ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
850/2001.C1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/03/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA DO AUTOR E CONCEDIDA PARCIALMENTE A DO RÉU
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR ÁLVARO RODRIGUES

DESCRITORES CONTRATO - PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INTERVENÇÃO DE UM SÓ CÔNJUGE PROMITENTE
EXECUÇÃO ESPECÍFICA

SUMÁRIO
I- O contrato-promessa celebrado para a alienação de bens comuns do casal é válido, ainda que celebrado por apenas um dos cônjuges sem a intervenção do outro.

II-  Segundo a mais aplaudida doutrina, tal contrato-promessa é válido, porquanto nele o promitente vendedor não emite uma declaração de alienação do bem, mas apenas se limita a prometer realizar, no futuro, o contrato-prometido, cabendo-lhe envidar os esforços para que na data da realização do acto negocial de compra e venda o outro cônjuge venha a prestar o seu consentimento.

III- É de referência o estudo dos Professores Antunes Varela e Henrique Mesquita, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1993 ( Revista de Legislação e Jurisprudência, n 3385, pg 296 e segs) em que aqueles Ilustres Civilistas assim consideram:

« Nos casamentos cujo regime de bens seja a comunhão geral ou a comunhão de adquiridos, nenhum dos cônjuges pode alienar bens imóveis, próprios ou comuns, sem o consentimento do outro ( artº 1682º-A). Mas nada impede que qualquer dos cônjuges assuma, em contrato-promessa, a obrigação de alienar bens desta natureza – assim como nada obsta a que, por exemplo, um comproprietário assuma, sozinho, a obrigação de alienar a coisa comum ou parte especificada dela, ou que alguém assuma a obrigação de alienar coisa alheia»

IV- Porém, a execução específica do contrato-promessa de compra e venda não é possível se o cônjuge do promitente vendedor não se tiver obrigado conjuntamente com ele, ainda que este venha a falecer, pois tal execução seria uma violência contra a vontade e contra o livre exercício do direito de propriedade do cônjuge supérstite, violência inadmissível na ordem jurídica que nos rege.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

RELATÓRIO

Em 26.11.2001, AA intentou acção (850/2001) contra a Herança Aberta por óbito de BB, representada por CC e Outros, pedindo a adjudicação do prédio referido na petição inicial dos autos principais através de sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos faltosos, ou, se assim não se entender, a adjudicação de metade do prédio, nos mesmos termos, e a condenação da ré a pagar-lhe o valor venal da parte que não possa ser adjudicada. Subsidiariamente, pede o autor a condenação da ré a pagar-lhe o dobro do sinal recebido, acrescidos de juros e da correcção monetária.

Em 15.4.2004, intentou contra a mesma herança outra acção (inicialmente com n°1981/04.OTBLRA e que tomou depois o nº 850-A/2001) em que pede a adjudicação de metade dos prédios referidos sob as alíneas a) e c) do artigo 18º, dessa petição inicial, a condenação da ré a pagar-lhe o valor venal de metade do prédio referido na alínea b) do mesmo artigo; subsidiariamente, pede a condenação da ré a pagar-lhe o dobro do sinal recebido, acrescidos de juros e da correcção monetária.

Para tanto (seguindo-se, doravante, o relatório da 1ª instância) alega, em ambas as petições iniciais, que era emigrante em França à data dos factos, tendo entrado em conversações com BB, que se dedicava à compra, venda e administração de imóveis, com vista à eventual celebração de negócios jurídicos sobre imóveis.

Alega ter celebrado com BB, em 11 de Julho de 1981, um contrato promessa de compra e venda pelo qual este lhe prometeu vender, e o autor comprar, metade de uma propriedade rústica sita em ..., constante de promessa de venda celebrada com a Administração de Bens DD (autos principais), bem como metade dum terreno para construção situado em ..., constante da promessa de venda celebrada com EE, metade de uma propriedade rústica sita na freguesia de Pousos, constante da promessa de venda celebrada com FF e metade de um pinhal situado na freguesia da Barosa, constante da promessa de venda celebrada com GGe irmãos. (autos apensos).

O prédio em causa nos autos principais (o primeiro dos atrás referidos) encontrava-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o artigo 1211, e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº …, a fls. 148 do Livro ....

O preço ajustado foi o de Esc. 12.190.000$00, que foi pago pelo autor na totalidade.

Tal prédio, a pedido do falecido BB e com a colaboração da referida Administração DD, foi objecto de um processo de discriminação na Repartição de Finanças, dando origem a dois prédios: um inscrito na matriz sob o artigo 2044 e descrito na Conservatória sob o nº …/..., e o outro inscrito sob o artigo 2045 e descrito sob o nº ..(o primeiro com a área de 21000 metros quadrados e o segundo com 29.120m2).

O primeiro destes prédios foi entretanto alienado, a pedido de BB, pela Administração DD a HH, tendo este sido representado na escritura, por procuração, pelo próprio BB.

E o segundo foi vendido, no mesmo dia, por aquela Administração ao falecido BB, que o adquiriu no âmbito da sua actividade empresarial, tendo a compra ficado isenta de Sisa.

Mais alega que quer a divisão da propriedade em 2 prédios, quer a venda do primeiro, foram feitas sem autorização do autor, e sem que este tivesse recebido qualquer parte do preço, sendo certo que o segundo dos prédios, adquirido pelo falecido, só pode ser o destinado ao autor, até por ter sido convencionado que a metade do prédio original que seria para o autor seria a que se situa do lado dos ..., lado poente do prédio (e de facto, a parte por alienar, registada em nome do falecido, situa-se do lado poente).

Nos autos apensos, o autor pagou também na totalidade os preços estipulados no contrato promessa, ou seja, Esc. 400.000$00, 775.000$00 e 1.100.000$00, respeitantes, respectivamente, ao terreno sito em ..., ao prédio sito em Pousos e ao pinhal sito na Barosa.

O terreno sito nos ... encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial como terreno destinado a construção desanexado do nº …, a fls. 131v. do Livro B-221, sito em Meia Légua, Lote 4, com a área de 864m2, descrito sob o nº …/...;

O prédio de Pousos, como terra de cultura com árvores de fruto, eucaliptos e carvalhos no aglomerado urbano, sito na Ordem, Pousos, com a área de 12.360m2, descrito sob o nº …/Pousos;

          O pinhal na Barosa como Terra de pinhal e eucaliptal, sito na Carreira de Água, Barosa, com a área de 7.140m2, descrito sob o nº …/Barosa. Estes prédios foram adquiridos pelo falecido BB a EE e mulher, a FF e a GG e irmãos, respectivamente.

Em ambos os autos alega o autor que,  quando das negociações do contrato promessa, foi sempre entendido pelas partes que o contrato ficava sujeito à execução específica, sendo certo que o falecido por mais de uma vez referiu ao autor que o contrato que com ele ia celebrar lhe atribuía a faculdade de obrigar o BB a cumprir, em caso de recusa voluntária deste, chegando mesmo a dizer que a lei portuguesa sujeitava todos os contratos-promessa à execução específica, independentemente de tal constar do contrato.

E foi por essa razão que o autor entregou ao falecido BB a totalidade do preço dos vários prédios.

Sucede que, até à presente data, nem o falecido nem os seus herdeiros cumpriram o contrato promessa apesar de várias vezes interpelados para tal, nomeadamente por cartas.

E o autor viu-se obrigado a interpelar judicialmente BB e mulher para cumprir o contrato, por notificação judicial avulsa de 7 de Dezembro de 1992, na qual pedia os elementos necessários e informava ter marcado a escritura para o dia 22 de Janeiro de 1993, pelas 16 horas, no 2º Cartório Notarial de Leiria. Os requeridos foram notificados e ficaram cientes do conteúdo da mesma.

Porém, os notificados não forneceram ao autor os elementos pedidos, nem compareceram no Cartório para efectuar a escritura, não tendo vindo, quer perante o autor, quer perante o Notário, justificar a sua falta.

Regularmente citados, vieram os herdeiros de BB apresentar contestação em ambos os autos, impugnando os factos alegados, sustentando não estarem reunidos os requisitos para que se possa verificar a execução específica e deduzindo as excepções da ilegitimidade passiva dos réus herdeiros (nos autos principais) e da litispendência, bem como do caso julgado nos autos apensos.

Quanto àquela, alegam que se encontra pendente um processo com o mesmo pedido e causa de pedir, sendo também as partes as mesmas do ponto de vista da sua posição na relação controvertida.

Invocam, ainda, a ineptidão da petição inicial, dada a desconformidade de identificação dos prédios entre o contrato promessa e o pedido formulado.

O autor veio replicar, rejeitando a verificação de litispendência, a propósito da qual defende existir litigância de má fé dos contestantes, e sustentando ter demandado a herança e não os herdeiros, sendo certo que a CC era casada com BB no regime de comunhão geral de bens e a actividade do mesmo revertia em proveito comum do casal, pelo que não se verifica a ilegitimidade invocada.

Foram proferidos despachos saneadores em ambos os autos, nos quais foram julgadas improcedentes todas as excepções invocadas e os réus condenados, como litigantes de má fé, em multa e em indemnização a fixar, convidando-se as partes a pronunciar-se sobre o montante desta, tendo, no mais, as instâncias sido julgadas válidas e regulares, e foram elaboradas as selecções da matéria de facto, que não foram objecto de reclamação.

Das decisões sobre as excepções e de condenação como litigantes de má fé foram interpostos recursos, que foram admitidos como agravo, com subida diferida e efeito suspensivo quanto à litigância de má fé e devolutivo quanto às excepções.

Por despacho proferido a fls. 523 dos autos principais, foi determinada a apensação das acções, tendo sido pelos Réus interposto recurso do mesmo, que foi admitido como agravo, com subida diferida e efeito devolutivo.

         Realizado o julgamento da causa, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré Herança a pagar ao Autor a quantia de € 114.302, 22 ( cento e catorze mil trezentos e dois euros e vinte e dois cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação.

Inconformados, interpuseram as partes recursos de Apelação da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo com este recurso subido os diversos Agravos entretanto interpostos.

