisso. Desanexado do n.º 9.727, fls. 9v.º do L.º 8-27.
Pelo Av.1 – Ap.06/990722 – “R. Francisco de Jesus Salvador” – Edifício de rés-do-chão, 1.º andar e sótão – 192 m2; logradouro – 207,75 m2. Omisso. Fracções “A” e “B”.
Pelo Av.2 – Ap.12/010622 – Artigo 3208.
Encontra-se com aquisição, em comum, por partilha, inscrita a favor de:
- JJ, c.c. MM, na comunhão de adquiridos, na proporção de ¼,
- NN, solteira, menor, na proporção de ¼,
- HH, viúva, na proporção de ½. [cfr. doc. de fls. 22]; (alínea A) da matéria assente)
2) Encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Peniche a fracção autónoma designada pela Letra “A” do prédio constituído em propriedade horizontal descrita sob o n.º 01519/990331-A, Freguesia da Ajuda, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 32G8-A, da Repartição de Finanças de Peniche, composta por rés-do-chão, 1° andar e sótão Direitos, para habitação e Logradouro de 60,50 metros quadrados.
Encontra-se inscrito pela Ap. 13/010622, a favor de AA, casado na comunhão de adquiridos com BB, adquirido por compra [cfr. doc. de fls. 22]. (alínea B) da matéria assente)
3) Por escritura de “CONSTITUIÇÃO DE PROPRIEDADE HORIZONTAL” lavrada a 02/07/1999 no Cartório Notarial de Peniche, HH, JJ, casado com MM, sob o regime de comunhão de adquiridos, NN e marido OO declararam:
«Que são donos e legitimas possuidores do prédio urbano, composto por moradia bifamiliar de rés-do-chão, primeiro andar e sótão, destinado a habitação, com quatro logradouros e quatro terraços, com a área coberta de cento e noventa e dois metros quadrados e descoberta de duzentos e sete Vírgula setenta e cinco metros quadrados, sito na Rua Francisco de Jesus Salvador, nos Dominguinhos, freguesia de Ida, deste concelho de Peniche, omisso à matriz, mas com declaração para a sua inscrição, apresentada na Repartição de Finanças de Peniche, em dezoito de Junho do corrente ano de que me exibiram o duplicado; implantado no prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche sob o número mil quinhentos e dezanove; registado a seu favor; pela inscrição G-Um e a que atribuem o valor de DEZ MILHCES DE ESCUDOS. E que este prédio reúne os requisitos legais para ser submetido ao regime de propriedade horizontal; conforme certidão camarária; que arquivo sob o n.º 66; sendo o mesmo composto pelas fracções autónomas; independentes; distintas e isoladas entre si a saber:
FRACÇÃO “A”
RÉS-DO-CHÃO; PRIMEIRO ANDAR E SÓTÃO DIREITOS; destinado a habitação e arrumos; com o seguinte divisionamento:
:::: ao nível do rés-do-chão: tem a área de noventa e seis metros quadrados; na qual se incluem dois alpendres; um arrumo e uma garagem. Tem dois logradouros; um na frente e outro no tardoz; com a área de sessenta vírgula cinquenta metros quadrados.
= ao nível do primeiro andar: tem a área de setenta e sete vírgula vinte metros quadrados. Tem dois terraços; os quais cobrem o rés-do-chão da própria fracção; com a área de sete vírgula vinte metros quadrados.
É-lhe atribuído o valor relativo de cinco milhões de escudos; correspondente a cinquenta por cento do valor total do prédio.
FRACÇÃO “B” .RÉS-DO-CHÃO, PRIMEIRO ANDAR E SÓTÃO ESQUERDOS, destinado a habitação e arrumos; com o seguinte divisionamento:
= ao nível do rés-do-chão: tem a área de noventa e seis melros quadrados; na qual se incluem dois alpendres; um arrumo e uma garagem. Tem dois logradouros, um cinquenta metros quadrados.
= ao nível do primeiro andar: tem a área de setenta e sete virgula vinte metros quadrados. Tem dois terraços; os quais cobrem o rés-do-chão da própria fracção; com área de sete vírgula vinte metros quadrados.
É-lhe atribuído o valor relativo de cinco milhões de escudos; correspondente a cinquenta por cento do valor total do prédio.  
SÃO BENS COMUNS:
Todos os previstos no artigo 1421.º do Código Civil, e, para além destes, dois corredores, um na parte lateral norte e outro no tardoz, lado poente, os quais dão também de servidão de passagem de pessoas para os anexos contíguos a poente.
E, assim, consideram o prédio submetido ao regime de propriedade horizontal e esta constituída nos referidos termos.» [cfr. doc. de fls. 43 a 46]. (alínea C) da matéria assente)
4) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche sob o n.º 00959/941017, o prédio urbano _ Bairro dos Dominguinhos – Casa de rés-do-chão para habitação – 53 m2, dependência – 25 m2 e logradouro - 172 m2 – Norte, PP; Sul, QQ; Nascente, Herdeiros de JJ e do Poente Caminho – Art. 1632; com última AQUISIÇÃO inscrita, pela Ap.11/950619, a favor de DD, casado com FF, em comunhão de adquiridos, por compra [doc. de fls. 51]. (alínea D) da matéria assente)
5) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Peniche sob o n.º 01699/010927, o prédio urbano – Bairro dos Dominguinhos – “Travessa da  Fonte dos Dominguinhos, n.º 3, Casa de habitação de rés-do-chão – 53 m2•, I dependência – 25 m2; Logradouro – 172 m2 – Art. 1631; com aquisição a favor de RR casada na comunhão de adquiridos com SS, por compra [doc. de fls. 56]. (alínea E) da matéria assente)
6) Por carta datada de 21/07/2003, os autores propõem à ré CC, para além dos mais, a realização de Escritura para alteração do título constitutivo de propriedade horizontal, “por forma a cessar a devassa da propriedade” dos autores. [doc. de fls. 81]. (alínea F) da matéria assente)
7) Por carta de 2310712003, os autores solicitam ao réu DD, para além do mais, que este e demais pessoas provindas da sua propriedade se abstenham de invadir o terreno dos autores. (doc. de fls. 84]. (alínea G) da matéria assente)
8) Por carta de 23/07/2004, os autores solicitam à ré EE para além do mais, que esta e demais pessoas provindas da sua propriedade se abstenham de invadir o terreno dos autores. (doc. de fls. 87). (alínea H) da matéria assente)
9) Há mais de 40 anos os prédios em causa constituía um terreno único e pertenciam a um único proprietário, e situavam-se entre a Travessa da Fonte dos Dominguinhos e a Rua Francisco Jesus Salvador. (alínea I) da matéria assente)
10) Atravessando o logradouro do prédio descrito na al. A), em forma de “L’ encontram-se dois “corredores”. (alínea J) da matéria assente)
11) Um desses “corredores” na parte lateral norte. (alínea K) da matéria assente)
12) E outro no tardoz. (alínea L) da matéria assente)
13) Os quais servem para passagem para os prédios e anexos implantados nos terrenos dos 2.º e 3.º réus (DD e EE). (alínea M) da matéria assente)
14) Os dois “corredores” referidos na al. J) têm a área de 52,75 metros quadrados. (resposta dada ao art. 1.º da base instrutória)
15) O prédio da 1.ª ré CC tem acesso à estrada sem utilizar os referidos “corredores”. (resposta dada ao art. 2.º da base instrutória)
16) O prédio do 2.° réu DD tem acesso à estrada sem utilizar os  referidos “corredores”. (resposta dada ao art. 3.º da base instrutória)
17) O prédio da 3.ª ré EE tem acesso à estrada sem utilizar os referidos” corredores”. (resposta dada ao art. 4.º da base instrutória)
18) Antes de os autores terem adquirido a sua moradia e aquando da construção desta foram colocados um portão e uma cancela na zona de acesso aos corredores referidos nas als. J) a L) dos factos assentes e facultadas chaves dos mesmos às pessoas que habitavam os anexos existentes nos imóveis descritos nas alíneas D) e E) dos factos assentes. (resposta dada ao art. 5.º da base instrutória)
19) Actualmente, tal portão e cancela já lá não estão instalados. (resposta dada ao art. 6.º da base instrutória)
20) A colocação de uma cancela com 0,90 x 1,00 e de uma porta com 0,90 x 2,00, está orçamentada em € 880,00. (resposta dada ao art. 7.º da base instrutória)
21) O anexo e uma pequena parcela do logradouro existentes no prédio do réu DD encontram-se a uma cota inferior à da restante propriedade e separados por um muro que na parte interna mede mais de um metro. (resposta dada aos arts. 8.º e 9.º da base instrutória)
22) Existe uma parede divisória entre o anexo existente no prédio da ré EE e a casa desta, mas tem uma porta que serve de ligação entre ambos e que, assim, possibilita o acesso à via pública. (resposta dada ao art. 10.º da base instrutória)
23) Os factos descritos em 8.º, 9.º, 10.º, da base instrutória e al. M) dos factos assentes, existem há mais de 40 anos. (resposta dada ao art. 12.º da base instrutória)
24) E à vista de todos. (resposta dada ao art. 13.º da base instrutória)
25) E permanentemente. (resposta dada ao art. 14.º da base instrutória)
26) Aquando da construção das moradias referidas na al. C) dos factos assentes e do seu respectivo licenciamento junto da Câmara Municipal de Peniche, JJ, co-proprietário do terreno onde foram construídas tais moradias tentou – junto dos proprietários dos prédios mencionados nas als. D) e E) dos factos assentes e das pessoas que habitavam os anexos naqueles existentes colocar um muro junto dos referidos anexos tapando assim os corredores referidos nas als. J) a L) dos factos assentes. (resposta dada ao art. 14.º-A da base instrutória)
27) O acesso ao referido anexo pelo prédio do réu DD implicaria apenas a realização das seguintes obras:
- A abertura de um vão no muro que divide o anexo e o pátio adjacente do restante logradouro e que serve também de suporte de terras;
- A execução de alguns degraus, para vencer o desnível do terreno. (resposta dada ao art. 15.º da base instrutória)
28) Dos referidos anexos para os “corredores” dão duas portas. (resposta dada ao art. 17.º da base instrutória)
30) Há mais de 40 anos. (resposta dada ao art. 18.º da base instrutória)
31) Os autores têm conhecimento dos factos que alegaram, assim como, dos vertidos na resposta que foi dada ao n.º 5.º da base instrutória. (resposta dada ao art. 19.º da base instrutória)
32) Os réus têm conhecimento dos factos que alegaram. (resposta dada ao art. 20.º da base instrutória).”
II.B. – De Direito.
II.B.1. – a) – Propriedade horizontal; Servidão de passagem; Extinção, por desnecessidade; Legitimidade activa.