O Tribunal da Relação, em acórdão único, decidiu:


         a) Negar provimento ao agravo do despacho saneador proferido no processo nº 850/2001 e confirmar o despacho recorrido;

           

b) Conceder provimento ao agravo do despacho que condenou os réus como litigantes de má fé, no processo nº 850/2001 revogar o dito despacho e anular, consequentemente, o despacho de 11.6.2004, a fls. 474 e seg., que fixou nos termos do art. 457, nº 2 do CPC, a indemnização a favor do autor e do seu ilustre mandatário;

c) Julgar, consequentemente, inútil o recurso interposto a fls. 484 do despacho de fls. 474;

d) Negar provimento ao agravo do despacho de 16.12.2003, a fls. 407 e confirmar o despacho recorrido;

e) Negar provimento ao agravo do despacho de 13.10.2005, a fls. 601 e segs e manter o despacho recorrido;
           
            f)  Negar provimento ao agravo do despacho saneador proferido no processo nº 850-A/2001 e confirmar o despacho recorrido;

g) Conceder provimento ao agravo do despacho que condenou os réus como litigantes de má fé, no processo nº 850-A/2001, revogar o dito despacho e anular, consequentemente, o despacho de 28.4.2005, a fls. 237 seg. na parte em que fixou nos termos do art. 457, nº 2 do CPC, a indemnização a favor do autor e do seu ilustre mandatário fixou a importância da indemnização, nos termos do art. 457, nº 2 do CPC.
           
            h)  Julgar a apelação da sentença parcialmente procedente, revogar, em parte, a sentença e, consequentemente, declarar transferida a favor do autor a propriedade dos prédios acima designados pelas letras C) e D).
           
            i)  Confirmar, no mais, a sentença relativamente ao prédio designado pela letra A), condenando-se os réus a pagar ao autor a quantia de € 121.606,92, correspondente ao dobro do sinal entregue, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação ate integral pagamento.
           
            Novamente inconformadas, as mesmas partes (Autor, AA e Ré, Herança Aberta por óbito de BB, representada pelos mencionados herdeiros) vieram interpor recursos de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando as suas alegações, com as seguintes:

         CONCLUSÕES

           

Do Recurso do Autor

a) O recorrente dá por reproduzidas as conclusões oferecidas nas Alegações que apresentou dirigidas ao Superior Tribunal da Relação de Coimbra, de fls. 827, na parte que possa ter interesse para este recurso;

b) No acórdão sub judice julgou-se a sentença em relação à Apelação, parcialmente procedente, declarando transferida a favor do Autor a propriedade dos prédios designados pelas letras C e D, confirmando no restante a sentença no que diz respeito ao prédio referido em A e em relação ao pedido de correcção monetária.

c) O que se tem de concluir que na Apelação, o Autor, ora recorrente, decaiu na questão do pedido de adjudicação, em execução específica do prédio referido na al. A), ou seja o que se situa nos ..., assim como na correcção monetária;

d) Mas o Colectivo, assim como o Juiz de 1ª Instância estavam obrigados a sindicar a questão de fundo, ou seja, verificarem se não existiam outros elementos de prova que pudessem sustentar a pretensão do Autor, ora recorrente;

e) E de facto efectuada uma análise consciente aos autos verifica-se que é evidente a razão do recorrente, e que os elementos factuais comportam tal decisão, levando em consideração, quer os elementos de prova ali existentes, quer o comportamento dos Réus ora recorridos, e ainda o tempo passado sobre os factos e a "feroz" oposição destes ao legal cumprimento do contrato-promessa, pelo que se deviam aplicar os artigos 344° e 357° ambos do Código Civil;

f) Na verdade o facto de nem toda a matéria factual levada ao questionário ter sido dada por provada. Muito em especial, na plenitude o quesito 6º e não provada o quesito 7º só por si podia não levar ao insucesso da acção, como o Autor está convencido e acima demonstrou;

g) Mas, o Superior Tribunal da Relação não procedeu a um exame crítico das provas que lhe competia analisar, nos termos apontados, não aplicando quer a lei adjectiva quer a lei substantiva aplicável, artigos 646°, 659° do Código Proc. Civil e artºs 344°, 357°, 551°, 562°, 564°, 798° e 799° todos do Código Civil;

h) E de facto o Supremo Tribunal pode sindicar esta aplicabilidade daquelas normas pela Relação, por força dos artigos 722° e 729° ambos do Código Civil;

i) Como o recorrente demonstrou nas motivações do seu recurso, e muito em especial na rubrica Subsunção Jurídica, a Relação omitiu factos que se fossem levados em consideração, não   podiam   deixar   de   levar   à procedência da execução específica, em relação ao prédio a que se refere o artigo 2045 dito em ..., freguesia de Leiria, com a compensação da diferença entre a área discriminada do prédio inicial;

j) Ou quando assim não se entenda que seja adjudicado ao recorrente pelo menos metade do referido prédio, assim como a diferença dos montantes pagos em função do prédio na totalidade.

k) E também devem condenar os Recorridos nos montantes que estejam obrigados a devolver, estes corrigidos pela correcção monetária, ou seja, condenar-se os RR no sinal em dobro, nos juros legais, e naquela correcção monetária, por força dos artigos já referidos.

I) E, por outro lado, como se demonstra nestas alegações os Réus ao longo destas acções vieram contestar com evidente má fé, ao faltarem a verdade, violando a al. a), b) e d) do n° 2 do artigo 456° do Código de Processo Civil.

Do Recurso da Ré Herança

1-A deserção da instância após contestação equivale à desistência do pedido.

2-Tendo a Relação de Coimbra aceite a "coincidência substancial entre" uma das acções agora em causa e uma outra que a antecedera e terminou com deserção da instância, ao decidir de mérito parte da presente acção [a matéria relativa aos prédios C) e D)] violou caso julgado.

3-É que a repetição de acções, gerando litispendência ou caso julgado, sendo questões do exclusivo foro processual afectam exclusiva mas efectivamente "o processo seguinte" do mesmo autor impedindo-o de obter decisão que não pela primeira das vias seguidas.

4-Não sendo processualmente legítimo que quem não consegue, não pode ou não quer obter vencimento numa acção a deixe "morrer" por deserção, e instaure uma nova como se nada se tivesse passado ou inclusivamente retire beneficio dessa inacção, repetindo até, eventualmente, esse comportamento até ao infinito.

5-A comodidade - com a qual se concorda e se tem por útil e necessária - que para o Estado e para os Tribunais resulta da "limpeza de pendências "ad eternum" não pode prejudicar, ainda que processualmente, os particulares

Razão pela qual a Relação de Coimbra violou, com o Acórdão em crise, os artºs 291°, art° 672° CPC e 668° n° l, d) do CPC.

6-Tendo transitado em julgado um despacho que determinou que "quanto aos demais aspectos", a apensação era feita sem perda de "autonomia, apenas sendo o seu julgamento conjunto", o trânsito em julgado desse despacho, que aliás a Relação de Coimbra reconhece existir, gera caso julgado formal.

7-A referida decisão determinou a manutenção da autonomia dos processos, seguindo uma das teses possíveis quanto a esta matéria, a tese da manutenção de autonomia de cada processos, e afastou a outra das teses possíveis que é a da unificação de processos.

8-Mesmo que o Tribunal Superior não concorde com o entendimento sufragado pelo Tribunal de 1ª instância e com a tese de apensação de acções subjacente à decisão proferida, o caso julgado obsta à mudança de procedimentos e tramitação que implica o seguimento da tese oposta.

9-O caso julgado que entretanto se formou impede a posterior revogação "oficiosa" dessa decisão e o aproveitamento de actos que só com a tese afastada/rejeitada -e que nem sequer foi seguida no desenrolar dos processos - poderiam ser aproveitados.

 

10- Os despachos destinam-se precisamente a decidir questões passadas, atribuindo apenas e só efeitos para o futuro, o que abrange todo o futuro de ambas as acções, incluindo a tramitação pós sentença.

11- Eventuais objectivos de um despacho, não escritos e não descortináveis na fundamentação, não podem ser atendidos para que a tramitação que o processo passe a seguir nos Tribunais Superiores seja diferente da que vinha e da forma como subiu da 1ª instancia.

12- O caso julgado formal também não permite, como aconteceu, que uma sentença única mas expressa e formalmente dirigida a um e a outro dos processos possa ser atacada em recurso dirigido apenas a uma das acções sem que tenha havido sequer interposição de recurso na acção

13-A interposição de recurso numa única das acções apenas permite que a matéria que concretamente diz respeito a essa acção (prédio A no caso dos autos) seja reapreciada por Tribunal superior.

14- A Relação de Coimbra, ao aceitar como boas alegações de recurso dirigidas a ambas as acções e ao decidir tácita mas efectivamente essa questão, pronunciando-se também sobre a matéria (prédios C e D) que só à acção não recorrida diz respeito, violou caso julgado formal e pronunciou-se sobre matéria sobre a qual não se podia pronunciar (art° 672° CPC e 668° n° 1 d) do CPC).

15- Em sede de lei substantiva a venda de um imóvel enquanto bem comum do casal nunca constitui um acto de mera administração de património validamente praticável por um só dos cônjuges.

16- Pois ao contrário dos vários regimes legais para a administração e alienação, ordinária ou extraordinária dos bens móveis que são comuns do casal, o art° 1682°-A do CC nada distingue para efeitos de alienação e o legislador inclusivamente criou a especial restrição do n° 2 - no art° 1682°-A, sem paralelo no regime dos bens móveis.

17- Sendo notória no Código Civil a adopção transversal de dois regimes substancialmente diferentes, um para móveis e outro para imóveis, que se estende desde a titularidade, à legitimidade, passando pela forma de alienação e pelos prazos de aquisição fundada na posse acolhendo sempre maior cautela, rigidez, formalismo e segurança para os imóveis do que para os móveis.

18- O que impede em sede interpretativa qualquer extensão do regime dos bens móveis aos bens imóveis património comum do casal.

19- Pelo que nada permite "fazer escapar" à letra do referido artigo e à interpretação que maioritariamente a jurisprudência dele efectua aquilo que ele expressa e claramente decreta: sendo imóveis comuns só com o consentimento/intervenção de ambos os cônjuges serão alienáveis.

Só podendo haver execução específica se a intervenção no contrato-promessa foi de ambos os cônjuges.

É indubitável que o falecimento faz alterar, por força até da alteração de titularidade dos bens, a possibilidade de consentimento de um cônjuge.

20- Mas daí não resulta a possibilidade de que o mero falecimento de um dos cônjuges, aliás, no caso concreto o daquele a quem não caberia prestar consentimento porque outorgou o contrato, resultar na eliminação do obstáculo consentimento ligado ... a quem sobreviveu e não consentiu

21- Na lei vigente o falecimento do cônjuge que outorgou promessa não constitui fundamento de desconsideração de vontade do sobrevivo no domínio obrigacional, nem existe disposição legal que ficcione ou seja destinada a sobrepor-se à vontade do sobrevivo no contrato em que só o falecido manifestou vontade, nem sequer opera a cessação da comunhão conjugal.

22- Daí que, tratando-se de bens comuns do casal, ainda por partilhar, e sem consentimento da viúva, não seja possível a execução específica, como o diz aliás, e em contrário do que a Relação de Coimbra afirma, a melhor jurisprudência do STJ.

22- Nenhuma dúvida existe de que a R. mulher não interveio no contrato promessa, não lhe cabendo por isso suportar efeitos de incumprimento diferentes dos patrimoniais

23- Razão pela qual resultaram erradamente interpretados e aplicados, em suma violados, os artºs 1682°-A do Código Civil, mas também os artºs 830°, 405° e 406° n° 2 do CC

Foram apresentadas contra-alegações pelos representantes da Ré Herança, CC e Outros, pugnando pela manutenção do decidido pela Relação.