A propriedade horizontal “[pode] ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.” - cfr. n.º 1 do artigo 1417.º do Código Civil.

Definindo a sua posição na querela que se havia instalado para qualificação do direito real de propriedade horizontal, Oliveira Ascensão considera este direito como um direito complexo e dentre estes um direito real composto, pois conforme estabelece o n.º 2 do artigo 1420.º do Código Civil “o conjunto dos dois direitos é incindível e nenhum pode ser alienado separadamente. “A alteração ao regime geral da comunidade leva mesmo a uma exclusão do abandono liberatório: não é licito renunciar á parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias á sua conservação ou fruição”. [[1]]

Para Henriques Mesquita “[do] regime jurídico estabelecido pela nossa lei resulta claramente que na propriedade horizontal se congregam dois direitos reais distintos: um de propriedade singular, no que respeita às fracções autónomas do edifício (andares, apartamentos, etc.); e outro de compropriedade, cujo objecto é constituído pelas partes comuns referidas no artigo 1421.º.” “Deve entender-se, pois, que o núcleo da propriedade horizontal, é constituído por direitos privativos de domínio, direitos estes a que estão associados, com função instrumental (mas de modo incindível), direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva.” “O condomínio é, assim, uma figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial – daí a expressão condomínio – sobre fracções determinadas”. [[2]]       

Na caracterização da figura jurídica em apreço, o Professor Oliveira Ascensão, refere como traços distintivos definidores e imprescindíveis, portanto infranqueáveis e inafastáveis: a) que as fracções se constituam como unidades independentes, onde vigore e esteja perfeitamente delimitada a sua compleição física e funcional; b) que essas fracções gozem e não tenham comunicação entre si, constituindo-se como corpos distintos e definidos; c) que essas fracções possuam saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. Estes traços ou elementos definidores e identificadores de cada uma das unidades que devem compor um prédio em propriedade horizontal, tornam-se sinais exteriores significantes da figura e que permitem encontrar o eixo caracterizador que a projecta no conspecto da tipicidade dos direitos reais. [[3]]

No direito complexo e composto em que se desdobra a propriedade horizontal coexistem e coabitam dois direitos de dimensão e densidade jurídico-material diversa: um direito de propriedade singular ou individual incidente sobre uma parte definida, autónoma e independente; e um direito de compropriedade sobre as partes comuns que se insere na propriedade plena do prédio. Existe uma total incindibilidade da dominialidade especifica entre as partes comuns e a parte privada ou autónoma, de forma a que a alienação do direito real privado não pode ser desanexado ou separado da parte comum.    

A interdependência e incindibilidade entre um direito de índole ou feição privada e um outro de natureza comum concita uma limitação de exercício de direitos – cfr. artigo 1422.º do Código Civil - que a lei resolve conferindo, para cada uma das situações, as limitações próprias aos proprietários e aos comproprietários de coisa imóveis. Assim é que a neste preceito impõe restrições de uso e disposição que resultem contrárias ao fim do direito e “[estas] restrições de origem negocial fazem parte integrante do estatuto do condomínio, o que equivale a dizer que têm natureza real e, portanto, eficácia erga omnes, prevalecendo sobre qualquer negócio obrigacional que com ele se não harmonize. Trata-se de um dos poucos casos em que os particulares, através de negócios de conteúdo normativo, podem modelar o regime dos direitos reais (cfr. artigo 1306.º, n. 1), o qual, nesta medida, deixa de ser um regime típico.” [[4]]  

Sendo o direito de propriedade horizontal um direito composto e complexo e co-envolvendo na sua teia de relações jurídicas distintas e, por vezes, direitos contrapostos, não admira que o legislador tenha erigido e definido como elemento matricial, fundante e modelador da relação jurídica e o estatuto em que projectam os direitos enfrascados na propriedade horizontal, o respectivo título constitutivo. [[5]]  

O artigo 1414º do C. Civil estabelece e parametriza o princípio geral da propriedade horizontal, consignando os factores constitutivos e agregadores da figura jurídica (real), nos seguintes termos “As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal”, especificando o artigo 1420º, do mesmo diploma legal, os direitos individuais e exclusivos sobre cada fracção e de compropriedade sobre as partes comuns do edifício, pela forma seguinte: “1. Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício. 2. O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio do condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.”.

A constituição da propriedade horizontal tanto pode ocorrer por negócio inter vivos como mortis causa, sendo que, no primeiro caso, poderá resultar de partilha extrajudicial. [[6]] Esta parece ser a situação que resulta dos autos – cfr. resposta aos enunciados fácticos indicados de 1) a 3). O bem foi adquirido, em partilha, pelos sujeitos indicados no enunciado fáctico sob o n.º 1) e posteriormente transformado em propriedade horizontal – cfr. enunciado fáctico sob o n.º 2). Os autores adquiriram o imóvel, por escritura pública,

O momento constitutivo do direito ocorre com a declaração negocial do proprietário individual ou em comunhão de propriedade de que pretendem que um determinado imóvel passe a estar constituído em regime de propriedade horizontal. A eficácia deste acto negocial só se despoleta a partir do momento em que o prédio passa a ser detido por uma pluralidade de condóminos, sem que, no entanto, o acto deixe de produzir os seus efeitos, dado que a partir do momento da constituição “[o] edifício fica juridicamente dividido, mesmo em relação ao proprietário, em várias fracções autónomas, com individualidade jurídica própria. O proprietário deixa de ter um direito único sobre todo o edifício e passa a ter tantos quantas as fracções autónomas. O título constitutivo é, assim, um acto de divisão de imóvel.” Desta situação derivam efeitos jurídicos específicos, para o proprietário, caso pretenda constituir garantias reais sobre o prédio - caso em que poderá onerar apenas uma ou alguma das fracções - ou á constituição de relações de usufruto ou de servidão, caso em que só poderá uma ou algumas das fracções. [[7]]         