        

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.

FUNDAMENTOS

         Das instâncias, vem dada como provada a seguinte factualidade:

1) Em 1981, o autor era emigrante em França e, nesta situação, entrou em conversações com BB com vista à eventual celebração de negócios sobre imóveis.(Alínea a) dos factos assentes em ambos os autos).

2) BB era casado com CC, a qual exercia a actividade de enfermeira, em Leiria.(Alínea b) dos factos assentes em ambos os autos).

3) BB dedicava-se, como empresário em nome individual, à actividade de compra e venda e administração de propriedades e à mediação de seguros em todos os ramos, entre outros e, para levar a efeito estas actividades, constituiu uma empresa denominada "Agência de Informações Leiriense", de que era o único proprietário. (Alínea c) dos factos assentes em ambos os autos).

4) Os negócios que BB celebrava com os seus clientes eram formalizados em contratos que apenas eram outorgados por si, em virtude de os mesmos serem efectuados no âmbito da sua actividade empresarial e também em virtude de CC ser funcionária pública. (Alínea d) dos factos assentes nos autos principais).

5) Era desta actividade que o casal constituído por BB e CC adquiria os seus rendimentos, meios de subsistência e recursos económicos para fazer face às despesas da casa, e para os seus investimentos.(Alínea e) dos factos assentes nos autos principais.

6) Encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria a sociedade comercial por quotas "II – de BB & Filhos, Limitada", com o n.º …, com o objecto, o capital social, os sócios e os gerentes que constam da certidão de matrícula junta a fls. 160-164, que aqui se dá por integralmente reproduzida.(Alínea q) dos autos apensos).

7) Em 17 de Outubro de 1999, faleceu BB, tendo deixado sobrevivos a sua esposa CC e os filhos JJe KK.(Alíneas f) dos autos principais e d) dos autos apensos).

8) No dia 11 de Julho de 1981, BB, no âmbito da sua actividade de compra e venda de propriedades, celebrou com o Autor um contrato promessa através do escrito cuja cópia certificada faz fls. 20, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Do mesmo escrito, constam as seguintes declarações:

"PROMESSA DE COMPRA E VENDA

AA, casado, residente em Leiria na Av. …, lote .., Bloco …, …, promete vender ao Senhor BB, casado, residente em Leiria no …, letra …, 1º andar, as seguintes propriedades

- Metade de dois terrenos rústicos situados no lugar de Cardosos, constantes da promessa de venda celebrada com o senhor LL em 17 de Janeiro de 1981, tendo sido pago como parte do preço a importância de 1.200.000$00. (um milhão e duzentos mil escudos).

- Metade duma parcela para construção situada em …, freguesia de ..., cuja escritura foi celebrada e paga a totalidade do preço.

BB, casado, residente em Leiria, promete vender ao Senhor AA acima identificado, as seguintes propriedades:

- Metade de um terreno para construção situado em ..., constante da promessa de venda celebrada com EE em 5 de Fevereiro de 1981, tendo já sido paga a totalidade do preço;

- Metade duma propriedade rústica situada na …, constante da promessa de venda celebrada com FF em 21 de Outubro de 1980, cujo pagamento foi efectuado na totalidade;

- Metade de uma propriedade rústica situada em ..., constante da promessa de venda celebrada com a Administração de Bens DD em 24 de Abril de 1981, tendo sido pago como parte do preço 10.000.000$00 (dez milhões de escudos);

- Metade dum pinhal situado na …, freguesia da Barosa, constante da promessa de venda celebrada com GGe irmãos, em 16 de Abril de 1981, cujo preço foi integralmente pago.

Em relação à propriedade comprada à Administração de Bens DD, pode qualquer das partes promover a venda na sua totalidade, estabelecendo-se como preço mínimo 35.000.000$00 (trinta e cinco milhões de escudos até 15 de Setembro do corrente ano devendo dar contas de imediato à outra parte.

Pode o Senhor BB vender uma terça parte específica e não indivisa, que corresponderia a uma unidade de cultura, de acordo com o mapa elaborado. No caso de ser feita a venda nas condições referidas, reverte a favor do Senhor AA um terça parte, também unidade de cultura, a título de compensação da parte vendida, ficando a terceira parte a ser comum".

Mais se acrescentou, no final, "Em tempo, comprometem-se as partes a que as escrituras sejam feitas a favor de cada um, no caso de optarem por alguma delas ou parte, ou a favor dos compradores, no caso de venda". (Alínea e) dos autos apensos e alínea g) dos autos principais).

           

            8) O preço ajustado entre o autor e BB pela "Metade duma propriedade rústica situada em ..., constante da promessa de venda celebrada com a Administração de Bens DD em 24 de Abril de 1981" foi de Esc. 12.190.000$00 (doze milhões cento e noventa mil escudos), quantia que o autor pagou a BB, conforme declaração cuja cópia faz fls. 165, pela qual BB declarou, em 26 de Setembro de 1981, que "o senhor AA, casado, residente em Leiria na Av. …, pagou a importância de DOZE MILHÕES CENTO E NOVENTA MIL ESCUDOS, respeitantes ao preço de metade da propriedade designada por Quinta da ..., sita em ..., concelho de Leiria, cuja escritura vai ser preparada a partir desta data. Refere-se que a metade a que esta declaração se refere é a que se situa do lado dos ..., mantendo-se a frente a que consta de um mapa elaborado".(Alínea h) dos autos principais).

           

            9) Tal propriedade rústica situada em ..., constante da promessa de venda celebrada com a Administração de Bens DD em 24 de Abril de 1981, havia sido prometida vender a BB pela Administração de Bens DD pelo preço de Esc. 24.380.000$00 na sua totalidade, quantia essa que resultou do produto de 60.950 m2  de terreno por Esc. 400$00 por m2 – tudo conforme documentos cujas cópias fazem fls.18 e 19, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – estando tal prédio situado na Estrada dos ..., conhecido por Quinta da ..., e encontrava-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de ... sob o art. 1211.º e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º …, a fls. 148 do Livro ....(Alínea i) dos autos principais).

           

            10) Tal prédio sofreu um pedido de discriminação, que decorreu na 1.ª Repartição de Finanças de Leiria sob o n.º …, processo do qual resultaram dois prédios assim descritos:

- prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Leiria sob o art. 2044.º, descrito na 2.ª Conservatória do registo Predial de Leiria sob o n.º …, da freguesia de ..., com a área de 21.000 m2 ;

- prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Leiria sob o art. 2045.º, descrito na 2.ª Conservatória do registo Predial de Leiria sob o n.º …, da freguesia de ..., com a área de 29.120 m2 (Alínea j) dos autos principais).

           

            11) O prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Leiria sob o art. 2044.º, descrito na 2.ª Conservatória do registo Predial de Leiria sob o n.º …, da freguesia de ..., com a área de 21.000 m2 , foi entretanto alienado a HH, por escritura pública outorgada em 3 de Dezembro de 1982 – cuja certidão faz fls.146 a 150, e que aqui se dá por integralmente reproduzida –, tendo sido HH representado, por procuração, na outorga dessa escritura pública por BB.(Alínea k) dos autos principais).

           

            12) O prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Leiria sob o art. 2045.º, descrito na 2.ª Conservatória do registo Predial de Leiria sob o n.º .., da freguesia de ..., com a área de 29.120 m2, foi vendido pela Administração DD, por escritura pública outorgada em 3 de Dezembro de 1982 – cuja certidão faz fls.151 a 155, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.(Alínea l) dos autos principais).

           

            13) BB comprou o prédio referido na alínea anterior no âmbito da sua actividade empresarial, com vista à sua revenda.(Alínea m) dos autos principais).

           

            14) A aquisição do prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Leiria sob o art. 2045.º, descrito na 2.ª Conservatória do registo Predial de Leiria sob o n.º ..., da freguesia de ..., está inscrita naquela Conservatória a favor de BB, casado com CC pela inscrição …, Ap. 10 de 1983/08/01.(Alínea n) dos autos principais).

           

            15) O prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Leiria sob o art. 2045.º, descrito na 2.ª Conservatória do registo Predial de Leiria sob o n.º ..., da freguesia de ..., situa-se do lado poente do anterior prédio inscrito na matriz sob o artigo 1211.º(Alínea r) dos autos principais).

           

            16)  O preço ajustado entre o Autor e BB pela  "Metade de um terreno para construção situado em ..., constante da promessa de venda celebrada com EE em 5 de Fevereiro de 1981" foi de Esc. 400.000$00 (quatrocentos mil escudos).(Alínea f) dos autos apensos).

           

            17) O preço ajustado entre o Autor e BB pela  "Metade duma propriedade rústica situada na Freguesia de Pousos, constante da promessa de venda celebrada com FF em 21 de Outubro de 1980" foi de Esc. 775.000$00 (setecentos e setenta e cinco mil escudos).(Alínea g) dos autos apensos).

           

            18) O preço ajustado entre o Autor e BB pela  "Metade dum pinhal situado na …, freguesia da Barosa, constante da promessa de venda celebrada com GGe irmãos, em 16 de Abril de 1981" foi de Esc. 1.100.000$00 (um milhão e cem mil escudos).(Alínea h) dos autos apensos).

           

19) Os preços referidos nas als. f) a h) dos Factos Assentes foram antecipadamente pagos pelo Autor a BB.(Alínea i) dos autos apensos).

           

            20) Em virtude de alterações matriciais, a "Metade de um terreno para construção situado em ..., constante da promessa de venda celebrada com EE em 5 de Fevereiro de 1981" deu origem ao seguinte prédio: "Terreno destinado a construção urbana, desanexado do n.º …, a fls. 131 v.º, do …, sito em …, Lote 4, com a área de 864 m2, descrito sob o n.º …/...".

            Este prédio encontra-se actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1099.º, e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º ..., estando a sua aquisição registada a favor de BB, casado com CC, por compra a EE e mulher MM.(Alínea j) dos autos apensos).

           

            21) O prédio referido na alínea anterior foi adquirido por BB a EE e mulher, na sua totalidade, pelo preço de Esc. 800.000$00 (oitocentos mil escudos), e correspondente a um lote de terreno com a área de 864 m2, designado pelo lote n.º 4, destacado do prédio inscrito na matriz sob o artigo 893.º.(Alínea k) dos autos apensos).

           

            22) Em virtude de alterações matriciais, a "Metade duma propriedade rústica situada na Freguesia de Pousos, constante da promessa de venda celebrada com FF em 21 de Outubro de 1980" deu origem ao seguinte prédio: "Terra de cultura com árvores de fruto, eucaliptos e carvalhos no aglomerado urbano, sito na Ordem, Pousos, com a área de 12.360 m2, descrito sob o n.º .../Pousos".(Alínea l) dos autos apensos).

           

            23) No dia 25 de Maio de 1992, na Secretaria Notarial de Leiria, foi celebrada escritura pública de compra e venda, em que foi primeiro outorgante BB, em representação de II de BB & …, Lda, e segundo outorgante NN, em representação de OO, casado com PP. Pelo primeiro outorgante foi declarado que pelo preço de dez mil contos, que já recebeu, vende ao representado do segundo outorgante o seguinte prédio, de que a sua representada é dona e possuidora: terreno de cultura com a área de doze mil trezentos e sessenta metros quadrados, a confrontar do norte com estrada, do sul com QQ, poente com RR e do nascente com SS e outros, sito em Ordem, freguesia de Pousos, concelho de Leiria, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 3707, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º ... da freguesia de Pousos. Pelo segundo outorgante foi dito que aceita para o seu representado a presente venda nos termos exarados – tudo conforme certidão de escritura pública junta a fls. 153-157, que aqui se dá por integralmente reproduzida.(Alínea m) dos autos apensos).

           

            24) O prédio referido nas duas alíneas anteriores está actualmente inscrito na matriz respectiva sob o artigo 4082.º, e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Pousos, sob o n.º ..., estando a sua aquisição registada a favor de OO, casado com PP, em comunhão de adquiridos, por compra a II de BB & Filhos, Lda.(Alínea n) dos autos apensos).

           

            25) Este artigo matricial proveio dos artigos 2795.º e 2796.º urbanos, que por sua vez provieram do artigo 3707.º rústico.(Alínea o) dos autos apensos).

           

26) Tal prédio fora adquirido a FF e mulher, pelo preço de Esc. 1.550.000$00 na sua totalidade, sendo que fora celebrado entre FF e mulher TT, e BB, um contrato promessa pelo escrito cuja cópia faz fls. 22 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), e pelo qual os primeiros declararam prometer vender ao segundo, pelo preço de um milhão quinhentos e cinquenta mil escudos, o referido prédio.(Alínea p) dos autos apensos).

           

            27) Em virtude de alterações matriciais, a "Metade dum pinhal situado na Carreira de Água, freguesia da Barosa, constante da promessa de venda celebrada com GGe irmãos, em 16 de Abril de 1981" deu origem ao seguinte prédio: "Terra de pinhal e eucaliptal, sito na Carreira de Água, Barosa, com a área de 7.140 m2, descrito sob o n.º …/Barosa".

            Tal prédio encontra-se actualmente inscrito na matriz respectiva sob o artigo 621, e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n.º ….(Alínea r) dos autos apensos).

           

            28) O prédio referido na alínea anterior foi adquirido por BB a GG e irmãos, na sua totalidade, pelo preço de Esc. 2.200.000$00 (dois milhões e duzentos mil escudos).(Alínea s) dos autos apensos).

           

            29) O autor enviou a BB a carta cuja cópia faz fls. 39-40 – e que aqui se dá por integralmente reproduzida – datada de 1 de Fevereiro de 1982.(Alínea o) dos autos principais).

           

            30) O Autor enviou a BB a carta cuja cópia faz fls. 36 – e que aqui se dá por integralmente reproduzida – datada de 17 de Março de 1982.(Alínea t) dos autos apensos).

           

            31) O Autor requereu a notificação judicial avulsa de BB e CC nos termos que constam do documento cuja cópia faz fls. 37-41, que aqui se dá por reproduzido – de onde consta nomeadamente que o Autor requereu a notificação dos mesmos: de que o Autor pretendia que os Requeridos cumprissem o contrato promessa outorgado em 11 de Julho de 1981; de que o Autor pretendia saber se os Requeridos queriam cumprir o mesmo contrato; de que a escritura se encontrava marcada para o dia 22 de Janeiro de 1993, pelas 16 horas, no 2.º Cartório Notarial de Leiria; para os Requeridos fornecerem ao Autor, até ao dia 14 de Janeiro de 1998, os elementos ali discriminados; e que os Requeridos ficassem cientes que a falta de cumprimento do pedido de fornecimento de tais elementos tornaria o incumprimento definitivo, sendo os Requeridos pela notificação responsáveis por este incumprimento  –, tendo BB e CC sido notificados no dia 11 de Dezembro de 1992, conforme consta das certidões cuja cópia faz fls. 40 e 41.(Alíneas p) dos autos principais e u) dos autos apensos).

           

            32) BB e CC não forneceram ao autor os elementos pedidos nessa notificação, nem compareceram no 2.º Cartório Notarial de Leiria para efectuar a escritura pública, nem vieram posteriormente justificar junto do autor o motivo da sua falta nem o fizeram por termo perante o Notário.(Alíneas q) dos autos principais e v) dos autos apensos).

           

            33) Na época e situação descritas na al. a) dos Factos Assentes, o Autor entrou em conversações com BB com vista à eventual celebração de negócios sobre imóveis (Resposta ao facto 1º da base instrutória dos autos apensos).

           

            34) Os negócios que BB celebrava com os seus clientes eram formalizados em contratos que apenas eram outorgados por si, em virtude de os mesmos serem efectuados no âmbito da sua actividade empresarial e também em virtude de CC ser funcionária pública (Resp. ao facto 2º da b.i. dos autos apensos).

           

            35) Era sobretudo desta actividade que o casal constituído por BB e CC adquiria os seus rendimentos, meios de subsistência e recursos económicos para fazer face às despesas da casa, e para os seus investimentos (Resp. ao facto 3º da b.i dos autos apensos).

           

            36) Na sua actividade de compra e venda de propriedades, BB aliciou o Autor a investir as suas poupanças em prédios sitos na área de Leiria, adquiridos através da Agência de Informações Leiriense (Resp. aos factos 1º da b.i. dos autos principais e 4º dos autos apensos).

           

            37) O processo de discriminação referido em 10) ocorreu sem autorização do autor (Resp. ao facto 4º da b.i. dos autos principais).

           

            38) O autor não recebeu qualquer parte do preço da venda efectuada a HH (Resp. ao facto 5º da b.i. dos autos principais).

           

            39) Na declaração de quitação de fls. 17, emitida por BB, este fez constar ter recebido a importância de doze milhões cento e noventa mil escudos do autor respeitante a metade da Quinta da ..., sita em ..., concelho de Leiria, tendo ainda feito constar que a metade a que se refere a declaração é a que se situa do lado dos “...” (Resp. ao facto 6º da b.i. dos autos principais).

           

            40) A alteração matricial dos prédios foi feita sem a colaboração do autor. (Resp. ao facto 9º da b.i. dos autos apensos)

           

            41) Ao Autor não foram entregues os prédios referidos no contrato promessa celebrado com BB (Resp. ao facto 10º da b.i. dos autos apensos).

           

            42) A alteração matricial dos prédios foi feita sem a colaboração do Autor (Resp. ao facto 9º da b.i. dos autos apensos).

         

             43) Ao Autor não foram entregues os prédios referidos no contrato promessa celebrado com BB (Resp. ao facto 10º da b.i. dos autos apensos).

           

Note-se que as duas últimas conclusões (40 e 41) estão em duplicado, numeradas como 42 e 43.

        

I Recurso do Autor

        

         No presente recurso estão em causa, essencialmente,  3 questões que cumpre equacionar e decidir.

         São elas:

a) da pretendida adjudicação do Prédio dos ... que alegadamente resultou da desanexação da metade do mesmo ( pretensão formulada no Pº 850/2001 que segundo o Recorrente, « falta atingir» (fls. 7 das suas doutas alegações do presente recurso).

b)  da condenação dos Réus na correcção monetária.

c)  da alegada litigância de má fé

Desde logo, quanto à 1ª questão, falece razão ao Autor, como se passa a demonstrar.

Comecemos por recordar as razões pelas quais a sentença da 1ª Instância julgou improcedente o pedido de adjudicação do referido prédio que designou mediante a letra A.

Antes, porém, vejamos a que corresponde a letra A.

Segundo a mesma sentença, temos que:

            «Prédio A- Objecto dos autos principais: Designado no contrato promessa por “propriedade rústica situada em ..., constante da promessa de venda celebrada com a Administração DD em 24 de Abril de 1981.

A este prédio correspondia o artigo matricial rústico da freguesia de ... 1211, tendo sido objecto de discriminação, em resultado da qual lhe passaram a corresponder dois novos artigos rústicos (2044 e 2045), tendo o correspondente ao artigo 2044 sido vendido directamente pela Administração DD a HH e o respeitante ao artigo 2045 sido vendido ao falecido BB».

            Relativamente a este prédio, o Tribunal da 1ª Instância recusou a adjudicação ao Autor em sede de execução específica, com a seguinte fundamentação:

«Mas o certo é que também relativamente ao prédio A se podem colocar obstáculos intransponíveis quanto à possibilidade de execução específica.

De facto o prédio foi dividido, não sendo fisicamente possível configurar uma metade indivisa (que é o objecto do contrato promessa), sendo certo que se não provou que essa divisão tenha sido efectuada pelo falecido ou a seu pedido (resposta negativa ao facto 2º da base instrutória dos autos principais).

Certo é que o autor sustenta que tinha sido acordado que, apesar de se tratar de prédio indiviso, havia já uma parte determinada que lhe era destinada (a que ficava do lado dos ...). Porém, não se provou que tal acordo tenha existido, apenas tendo ficado provado que o falecido fez constar do recibo que se tratava da parte do lado dos ... (resp. restritiva e negativa aos factos 6º e 7º), muito menos se tendo provado uma área concreta, designadamente a de 29.120m2, pois a área total era de 50.120, e a outra parte ficou apenas com a área de 21000m2, consideravelmente inferior à metade aritmética (alínea j) dos factos assentes).

Tem assim de se considerar que o que foi prometido vender foi metade indivisa do prédio a que na altura correspondia o artigo 1211, não sendo possível qualquer especificação ou determinação de parte, nos termos do artigo 1403º do Código Civil. Na verdade, na compropriedade, o comproprietário tem sobre a coisa um direito que incide sobre a totalidade dela, e não sobre qualquer parte específica, pelo que, ainda que tivesse sido acordada qualquer parte especificada, esse acordo seria nulo por ter sido efectuado contra lei imperativa.

Na verdade, a discriminação que teve lugar não impediria que se verificasse compropriedade relativamente a cada uma das partes resultantes da divisão, o que seria equivalente à compropriedade do prédio antes da divisão. Todavia, como resulta dos factos provados, uma das partes resultantes da divisão foi vendida a terceiro, ocorrendo uma situação semelhante à que se verifica com o prédio B, sendo assim inviável a execução específica do contrato, tanto mais que à promessa não foi atribuída eficácia real, não havendo qualquer registo da mesma».

         A Relação não pôs em crise este entendimento da 1ª Instância, aditando ainda o seguinte:

«...não é possível concluir, a partir daí, que o contrato-promessa diz respeito a qualquer metade concreta, fisicamente delimitada.