A eficácia imediata do titulo constitutivo “[é], fundamentalmente, um acto gerador de autonomização jurídica das fracções do edifício que preenchem os requisitos indicados no artigo 1415.º e poderá também - acrescente-se agora - um acto modelador do estatuto da projectada propriedade horizontal, sempre que nele se estabeleçam regras que completem o regime legal ou dele se afastem (na medida em que a lei o permita). Estas regras, embora resultantes de uma declaração negocial, adquirem força normativa ou reguladora, vinculando, desde que registadas, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento.” [[8]]       

Desta situação jurídica decorre, de forma irrefragável, que as partes comuns definidas no titulo constitutivo como tal, se devem manter inalteradas ou pelo menos sem possibilidade de modificação, por acção individual, própria e autónoma dos proprietários das unidades exclusivas ou fracções, até que, por acordo de todos os condóminos – cfr. n.º 1 do artigo 1419.º do Código Civil. [[9]]    

O título constitutivo constitui-se, assim, como um acto negocial complexo ou composto em que, para além da definição dos termos específicos e próprios da constituição da propriedade horizontal, os declarantes pretenderam deixar constituído um ónus sobre a propriedade horizontal que acabavam de declarar deixar constituída, a saber uma servidão de passagem.

A modificação do título, por eventual desnecessidade ou não uso da servidão de passagem, nunca poderia ocorrer por decisão judicial, pela singela razão que, sem acordo de todos os condóminos ou não estando todos representados numa acção a propor para o efeito, não vingaria uma acção negatória de servidão de passagem, existente sobre uma parte comum, por ausência de um pressuposto processual da acção, a saber a legitimidade (activa). E, por reversão de raciocínio, ad absurdum, estando todos os condóminos de acordo, a acção seria redundante e desnecessária, pois bastaria operar a modificação por uma das formas indicadas no n.º 1 do artigo 1419.º do Código Civil – escritura pública. Daí que, como prescreve a lei, a modificação da escritura apenas possa ser efectuada por acordo de todos os condóminos.   

Do que vem dito decorre, desde logo, uma consequência que deveria ter obstado ao conhecimento do pedido de extinção da servidão de passagem, desnecessidade, por parte dos 2.º e 3.º réus, qual fosse a falta de um pressuposto processual para a acção, a saber a legitimidade activa.  
É que, os autores estão na acção desacompanhados do outro condómino e não provam que sejam os administradores do condomínio, com poderes especiais para exercer o direito destinado a discutir a posse ou um direito real relativo – neste caso a servidão de passagem – que onera uma parte comum do condomínio – cfr. 1437.º, n.º 3 do Código Civil. Preceitua este artigo que se exceptuam das situações em que a lei atribui legitimidade ao administrador “[as] questões de propriedade ou posse doas bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.” 
Vale por dizer que nas questões em que se debatam questões de propriedade ou posse dos bens comuns, a legitimidade, tanto activa com passiva, deve ser assegurada por todos os condóminos, a menos que a assembleia atribua poderes especiais ao administrador.
No caso que vem a litigio, os autores pretendem que seja declarada extinta uma servidão de passagem constituída por acto negocial (na própria escritura de constituição de propriedade horizontal), por desnecessidade. Por um lado porque os primeiros réus, condóminos não utilizam a passagem e por outro porque “[Desde] logo, porque, inicialmente, os segundos e terceiros recorridos acediam à via pública, quer pelos seus próprios terrenos, quer por passagem pelo lote descampado (que haveria de pertencer aos recorrentes). Esta passagem era, assim, utilizada por mero comodismo daqueles. Depois, foi edificada a habitação (que pertence, actualmente, aos ora recorrentes) e os recorridos apenas a pretenderam manter abusivamente, porque sempre serena, objectiva e subjectivamente, desnecessária, inútil e ilegal.
Mais, o prédio dos ora recorrentes foi adquirido livre de quaisquer ónus ou encargos [conforme Escritura Pública (doc. 3, junto à p.i.)] e nunca constou na respectiva descrição Predial, qualquer averbamento de ónus ou encargo de passagem, relativamente ao prédio dos ora recorrentes – cfr. doc. 1, junto à p.i. e factos 1), 2), 4) e 6) da matéria assente.
Assim, ficou afastada a existência de alguma servidão (cfr. Acórdão do S.T.J., de 19 de Julho de 1979, no BMJ, 289.º, págs. 326 e segs.) consubstanciando, a passagem, um parcelamento – restrição ilegal e nula da propriedade dos ora recorrentes – art. 1306.º, n.º 1 do Cód. Civil.
Nesta esteira, a previsão – no titulo constitutivo da propriedade horizontal – dos “dois corredores, um na parte lateral norte e outro no tardoz, lado poente, os quais dão também de servidão de passagem a pessoas para os anexos contíguos a poente” também não surtiu quaisquer efeitos, sequer em beneficio dos segundos e terceiros recorridos, alheios ao condomínio. Era manifestamente injustificada e ilegal.
In casu, os corredores não servem de passagem comum a dois ou mais condóminos e estão afectos ao uso exclusivo dos ora recorrentes. Aliás, a primeira recorrida carecia de interesse na passagem (designadamente, pelo facto constante no ponto 15. da matéria assente) e legitimidade na presente demanda, até porque desde 2006 deixou de ser condómina, conforme certidão permanente do registo predial online, com o código de acesso PP-0469-86820-1º 140 1-00 1519, que se junta como doc. 1.