Na verdade, o autor não alegou que o contrato-promessa tinha por objecto uma parte determinada do prédio. Pode, aliás, ler-se no contrato-promessa o seguinte: “ Pode o Senhor BB vender uma terça parte específica e não indivisa, que corresponderia a uma unidade de cultura, de acordo com o mapa elaborado. No caso de ser feita a venda nas condições referidas, reverte a favor do Senhor AA um terça parte, também unidade de cultura, a título de compensação da parte vendida, ficando a terceira parte a ser comum".

O que o autor alegou foi que, fora do contrato-promessa, bem entendido, o acordado entre si e o falecido BB era dividir o prédio e que lhe ficava a caber a parte do lado dos ..., lado poente” (art. 35 da petição).

Não está, assim, demonstrado que o contrato-promessa dissesse respeito a uma metade fisicamente delimitada.

Mas poderá considerar-se a existência de qualquer convenção adicional que contemple essa possibilidade?

Cremos que não.

É que o autor não logrou provar a existência do acordo referido no art. 35 da petição.

Assim, o quesito 6º em que se perguntava se “ o prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Leiria, sob o art. 2045, …, com a área de 29.120 m2 era a parte que tinha sido destinada ao autor, por acordo estabelecido entre este e BB, visto que ambos tinham acordado em dividir o prédio, ficando a caber ao autor a parte do lado dos ... – lado poente do prédio”, mereceu apenas a resposta restritiva, vertida no ponto 39.

Como assim, tendo ficado não provada a existência de qualquer acordo, não se pode atribuir à menção do documento de declaração de quitação de que “ a metade a que se refere a declaração é a que se situa do lado dos “...” (39) qualquer relevo, designadamente, o de confissão da existência do acordo. É que não é possível dar como provado um facto quesitado que, após produção de prova directa com funcionamento dos princípios do contraditório e da imediação, foi dado como não provado, pois isso implicaria uma alteração da decisão de facto fora das hipóteses previstas no art. 712 do CPC.

Não vale, pois, a pena invocar meios de prova como a inspecção judicial ou qualquer levantamento topográfico, para dar como provado um facto que foi dado como não provado (sem que essa decisão tenha sido adequadamente impugnada).

Subsidiariamente, invoca o recorrente a possibilidade de se adjudicar o prédio do art. 2045 em regime de compropriedade, entre recorrente e recorrida, com a subsequente compensação na parte em que o recorrente ficaria efectivamente prejudicado.

Mas tal não se nos afigura possível, por envolver não só a alteração da causa de pedir, não consentida pelo art. 273 do CPC, como condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo art. 661 do mesmo diploma».

Como se vê, as Instâncias rejeitaram a procedência da execução específica, com base na impossibilidade física e jurídica, isto é, topográfica e de identificação do terreno cuja adjudicação vinha pedida, alicerçados fundamentalmente na escassez de factualidade provada para o efeito.

Alega o Recorrente, em matéria que se acha condensada nas conclusões d) a j) da sua minuta recursória, que outra deveria ter sido a decisão da Relação, afirmando na conclusão e) que os elementos factuais comportam tal decisão, «levando em consideração, quer os elementos de prova ali existentes, quer o comportamento dos Réus ora recorridos, e ainda o tempo passado sobre os factos e a "feroz" oposição destes ao legal cumprimento do contrato-promessa, pelo que se deviam aplicar os artigos 344° e 357° ambos do Código Civil»

Desta sorte,  conclui que « o Superior Tribunal da Relação não procedeu a um exame crítico das provas que lhe competia analisar, nos termos apontados, não aplicando quer a lei adjectiva quer a lei substantiva aplicável, artigos 646°, 659° do Código Proc. Civil e artºs 344°, 357°, 551°, 562°, 564°, 798° e 799° todos do Código Civil».

           

Não pode o Recorrente desconhecer, na medida em que está devidamente patrocinado, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o julgamento da matéria de facto operado pelas Instâncias, designadamente se estas deveriam ou não servir-se de determinados factos resultantes dos meios de prova constantes dos autos ou se «os elementos factuais comportam a decisão» (pretendida pela parte) «levando em consideração, quer os elementos de prova ali existentes, quer o comportamento dos Réus ora recorridos, e ainda o tempo passado sobre os factos e a "feroz" oposição destes ao legal cumprimento do contrato-promessa».

Com efeito, se erro existe no apuramento e apreciação da matéria factual provada, designadamente no exame crítico das provas,  tal erro não pode ser, ex vi legis, sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça, como os Recorrentes não ignoram, pois é claro o artº 722º/2 do CPC ao estatuir que:

«O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa  não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» ( negrito nosso).

Ora no caso sub judicio não se vislumbra qualquer das  situações excepcionais previstas na parte final do preceito legal transcrito, como se deixou lautamente demonstrado.

Desta forma, o Tribunal da Relação é a entidade jurisdicional soberana na apreciação e decisão sobre a matéria de facto, como Tribunal de 2ª Instância que é, cabendo ao STJ aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais provados pelo Tribunal recorrido (artº 729º, nº1 do CPC).

Para alem disso, e como detalhadamente veremos mais adiante quando tratarmos do recurso interposto pela Ré, a execução específica do contrato-promessa de compra e venda não é possível se o cônjuge do promitente vendedor não se tiver obrigado conjuntamente com ele, ainda que este venha a falecer, pois tal execução seria uma violência contra a vontade e contra o livre exercício do direito de propriedade do cônjuge supérstite, violência inadmissível na ordem jurídica que nos rege.

Improcedem, consequentemente, as conclusões a) a j) da douta alegação do Recorrente.

Relativamente à 2ª questão (condenação dos Réus na correcção monetária), nada de novo traz o Recorrente que não tenha já alegado na acção e na apelação e que foi apreciado e decidido devidamente pelas Instâncias.

A 1ª Instância havia decidido que «como já foi referido, não houve tradição da coisa, condição indispensável para que pudessem proceder os pedidos do autor no sentido de lhe ser pago o valor correspondente ao valor venal.

E, nos termos do nº 4 do citado artigo 442º então vigente, salvo estipulação em contrário, não há lugar a qualquer outra indemnização que não sejam as previstas no nº 2.

E pelo pagamento dos sinais em dobro é a ré herança responsável, nos termos do já citado artigo 412º, sendo certo que a sua cabeça de casal o já seria, nos termos do já citado artigo 1691º do CC, conforme já foi referido.

Já se referiu que as quantias entregues, apesar de constituírem a totalidade do preço, têm o carácter de sinal, por não ter sido ilidida a correspondente presunção do artigo 441º do CC, pelo que a quantia a pagar pela ré será a correspondente ao dobro das quantias entregues.

As quantias entregues totalizam € 72.151,11 (60.803,46 (prédio A)+3.865,68 (prédio B)+1.995,19 (prédio C)+ 5.486,78 (prédio D)), pelo que a quantia a entregar pela ré é a de € 114.302,22.

Tratando-se de obrigação pecuniária, a ré está em mora quanto ao seu pagamento a partir da interpelação judicial (no caso, desde a citação), pelo que são devidos os juros legais a contar da citação

Note-se que, certamente por lapso manifesto, foi dito que a quantia a pagar pela Ré é de € 114.302, 22,  quando o dobro da quantia que totaliza € 72.151,11 é de € 144.302, 22 ( cento e quarenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos) o que se corrige nos termos do disposto no artº 666º do CPC.

Sobre esta quantia incidem juros de mora à taxa legal, devidos desde a data da citação como ficou dito.

O Tribunal da Relação, depois de confirmar o entendimento da 1ª Instância, acrescentou uma passagem de Calvão da Silva, que aqui se dá por reproduzida, concluindo do modo seguinte:
«Esta – a de que o pagamento do sinal em dobro é uma obrigação pecuniária de quantidade, insusceptível de correcção monetária – é também a orientação dominante na jurisprudência (cfr. Ac. STJ de 18.1.1996, Silva Paixão, Ac. STJ de 6.5.2004, Ferreira de Almeida e o Ac. STJ de 12.10.2004, Azevedo Ramos, todos in www.dgsi.pt e os demais arestos citados nestes acórdãos; a jurisprudência citada na obra de Calvão de Silva e, também, a apontada por Gravato de Morais, Contrato-Promessa em Geral …, edição 2009, a pág. 224).

Nada mais temos a acrescentar, pois se sufraga inteiramente tal entendimento.

Claudica,  assim, a conclusão d) da minuta recursória.

         Finalmente no que concerne à condenação como litigantes de má fé dos Réus, apenas há a dizer que não se vislumbram sinais de má fé da Recorrente Herança, ou dos seus representantes, tratando-se apenas de questões jurídicas levantadas em prol da defesa das suas posições em que não se descortinam indícios de dolo ou de negligência grave que são pressupostos actuais da litigância de má fé (nº 2 do artº 456º do CPC).

         Destarte, claudicando também a última conclusão da alegação do autor, improcede totalmente o recurso interposto.

II Recurso da Ré Herança

I) Da alegada violação da lei do processo

Nas suas alegações do presente recurso, a Recorrente Herança representada pelos herdeiros CC e Outros, distingue questões relativas à violação da lei do processo e questões atinentes à violação da lei substantiva.

Relativamente às primeiras, são essencialmente 3 (três) as questões que a este Supremo Tribunal cabe equacionar e decidir:

a)  Dos feitos impeditivos da deserção da instância para a renovação da acção

b) Da violação de caso julgado

c) Do excesso de pronúncia do Acórdão recorrido (nulidade do acórdão recorrido)

Começa a Ré por afirmar que «a deserção da instância após contestação equivale à desistência do pedido» – conclusão das suas alegações.

Com o devido respeito, não tem razão!

Como escreve Abílio Neto, «os efeitos que a deserção produz só se reflectem directamente na relação jurídica processual, sem produzir qualquer efeito do correspondente direito material».[1]

Bem ao contrário, a desistência do pedido tem um efeito relevantíssimo que é o da extinção do direito que se pretendia fazer valer, como expressamente dispõe o artº 295º/1 do CPC.

Este entendimento é generalizadamente aceite, quer no plano doutrinal, quer no jurisprudencial, pois assenta na distinção do conceito de instância (como unidade processual) e de pedido.

A deserção da instância, como uma das formas da extinção da instância (artº 287º, alínea c) do CPC) apenas faz cessar o processo, rectius, a unidade processual (instância) em que tal direito se pretendia fazer valer.

Nas palavras do emérito processualista que foi o Prof. Alberto dos Reis, «o efeito da deserção é a extinção da instância. O que se extingue é somente a instância que se instaurara; o direito de acção fica intacto, a não ser que, em consequência do efeito da interrupção (voltar a correr o prazo para a proposição da acção ou o prazo de prescrição), algum destes prazos esteja findo».[2]

São despiciendas mais palavras e argumentos para a demonstração de tamanha evidência.

Desta sorte, extinguindo-se a instância pela deserção  [artº 287º, alínea c) do CPC] é patente que tal nunca pode ter efeitos semelhantes à desistência do pedido depois da contestação, cujos efeitos constam expressamente do nº 1 do artº 295º do CPC do CPC.