O exercício do direito (negatório ou de sentido negativo) que pretendem exercitar, porque atina com um direito real, só poderá ser exercitado por todos os condóminos ou pelo administrador munido de poderes especiais para o efeito. [[10]

Concedendo que os autores possuíam legitimidade para o pedido de declaração de nulidade de uma cláusula contida no título constitutivo, desacompanhados do outro condómino, por este ter intervindo na escritura e, por isso, ter interesse em contradizer, já não se concede que para o pedido que formula neste recurso - com a restrição/limitação que faz do recurso - conserve essa legitimidade.    

A verificação dos pressupostos processuais, neste caso da excepção dilatória de ilegitimidade activa, é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida em qualquer momento do processo.

Porque assim declaram-se os autores partes ilegítimas, para o pedido que formulam de extinção de servidão de passagem constituída no título constitutivo de propriedade horizontal.     
II.B.2 – Violação dos direitos de personalidade (privacidade e reserva da vida familiar); Abuso de Direito.
Ainda que reputemos duvidoso que, falecendo legitimidade aos recorrentes para pedirem a extinção da servidão de passagem a possuam para pedirem indemnização por violação dos direitos absolutos de personalidade que reputam lesados, na raiz do direito que estão impedidos de exercitar, ou seja por não lhes ser reconhecido um pressuposto (ainda que formal) da providência jurisdicional pedida, não deixaremos, ad cautelam, de apreciar estes fundamentos do recurso. 
Estimam os autores que os réus lesam e violam o seu direito de “propriedade” “[pelo] que, também os direitos de personalidade dos recorridos protegidos pelos arts. 70.º e 80.º do Código Civil e artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, foram desrespeitados.
Assim, o douto Acórdão, na parte sub judicie, não atendeu aos Princípios e normas, indicados, consequentemente, deve ser revogado e alterado por outro que declare a passagem extinta, bem como, condene os recorridos, presentes e/ou futuros inquilinos destes, de se absterem de praticar quaisquer actos que violem os direitos de personalidade e impeçam ou diminuam o pleno exercício do direito de propriedade, dos recorrentes, assim como, ordenado o encerramento e tapamento das portas dos anexos, situados nos respectivos prédios, com as demais consequências legais.
Sem prescindir e sempre com o devido respeito por melhor opinião, no Douto Acórdão também não se verificou a correcta aplicação do art. 483.º, do Código Civil, porquanto, a conduta ilícita e abusiva dos recorridos, causou directa e necessariamente danos aos recorrentes devidamente invocados, pelo que, deviam ser condenados a pagar uma indemnização, a fixar em liquidação de Sentença (art. 569.º do Cód. Civil)
Consideram as recorrentes que a sua intimidade e privacidade familiar são constantemente devassadas, dado que quem quiser passa pelo corredor invadindo a sua propriedade – cfr. fls. 548 - agindo em desvio de um direito, “[por] existir manifesta desproporcionalidade entre a vantagem ilegitimamente auferida pelos segundos e terceiros recorridos e o sacrifício imposto aos ora recorrentes.”
A dimensão jurídica em que os recorrentes colocam a questão – aliás de forma um pouco atribulada e desconectada – permitem a análise, como, aliás, parece decorrer do enquadramento conferido a esta problemática, seja equacionada conjuntamente com a aventada questão do abuso do direito. Parece decorrer, itera-se, das alegações – cfr. fls. 547 a 551 - que os recorrentes fazem decorrer do abuso do direito imputado aos recorridos, a obrigação de indemnizar, à raiz dos artigos 334.º e 483.º do Código Civil e 456.º, 457.º do Código Civil.
Incoando por balizar o principio da boa fé, dir-se-á, que nas relações estabelecidas entre os sujeitos jurídicos rege como vector invadeável aquele de que, tanto na formação, como na sua execução dos contratos ou nas demais relações jurídicas relevantes para a ordem jurídica, o lastro sedimentador de um agir e proceder ajustado ao direito se deve pautar pelos valores da correcção, da confiança e da transparência. No dizer da sentença do tribunal da cassação de 18 de setembro de 2009 “como critérios de reciprocidade, finalizados, substancialmente, em manter uma relação jurídica num binário do equilíbrio e da proporcionalidade”. “Na aplicação prática a cláusula geral de correcção e boa fé fornecem critérios de orientação teleológico de conduta nas relações de direito privado, consignando ao intérprete a ideia de obrigação e realizando nesta perspectiva, o que soe chamar-se “fecho”do sistema legislativo”. [[11]]  

Ideia e critério fundante da teoria dos contratos e das relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos jurídicos duma comunidade, a cláusula geral de boa fé permanece ínsita em todas as áreas do direito em que os sujeitos jurídicos devam assumir obrigações e direitos de reciprocidade e de comutatividade. Os comportamentos assumidos nas relações que se estabelecem devem pautar-se por regras de ética e de empenho pessoal no cumprimento dos deveres assumidos de modo a que se torne previsível um são e salutar desenvolvimento do relacionamento contratual estabelecido.