Claudica, desta sorte, a conclusão das alegações desta Recorrente.

Também no que concerne às conclusões 2ª e 3ª não é mais feliz a Recorrente!

Com efeito, a Recorrente afirma nas conclusões 2ª e 3ª:

 2-Tendo a Relação de Coimbra aceite a "coincidência substancial entre" uma das acções agora em causa e uma outra que a antecedera e terminou com deserção da instância, ao decidir de mérito parte da presente acção [a matéria relativa aos prédios C) e D)] violou caso julgado.

3-É que a repetição de acções, gerando litispendência ou caso julgado, sendo questões do exclusivo foro processual afectam exclusiva mas efectivamente "o processo seguinte" do mesmo autor impedindo-o de obter decisão que não pela primeira das vias seguidas.

           

Para que se verifiquem as excepções de  litispendência ou de violação de caso julgado, não basta que haja repetição de acções similares ou que haja « coincidência substancial» entre as acções (apensadas ou não), como erradamente supõe a ora Recorrente.

A lei é claríssima ao definir o conceito técnico-jurídico de «repetição de uma causa», estatuindo que «repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir» – artº 498º, nº 1 do CPC e, logo nos nºs seguintes do citado inciso legal, é gizada a definitio legis de cada uma destas espécies de identidade.

Tal triologia de requisitos da litispendência e do caso julgado é cumulativa e não meramente alternativa.

Ora no caso sub-judicio, como ressalta à evidência compulsando os autos, a 1ª Instância pronunciou-se no saneador pela improcedência das excepções levantadas (ineptidão da petição inicial e litispendência), com fundamento na falta de identidade de pedidos nas acções 850/2001(em que foi proferido o referido despacho saneador) e 446/99, cuja instância foi declarada deserta por decisão transitada em julgado.

Esta decisão foi confirmada pela Relação no acórdão recorrido, com a seguinte argumentação:

        

         Litispendência:

            «Conclui o Sr. Juiz que os pedidos são diferentes, na acção ordinária n. ° 446/99, supra identificada e nesta. Ali pede-se a adjudicação de uma quota alíquota de determinado prédio em situação de compropriedade, aqui a adjudicação de um prédio em termos de propriedade plena. E pondera: ser-se comproprietário de 1/2 de um prédio não é o mesmo que ser-se proprietário exclusivo de um prédio que corresponde, quantitativamente, a metade do prédio-mãe anteriormente em regime de compropriedade.

Equacionou ainda o Sr. Juiz a possibilidade de suspensão da instância, mas logo a arredou por considerar que a causa dos autos estava adiantada e que os prejuízos da suspensão superavam as vantagens, visto que, inclusivamente, não era crível que a acção nº 446/99 tivesse seguimento.

Entendem os recorrentes que o despacho é nulo, na medida em que o Sr. Juiz ao considerar que não é crível que a acção 446/99 tenha seguimento, conheceu da viabilidade de uma acção para a qual não tem jurisdição.

Porém, não existe qualquer nulidade (que seria sempre parcial)

Ao ponderar que a causa dos autos estava adiantada, o Sr. Juiz não estava impedido de fazer um juízo de viabilidade da acção 446/99. Só assim, podia medir, em toda sua extensão, os prejuízos de uma suspensão da instância da causa supostamente dependente. O adiantamento da presente acção tem de ser visto não apenas em abstracto mas também por referência ao estado da causa prejudicial, que se encontrava parada.

Em relação à litispendência, é evidente que os pedidos não são idênticos. E se não são idênticos, não pode haver litispendência (art. 498 do CC)

Argumentam os réus/recorrentes que a decisão que for proferida na acção ordinária contende com a que for proferida nesta acção.

É evidente que, nos termos do art. 497 do CC, a excepção da litispendência tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior. Não basta, porém, que exista essa possibilidade de contradição (que, aliás, o art. 675 do CPC resolve). É necessário que se verifiquem os requisitos da litispendência (art. 498). E a verdade é que estes não se verificam, na medida em que os pedidos não são idênticos (nº 3).

Improcede, assim, o recurso de agravo do despacho saneador».

Efectivamente, a falta de qualquer dos requisitos da tríade atrás indicada que, como se disse, são cumulativos, importa inexoravelmente a inexistência das excepções de litispendência ou de caso julgado.

No caso em apreço, faltou o requisito de identidade de pedido, não se verificando nem litispendência, nem violação de caso julgado,  pelo que claudicam inexoravelmente as conclusões referidas, sem necessidade de maior apoio argumentativo do que o doutamente exposto pelas Instâncias e que se dá por inteiramente reproduzido.

        

         Dito isto, é tempo de dizer  que o que se verificou, in casu, foi a apensação de duas acções ordinárias que pendiam termos no mesmo Tribunal, o 4º Juízo Cível da Comarca de Leiria, cujos processos tinham, enquanto não apensados, os seguintes números:

Pº 850/2001 (que conserva o mesmo número, sendo, após a referida apensação, o processo principal);

–  Pº   1981/2001 (que, por força da apensação decretada, passou a ser  Pº 850-A ( isto é, o apenso A do processo 850/2001).

Tal apensação foi ordenada, com base no artº 275º, nºs 1, 2 e 4 do CPC, pelo despacho judicial de 14-03-2005, exarado a  fls. 523/4 do 2º volume do Pº 850/2001, que efectivamente transitou em julgado, pois a ora Recorrente havia interposto recurso do mesmo, desistindo mais tarde de tal impugnação.

Nessa decisão, referiu o Mº Juiz que a proferiu que os processos «não perdem autonomia, sendo apenas o seu julgamento conjunto».

É com fundamento nesta asserção, que se lê no referido despacho de fls. 523, que a ora Recorrente se insurge, chegando a afirmar que «para ser apreciada a matéria de ambas as acções teria necessariamente que ser apresentado um requerimento de interposição de recurso em cada uma das acções e teriam que ser apresentadas alegações em cada uma das acções».

Assim, erigindo a referida afirmação em premissa maior e tendo como premissa menor o facto de o Autor não ter apresentado na acção 850-A/2001 o requerimento de interposição de recurso (só o fez na Acção 850/2001, embora tenha apresentado as alegações de recurso, dirigindo-as tanto ao processo nº 850/2001, como ao processo nº 850-A/2001, como a própria Ré, aqui Recorrente, reconhece nas suas alegações do presente recurso), extrai a conclusão de que «nem há, nem podia haver , despacho de admissão de recurso no processo 850-A/2001» e, mais adiante, no corpo das mesmas alegações de Revista, acrescenta que o Tribunal da Relação não poderia ter dado aos prédios C) e D) a solução que deu na parte decisória, alínea h) do Acórdão, «uma vez que se trata de matéria que só consta na acção apensada», pronúncia  tácita que – segundo alega – «vem na esteira do também decidido a fls. 38º vº e 39º do mesmo Acórdão, onde, embora decidindo sobre problema diferente, a Relação acolheu uma tese sobre a apensação de processos que reconduzia à unificação de processos».

Acrescenta ainda a ora Recorrente, quanto a este concreto aspecto:

« O que é facto é que decisão da 1ª Instância rejeitou expressamente a unificação ( “não perdem autonomia....sendo apenas o seu julgamento conjunto”) e está transitada em julgado, com o que se formou caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo ( artº 672º do CPC)».

Na esteira de tal entendimento, procura a Ré/ Recorrente sustentar que o invocado caso julgado «torna a questão em causa insusceptível de modificação ou sequer de apreciação em sede de recurso pelo Tribunal da Relação a título “oficioso” impedindo que a tese que a Relação sufraga possa prevalecer nos autos, alterando procedimentos e tramitação e, já agora, conduzir à situação em que se decidem questões num processo...sem que a parte  nesse processo tenha interposto recurso».

A matéria desta parte da douta alegação da Recorrente acha-se condensada nas conclusões  6ª a 14ª da minuta recursória, atrás transcritas.

Ora bem!

Antes do mais, cumpre dizer que transparece alguma confusão sobre o sentido e o alcance da figura de apensação de processos, por banda da Recorrente, com todo o respeito que lhe é devido.

Tal equívoco afigura-se patente, além do mais, na afirmação da Recorrente de que  «para ser apreciada a matéria de ambas as acções teria necessariamente que ser apresentado um requerimento de interposição de recurso em cada uma das acções e teriam que ser apresentadas alegações em cada uma das acções».

Vejamos, com alguma detença, em que consiste a autonomia a que se refere o despacho transitado em julgado, de acordo com o entendimento generalizado da doutrina e da jurisprudência.

Antes do mais, recordemo-nos da lição de Alberto dos Reis que escreveu que «a apensação tem como consequência que as várias causas passam a ser instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente; daí a economia. Mas a vantagem mais apreciável é a garantia do julgamento uniforme.

Ora esta vantagem pressupõe que há em todas elas questões idênticas a resolver, pretendendo-se evitar que sejam decididas de modo diverso e porventura contraditório. A identidade de questões a decidir implica a ideia de conexão.

Quer dizer, a junção só se justifica verdadeiramente quando as causas são conexas»[3] .

Neste mesmo sentido, pode ver-se a sentença proferida pelo então Juiz de Direito do Círculo de Aveiro e, hoje, Ilustre Juiz Conselheiro Jubilado, Dr.  J. M. Matos Fernandes que, na sua douta sentença de 7 de Dezembro de 1981, assim se pronunciou:

«As acções apensadas, nos termos do artº 275º do Código de Processo Civil, unificam-se do ponto de vista processual, mas conservam  a sua independência quanto às questões adjectivas próprias».[4]

Portanto, os processos apensados conservam a sua autonomia apenas naquilo que lhes é peculiar, isto é, que não pode ou não convém requerer ou decidir no processo principal, para evitar prejuízo na tramitação processual dos restantes e sempre segundo os critérios de conveniência e/ou de oportunidade a decidir pelo Juiz do processo.

É que, ainda segundo o ensinamento de Alberto dos Reis, a junção dos processos com base nos critérios de conexão subjectiva ou objectiva (identidade de partes ou de pedidos, que não se confunde com litispendência como vimos) tem algumas vantagens de monta, não constituindo mero capricho do julgador.

O citado Mestre assim escrevia:

«O fundamento da junção é a conexão: Juntam-se as causas que são conexas; e juntam-se, como dissemos, para se conseguirem estes dois benefícios:

a) Economia de actividade

b) Coerência, ou melhor, uniformidade de julgamento.»[5].

Claro que actualmente se poderá aditar a vantagem de alguma celeridade processual adveniente da economia de actividade.

Desta forma e com este alcance, os processos apensados conservam a sua individualidade, que permite, v.g. a confissão, transacção ou desistência relativamente a qualquer deles ou a sua desapensação, se e quando for oportuna, além da prática de qualquer acto processual que for específico do apenso, de forma a não perturbar a marcha processual do conjunto para a decisão final.