A dessunção das regras de comportamento de correcção relacional só são passíveis de apreciação no que é designado “direito vivente”, no sentido de que é a neste que se verte e exprime a conduta dos agentes sociais e é deste que se induz o particular-concreto para aferição dos parâmetros gerais estabelecidos como regras orientadoras do direito. [[12]]   

Daí que o Juiz, ainda que, “não invente direito novo, mas descobre ou revela direitos e deveres através de um proceder que se pode exemplificar tendo em conta algumas premissas de método”. “Entre estas premissas, os princípios gerais (sobretudo se dotados de cobertura constitucional) desenvolvem uma função fundamental de “directiva” para o Juiz na sua actividade de correcta “concretização” da indeterminação própria do dever geral de boa fé”. [[13]]  

Corolário da cláusula geral ou princípio de boa fé é o exercício dos respectivos direitos ao eito de escopos éticos e sociais “pelo qual o próprio direito vem reconhecido e concedido pelo ordenamento jurídico positivo, o uso anormal do direito pode conduzir o comportamento do particular (no caso concreto) fora da esfera do direito subjectivo, tornando-o, por conseguinte, ilícito, segundo as normas gerais do direito material” [[14]]

A esta nova luz, o abuso do direito é concebido - na teorização feita pela mais recente jurisprudência da Corte Suprema - como uma alteração juridicamente relevante do factor causal no exercício de um direito. O abuso do direito longe de pressupor uma violação no sentido formal delineia, pois, uma utilização alterada do esquema formal do direito, finalizada pelo conseguimento de objectivos ulteriores e diversos aos que estavam indicados pelo legislador”. [[15]]   

Na estatuição do artigo 334.º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

A ordem jurídica não protege de forma indelegável e absoluta um direito subjectivo e o interesse que lhe vai adstrito, no plano de um interesse positivo e funcionalmente tutelado. No desenvolvimento da equação ou tensão entre existência e alcance de interesse e reconhecimento e exercício do direito subjectivo “a ordem jurídica não aceita uma funcionalização geral do reconhecimento da titularidade (ou só do exercício) do direito subjectivo à existência de um interesse digno de protecção legal, objectivamente apreciado, e que tenha de justificar o exercício do direito nas circunstâncias em causa. Antes o direito subjectivo (distinto, pois, por esta nota, dos poderes-deveres ou poderes funcionais) comporta um poder não estritamente funcionalizado, ainda que não necessariamente arbitrário – o que é diverso da imposição de qualquer dever ou ónus de fundamentação teleológica, mesmo apenas em termos de “razoabilidade”. A regra, no direito privado (e correspondentemente com o sentido do modelo jurídico-privado de ordenação e afectação de recursos, terá, aliás, de ser sempre a de que, pelo menos no domínio do direito subjectivo, a definição e interpretação dos interesses para que se exerce o direito subjectivo apenas cabe ao seu titular, podendo, até, incluir, como via para sua satisfação, o próprio não exercício ou a destruição do respectivo objecto (salvo no caso de direitos indisponíveis). E em termos tais que o “substrato teleológico” do exercício da posição apenas relevará quando, além do prejuízo causado a terceiros, for radicalmente dissonante, ou contrário, em relação ao que pode justificar o reconhecimento do direito subjectivo e a colocação ao seu serviço do aparelho sancionatório estadual – em termos, portanto, de a movimentação deste aparelho se revelar inexigível in casu”. [[16]]   

Na acepção de Orlando de Carvalho, versado pelo Autor citado, “O abuso de direito existe quando há um exercício do direito fora do âmbito do exercício do poder de autodeterminação que é próprio fundamento do reconhecimento de direitos subjectivos, propondo, como critério para o apurar a falta de interesse no exercício do direito a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente. Esta concepção implica, pois, uma distinção em relação à boa fé entendida enquanto norma de conduta: enquanto nesta está em causa uma regulamentação da conduta dos particulares, um problema de actuação contra legem, no abuso de direito o que é relevante não é a violação do direito objectivo, e sim a falta de interesse conjugada com a “transcendência do prejuízo”.” [[17]]  

O abuso de direito enquanto forma desviada e jurídico-socialmente reprovável de um direito subjectivo constitui-se como paralisador do exercício do direito na medida em que o interesse (positivo) prosseguido pelo respectivo titular se coloca numa posição de defraudação da expectativa jurídica expressa na estabilização jurídico-material da normação adrede. Vale por dizer que a ordem jurídica ao estabelecer consagrar as regras de accionamento e exercício dos direitos conleva um feixe de interesses que na sua tensão e conflitualidade podem obnubilar o interesse positivo associado ao direito subjectivo desde que o prejuízo que desse exercício advenha sobreleve na sua extensão e alcance.

“Como consequência de um eventual abuso do direito, o ordenamento põe uma regra geral, no sentido de recusar a tutela aos poderes, direitos e interesses exercitados em violação das correctas regras do exercício, posto serem mediante comportamentos contrários à boa fé. Nesta forma de “mancanza di tutela” está a finalidade de impedir que possam ser conseguidos ou conservadas vantagens - e direitos conexos - através de actos em si estruturalmente idóneos, mas exercitados de modo a alterar-lhe a função, “violando la normativa di correttezza”. [[18]]        

Os recorridos utilizam a servidão no uso de um direito que lhes está conferido, e reconhecido, em título constitutivo de um direito de propriedade horizontal a que eles são alheios. O direito exercitado flui, neste caso, de uma destinação exterior mas que se inere na sua esfera de direitos exercitáveis.