Para além disso, mantêm-se e continuam a produzir efeitos os actos praticados em cada um dos processos apensados, sendo que após o termo de apensação não se verifica qualquer necessidade de continuar a praticar actos nos apensos que não sejam específicos dos mesmos, o que só contribuiria para dificultar o manuseio do processo com os consequentes lapsos e omissões com as consequências resultantes.

Nisto se traduz a sua autonomia em relação aos demais processos e só pode ser este o alcance desse termo no douto despacho do Exmº Juiz da 1ª Instância que determinou a apensação dos processos.

Claro que esta autonomia não pode ser interpretada ao ponto de equiparar a individualidade de cada um dos processos apensados à dos processos em que não ocorreu tal situação, pela simples razão de que, se assim fosse, a apensação processual – legalmente prevista – redundaria num acto puramente inútil e por isso proibido por lei – artº 137º do CPC.

A apensação de acções não é uma mera junção material de processos, mas um acto jurídico e jurisdicional, isto é, produtor de efeitos jurídicos e proferido por um Tribunal, com estrutura e objectivos legalmente traçados, constituindo o conjunto resultante (processo principal e apensos) uma unidade processual[6] (por isso os apensos tomam o número do processo principal ao qual foram juntos, distinguindo-se geralmente em função das letras atribuídas que se seguem ao número).

Trata-se, como ensinava o saudoso Prof. Castro Mendes, de um processo complexo, entendendo-se por processos complexos «aqueles em que se sucedem – dentro de uma unidade processual – fases com natureza diversa, designadamente fase declarativa e executiva»[7].

         A terminar este breve excurso recordemos, uma vez mais, as lapidares palavras de Alberto dos Reis:

         «A unificação do processo  tem consequência natural que a sentença é só uma  para as várias causas que se juntaram. Todas elas hão-de ser decididas no mesmo acto jurisdicional»[8].

         Assim aconteceu, na verdade, pois o Exmº Juiz de Círculo que proferiu a sentença da 1ª Instância fê-lo no processo principal (Pº 850/2001 no 3º volume) tendo o cuidado de expressamente anotar à margem que a mesma se destinava aos Pº 850/2001 e 850-A/2001.

         Sendo assim, os recursos a interpor desta sentença deveriam ser dirigidos ao processo principal (aquele em que foi preferida a sentença pelo Exmº Senhor Juiz de Círculo), tal como as respectivas alegações, sendo inúteis requerimentos nos processos apensos para estes mesmos fins.

         O requerimento de interposição do recurso de Apelação pelo Autor mostra-se a fls. 797 (anterior 795) e o despacho de admissão do recurso a fls 800.

         Assim sendo, não poderia a Relação deixar de conhecer na íntegra dos recurso devidamente interposto e alegado, não tendo qualquer respaldo legal a asserção da Recorrente de que:

         « Só se pode decidir na Apelação a matéria da alínea h), matéria essa que só faz parte ... da acção 850-A/2001, se se rejeitar a existência de caso julgado»

         Cremos serem inúteis mais palavras para dizer que nem se verificou violação de caso julgado por banda do acórdão recorrido, pois embora a decisão da apensação tenha efectivamente passado em julgado, o alcance técnico do termo autonomia de cada um dos processos é o que se deixou exposto, tendo tal autonomia sido respeitada, e nem a Relação inquinou de nulidade o Acórdão proferido, pronunciando-se sobre questões de que não devesse conhecer.

         Em suma, não há que conferir à apensação de processos um relevo processual superior ao que tem a finalidade precípua para a qual tal junção de causas foi legalmente concebida e que é, como é sabido, a da uniformidade do julgamento.

         Como sentenciou este Supremo Tribunal no seu Acórdão 23-06-1999, de que for Relator o Exmº Juiz Conselheiro Pereira Rodrigues, «visando a apensação de processos a economia processual e a uniformidade de julgamento, tendo em vista os interesses da paz social e da justiça, deve deixar-se ao prudente arbítrio do julgador a apreciação das suas vantagens  ou inconvenientes no caso concreto»  (Pº 0027474 in www.dgsi.pt).

         Tudo visto e ponderado, claudicam irrefragavelmente as conclusões 7ª a 15ª da minuta recursória desta Recorrente, pelo que fatalmente improcede nessa parte a Revista.

                                

II) Da alegada violação da lei substantiva

Passemos agora à apreciação e decisão das questões atinentes à violação da lei substantiva (conclusões 16ª a 27ª).

A questão em crise nesta parte do recurso é a que concerne à alínea h) da parte dispositiva do Acórdão recorrido, que julgou a apelação da sentença  parcialmente procedente, revogar, em parte, a sentença e, consequentemente, declarar transferida a favor do autor a propriedade dos prédios acima designados pelas letras C) e D).

Façamos uma brevíssima resenha histórica do que decidiram as Instâncias, para melhor se aperceber do que está em causa relativamente a esta questão:

A 1ª Instância havia decidido o seguinte:

«Acontece porém que, como resulta da certidão de casamento, BB era casado com a cabeça de casal da herança ré, CC, tendo o casamento sido celebrado em 28/2/1965, antes da entrada em vigor do Código Civil actual, e sem convenção antenupcial, o que significa que o regime de bens é o de comunhão geral.

Os prédios C e D entraram por isso, com a sua aquisição pelo falecido, no património do casal e só por ambos os cônjuges podiam ser alienados, o que significa que não se tendo obrigado a esposa do falecido no contrato promessa, não pode a mesma considerar-se faltosa, tanto mais que o incumprimento ocorreu ainda em vida do marido, único que se obrigou pelo contrato.

Neste sentido, são várias as decisões de tribunais superiores que podem ser citadas, destacando-se a que se passa a transcrever, o Acórdão do STJ de 15 de Junho de 1988 (dgsi, nº convencional JSTJ 00011484):

“I- Na disciplina do contrato promessa de compra e venda, a execução específica é sempre possível, haja ou não tradição da coisa.

II- Em contrato promessa de compra e venda de imóvel, em que o promitente vendedor, sendo casado, outorgou sem o consentimento do seu cônjuge, este não pode ser compelido a acolher decisão judicial que produza o efeito de declaração negocial que não prometeu emitir, sendo o objecto da promessa bem comum do casal.

III- O promitente vendedor, que agiu desacompanhado do seu cônjuge, obriga-se a obter tal consentimento sob pena de ter de indemnizar o promitente comprador.

(…)

Contra isto poderia argumentar-se que o promitente comprador nos autos já faleceu, e que nos termos do nº 1 do artigo 412º do Código Civil a obrigação de celebração do contrato prometido se transmite aos seus herdeiros, sendo herdeira também a mulher, pelo que esta passaria a estar obrigada por força de sucessão. Mas o certo é que a falta de consentimento da mesma se reporta à data do contrato, devendo o consentimento já existir nessa altura, não sendo a falta do mesmo suprível pela sucessão, quando o certo é que a mesma ainda é viva e já demonstrou nos presentes autos não pretender cumprir a promessa.

Aliás, neste sentido pode ler-se o Acórdão do STJ de 17-6-93 (CJSTJ – tomo II- pág. 156):

“ I – A obrigação do promitente vendedor é transmissível aos seus herdeiros. II – Sendo o objecto do contrato prometido bem comum do casal, não é possível o exercício da execução específica se a mulher não se obrigou conjuntamente com o marido – promitente vendedor – e nada se alegou na acção a fundamentar a aceitação por ela do acordado no contrato promessa”

Certo é que foram alegados e provados factos de onde resulta que a actividade do falecido era de natureza comercial, e que os proventos daí resultantes revertiam em proveito comum do casal.

Mas tal só releva no âmbito da responsabilidade pelas dívidas regulada pelo artigo 1691º do CC e não já das obrigações de prestação de facto, como aliás vem decidido no Ac. do STJ de 2-1-1990 (BMJ 400º- pág. 598):

“ I - É inadmissível a execução específica de contrato promessa assinado só pelo marido comerciante, sem consentimento do outro cônjuge, dada a natureza da obrigação assumida que exige o consentimento da mulher do promitente (parte final do art. 830º do código civil – redacção inicial)

II – O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que a mulher casada que não outorgou no contrato promessa, não pode ter faltado ao seu cumprimento e, por isso, não pode ser condenada em indemnização.

III – Todavia, ressalva-se a verificação de alguns dos casos previstos no art. 1691º do Cód.Civil: no caso: IV – O autor invocou expressamente o proveito comum do casal dos réus, casados em regime que não o de separação, proveito esse que resulta da dupla presunção dos artigos 1691º, nº 1 al. d) do Cód.Civil e 15º do Código Comercial, na redacção dada pelo Dec.Lei nº 363/77 de 2 de Setembro – presunção que não foi afastada pelos réus. Donde: V – A obrigação de indemnizar decorrente do não cumprimento do contrato prometido é da responsabilidade de ambos os cônjuges”

Em face do exposto, é de concluir não ser possível a execução específica requerida pelos réus relativamente aos prédios A, C e D, improcedendo os pedidos nesta parte»

Entendimento contrário teve a Relação, que sobre tal questão se pronunciou do modo seguinte:

«Prédios designados na sentença pelas letras C) e D):

O autor pediu a execução específica do contrato-promessa relativamente às metades dos prédios designados pelo Sr. Juiz através das letras C) (que se refere à metade indivisa referida em 20) e D) (que se refere à metade referida em 27).

Porém, o Sr. Juiz, apesar de considerar viável a execução específica, considerou-a impraticável no caso em virtude da ré mulher (com quem o falecido se tinha casado em 28.2.1965) não ter intervindo no contrato-promessa e não ter prestado o necessário consentimento exigido pelo art. 1682º-A, nº 1, al. a) do CC (ver, neste sentido, na doutrina, Almeida Costa, in Contrato-Promessa Uma Síntese.., 8ª edição, pág. 83; e, na jurisprudência, os Ac. STJ de 4.12.2007 e 13.2.2007, ambos relatados por Nuno Cameira, o Ac. STJ de 27.11.2007, Urbano Dias e o Ac. STJ de 1.7.2004, Ferreira de Almeida, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Contra esta interpretação se insurge o recorrente, com o fundamento de que, inserindo-se a celebração do contrato-promessa na actividade comercial do promitente-vendedor, a venda configura um acto de administração ordinária, não carecendo, para sua validade, do consentimento do cônjuge mulher.

E aqui afigura-se-nos que a razão está do lado do recorrente.

É que se provou que: o falecido BB se dedicava, como empresário em nome individual, à actividade de compra e venda e administração de propriedades e à mediação de seguros em todos os ramos, entre outros e, para levar a efeito estas actividades, constituiu uma empresa denominada "Agência de Informações Leiriense", de que era o único proprietário (3); que os negócios que celebrava com os seus clientes eram formalizados em contratos que apenas eram outorgados por si, em virtude de os mesmos serem efectuados no âmbito da sua actividade empresarial e também em virtude de CC ser funcionária pública (4 e 33); que foi no âmbito da sua actividade de compra e venda de propriedades, que BB celebrou com o Autor o contrato promessa de 11.7.1981 (8); e que foi âmbito dessa actividade que BB aliciou o Autor a investir as suas poupanças em prédios sitos na área de Leiria, adquiridos através da Agência de Informações Leiriense (36).