Não decorre da matéria de facto provada que os réus exerçam o direito de servidão de passagem consignado no título de constituição de propriedade horizontal em contravenção com o normal e corrente exercício do direito de que são titulares. Nem está alegado que fazem um uso excessivo, desproporcionado, insano ou desadequado da servidão a que têm direito. Não podem servir de fundamento a uma situação abusiva o facto de no uso e fruição de um direito legitimo e lícito poder causar incómodos ou desprazeres na esfera jurídica e pessoal de um outro sujeito – no caso o sujeito obrigado a suportar o exercício do direito – porquanto o exercício de direitos, quando concorrentes ou refractados, comporta, de um modo geral, uma compressão, fricção e/ou limitação dos direitos de cada um dos sujeitos envolvidos no amplexo de direitos criados, propiciando recíprocas cedências que possibilitem a compatibilização dos direitos e interesses em jogo. Esta mútua e recíproca convivência de direitos sobrepostos e sobreponíveis não se pode erigir em fundamento de abuso de direito na medida em que as relações sociais se constroem e mantêm numa permanente busca de pontos de equilíbrio e de harmonização de interesses contrapostos, havendo, outrossim, que na consecução de uma convivência socialmente aceitável procurar observar e respeitar os direitos que a cada um a ordem jurídica confere.

Não se verificam os pressupostos subsumíveis à figura do abuso de direito.       

Não ocorrendo abuso de direito não se descortina uma situação de lesividade ou ofensividade de direitos absolutos de personalidade, consubstanciados neste caso, na reserva da intimidade da vida privada ou na proibição da devassa da intimidade pessoal.

Como se deixou dito supra a pretensa ofensa aos preditos direitos fundamentais radicava no uso de um direito – de servidão de passagem – por uma parte comum do prédio de que os autores são condóminos. A fruição de um direito não pode assoalhar uma obrigação e indemnizar com base na responsabilidade extracontratual pela singela razão que falece um dos pressupostos axiais em que assenta este instituto, a saber a ilicitude da conduta e a culpa do agente lesante. Sem que se mostrem preenchidos estes dois requisitos, ilicitude e culpa, e não se antolha como possa o exercício legítimo e licito de um direito, gerar uma situação de responsabilização geradora da obrigação de indemnizar.

Os recorrentes escoraram o seu pedido na violação ou lesão de um direito de outrem – cfr. artigo 483.º do Código Civil -, nomeadamente na violação do direito de propriedade e dos direitos de personalidade.  Como pensamos ter demonstrado supra, os réus exercem um direito legitimo e reconhecido por um título de propriedade, pelo que não será possível imputar-lhe uma conduta lesiva dos direitos de outrem que sustente o pedido de indemnização com base na responsabilidade civil extracontratual.    

Falece, também, este pedido dos recorrentes.

III. – DECISÃO.

Na defluência do que foi exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Considerar os autores partes ilegítimas para a formulação do pedido de extinção de servidão, por desnecessidade, por desacompanhados do outro condómino, absolvendo os réus da instância;

- Negar a revista quanto ao demais peticionado;

- Condenar os recorrentes nas custas.                

  

Lisboa, 15 de Novembro de 2011

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves                         


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[1] Cfr. Oliveira Ascensão, José, in “Direitos Reais”, Almedina, Coimbra, 1978, pág. 498.
[2] Cfr. Henriques Mesquita, António, in op. loc. cit. pág. 142 e 146 e 147.
[3] Embora a lei tipifique este direito como propriedade horizontal nada impede que seccionamento possa verificar-se em linha vertical, mister é que existam partes comuns; “se esse seccionamento se faz mas cada uma das partes obtidas tem absoluta autonomia, sem existência de partes comuns, então não há propriedade horizontal”. Mota Pinto, “Direitos Reais”, págs. 272 e segs. Posição, algo diversa parece defender António Henriques Mesquita, no artigo “A Propriedade Horizontal no Código civil Português”, Revista de Direito e Estudos Sociaisi, XXIII, 1976, pág. 84, quando escreve, “[importa] observar, no entanto, que se um edifício for dividido verticalmente (por exemplo entre dois ou mais comproprietários), em várias fracções ou corpos autónomos, nem sempre deverá aplicar-se o regime dos artigos 1414.º e segs.. É que, conforme referimos já, o instituto da propriedade horizontal assenta no pressuposto de que cada uma das fracções resultantes da divisão não tem autonomia estrutural e só adquire autonomia funcional através da utilização de partes do edifício que necessariamente hão-de estar afectadas também ao serviço de outras fracções. Ora pela divisão através de planos verticais ou perpendiculares pode conferir às várias fracções plena autonomia sob qualquer dos pontos de vista. Quando assim aconteça, deixa de haver motivo para aplicar o regime da propriedade horizontal (maxime o preceito do art. 1428.º). Cada fracção deverá passar constituir objecto de um direito de propriedade normal.”
Cfr. ainda a este propósito o que foi escrito no recente acórdão, de 20-10-2011, tirado nesta secção de que foi relator o Conselheiro Martins de Sousa e que subscrevemos com adjunto. “Trata-se de uma figura jurídica nova, de um direito real novo que, embora moldado sobre os direitos reais à custa dos quais se formou, é mais do que a sua justaposição, reunindo uma teia de relações num complexo incindível de propriedade singular que recai sobre uma parte determinada de um prédio urbano e de compropriedade sobre outras partes dele, essenciais tanto à sua estrutura como à sua utilização funcional, quer dizer, ao exercício do domínio pleno sobre ele (cfr Oliveira Ascensão, A Tipicidade dos Direitos Reais, 1965, 195, Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2009, 335, Manuel H. Mesquita, A Propriedade horizontal…., Separata da RDES, 53.
Como escreveu este último autor: “o que há de específico no direito de propriedade sobre as fracções autónomas é apenas o facto de sobre tal direito impenderem restrições que não derivam do regime normal do domínio mas que a lei estabelece ou permite em virtude de o objecto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras fracções pertencentes a proprietários diversos” (idem, 71).
[4] Cfr. Henriques Mesquita, António, in op. loc. cit. pág. 121 a 123.

[5] “Se o estatuto da propriedade horizontal se traduzisse na justaposição ou cumulação pura e simples, sem alterações, do regime de outros direitos reais admitidos por lei, os particulares poderiam criar livremente figuras desta índole, sem violarem o principio do numerus clausus. Mas precisamente porque há um direito novo, embora moldado a partir de figuras preexistentes, situações como a da propriedade horizontal devem considerar-se subordinadas àquele principio limitativo da autonomia privada. Só podendo constituir-se nos precisos termos em que a lei as admita.
(…) o que há de específico no direito de propriedade sobre as fracções autónomas, em confronto com o regime geral do domínio, é apenas o facto de sobre tal direito impenderem restrições que não derivam do regime normal da propriedade, mas que a lei prevê em virtude de o objecto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras fracções pertencentes a proprietários diversos. Esta situação de facto cria entre os condóminos uma especial interdependência e origina conflitos de interesses para os quais se não encontraria solução adequada com o simples recurso às normas gerais do direito de propriedade” – Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. III, pág. 397 
[6] Cfr. Henriques Mesquita, António, in op. loc. cit., pág. 91. 
[7] Cfr. Henriques Mesquita, António, in op. loc. cit. pág. 97-98.
[8] Cfr. Henriques Mesquita, António, in op. loc. cit. pág. 100.

[9] Neste sentido o douto acórdão de 03-10-2006, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, “A modificação do título constitutivo da propriedade horizontal apenas pode ser efectuada de acordo com o preceituado no art. 1419.º, n.º 1, do CC, e nunca através de decisão judicial.” Cfr. ainda Cfr. Henriques Mesquita, António, in op. loc. cit. pág. 128 a 141 (quanto ao fim e utilização das partes comuns e ainda quanto à sua gestão e administração).

[10] Cfr. Ac. do STJ, de 05-05-2007 “I – A falta de deliberação da assembleia de condóminos que legitime o administrador para propor uma acção radica numa excepção dilatória (art. 494.º, al. d), do CPC), de conhecimento oficioso (art. 495.º do CPC). II – A declaração genérica feita no saneador sobre as excepções dilatórias não faz caso julgado formal (art. 510.º, n.º 3, do CPC).
[11] Extraída de “La Buona Fede e L’ Abuso del Diritto. Principii, fattispecie e cauistica”, de Gianluca Falco, Giuffrè Editore, Milano, 2010, pág. 4 e 6. 
[12] Cfr. Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 20 (Cassação de 13 de abril de 1999, in Foro It., 1999, 12,I,3558)
[13] Vetorri, in “Il diritto dei contratti fra Constituzione, códice civile e códice di settore”, in Riv. Trim. Dir, proc. civ., 2008,3, 751, citado em Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 21 e 22. “Questa operazione vaIutativa compiuta daI giudice di merito nell’ applicare clausole generali non sfugge ad una verifica in sede di giudizio di legittimità, Sotto iI profilo della correttezza dei metodo seguito nell’ applicazione della clausola generale, proprio perché l’ operatività, in concreto di norme di tale tipo deve rispettare criteri e principii desumibili dall’ordinamento general (a cominciare dai principi costituzionali) e dalla disciplina particolare in cui la concreta fattispecie si colloca.
Lo stesso giudice di legittimità, (cui spetta, quindi, iI giudizio sulle opzioni di valori dei giudice dii merito), e, d’altra parte, anche giudice della logjcità delle decisioni” dello stesso (art. 360 n. 5 c.p.c.), in quanto anche ancorata a standards che possono definirsi sociali: per esser la stessa società iI punto di riferimento paramétrico dei processo lógico; ne consegue che iI controllo esercitato dalla Suprema corte, ai sensi dell’art. 360, n. 3, c.p.c., comprenderà non solo l’erronea interpretazione, e dunque iI fraintendimento, del significato del concetto indeterminato o elástico, ma anche l’ errónea applicazione dello stesso com riferimento ai caso di specie e, dunque, l’erronea. sussunzione della fatlispecie materiale concreta nella fattlspecie legale astratta delineata dal legislatore com l’utilizzazione di quel concetto.” 
[14] Gianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 23. “Qggi, l’abuso deI diritto viene, dunque, individuate nel comportamento di un soggetto che esercita i diritti che gli derivano dana legge o dal contratto per realizzare uno scopo diverso da qüello cui questi diritti sono preordinati: la figura concerne, cioè, le ipotesi nelle quali un comportamento, che formalente integra gli estremi dell’ esercizio del diritto soggettivo, deve ritenersi illecito sulla base di alcuni criteri di valutazione.”
[15] Cianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 381. Na sentença (cassação) de 18 de setembro de 2009, definiram-se os elementos constitutivos do abuso de direito pela forma seguinte:”1) a titularidade de um direito atribuída a um sujeito;2) a possibilidade que o concreto exercício do referido direito possa ser efectuado segundo uma pluralidade de modalidade não rigidamente predeterminada; 3) a circunstância que tal exercício concreto, ainda que se formalmente respeitador da moldura atributiva do referido direito, seja desenvolvido segundo uma modalidade censurável com respeito a um critério de valoração jurídico ou extra jurídico; 4) a circunstância que, devido  a uma tal modalidade de exercício, se verifique uma desproporção injustificada entre o beneficio do titular do direito e o sacrifício daquele que è constrito à contraparte”.      
[16] Mota Pinto, Paulo, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol., Coimbra Editora, 2008, pag. 485.
[17] Op. loc. cit. pag. 485 que cita Orlando de Carvalho in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1981, págs. 45.
[18]Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 387.