Assim, as prometidas vendas dos bens objecto do contrato-promessa devem ser entendidas como actos de mera administração praticados pelo falecido na qualidade de empresário e não actos de disposição, escapando, por isso, e pelo menos, ao espírito do disposto no art. 1682º-A, nº 1, al. a) do CC, que tem por base razões de protecção da família, que aqui não se verificam (Ac. STJ de 10.1.2002, CJ STJ 2002 -I- 32).

            Mas ainda que fosse de exigir o consentimento do cônjuge ainda assim seria de considerar admissível a execução específica dado que, com o falecimento do cônjuge promitente vendedor e extintas as relações patrimoniais entre os cônjuges em consequência da dissolução do casamento, já não haveria que aplicar a regra do artigo 1682º-A do Código Civil (Ac. STJ de 7.10.1993, Silva Cancela, disponível no site do ITIJ). Na verdade, a venda tinha deixado de depender do consentimento do cônjuge mulher. Tinha desaparecido, no plano processual, o obstáculo da necessidade do consentimento do cônjuge mulher à execução específica (v. anotação de Antunes Varela e Henrique Mesquita ao citado Ac. STJ de 7.10.1993, in RLJ ano 126º, pág. 296 e segs).

Não existe, por conseguinte, qualquer impedimento a que os herdeiros sucedam, nos termos do art. 412, nº 1 do CC, na obrigação assumida pelo de cujus de celebrar as vendas prometidas.

Não há dúvida de que, de um modo geral, todo o douto argumentário plasmado nesta parte das alegações da Ré, aqui recorrente, e condensado nas conclusões 16ª e seguintes, se mostra procedente, tendo em pauta o acervo factual apurado e definitivamente fixado pelas Instâncias.

Está provado que os referidos prédios C e D, por força da aquisição por contrato de compra e venda, por banda do, actualmente falecido, BB ( autor da herança demandada neste processo) ingressaram no património comum do casal constituído por ele e pelo seu cônjuge CC, com quem era casado em regime de comunhão geral de bens.

Na verdade, o dito BB não adquiriu tais prédios em nome de terceiros, designadamente como representante de qualquer sociedade, mas suo nomine, pelo que, por força do regime matrimonial de bens (comunhão geral) aqueles bens passaram a integrar o acervo dos bens do casal (nisso consistindo a comunhão) o que, aliás, não vem posto em crise por nenhuma das partes.

Também está adquirido, no acervo factual apurado, que o contrato-promessa celebrado pelo dito BB com o Autor, AA não teve intervenção da Mulher daquele, pelo que também este ponto não sofre contestação.

Ora, assim sendo, é apodíctico que, como doutamente havia decidido a 1ª Instância, «os prédios C e D entraram por isso, com a sua aquisição pelo falecido, no património do casal e só por ambos os cônjuges podiam ser alienados, o que significa que não se tendo obrigado a esposa do falecido no contrato promessa, não pode a mesma considerar-se faltosa, tanto mais que o incumprimento ocorreu ainda em vida do marido, único que se obrigou pelo contrato».

O artº 1682º-A do Código Civil é de cristalina transparência ao estatuir que.

«1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens:

a) a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns;» (negrito e sublinhado nossos).

Poderá assim questionar-se se, em face de tal dispositivo legal de inexcedível clareza, o contrato-promessa celebrado para a alienação de bens comuns do casal seria válido, na medida em que celebrado por apenas um dos cônjuges (in casu, o marido) sem intervenção do outro (a mulher).

A resposta, segundo a mais aplaudida doutrina, é que, na verdade, tal contrato-promessa é válido, porquanto neste contrato o promitente vendedor não emite uma declaração de alienação do bem, mas apenas limita-se a, no futuro, realizar o contrato-prometido, cabendo-lhe envidar os esforços para que na data da realização do acto negocial de compra e venda o outro cônjuge venha a prestar o seu consentimento.

 É de referência o estudo dos Professores Antunes Varela e Henrique Mesquita, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1993, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência[9], em que aqueles Ilustres Civilistas assim consideram:

« Nos casamentos cujo regime de bens seja a comunhão geral ou a comunhão de adquiridos, nenhum dos cônjuges pode alienar bens imóveis, próprios ou comuns, sem o consentimento do outro ( artº 1682º-A).

Mas nada impede que qualquer dos cônjuges assuma, em contrato-promessa, a obrigação de alienar bens desta natureza – assim como nada obsta a que, por exemplo, um comproprietário assuma, sozinho, a obrigação de alienar a coisa comum ou parte especificada dela, ou que alguém assuma a obrigação de alienar coisa alheia».

Como assim, o contrato celebrado é válido e produz os seus normais efeitos.

Já, porém, assim não acontece no tangente à possibilidade de execução específica do contrato-promessa incumprido.

Dando de novo a palavra aos inesquecíveis Mestres citados, o ensinamento proferido é o seguinte:

«Se o contrato-promessa tiver por objecto, em vez da venda de um imóvel pertencente aos bens próprios do promitente vendedor, a venda de um imóvel pertencente aos bens comuns do casal, a execução específica não poderá ser decretada mesmo depois da morte do promitente-vendedor, porque a comunhão só termina com a partilha dos bens e o tribunal não pode impor à viúva do promitente-vendedor uma alienação que, por força das regras aplicáveis às modalidades de comunhão ( artºs 1408º e 1404º), depende do seu consentimento» ( negrito nosso).

Tratando-se de um contrato-promessa de bens próprios do promitente-vendedor, o regime é diferente, mas de tal não curaremos no presente recurso por transcender o âmbito do mesmo.

Não procedem os argumentos constantes do acórdão recorrido de que se tratou de acto de administração ordinária e não de acto de disposição, pelo facto de a prometida venda se inserir na actividade comercial do promitente vendedor.

Já vimos que o contrato-promessa celebrado é válido e, como tal, ainda que a promessa de venda configurasse simples acto de administração, a venda teria que ser realizada por ambos os cônjuges por se tratar de acto de alienação de património, logo acto de disposição.

Segundo o ensinamento do saudoso Prof. Castro Mendes, «actos de disposição são aqueles com que se diminui o património ou se altera anormalmente a composição deste».[10]

Portanto, é irrelevante o argumento de que o contrato promessa se inseria na actividade comercial de BB, pois a prometida venda seria sempre um acto de disposição que careceria de outorga na escritura do cônjuge meeiro, vale dizer, da sua manifestação de vontade no sentido da alienação.

Ora nem no contrato-promessa ( em que não interveio), nem actualmente, a viúva do promitente-comprador revela tal vontade, antes pelo contrário, como se colhe da presente acção em que deduz oposição à pretensão do Autor, pelo que não pode o Tribunal substituir-se à sua vontade emitindo decisão de transferência dos prédios C) e D) para o Autor, em que a referida viúva é meeira, como fez a Relação.

Recordemos, uma vez mais, as palavras de A. Varela e H. Mesquita: « porque a comunhão só termina com a partilha dos bens e o tribunal não pode impor à viúva do promitente-vendedor uma alienação que, por força das regras aplicáveis às modalidades de comunhão ( artºs 1408º e 1404º), depende do seu consentimento».

Também a nossa Jurisprudência se pronuncia no sentido apontado pelos Ilustres Mestres de Coimbra, como se constata, inter alia, pelo Acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-6-93[11] (Relator, o Exmº Juiz Conselheiro Araújo Ribeiro), aliás, apropositadamente citado na sentença da 1ª Instância, assim sumariado:

«I – A obrigação do promitente vendedor é transmissível aos seus herdeiros.

 II – Sendo o objecto do contrato prometido bem comum do casal, não é possível o exercício da execução específica se a mulher não se obrigou conjuntamente com o marido – promitente vendedor – e nada se alegou na acção a fundamentar a aceitação por ela do acordado no contrato promessa».

           

É, pois, seguro que a execução específica do contrato-promessa de compra e venda não é possível se o cônjuge do promitente vendedor não se tiver obrigado conjuntamente com ele, ainda que este venha a falecer, pois tal execução seria uma violência contra a vontade e contra o livre exercício do direito de propriedade do cônjuge supérstite, violência inadmissível na ordem jurídica que nos rege.

         Nesta conformidade, na procedência das conclusões 16ª a 27ª, é de conceder provimento parcial ao recurso interposto, não havendo lugar à requerida revogação da alínea f) da parte decisória do Acórdão recorrido, mas revogando-se a alínea h) da referida parte decisória, que havia declarado transferida a favor do Autor a propriedade dos prédios designados pelas letras C) e D), mantendo-se a sentença da 1ª Instância, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes com os daquela.

         Ao contrário do sustentado pelo Autor nas suas contra-alegações, como supra se deixou explanado, não se vislumbram sinais de má fé da Recorrente Herança e seus representantes, pelos fundamentos indicados no presente recurso, tratando-se apenas de questões jurídicas, levantadas em prol da defesa das suas posições, em que não se descortinam indícios de dolo ou de negligência grave que são pressupostos actuais da litigância de má fé (nº 2 do artº 456º do CPC).

        

DECISÃO 

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em:

1) Julgar improcedente o recurso do Autor e consequentemente negar a Revista ao mesmo.

2)  Conceder parcialmente a Revista à Ré, revogando-se a alínea h) da parte decisória do Acórdão recorrido, em que a Relação havia declarado transferida a favor do Autor a propriedade dos prédios designados pelas letras C) e D), mantendo-se, em substituição daquela alínea, a sentença da 1ª Instância, embora com fundamentos ora referidos.

3) Manter, em tudo o mais, o Acórdão recorrido.

Custas pelo Autor, do recurso por este interposto, por força da sua integral sucumbência.

As custas do recurso da Ré Herança serão suportadas na proporção de ½ para cada uma das partes, de acordo com a sua sucumbência.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Novembro de 2011

Álvaro Rodrigues (Relator)

Fernando Bento

João Trindade

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[1] Abílio Neto, Codigo de Processo Civil anotado, 18ª edição, pg. 407.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 3ª Edição, vol. I, anotação ao artº296.
[3] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3º volume, pg. 203.
[4] In Col Jur. 1983, T 1, pag 337 e segs.
[5] A. Reis, loc. cit na nota 3.
[6]  Despacho do Relator no Pº de Reclamação – artº 668º CPC nº 653/08TBCBR.
[7] Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, 1º - 294.
[8] Op. cit na nota 5, pg. 220.
[9] Revista de Legislação e Jurisprudência, n 3385, pg 296 e segs.
[10] J. Castro Mendes, Teoria Geral, 1979,II-84.
[11] CJ (STJ) 1993,  tomo II, pág. 156